Maternidade atrás das grades: em busca da cidadania e da saúde. Um estudo sobre
a legislação brasileira
Introdução
As graves violações dos direitos das mulheres presas e de seus filhos nascidos
no cárcere têm ganhado destaque pelo considerável crescimento do número de
detentas no sistema prisional brasileiro (30% entre o ano de 2009 a 2012) 1,
bem como em razão de recomendações internacionais 2,3 sobre direitos humanos
das mulheres, das crianças e sobre direitos reprodutivos.
O acesso aos cuidados de saúde de grupos discriminados socialmente é um aspecto
central dessas recomendações, que admitem a garantia de direitos de família e
reprodutivos das mulheres como elementos estratégicos e necessários para o
efetivo cumprimento do direito à saúde. A importância da saúde reprodutiva e da
criança é reiterada no documento Objetivos de Desenvolvimento do Milênio até
2015, firmado no ano 2000 nas Nações Unidas, com o estabelecimento de metas
próprias a serem alcançadas pelos países. O Brasil tem avanços significativos,
contudo persistem iniquidades em saúde que devem ser superadas em curto prazo
4.
No tocante ao encarceramento feminino, as Regras de Bangkok, aprovadas no ano
2010 pela Assembleia Geral das Nações Unidas 5, estabelecem o consenso ético-
jurídico internacional sobre o tratamento de mulheres presas e as medidas não
privativas de liberdade. No documento são reafirmados direitos humanos
relativos à maternidade, à família, à saúde da mulher, inclusive sexual e
reprodutiva, e de seus filhos nos presídios. Estas regras representam uma
resposta à inadequação de legislação e políticas criminais às condições
femininas e à maternidade, com a reafirmação das responsabilidades dos países
na implementação urgente nesse campo de leis e políticas de proteção e promoção
dos direitos humanos.
A situação brasileira revela fragilidades das políticas criminais e sociais no
que concerne à redução das desigualdades e ao fortalecimento da cidadania
dessas mulheres e suas famílias. As sanções legais aplicadas nos processos
criminais não têm favorecido a reconstrução de projetos de vida, a reinserção
social, a redução das desigualdades 6, ou mesmo a preservação da saúde de
mulheres e crianças, como previsto na Lei Nacional de Execução Penal (LEP) 7. O
encarceramento tem representado um processo de exclusão, discriminação e
estigmatização de segmentos pobres da população, com repercussões negativas em
longo prazo e muitas vezes irreversíveis, para essas mulheres, seus
companheiros e filhos 6.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Ministério da Justiça) apontam
que em 2012 havia 31.640 mulheres presas no Brasil, que representam 6% da
população carcerária brasileira, incluindo as que se encontram nos presídios,
cadeias públicas, distritos policiais e delegacias brasileiras. A maioria das
presas é jovem, tem filhos, provém de classes populares e possui um baixo nível
educacional. Além das características socioeconômicas desfavoráveis, 34% são
presas provisórias, ainda não condenadas pelo Poder Judiciário, e na maioria
responde por condutas menos gravosas relacionadas ao tráfico de entorpecentes,
como o transporte de pequenas quantidades de drogas para o companheiro preso,
com condenações em penas no patamar mínimo (Departamento Penitenciário
Nacional, Ministério da Justiça. Infopen: estatísticas. http://
portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7D &
Team= & params=itemID=%7B2627128E-D69E-45C6-8198-CAE6815E88D0%7D; &
UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D, acessado em 12/Out/2013).
Embora a LEP garanta a assistência à saúde e preveja que os estabelecimentos
penitenciários destinam-se a presos condenados a regime fechado, enquanto que
as cadeias públicas recolheriam presos provisórios, em diversos estados
brasileiros essa determinação não é respeitada, encontrando-se presas ainda sem
julgamento em penitenciárias. Igualmente irregular é a manutenção das presas em
delegacias e distritos policiais após o início do processo penal, pois a
permanência nestes estabelecimentos deveria ser apenas durante o período de
investigação policial para o oferecimento da denúncia criminal pelo Ministério
Público. Por isso, neste estudo, será considerada "mulher presa" toda aquela
que se encontre penalmente restrita de liberdade, tendo sido condenada a regime
fechado ou sendo apenas detida provisoriamente esperando julgamento.
O inquérito preliminar ao projeto de pesquisa multidisciplinar Saúde Materno-
infantil nas Prisões do Brasil (Leal MC, Sanchez AR, Larouzè B, Castro VD,
Santos M, Pereira APE, et al. Relatório parcial do Projeto de Pesquisa Saúde
Materno-Infantil nas Prisões do Brasil. Rio de Janeiro: Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2014), que inclui este
estudo legislativo, além dos componentes jurisprudencial, de saúde,
psicossocial e arquitetônico, apontou que, em dezembro de 2012, 2% do total das
mulheres encarceradas encontravam-se grávidas e, no período de um ano, 272
presas tiveram seus filhos enquanto encarceradas, tendo sido realizado o parto
no sistema público de saúde. No país, cerca de 400 crianças, a maioria com
menos de um ano, viviam com suas mães em prisões. Em que pese a possibilidade
de convivência entre mãe e filho ser um importante avanço no sistema, as presas
expressam situação de angústia em razão de inúmeros fatores característicos de
uma prisão que limitam uma convivência saudável, como o ambiente frequentemente
insalubre. Afligem-se também diante da ausência de resposta do sistema de
justiça sobre seu processo criminal, possibilitando, por exemplo, sua saída do
cárcere, ou do destino de seus filhos após o período de permanência no cárcere.
Os resultados preliminares revelam condições precárias relativas aos ambientes
de vida e aos cuidados de saúde materna e infantil (Leal MC, Sanchez AR,
Larouzè B, Castro VD, Santos M, Pereira APE, et al. Relatório parcial do
Projeto de Pesquisa Saúde Materno-infantil nas Prisões do Brasil. Rio de
Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz;
2014). Análises em curso incluem, entre outros, a avaliação do desenvolvimento
psicomotor das crianças nascidas durante o encarceramento da mãe e que vivem
nas prisões. Este é um aspecto importante, considerando que estudo realizado
nas prisões na Argentina revelou que cerca de 40% das crianças abaixo de quatro
anos que viviam com suas mães nas prisões apresentavam transtornos emocionais
8. A invisibilidade social e a ausência de medidas institucionais de proteção
legal dos direitos dessas crianças nos estabelecimentos prisionais apontam para
um tipo de penalidade estendida aos filhos das presas, e preocupantemente
admitida como inevitável, em contradição com direito fundamental
constitucional, assegurado também na LEP, de que "nenhuma pena passará da
pessoa do condenado" (Constituição Federal).
A maioria das instituições penitenciárias não está adequada às necessidades
femininas 9, pari passu os cuidados com a saúde sexual e reprodutiva, programas
e ações públicas de apoio à maternidade e às famílias são negligenciados pelo
Estado. Em geral, o acesso à saúde possui sérias limitações, como apontado em
outros estudos mais recentes e gerais 10. No contexto brasileiro, as mulheres
em situação carcerária têm sua vulnerabilidade aumentada em razão de obstruções
ao acesso a serviços legais, de saúde e social, além das degradantes condições
ambientais carcerárias. Essa situação é estendida aos seus filhos, reproduzindo
um círculo vicioso de persistente violação de direitos humanos.
No tocante à maternidade nas prisões, os raros estudos jurídicos identificados
investigam limitadamente o direito ao aleitamento materno 11,12, previsto no
art. 5º, inc. L, da Constituição Federal, praticamente sem considerar a mãe
também como cidadã e sujeito de direitos, mas como mera fonte de alimentação do
bebê 11. Por sua vez, o estudo de Rita 9 associa os referenciais legais com as
ações institucionais na prisão, afirmando que não há uma correspondência entre
o expresso nos instrumentos normativos e a realidade vivenciada pela mulher-mãe
presa. Contudo, não tem como objeto específico a análise pormenorizada da
legislação.
Nesse sentido, revelou-se a necessidade de um levantamento mais amplo da
proteção legal existente no ordenamento jurídico nacional, especialmente
relacionado aos direitos reprodutivos relativos à maternidade, às relações
familiares, à mulher e à criança que vivem no cárcere sob a responsabilidade do
Estado. Assim, com o propósito de mapear esta conjuntura político-jurídica
brasileira, foi realizada pesquisa documental no âmbito legislativo federal e
dos estados do Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo, que
totalizam 50% dos encarceramentos femininos no Brasil.
Nossa proposta diferencial de pesquisa buscou ampliar a compreensão do fenômeno
pesquisado no âmbito do projeto de pesquisa multidisciplinar Saúde Materno-
infantil nas Prisões do Brasil, e instrumentalizar gestores da saúde e
profissionais jurídicos, na medida em que sistematiza a lógica normativa
contemporânea acerca do tema pesquisado.
Saúde, direito e legislação: a busca do círculo virtuoso
O conjunto de normas legais nacionais e internacionais tem se revelado um
instrumento importante na garantia de direitos. As leis estabelecidas
democraticamente constituem proposições públicas que envolvem obrigações para
com os outros e garantias pessoais contra descumprimentos 13. Os documentos
internacionais de direitos humanos igualmente revelam-se importantes no que se
refere à possibilidade de influírem positivamente nas leis e jurisprudências
dos países (Barsted, 1998, apud Piovesan & Pirotta 14).
A saúde na atualidade é compreendida na agenda pública internacional como "uma
complexa produção social, em que os resultados para o bem estar da humanidade
são cada vez mais o fruto de decisões políticas incidentes sobre os seus
determinantes sociais[...]que engendram formas de acesso à alimentação, à
educação, ao trabalho, renda, lazer e ambiente adequado, entre outros aspectos"
15 (p. 141).
Portanto, admitir as conexões entre saúde, direitos, legislação e políticas
públicas é reconhecer a estreita vinculação da saúde com o grau de cidadania e
justiça social vivenciada. E, assim, objetivar a conformação de um sistema
jurídico-legal e político favorável e efetivo à redução das desigualdades e à
melhoria da situação de saúde. As instâncias internacionais de direitos humanos
há décadas incluem a revisão e reforma das legislações nacionais, como
componente central no enfrentamento de questões de saúde, como, por exemplo, a
garantia de igualdade entre os gêneros, a autonomia reprodutiva das mulheres, a
descriminalização do aborto como favorável à redução da morte materna, entre
outras 2,3.
Inicialmente, a relação da saúde com a legislação concentrava-se na
regulamentação de medidas de controle (imunizações obrigatórias, quarentena
etc.), buscando-se garantir liberdades individuais e estabelecer critérios para
as intervenções estatais, nos casos de uma necessidade específica 16. Mais
recentemente, a partir da definição contemporânea de saúde e do reconhecimento
de suas determinantes sociais 17, ampliam-se as funções do Direito e da
Legislação na saúde.
Nesse sentido, têm sido destacados, pelo menos, três conjuntos de leis, objetos
de preocupação da saúde pública, que devem ser contemplados na abordagem
legislativa do problema de mães e crianças vivendo na prisão. As leis
protetoras e antidiscriminatórias, que estabelecem garantias específicas,
visando mitigar os efeitos negativos da discriminação e a vulnerabilidade
(pessoal, programática e social) de determinados grupos; as leis que
regulamentam o acesso a bens, serviços e informações de saúde e sociais,
definindo as responsabilidades do Estado e os canais efetivos de acesso do
cidadão às políticas públicas; e as leis criminais e os sistemas corretivos 18.
As novas abordagens da saúde pública aprofundam a relação do Direito com a
saúde 19,20 e, consequentemente, ampliam-se as funções da legislação. Nesse
sentido, o debate acerca da regulamentação sobre a maternidade atrás das grades
e a busca da cidadania e da saúde dessas mulheres e seus filhos incluem-se no
âmbito desta discussão. A partir dessas perspectivas mais amplas da conexão
entre saúde e direito é que se buscou analisar a legislação brasileira que
contempla as mães encarceradas que vivem com suas crianças nas prisões.
Material e método
O estudo qualitativo combinou a técnica de pesquisa bibliográfica e documental
nas bases do SciELO e BVS e fontes governamentais.
A pesquisa documental objetivou identificar a produção dos Legislativos Federal
e dos estados do Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo, que
possuem competência em matéria penitenciária e de saúde (art. 24 Constituição
Federal); selecionando-se todos os tipos normativos disponíveis (leis, decretos
etc.), vigentes até 17 de fevereiro de 2013. Também foram pesquisados os atos
administrativos normativos (portarias, decretos, regulamentos) dos Executivos
Federal e Estaduais, que possuem competências deliberativa e consultiva para
formular a política criminal e regras sobre funcionamento dos estabelecimentos
penitenciários. Não foram pesquisadas normas municipais, pois esses entes
federativos não possuem competência para tratar da matéria penal.
No sistema legal brasileiro, há uma hierarquia estabelecida entre as normas
legais (art. 59 Constituição Federal). Assim, as Leis Ordinárias, Decretos,
Resoluções, Portarias devem se submeter à Constituição e às normas que lhes são
superiores.
As informações coletadas foram sistematizadas em um banco de dados, que
consolidou leis relativas à maternidade, ao nascimento e ao crescimento da
criança no ambiente carcerário.
O método utilizado para análise do material legislativo foi o da interpretação
jurídica sistemática, que leva em conta o sistema em que se insere o documento
legal identificado, e "procura estabelecer a concatenação entre este e os
demais elementos da própria Lei, do respectivo campo do direito ou do
ordenamento jurídico geral" 21 (p. 9). Tal método permite "averigua[r]todas as
disposições pertinentes ao mesmo objeto e entende[r]o sistema jurídico de forma
harmoniosa e interdependente" 21 (p. 9), e analisar a produção legislativa em
seu contexto com outras normas, afastando-se da interpretação hermenêutica
tradicional, que não considera elementos exteriores.
Para a busca sistemática, foram adotados descritores, como presa e filho;
adoção e presa; amamentação e presa; creche e presa; poder familiar e presa;
dentre outros. As bases de dados utilizadas foram: Planalto (Pesquisa de
Legislação), LexML (Rede de Informação Legislativa e Jurídica) do Ministério da
Justiça, Saúde Legis (Sistema de Legislação de Saúde do Ministério da Saúde),
Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembleia Legislativa do Paraná (Casa
Civil - Sistema Estadual de Legislação), Assembleia Legislativa do Estado do
Mato Grosso, Secretaria de Saúde do Estado do Mato Grosso, Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo, Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul. Destaca-se, entre os achados e como uma das fontes da pesquisa,
a publicação Legislação da Saúde no Sistema Penitenciário 22.
No desenvolvimento do estudo, revelou-se importante realizar buscas
complementares em outras fontes institucionais oficiais, tais como:
Departamento de Execução Penal do Estado do Paraná; Secretaria de Segurança
Pública do Paraná; Secretaria de Saúde do Paraná; Secretaria de Justiça,
Cidadania e Direitos Humanos do Paraná; Ministério Público do Estado do Paraná;
Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso; Secretaria de Estado de Justiça
e Direitos Humanos do Mato Grosso; Secretaria de Estado e Saúde do Mato Grosso;
Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo; Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo; Secretaria de Justiça e dos Direitos Humanos do Rio
Grande do Sul; Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do
Sul; Ministério da Justiça; Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), que têm competências deliberativa e consultiva junto ao
Ministério da Justiça sobre política criminal e na formulação das regras sobre
as condições dos estabelecimentos penitenciários; bem como sites oficiais dos
governos do Paraná, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo.
A estratégia de busca incluiu o uso da palavra-chave isoladamente e depois pela
associação de duas ou mais palavras-chave, de modo a aumentar as variáveis de
especificidade e exaustividade, que influenciam todo o processo de recuperação
da informação. A formulação da busca se adequou aos recursos de pesquisa de
cada base de dados selecionada, em função da heterogeneidade entre os sítios
analisados. Na busca por associação de palavras foram utilizados os operadores
booleanos, o que permitiu de forma mais rápida e direcionada identificar as
normas objeto da pesquisa.
Uma dificuldade foi a grande variação de possibilidades de busca entre as
diferentes bases consultadas, pois se apresentam de formas díspares, exigindo
que descritores extras fossem utilizados a fim de obter normas pertinentes ao
objeto pesquisado. Outro aspecto metodológico relevante é que algumas bases
legislativas já fazem uma pré-seleção das normas em destaque acerca do tema,
bem como limitam a pesquisa ao ementário e não ao texto integral da lei.
Em virtude da importância no ordenamento jurídico nacional - seja pela
hierarquia ou pelo tratamento dado ao tema pesquisado -, algumas normas foram a
priori selecionadas. São elas: a Constituição Federal e as Constituições dos
estados-membros supramencionados, o Código Penal, o Código de Processo Penal, a
LEP, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Leis que alteraram estatutos legais vigentes não foram contabilizadas
separadamente, considerando-se que a norma modificada já havia sido
contabilizada, como a Lei nº 12.313/2010, que deu nova redação à LEP (Lei nº
7.210/1984).
Os documentos foram classificados com informações, como: descritor utilizado,
título, ementa, tipo, número, ano, esfera de governo, Unidade da Federação e
órgão. Em seguida, foi realizada nova seleção, excluindo aqueles não
diretamente relacionados ao escopo da pesquisa.
Por fim, foram elaborados quadros sistematizando os resultados obtidos no
levantamento legislativo, divididos em quatro planos: normas federais, oriundas
do Congresso Nacional, e do Poder Executivo; normas estaduais, com um quadro
próprio para a legislação do Estado de São Paulo, diante da prevalência do
número de documentos encontrados, e outro com as oriundas dos outros estados
pesquisados.
Resultados e discussão
Foi identificado o total de 33 normas, entre Leis, Portarias e outras normas
administrativas, que permitiu caracterizar as principais preocupações dos
legisladores brasileiros no tocante à maternidade nas prisões. Considerando-se
que a pesquisa não se limitou a um único período histórico, podemos observar,
de início, uma baixa quantidade de normas jurídicas acerca do tema.
No âmbito federal, por exemplo, foram encontradas 12 normas, sendo 6 oriundas
do Poder Legislativo e a outra metade do Executivo, conforme quadros abaixo. A
seleção quanto à fonte produtora permite identificar que o Executivo vem, mesmo
que timidamente, buscando dar operacionalidade às normas jurídicas sobre
maternidade na prisão inscritas nas leis gerais, por meio de construção de
políticas públicas voltadas para esse segmento social. Em contrapartida, há
poucas iniciativas do Poder Legislativo no sentido de regulamentar a situação
da maternidade na prisão em diploma legal específico que estabeleça regras
nacionais obrigatórias, reduzindo a discricionariedade dos Executivos, federal
e estaduais, sobre o tema (Tabelas_1 e 2).
Tabela 1. Legislação federal, produzida no âmbito do Poder Legislativo, que
contempla direitos para mães presas com seus filhos.
Título Ementa Destaques (artigos)
Constituição da República Federativa do Brasil de Direitos fundamentais das presidiárias a estabelecimento adequado à sua condição
1988 feminina, à amamentação de seus filhos (Art. 5o. XLVIII, L), e convivência
familiar (Art. 227).
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Cumprimento da pena em estabelecimento apropriado às mulheres (Art. 37).
Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Substituição de prisão preventiva pela domiciliar (Art. 318).
Acompanhamento médico à mulher e ao recém-nascido (Art. 14. § 3o). Obrigatoriedade
de berçário, local para amamentação, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade (Art.
Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 Institui a Lei de Execução Penal 83. § 2o). Obrigatoriedade de local para gestante e parturiente, e creche para
crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos (Art. 89). Benefício
do regime aberto em residência particular para condenada com filho menor ou
deficiente físico ou mental; condenada gestante (Art. 117).
Possibilidades de suspensão do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por
Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Institui o Código Civil sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão
(Art. 1.583, § 5o; art. 1.637 e 1.638).
Condições adequadas ao aleitamento e convivência com a mãe presa (Art. 9o).
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Condições dignas e proteção integral à criança (Art. 3o, 4o, 5o e 7o). Liberdade e
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 Adolescente convivência da criança com a mãe (Art. 16 e 19). Poder familiar e condenação
criminal (Art. 23). Oitiva dos pais nos processos de adoção e guarda de filhos
(Art. 158).
Tabela 2. Legislação federal, produzida no âmbito do Poder Executivo, que
contempla direitos para mães presas com seus filhos.
Título Ementa Destaques (artigos)
Resolução CNPCP no 14, de 11 de novembro de Condições para permanência dos filhos com as presas durante o período de
1994 Regras Mínimas para o Tratamento do Preso. amamentação (Art.7o, §§ 1o e 2o). Dotação de material obstétrico no
estabelecimento prisional para caso de emergência (Art.17).
Orientações para permanência e encaminhamento dos filhos das presas (Art.2o).
Permanência no mínimo até um ano e seis meses junto às mães encarceradas (Art.1o).
Processo gradual de separação (Art.3o). Possibilidades para abrigo das crianças:
Disciplina a permanência família ampliada, família substituta ou instituições (Art.4o). Berçário para
Resolução CNPCP no 04, de 15 de julho de 200dos filhos das presas em crianças de até dois anos (Art.6o) Possibilidade de permanência de crianças de
ambientes prisionais. dois a sete anos junto às mães na unidade prisional (Art.7o). Alimentação
(Art.5o). Visita de familiares e pais presos (Art.9o). Licença da atividade
laboral (Art.10). Responsabilidade da União e dos Estados para construir e manter
penitenciárias femininas com berçário (Art.8o). Possibilidade de alteração dos
prazos e condições de permanência de crianças na unidade prisional (Art.12).
Resolução CNPCP no 09, de 18 de novembro de Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal. Seção para gestantes e parturientes; creches - módulo de berçário (Anexo V).
2011
Recomendação sobre o uso Proibido uso de algemas ou outros meios de contenção durante o parto e no período
Resolução CNPCP no 3, de 1 de junho de 2012 de algema. de repouso subsequente (Art. 3o). Recomendação aos profissionais da saúde que
noticiem formalmente o uso indevido (Art. 5o).
Portaria MS/MJ no 1.777, de 9 de setembro de Saúde da mulher. Assistência ao pré-natal, parto e puerpério em 100% das unidades
2003 Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. penitenciárias. Não há referência a pediatra, ou acompanhamento das crianças
(Anexo I).
Plano Nacional de Política Criminal e Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP/MJ 26/04/ Assistência pré-natal e a existência de espaços e serviços específicos para
Penitenciária 2011. gestantes durante a gestação e no período de permanência dos filhos no ambiente
carcerário (Medida 5).
CNPCP: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao prever a garantia de condições de
permanência da presidiária com seus filhos durante o período de amamentação.
Pelo princípio da simetria correlacionado ao modelo constituinte brasileiro, as
constituições estaduais refletiram essa regra, o que ficou constatado nos
estados pesquisados.
A partir de suas constituições, os estados deveriam disciplinar a situação das
mães e seus filhos em presídios de maneira mais concreta através da
regulamentação infraconstitucional. Todavia, o que se constatou foi uma baixa
(ou ausência de) regulamentação específica sobre a matéria em alguns locais,
como no caso do Rio Grande do Sul, no qual não foram localizados dispositivos
legislativos sobre o tema, além da Constituição estadual.
A falta de iniciativa legislativa acerca do tema indica diversos aspectos
desfavoráveis à garantia de direitos que afetam à saúde destes segmentos.
Ressaltam-se a ausência de interesse em disciplinar uma questão tão polêmica; a
"invisibilidade social", jurídica e administrativa das crianças vivendo com
suas mães na prisão; e a carência de regulamentação apropriada dos direitos das
mães e crianças, bem como dos deveres e procedimentos específicos a serem
adotados pela autoridade penitenciária em relação a esta população, sob a
exclusiva responsabilidade do Estado.
Legislação federal
Os destaques atuais na legislação federal dizem respeito à possibilidade de
prisão domiciliar, a partir da reforma processual penal de 2011, nos casos de
prisão provisória quando a presa for "imprescindível aos cuidados especiais de
pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência"; ou for "gestante a
partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco". Essa
autorização legislativa, condizente com um olhar específico para a questão de
gênero, se coaduna com a possibilidade prevista na LEP de recolhimento
domiciliar na fase de execução da pena, também quando a condenada for gestante
ou tiver filho menor ou deficiente físico ou mental.
Em 2009, a LEP sofreu alterações, notadamente pela Lei nº 11.942, que fixou
expressamente o período de, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade para
permanência da criança com a mãe presa em berçários. Por sua vez, a Resolução
CNPCP nº 04, de 15 de julho de 2009, estabelece um prazo de até um ano e seis
meses: "visto que a presença da mãe nesse período é considerada fundamental
para o desenvolvimento da criança, principalmente no que tange à construção do
sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem ficar
comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase do
desenvolvimento humano; esse período também se destina para a vinculação da mãe
com sua(seu) filha(o) e para a elaboração psicológica da separação e futuro
reencontro".
A penitenciária feminina deverá possuir seção para gestante/parturiente e
creche para abrigar crianças "desamparadas" maiores de 6 (seis) meses e menores
de 7 (sete) anos. A lei não esclarece o que seria caracterizado como
desamparo,não fazendo nenhuma referência econômica ou afetiva. Defendemos que a
interpretação deste dispositivo da LEP não deve ser restritiva, por ser norma
garantidora de direitos humanos, devendo efetivar da melhor forma possível o
"princípio do melhor interesse da criança".
De todo modo, a LEP prevê expressamente atendimento por pessoal qualificado, de
acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades
autônomas; bem como horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à
criança e à sua responsável.
Destaca-se no âmbito federal a atuação normativa do CNPCP, atento à questão da
maternidade nos presídios em diferentes Resoluções. Ao disciplinar regras
mínimas para o tratamento do preso, diretrizes básicas para arquitetura penal,
bem como o uso de algemas, foram pontuados aspectos com enfoque de gênero. Além
disso, a Resolução nº 04/2009, referida acima, disciplina especificamente a
permanência dos filhos das presas em ambientes prisionais.
A competência legislativa referente ao direito penitenciário é concorrente, de
acordo com o artigo 24, inciso I da Constituição Federal. O que significa dizer
que o poder de produzir leis a respeito dessa matéria é distribuído entre a
União Federal e os estados-membros, cabendo àquela estabelecer regras gerais a
serem observadas pelos demais. Portanto, esta Resolução do CNPCP, juntamente
com as disposições da LEP, seriam as regras federais específicas direcionadoras
para a atuação e normatização por todos os demais entes federativos.
A Resolução CNPCP nº 04/2009 apresenta grandes avanços no tocante à estada,
permanência e encaminhamento de seus filhos. São previstas como orientações
principiológicas: I. respeito à "ecologia do desenvolvimento humano", que
permita espaço adequado ao "desenvolvimento infantil em padrões saudáveis e uma
relação de qualidade entre a mãe e a criança"; II. valorização prioritária da
"continuidade do vínculo materno"; III. "compreensão da amamentação", a partir
de seus impactos físicos e psicológicos, tanto para a mãe, quanto para a
criança, "tratada de forma privilegiada".
A referida resolução regula, de maneira fundamentada, desde o tempo de
permanência da mãe com seu filho, até aspectos como lar de destino da criança,
espaço de berçário, alimentação, visita de familiares e pais presos, construção
de unidades prisionais femininas, e capacitação dos servidores públicos do
sistema prisional sobre a questão. Destaca-se a previsão de processo de
separação da mãe com seu filho, que deve ser iniciado após a criança completar
um ano e seis meses de idade, ser gradual e durar até seis meses. A ordem de
possibilidades para a escolha do futuro lar para a criança deve ser família
ampliada, seguida da família substituta ou instituições, permitindo-se que os
prazos e condições de permanência de crianças nas unidades prisionais possam
ser alterados, a partir da avaliação dos técnicos submetidos à decisão do juiz
competente.
A Resolução CNPCP nº 04/2009 inova ao garantir um período de seis meses de
licença de atividade laboral para fins de remição da pena, para aquelas
mulheres que estiverem trabalhando na unidade prisional durante a gestação.
Como já previsto na LEP, o trabalho permite uma redução da pena na proporção de
cada três dias trabalhados menos um dia de pena. Assim, o direito à licença
miniza uma das dificuldades para a convivência entre a mãe e seu filho, pois em
muitos casos a criança tem que ser afastada para garantir a manutenção da
atividade laboral da presa. Contudo, é conveniente uma ressalva, levando-se em
consideração que grande número de mulheres que trabalham no sistema
penitenciário encaminha parte de sua pequena remuneração para suas famílias
fora da prisão. A previsão da licença limitada para fins de remição não supre a
necessidade financeira, explicitando a lacuna de políticas públicas de
assistência voltadas para essa parcela da população.
Após a conclusão da pesquisa identificou-se a aprovação de duas novas normas
legais. A Portaria Interministerial MJ/GM nº 210,de 16 de janeiro de 2014,
instituiu a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de
Liberdade de e Egressas do Sistema Prisional - PNAMPE.
A Lei nº 12.962, de 8 de abril de 2014, alterou o Estatuto da Criança e do
Adolescente(ECA), introduzindo importantes avanços no que se refere aos
direitos de família e à situação prisional. As alterações incluíram dispositivo
legal que trata da impossibilidade da perda do poder familiar por falta ou
carência de recursos materiais dos familiares e três garantias legais. A
primeira refere-se ao direito à assistência social, obrigando a inclusão de
crianças e adolescentes em programas oficiais de auxílio, quando o juiz
constatar a situação de pobreza. Tal dispositivo pode favorecer a manutenção
dos vínculos familiares nessa situação de ausência de recursos materiais, comum
na realidade penitenciária. A segunda tem caráter anti-discriminatória e
previne que a destituição do poder familiar se dê em razão de um preconceito
comum, ou seja, de que quem comete crime não tem o direito à maternidade e
paternidade; e dispõe que somente no caso de condenação por crime doloso contra
o próprio filho é possível a destituição do poder familiar. A terceira é de
natureza processual, garante nacionalmente a obrigatoriedade da citação pessoal
dos pais privados de liberdade, bem como a nomeação de defensor para esses
casos, e que os pais presidiários sejam levados à autoridade judicial para que
sejam ouvidos sobre a situação dos filhos. A alteração legal é bastante
relevante, considerando as queixas recorrentes das mulheres presas de perda do
poder familiar sem que sejam ouvidas, ou mesmo, sem o conhecimento dessas.
Legislação estadual
No tocante às fontes reguladoras, tal como no âmbito federal, a iniciativa por
parte do gestor público também pôde ser observada no âmbito dos estados do Mato
Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, como apresentado na Tabela_3.
Tabela 3. Legislação dos estados do Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul,
que contempla direitos para mães presas com seus filhos.
Título Ementa Unidade da Destaques (artigos)
Federação
Constituição do Estado do Mato Grosso de 1989 Mato Grosso Creche, independente e anexa ao estabelecimento prisional (Art.87. referência
ao art. 5o, L, da Constituição Federal).
Decreto no 8.260, de 20 de janeiro de 2004 Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais da Secretaria de Mato Grosso Local interno e externo para os cuidados pré-natais e maternidade; e para
Justiça e Segurança Pública do Estado do Mato Grosso “guarda” de nascituro e lactante (Art. 21).
Constituição do Estado do Paraná de 1989 Paraná Creches, assegurando-se às mães internas o direito a permanecer com o filho no
período de aleitamento (Art. 254).
Cria a Creche Pré-Escolar Cantinho Feliz, na Penitenciária Feminina e adota Atendimento do período de aleitamento até 06 (seis) anos, quando não possuir
Lei no 9.304, de 19 de junho de 1990 providências Paraná condições de sobrevivência com a família. Normas sobre as condições de
atendimento à criança e à mãe (Art. 1o e 2o).
Decreto no 1.276, de 31 de março de 1995 Estatuto Penitenciário do Estado do Paraná Paraná Creche e Pré-Escola em regime fechado ou semiaberto, para crianças de até
seis anos de idade. § 1o Prevê um pedagogo e um pediatra (Art. 17).
Resolução no 121, de 5 de outubro de 1995 Regimento Interno do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná Paraná Assistência à gestante, parturiente e aos filhos das internas desamparadas de
até seis anos (Art. 20).
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de Rio Grande Obrigatoriedade de creche, em local anexo e independente, para menores de até
1989 do Sul seis anos de idade (Art. 139).
Apenas no Paraná, o legislador ordinário estadual se manifestou acerca do tema.
Trata-se de uma lei específica a respeito de a Creche Pré-Escolar Cantinho
Feliz, na Penitenciária Feminina, abrigar crianças do período de aleitamento
até seis anos, quando não possuírem condições de sobrevivência com a família, e
permite às mães presas trabalharem com benefício financeiro e redução de pena.
Nesse estado, há também referências sobre o assunto no Estatuto Penitenciário e
Regimento Interno do Departamento Penitenciário. Tal como no Estado do Paraná,
no Rio Grande do Sul está prevista possibilidade da permanência da criança com
sua mãe até os seis anos de idade.
O Mato Grosso disciplina, apenas no Regimento Interno Padrão dos
Estabelecimentos Prisionais, a existência de locais internos e externos para os
cuidados pré-natais e maternidade, bem como "para guarda de nascituro e
lactante".
Em São Paulo, foi intensa a produção legislativa, como demonstra o quadro a
seguir, em comparação com os outros estados. Com exceção da Constituição
Estadual, todas as demais 13 normas existentes são decretos governamentais,
criando ou reorganizando penitenciárias femininas. O atendimento aos filhos das
presas nos Centros de Reintegração e Atendimento à Saúde, unidades de prestação
de serviços de assistência à saúde e psicossocial à presa, é organizado de
maneira uniforme, por meio de Decretos do Poder Executivo. A regulamentação
nesse sentido pode favorecer o acesso à saúde dessas mulheres e crianças na
medida em que estabelece fluxos e obrigações para a Administração Penitenciária
e no sistema de saúde local (Tabela_4).
Tabela 4. Legislação do Estado de São Paulo, que contempla direitos para mães
presas com seus filhos.
Título Ementa Destaques (artigos)
Constituição do Estado de São Paulo de Previsão de creches e adequada assistência aos filhos de presidiárias, durante o
1989 período de amamentação (Art. 286).
Decreto no 13.412, de 13 de março de 1979Dispõe sobre a organização dos estabelecimentos Penitenciários do Estado e dáAtribuições dos Setores de Creche (Art.156).
providências correlatas.
Decreto no 43.277, de 3 de julho de 1998 Reorganiza os estabelecimentos penais da Secretaria da Administração Atribuições e condições para abrigar e cuidar dos filhos das presas Unidades de
Penitenciária e dá providências correlatas. atendimento de saúde (Art. 30, §2o ).
Decreto no 47.607, de 28 de janeiro de Transfere a Cadeia Pública que especifica, altera a sua denominação para Atribuições para o atendimento de saúde das crianças, filhos de presas (Art. 14,
2003 Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto, dispõe sobre sua organização. XXII a XXVI).
Decreto no 48.002, de 7 de agosto de 2003 Cria e organiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, a PenitenciáriaAtribuições para o atendimento de saúde das crianças, filhos de presas (Art. 14,
Feminina de Franco da Rocha e dá providências correlatas. XXII a XXVI).
Decreto no 51.816, de 17 de maio de 2007 Reorganiza a Penitenciária Feminina Sant’Ana e Atribuições para o atendimento de saúde em relação aos filhos das presas (Art. 11,
dá providências correlatas. p. único).
Decreto no 52.071, de 17 de agosto de Reorganiza a Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto e Atribuições do Núcleo de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
2007 dá providências correlatas. das presas (Art. 9o, p. único).
Decreto no 56.080, de 10 de agosto de Classifica as unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária Atribuições do Núcleo de Atendimento à Saúde em relação aos filhos das presas (Art.
2010 para fins de concessão da Gratificação por Comando de Unidade Prisional e 11, p. único).
dá providências correlatas.
Cria e organiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, a PenitenciáriaAtribuições do Centro de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
Decreto no 56.833, de 14 de março de 2011Feminina II de Tremembé e das presas (Art. 10, p. único).
dá providências correlatas.
Cria e organiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, a PenitenciáriaAtribuições do Centro de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
Decreto no 56.935, de 15 de abril de 2011 Feminina de Tupi Paulista e das presas (Art. 10, p. único).
dá providências correlatas.
Reorganiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, as Penitenciárias Atribuições do Centro de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
Decreto no 57.185, de 2 de agosto de 2011 Femininas da Capital e de Campinas e das presas (Art. 10, p. único).
dá providências correlatas.
Altera a denominação da Penitenciária Feminina Atribuições do Centro de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
Decreto no 57.187, de 2 de agosto de 2011 “Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira” do Butantã, dispõe sobre sua organidas presas (Art. 10, p. único).
e dá providências correlatas.
Decreto no 57.548, de 29 de novembro de Reorganiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, a Penitenciária Atribuições do Núcleo de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
2011 Feminina “Santa Maria Eufrásia Pelletier” de Tremembé e dá providências das presas (Art. 9o, p. único).
correlatas.
Decreto no 58.172, de 28 de junho de 2012 Cria e organiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, a PenitenciáriaAtribuições do Centro de Reintegração e Atendimento à Saúde em relação aos filhos
Feminina de Pirajuí e dá providências correlatas. das presas (Art. 10, p. único).
Portanto, há uma considerável disparidade entre as regulamentações. Essa
heterogeneidade e ausência de regulamentação da situação da criança com a mãe
acentua o caráter discricionário imputado à direção dos estabelecimentos
penais. Nesse sentido, o Estado de São Paulo se destaca como o estado que mais
define as regras desses estabelecimentos, mesmo que as normas estabelecidas não
respondam satisfatoriamente às necessidades das presas e seus filhos, como
apontam entidades de defesa de direitos 23.
As constituições estaduais fazem referência à creche como local de permanência
da criança em estabelecimentos prisionais femininos, notadamente no período de
amamentação. Assim, seguem, de certo modo, o artigo 5º, inciso L, da
Constituição Federal, aplicando de forma generalizada o conceito de creche, e
não no sentido estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96). Já a LEP estabelece o berçário, como o local onde
as presas possam amamentar e cuidar de seus filhos, até seis meses de idade; e
a creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete)
anos, na situação de desamparo familiar. Aliás, uma interpretação meramente
literal pode levar a uma inadequada limitação do direito à convivência entre
mãe/filho, a sua função de aleitamento, esvaziando o conteúdo normativo
garantista desta convivência. O direito à amamentação deve pressupor o
reconhecimento da mulher presa como sujeito de direitos, e compreender o
vínculo entre mãe e filho como muito mais amplo do que só o ato de dar
alimentação à criança, ou de um local para simplesmente abrigar aquelas
crianças por ausência de condições dos familiares.
Conclusão
A regulamentação acerca do direito das mães e seus filhos durante o
aprisionamento apresenta alguns pontos de tensão, principalmente no tocante ao
período de permanência e aos critérios adotados para a convivência com as
crianças. A ausência de regulamentação específica que estabeleça um
procedimento decisório claro, com definição do fluxo, das autoridades
competentes e dos parâmetros a serem aplicados homogeneamente em todas as
unidades fragiliza a garantia de direitos. Estudos já referidos registram a
diversidade de atos arbitrários da autoridade penitenciária, e apontam aspectos
negativos dessa desregulamentação, como a dificuldade de responsabilização dos
agentes estatais, ausência de medidas preventivas e coibitivas das violências
institucionais, entre outras relacionadas à melhoria das condições gerais para
a convivência no cárcere.
A previsão constitucional do direito à amamentação no cárcere foi
instrumentalizada na LEP, garantindo-se a permanência da criança por, "no
mínimo", seis meses. A Resolução CNPCP nº 04/2009, confere o direito à
convivência até um ano e seis meses e, após este período, um "processo gradual
de separação" de até seis meses. Diante da extrema vulnerabilidade das pessoas
envolvidas e da natureza fundamental deste direito, exige uma interpretação
equitativa e sistêmica das normas a serem aplicadas, com primazia da norma mais
favorável aos sujeitos em situação de vulnerabilidade, com o objetivo de
garantir sua máxima efetividade. Portanto, há que se conferir primazia à regra
mais benéfica estabelecida pelo Ministério da Justiça.
Além disso, as garantias de unidade materno-infantil, da convivência entre mãe
e filho, e da manutenção de vínculos familiares devem estar associadas à
implantação de políticas públicas que permitam a titulação e vivência desses
direitos durante o encarceramento, bem como condições concretas de (re)inserção
social de forma digna e justa, considerando o perfil socioeconômico da
população carcerária e de suas famílias.
Reitera-se que as presas provisórias constituem 40% do total da população
feminina carcerária e a maioria responde por condutas menos gravosas
relacionadas ao tráfico de drogas. Portanto, é importante insistir que os
avanços na legislação, tanto no âmbito processual como quanto à execução da
pena, permitem a utilização de meios alternativos à prisão, certamente menos
traumáticos às crianças recém-nascidas e suas famílias. Para tanto, é
necessária a ampliação do acesso à assistência jurídica e ao uso dos recursos
disponíveis, tornando efetivas as normas legais.
A legislação é um instrumento importante na garantia de direitos, porém, no
contexto brasileiro, não se mostra suficiente para assegurar os direitos
reprodutivos e parentais das mães com seus filhos, que permanecem dentro e fora
das prisões. É certo que a produção adequada de leis deve ser acompanhada por
políticas públicas eficazes e inclusivas, com instâncias e procedimentos
fiscalizatórios eficientes, que consigam abarcar de maneira integral as
necessidades desta parcela extremamente vulnerável da população brasileira.
É urgente o resgate da cidadania e da saúde das mulheres presidiárias e seus
filhos. Um primeiro passo é a visibilidade da questão da maternidade e das
crianças em situação de carcerária, bem como, o reconhecimento da importância
da garantia dos direitos reprodutivos e parentais. Um segundo aspecto é a
formulação de uma legislação adequada e favorável à saúde feminina e infantil,
com clara responsabilização dos entes e agentes estatais e dos procedimentos a
serem adotados no cotidiano carcerário nessas situações, reduzindo espaços de
discricionariedade da autoridade penitenciária, e estabelecendo critérios
universais para o acesso a direitos. O alcance do almejado bem estar deste
segmento depende, ainda, de uma mudança de olhar da sociedade sobre as pessoas
encarceradas, que reduza o preconceito e a discriminação, e estimule a
solidariedade social. Acreditamos que só assim as vulnerabilidades dessas
mulheres e suas famílias possam ser reduzidas.
Colaboradores
M. Ventura colaborou na concepção da ideia central do trabalho, análise dos
dados, redação e revisão do texto. L. Simas participou da coleta e análise dos
dados, construção do banco de dados e redação do texto. B. Larouzé contribuiu
na concepção da ideia central do trabalho, na redação e revisão do texto final.
Agradecimentos
À Maria do Carmo Leal, Alexandra Sanches, Vilma Diuana de Castro e Michelly
Ribeiro Baptista, pelas preciosas sugestões no desenvolvimento de todo
trabalho. Ao Ministério da Saúde, Departamento de Assistência e Promoção à
Saúde (DAPS), e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação
Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) pelo apoio à pesquisa.