Elementos para guiar ações visando à orientação empreendedora em organizações
de software
1. INTRODUÇÃO
O empreendedorismo é um tema que tem apresentado ampla variedade de conceitos e
que tem sido aplicado aos mais variados contextos. Embora seja considerado um
campo relativamente novo, a pesquisa nessa área tem crescido em um ritmo
impressionante nas últimas décadas (SHORT et al., 2010). O crescimento de
estudos em empreendedorismo também tem ocorrido no Brasil, especialmente nos
últimos anos, fato que fica evidente na presença dessa temática em congressos
de Administração e também no aumento de publicações sobre o tema em periódicos
nacionais, dada sua importância para a prática administrativa.
Em se tratando de gestão de organizações, o atual ambiente de negócios tem
exigido dos gestores atuação proativa na identificação de tendências, de
oportunidades, de ameaças, a fim de obter subsídios para a definição de
estratégias e tomadas de decisões. Para competir nesse ambiente, Dess, Lumpkin
e Covin (1997) sugerem que uma abordagem empreendedora na formulação de
estratégias pode ser vital para o sucesso das organizações, também definida
como postura empreendedora (COVIN e SLEVIN, 1989) e como orientação
empreendedora (LUMPKIN e DESS, 1996) de uma organização.
A orientação empreendedora (OE), tema central deste artigo, tem recebido
substancial atenção em termos conceituais e empíricos, representando uma das
poucas áreas de pesquisa em empreendedorismo com um cumulativo corpo de
conhecimento em desenvolvimento (RAUCH et al., 2009). Na literatura de
estratégia e empreendedorismo, esse conceito tem sido amplamente adotado
(BASSO, FAYOLLE e BOUCHARD, 2009). No Brasil, estudos recentes tratam dessa
temática, a exemplo de Fernandes e Santos (2008), Silva, Gomes e Correia
(2009), Martens, Freitas e Andres (2011), entre outros.
A OE pode ser conceituada como a gestão do processo empreendedor, retratada em
métodos, práticas e estilos de gestão ou de tomada de decisão usados para agir
de forma empreendedora. A literatura aponta que organizações com maior OE
tendem a ter um melhor desempenho (MILLER, 1983; COVIN e SLEVIN, 1991; ZAHRA,
1993; ZAHRA e COVIN, 1995; WIKLUND, 1999; WIKLUND e SHEPHERD, 2005; RAUCH et
a.l., 2009). Evidências empíricas em empresas brasileiras corroboram essa
sinalização da literatura, como se pode observar nos estudos de Mello et al.
(2006) e Fernandes e Santos (2008).
Miller (1983) afirma que, embora a OE de uma organização possa sofrer
influência de fatores externos, de fatores internos, do perfil do gestor
principal, entre outros, o mais importante não é o ator crítico que faz o
empreendedorismo acontecer, mas o processo de empreendedorismo em si e os
fatores organizacionais que o promovem ou impedem.
Considerando a relevância da OE no contexto da gestão das organizações e a
limitada ênfase da literatura aos fatores que desencadeiam esse comportamento
em organizações, este estudo foi motivado pela seguinte questão de pesquisa:
A partir de uma base conceitual de OE e de um levantamento de
práticas efetivas a ela relacionadas, que elementos possibilitam
guiar ações visando à OE em organizações de software?
Assim, neste artigo tem-se como objetivo propor um conjunto consolidado de
elementos que possibilite guiar ações visando à OE em organizações de software.
Para isso, está estruturado da seguinte forma: na seção 2 revisita-se a
literatura sobre OE, suas dimensões e elementos; na seção 3 descreve-se o
método de pesquisa; na seção 4 apresentam-se os resultados, abordando como as
cinco dimensões da OE repercutem nas organizações pesquisadas e consolidando um
conjunto de elementos inerentes; e na seção 5 abordam-se as considerações
finais do estudo.
2. REVISITANDO O CONCEITO DE ORIENTAÇÃO EMPREENDEDORA (OE)
O conceito de OE tem origem a partir de estudos da escola canadense de
estratégia, especialmente de Khandwalla e Miller, na década de 1970 e início de
1980. Na sequência dos estudos de Miller e Friesen (1982) e Miller (1983), esse
construto foi fortalecido por Covin e Slevin (1989; 1991) e posteriormente por
Lumpkin e Dess (1996; 2001).
A OE caracteriza o gerenciamento do processo empreendedor. Ela é mais percebida
como um modo de gerenciamento da organização do que como uma característica de
seus projetos empreendedores, em particular pelo gerenciamento do crescimento
(COVIN, GREEN e SLEVIN, 2006). Recentemente, Teece (2007) trata sobre o
gerenciamento empreendedor de grandes empresas, como capacidade distintiva para
o crescimento rentável e durável, em particular em um contexto de inovação.
Em essência, a OE e o gerenciamento empreendedor são termos utilizados para
caracterizar uma organização empreendedora, uma organização com postura
empreendedora. Covin e Slevin (1991) afirmam que organizações com postura
empreendedora são aquelas em que um particular padrão comportamental ocorre
periodicamente, invade todos os níveis organizacionais e reflete uma filosofia
estratégica global em efetivas práticas gerenciais. Segundo Stevenson e Jarillo
(1990), o gerenciamento empreendedor reflete os processos organizacionais,
métodos e estilos para atuar de forma empreendedora. Assim, a OE representa a
presença de elementos de empreendedorismo no nível organizacional, retratados
em um estilo de gerenciamento qualificado como empreendedor (COVIN e SLEVIN,
1989).
A organização que possui maior OE apresenta diversos benefícios decorrentes.
Destacam-se o fato de a OE ser positivamente associada ao crescimento, ter
impacto positivo nas medidas de desempenho financeiro, poder prover a
habilidade de descobrir novas oportunidades, facilitando a diferenciação e a
criação de vantagem competitiva, entre outros (MILLER, 1983; COVIN e SLEVIN,
1991; ZAHRA, 1993; ZAHRA e COVIN, 1995; WIKLUND e SHEPHERD, 2005; RAUCH et al.,
2009).
Cinco dimensões decorrentes da literatura do gerenciamento estratégico
caracterizam o modelo de OE, conforme Lumpkin e Dess (1996): inovatividade,
assunção de riscos, proatividade, autonomia e agressividade competitiva.
Segundo os autores, a importância de cada dimensão para predizer a natureza e o
sucesso de um empreendimento depende de fatores externos, fatores internos, ou,
ainda, de características dos fundadores ou dos líderes da organização, podendo
a OE ser constituída por diferentes combinações das cinco dimensões, ou mesmo
por apenas algumas delas. A seguir, é feita uma breve abordagem sobre cada
dimensão.
2.1. A dimensão inovatividade
A inovatividade é consenso na literatura como um conceito central no contexto
de OE. Segundo Lumpkin e Dess (1996), ela reflete a tendência a engajar e a
apoiar novas ideias, novidades, experimentos e processos criativos, que possam
resultar em novos produtos, serviços ou processos. Ela retrata o esforço em
encontrar novas oportunidades e modernas soluções (DESS e LUMPKIN, 2005),
envolvendo criatividade e experimentação.
Estudos clássicos tratam da inovação sob diferentes aspectos. Para Schumpeter
(1982), a inovação é a realização de novas combinações, sejam em produtos,
métodos, mercados, matérias-primas ou na organização de uma indústria. Dosi
(1988) conceitua inovação como pesquisa, descoberta, experimentação,
desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, de novos processos
produtivos e de novas técnicas organizacionais, salientando a presença da
incerteza. Freeman e Perez (1988) tratam sobre a inovação radical e
incremental.
Existem diversas formas de identificar o grau de inovatividade de uma
organização. Alguns elementos a considerar são recursos financeiros investidos
em inovação, recursos humanos comprometidos com atividades de inovação, número
de novos produtos ou serviços, frequência de mudança em linhas de produtos ou
serviços, entre outras (COVIN e SLEVIN, 1989; MILLER e FRIESEN, 1982). Segundo
Miller e Friesen (1982), dois modelos de momentos estratégicos retratam
presença da inovação no processo empreendedor: o modelo conservador, em que a
inovação apenas tem lugar quando existem fortes pressões do mercado; e o modelo
empreendedor, de organizações que inovam intensamente e com regularidade,
enquanto assumem considerável risco.
2.2. A dimensão assunção de riscos
A assunção de riscos retrata um comportamento de assumir grandes compromissos
financeiros visando obter altos retornos por agarrar oportunidades no mercado
(LUMPKIN e DESS, 1996). Essa dimensão captura o grau de risco refletido em
decisões de alocação de recursos, bem como na escolha de produtos e mercados,
refletindo, de certa forma, um critério e um padrão de tomada de decisões em
nível organizacional (VENKATRAMAN, 1989).
Dess e Lumpkin (2005) apontam para três tipos de riscos que uma organização e
seus executivos enfrentam: riscos de negócios, que envolvem arriscar no
desconhecido sem saber a probabilidade de sucesso, como entrar em mercados não
testados; riscos financeiros, que requerem que uma organização tome emprestado
grande volume de recursos visando ao crescimento, o que repercute na dicotomia
risco e retorno; risco pessoal, que se refere aos riscos que um executivo
assume ao adotar um padrão em favor de uma ação estratégica.
Lumpkin e Dess (1996) apontam que, para identificar o comportamento de risco de
uma organização, tem sido bem aceita na literatura a abordagem de OE de Miller
(1983), que enfoca a tendência da organização de engajar-se em projetos de
risco e na preferência dos gestores por agir com ousadia para atingir os
objetivos da organização.
2.3. A dimensão proatividade
A proatividade tem relação com as iniciativas para antecipar e perseguir novas
oportunidades e para participar de mercados emergentes (LUMPKIN e DESS, 1996).
Para Miller e Friesen (1978), a proatividade é o ato de moldar o ambiente com a
introdução de novos produtos e tecnologias. A proatividade sempre implica agir
antes que a mudança no ambiente tenha um impacto direto na organização e
frequentemente envolve reagir a sintomas que antecipam uma mudança.
Venkatraman (1989) define a proatividade como a busca de novas oportunidades,
que podem ou não ser relacionadas à atual linha de operação da organização, à
introdução de novos produtos e marcas antes da concorrência, à eliminação
estratégica de operações que estão no estágio de maturidade ou no declínio do
ciclo de vida.
Para avaliar a proatividade de uma organização, Miller (1983) e Covin e Slevin
(1989) propõem considerar sua tendência de estar à frente no desenvolvimento de
novos produtos e tecnologias e na introdução de novos produtos ou serviços, ao
invés de simplesmente seguir o mercado. Para Dess e Lumpkin (2005),
organizações proativas monitoram tendências, identificam futuras necessidades
de clientes e antecipam mudanças relativas a demandas ou problemas emergentes
que podem levar a novas oportunidades de negócios.
Lumpkin e Dess (1996) afirmam que a dimensão proatividade se aproxima muito do
tipo estratégico prospector, proposto por Miles e Snow (1978) em sua tipologia
de orientação estratégica. Para esses últimos autores, organizações bem-
sucedidas desenvolvem uma adaptação ambiental, buscam constantemente novas
oportunidades, com ênfase no desenvolvimento de produtos, normalmente atuam em
ambientes mais dinâmicos, buscam continuamente mudanças em produtos e mercados
para obter vantagens, enfatizam a flexibilidade no sistema administrativo e
tecnológico, a fim de facilitar rápidos ajustes.
2.4. A dimensão autonomia
A autonomia refere-se à ação sem pressão organizacional. Segundo Lumpkin e Dess
(1996), a liberdade para agir de forma independente e para tomar decisões é
essencial para a autonomia e, consequentemente, para o processo empreendedor.
Miller (1983) afirma que organizações mais empreendedoras possuem líderes mais
autônomos. A autonomia é um aspecto essencial de criação de valor empreendedor
e central para a noção de estratégia empreendedora (LUMPKIN, COGLISER e
SCHNEIDER, 2009).
Segundo Lee e Peterson (2000), para que a dimensão auto- nomia seja forte, as
organizações devem possuir uma cultura que promova a ação independente e a
busca de oportunidades sem constrangimento social. Na mesma linha, Dess e
Lumpkin (2005) afirmam que, na dimensão autonomia, o pensamento empreendedor
deve ser encorajado nas pessoas da organização. Normalmente empresas que adotam
uma missão global empreendedora usam uma abordagem top-down para estimular
atividades empreendedoras.
Evidências de autonomia em uma organização podem va- riar em função do tamanho
da organização, estilo gerencial ou propriedade. Por exemplo, em organizações
cujo principal tomador de decisão é o proprietário, a autonomia é motivada pela
força da propriedade. Contudo, a extensão do exercício da autonomia, nesse
caso, pode depender do nível de centralização ou delegação, que pode ter
relação com o tamanho da organização (LUMPKIN e DESS, 1996). Segundo Miller
(1983), em pequenas empresas, grande parte da atividade empreendedora é
associada a gestores que centralizam a autoridade e que lideram o conhecimento
da organização, atentos a tecnologias e mercados emergentes.
2.5. A dimensão agressividade competitiva
A agressividade competitiva tem relação com a propensão da organização a
desenvolver ações competitivas (STAMBAUGH et al., 2009), para, direta e
intensamente, desafiar os competidores e alcançar melhores posições no mercado
visando superá-los. Chen e Hambrick (1995) tratam da agressividade competitiva
como a tendência de uma organização a responder agressivamente às ações da
concorrência visando alcançar vantagem competitiva, denominando-a de
responsividade. Alguns autores tratam a agressividade competitiva como parte da
proatividade, a exemplo dos estudos de Covin e Slevin (1989) e Covin e Covin
(1990). Embora essas duas dimensões sejam fortemente relacionadas, Lumpkin e
Dess (2001) apontam que a proatividade é uma resposta a oportunidades, ao passo
que a agressividade competitiva é uma resposta a ameaças. Eles afirmam que
ambas podem ocorrer sequencialmente e dinamicamente em uma organização.
Venkatraman (1989) trata a agressividade competitiva como a postura adotada na
alocação de recursos para ganhar posições em determinado mercado de forma mais
rápida que os competidores. Essa agressividade pode ser baseada em inovação de
produto, desenvolvimento de mercado, alto investimento para melhorar
participação no mercado, entre outros. Segundo o mesmo autor, ela também
reflete a noção de explosão, isto é, o aumento da posição competitiva em pouco
tempo, a estratégia de multiplicação e a perseguição de parte do mercado, como
um importante caminho para atingir a rentabilidade.
Algumas evidências de agressividade competitiva podem ser alcançadas ao
avaliar-se, por exemplo, a postura gerencial em termos de competitividade
(COVIN e COVIN, 1990). Lumpkin e Dess (1996) apontam que ela também reflete o
uso de métodos de competição não convencionais no lugar de métodos
tradicionais.
2.6. Modelo teórico adotado para a análise da OE em organizações de software
Na revisão conceitual sobre as dimensões da OE buscou-se identificar elementos
que possam retratar cada dimensão no contexto organizacional. Em essência, tais
elementos refletem os métodos, práticas e estilos de gestão ou de tomada de
decisão usados pelos gestores ao adotarem uma estratégia empreendedora. No
quadro_1, apresenta-se uma base conceitual para o estudo da OE em organizações,
contemplando as cinco dimensões (LUMPKIN e DESS, 1996), bem como elementos que
as caracterizam. Os elementos apresentados estão fundamentados em estudos
clássicos que deram origem ao conceito de OE, entre eles Miller e Friesen
(1978; 1982) e Miller (1983); nos estudos que deram sequência ao
desenvolvimento desse construto, de Covin e Slevin (1989), Lumpkin e Dess
(1996; 2001) e Dess e Lumpkin (2005); bem como em estudos que tratam
especificamente de algumas dimensões, como os de Miles e Snow (1978), MacMillan
e Day (1987, apud LUMPKIN e DESS, 2001), Venkatraman (1989), Chen e Hambrick
(1995) e Lee e Peterson (2000).
A categorização dos elementos das dimensões, apresentada na segunda coluna do
quadro_1, foi elaborada pelos autores desta pesquisa a partir da análise de
cada um dos elementos, visando melhor situá-los no contexto organizacional. Tal
quadro constituiu o referencial de base utilizado para o estudo da OE em
organizações, considerando-se que a identificação dos elementos na prática
organizacional caracteriza a presença das respectivas dimensões em maior ou
menor intensidade.
A seguir, é descrita a metodologia utilizada na pesquisa.
3. METODOLOGIA
A pesquisa aqui relatada é de natureza exploratória (SELLTIZ et al., 1967).
Para sua realização, fez-se uso especialmente de dados qualitativos
(MASON, 1996). O contexto estudado foram organizações de software do estado do
Rio Grande do Sul (RS) consideradas empreendedoras. Alguns aspectos
contribuíram para a escolha desse setor: característica inovativa como fator
crítico (ROSELINO, 2007), setor dinâmico, em crescimento, considerado
prioritário pela política industrial brasileira (DESENVOLVIMENTO, 2006), entre
outros.
A pesquisa envolveu as seguintes etapas: definição da base conceitual para
estudo da OE em organizações; realização de estudo piloto para verificar a
aplicabilidade da base conceitual; entrevistas com especialistas do setor de
software para reconhecimento do setor e seleção das organizações; realização de
entrevistas com dirigentes de empresas de software consideradas destaque em OE;
análise dos dados e resultados do estudo.
A definição da base conceitual para o estudo partiu de ampla revisão
bibliográfica sobre OE e suas dimensões: inovatividade, assunção de riscos,
proatividade, autonomia e agressividade competitiva. A base conceitual é
apresentada no quadro_1, seção 2.6, sendo constituída de dimensões da OE,
categorias e elementos. Tal base deu suporte para a elaboração do roteiro das
entrevistas com especialistas, elaboração do protocolo de coleta de dados das
entrevistas com dirigentes de empresas de software, e organização e análise de
dados e resultados.
A verificação da aplicabilidade da base conceitual foi realizada por meio
deestudo piloto, com entrevistas em profundidade com dois executivos de
organizações de software, selecionadas considerando: atuação com produtos/
serviços de software, consolidadas há mais de dez anos no mercado, uma é
referência regional em desenvolvimento de software de gestão, outra é uma das
pioneiras no estado na atuação com produtos e serviços baseados na Internet. O
fácil acesso aos executivos permitiu maior abertura para discussão sobre a base
conceitual, sua aplicabilidade, possível aperfeiçoamento e evidências prévias
sobre a prática da OE. Como resultado, foi confirmada a aplicabilidade da base
conceitual para observar a OE em organizações, foram feitas adequações no
protocolo de coleta de dados, com a união de alguns elementos que apresentavam
mesmo sentido e com ajustes na redação, e foi feita a categorização de seus
elementos, no intuito de melhor situá-los no contexto organizacional e
facilitar a coleta de dados e análise das futuras entrevistas. Com isso, houve
a primeira contribuição do estudo: enriquecimento da base conceitual com a
definição de categorias.
Na sequência, realizou-se entrevista com especialistas do setor, buscando
reconhecer o setor de software e identificar organizações consideradas destaque
em OE no RS. Inicialmente, buscaram-se dados secundários na Internet, em
seguida foram realizadas entrevistas com três especialistas dirigentes de
entidades representativas do setor no estado, que permitiram obter um panorama
sobre a OE na indústria de software e a indicação de 18 organizações (e seus
executivos) consideradas destaque em OE. Dois especialistas entrevistados são
diretores de duas das quatro principais entidades do setor no estado, e um
terceiro é consultor coordenador de um programa de desenvolvimento e
fortalecimento do setor de software no RS. Tendo em vista a longa experiência
dos especialistas no setor (atuação há mais de dez anos), o convívio com as
organizações (cada um tem contato muito próximo com cerca de 200 organizações)
e o fato de estarem à frente de entidades articuladoras do setor, entendeu-se
legítima a escolha das organizações por meio da indicação dos especialistas.
As 18 organizações foram base para a continuidade do estudo, tendo sido
possível realizar entrevistas com executivos de 13. Para isso, utilizou-se o
método de entrevistas de profundidade (MISHLER, 1986; MASON, 1996). Foi adotado
um protocolo de coleta de dados que contemplou as cinco dimensões da OE e seus
respectivos elementos, conforme a base conceitual adotada no estudo (quadro_1).
As entrevistas foram conduzidas de forma livre, à medida que a conversa evoluía
eram feitas sondagens para aprofundar as respostas no intuito de obter
considerações sobre os elementos contemplados no protocolo. A realização das
entrevistas ocorreu entre novembro de 2007 e fevereiro de 2008; elas foram
gravadas e tiveram duração entre 45 e 90 minutos. Em seguida, foram
transcritas, totalizando cerca de 200 páginas de texto para análise.
A análise dos dados foi exploratória, essencialmente qualitativa (LEE, LIEBENAU
e DeGROSS, 1997), com uso de técnicas de análise de conteúdo (BARDIN, 1977;
KRIPPENDORFF, 1980). Adotou-se uma estratégia mais onerosa em tempo, com uma
leitura mais cuidadosa e repetitiva, que permitisse maior segurança nas
elaborações. Os elementos das dimensões da OE refletem os temas da análise
temática. Buscou-se amparo na prática gerencial para corroborar os elementos
que compõem a OE, assim como eventualmente identificar novos elementos que
permitam enriquecer a base conceitual consolidada da literatura. Não se
recorreu a uma técnica mais apurada de quantificação que pudesse embasar um
procedimento mais específico de validação. Contudo, os próprios pesquisadores
fizeram uma revisão dos elementos e das categorizações realizadas
(KRIPPENDORFF, 1980), por meio de leitura e releitura, em momentos distintos,
com intervalo de tempo, permitindo sua confirmação. Na sequência, é apresentada
a análise de dados e resultados.
4. A ORIENTAÇÃO EMPREENDEDORA EM ORGANIZAÇÕES DE SOFTWARE
As 13 organizações cujos executivos foram entrevistados (caracterizadas no
quadro_2) são consolidadas, têm crescimento destacado no setor, sendo a maioria
de pequeno e médio porte e com 10 a 20 anos de atuação. Situam-se na região
metropolitana do RS, algumas em parques tecnológicos ou incubadoras, diversas
possuem unidades em outros estados e algumas no exterior.
As entrevistas permitiram identificar práticas efetivas de OE nas organizações
e consolidar um conjunto de elementos da OE.
4.1. Inovatividade nas organizações e a consolidação de seus elementos
A inovatividade é considerada, neste estudo, a voluntariedade para inovar,
introduzir novidades pela criatividade e pela experimentação focada no
desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos. Talvez esta seja a
mais importante dimensão da OE no contexto estudado. Para compreender como ela
repercute nas organizações, consideraram-se produtos e serviços, processos,
recursos financeiros, pessoas, criatividade e diferenciação.
O lançamento de novos produtos e serviços e a realização de mudanças frequentes
são comuns. Isso retrata a dinamicidade do setor, em que "a lógica de inovação
é prática constante", afirma um entrevistado, por vezes motivada por pressões
do ambiente (DOUGHERTY, 2004). Destacam-se, nas entrevistas, "grandes players
referência, tem que olhar os movimentos deles" e a mudança tecnológica muito
rápida "num período de três anos a tecnologia mudou de analógica para digital e
depois para IP". São identificados exemplos de inovações incrementais e
radicais, porém estas em menor número e somente em algumas organizações.
As inovações nos processos também são comuns. Destaca-se a busca por melhores
práticas, com Capability Maturity Model Integration (CMMI), Melhoria de
Processos do Software Brasileiro (MPS.BR) e International Organization for
Standardization (ISO). "Somos uma das três empresas no RS que têm o selo CMMI"
diz um executivo. Outro retrata cuidado na gestão: "Temos as melhores
ferramentas pra administrar a empresa". Destacam-se software integrados de
gestão, Customer Relationship Management (CRM), programas de qualidade, ISO e
Balanced Scorecard (BSC); também há consórcio para exportação, aliança entre
empresas e outros.
Ficou claro o investimento em inovação. À exceção de duas empresas, nas demais
existe recurso financeiro dedicado. "P&D é onde a gente mais investe", diz
um executivo. Há busca por novas tecnologias, melhoria contínua, ênfase em
P&D, mas por vezes faltam recursos financeiros e humanos. São destacados os
recursos via editais de fomento, algumas empresas já tiveram acesso, mas há
dificuldade: "Já tentamos buscar recursos, mas nisso a gente é fraco", afirma
um executivo. Em 11 empresas, também há pessoas dedicadas a atividades de
inovação: "Só com pesquisa tem umas 15 pessoas, com pelo menos mestrado",
ilustra um entrevistado.
No que se refere à criatividade, foram identificadas algumas práticas, eis um
exemplo: "Todas as pessoas da empresa se dedicam pelo menos três horas por
semana para pesquisar coisas originais". Contudo, é apontada a dificuldade de
sair da rotina, "a tendência é seguir um trilho", lembra um executivo. Sobre a
diferenciação, há relatos de iniciativas inovativas pioneiras no setor em nível
nacional e mundial: "Em 1996 fomos a primeira empresa de serviços de TI a
conseguir ISO no Brasil, e em 2005 a primeira da América Latina a ter o CMM5".
O estudo da inovatividade foi guiado pela base conceitual da OE. Destaca-se que
novos elementos emergiram da pesquisa, retratando aspectos importantes não
contemplados. Um deles são produtos globais, já em desenvolvimento em algumas
empresas. Segundo um entrevistado, "nossos produtos não podem ser feitos pra
Porto Alegre, RS, Brasil", referindo-se à produção de software para diferentes
mercados (GALIMBERTI e PREVOT, 2008). Também se destacam os novos modelos de
negócios, como ilustrado neste relato: "A gente tá fazendo um projeto mundial,
com uma empresa da Índia e uma da República Tcheca".
A busca de recursos financeiros e humanos externos também se destaca.
Investimentos em P&D e projetos maiores seriam facilitados. Nesse sentido,
são propostos dois novos elementos: recursos financeiros para inovação obtidos
de fontes externas e parcerias desenvolvidas para atividades de inovação. "Nós
temos uma parceria com a Softsul, utilizamos a PUC, o centro de tecnologia da
Microsoft", relata um executivo. Também práticas estabelecidas para
desenvolvimento da criatividadesão propostas como um novo elemento. Tether
(2003, apud SONAGLIO e MARION FILHO, 2006) sugere rotinas e processos
sistemáticos para desenvolver melhorias visando inovações.
A partir das entrevistas, foi possível confirmar os elementos da base
conceitual sobre a inovatividade, uma vez que repercutem nas organizações, e
agregar cinco novos elementos. No quadro_3, apresenta-se o conjunto consolidado
de elementos, em que: os elementos com grafia normal faziam parte da base
conceitual e foram evocados com maior ocorrência nas entrevistas; os em itálico
constituíam a base conceitual, mas foram evocados com menor ocorrência; os em
negrito são os novos elementos propostos.
A base conceitual de inovatividade foi bastante enriquecida, com o incremento
de cinco elementos relevantes no contexto estudado. Também são identificados os
elementos que parecem ser os menos desenvolvidos nas organizações (grafia em
itálico no quadro_3). A fala de um executivo resume uma realidade identificada
nas empresas de software pesquisadas:
"O nosso dia a dia é inovação [...] a gente está sempre
trabalhando, ou gerando a inovação, ou atrás da inovação do que é
lançado [...] a gente está sempre pesquisando, mas parece difícil de
acompanhar".
De fato, a inovação parece ser fator crítico no setor (ROSELINO, 2007).
4.2. Assunção de riscos nas organizações e a consolidação de seus elementos
A assunção de riscos é conceituada, neste estudo, como a tendência a agir de
forma audaz, aventurar-se em novos mercados, fazer grandes investimentos para
obter altos retornos, retratando certo critério para decisões. Os executivos
relacionam a assunção de riscos ao perfil dos decisores e ao tipo de negócio
num setor muito dinâmico. Para estudá-la, foram considerados risco geral, risco
na decisão, risco financeiro e risco em negócios.
O comportamento de risco geral é identificado em todas as organizações.
"Assumir riscos está no DNA do empresário", afirma um executivo, lembrando que
"o risco é sempre inerente ao negócio". São relatadas situações diversas: a
necessidade de assumir mais riscos, "a gente acabou não fechando negócios por
não ter ousadia"; e projetos de alto risco,
"algumas operadoras nos disseram 'investe nesse produto aí' e aí a
gente investiu bastante dinheiro e quando chegou lá 'ah, mas eu não
quero mais isso', então bota no lixo".
Com relação às decisões, parece haver preferência dos ges- tores por agirem com
ousadia, com tendência ao equilíbrio, como ilustrado nesta fala:
"Quando me junto com um cara mais doido que eu, eu assumo o papel
de segurar e, quando eu vejo que o cara é muito retrancado, aí eu
forço a barra".
Chama atenção a relação entre a assunção de riscos e o comportamento do
decisor: "Quer assumir mais riscos, 'bota a cara mais pra cima'", remetendo ao
perfil dos indivíduos.
O risco financeiro é apontado com restrição nas entrevistas. "Risco financeiro
a gente é alérgico, nós descontamos a última duplicata há 10 anos ou mais",
afirma um entrevistado. É manifestado o desejo de crescer com recursos
próprios: "Nunca pegamos capital, a gente sempre cresceu sustentavelmente". Há
também investimentos de risco:
"Na época que trabalhávamos na tecnologia analógica e queríamos vir
pra tecnologia digital, era um alto investimento, nós investimos
pesado e graças a isso estamos vivos".
A maioria dos executivos admite o risco em negócios. "Sempre que a gente
percebe alguma possibilidade de novos negócios, a gente tem um perfil bem
agressivo", relata um entrevistado. Percebem-se posturas bem competitivas: "A
gente nunca respeitou o tamanho do adversário, já ganhamos concorrências de
players considerados o número 1 do mundo". São relatados projetos de expansão,
associação entre empresas, atuação internacional e outros.
O estudo sobre a assunção de riscos teve como guia a base conceitual da OE.
Destaca-se que um novo elemento emergiu das entrevistas, a postura de assumir
riscos calculados, que retrata a preocupação com mensurar riscos, como
ilustrado nesta fala:
"Nós colocamos a análise de riscos, uma espécie de filtro de risco,
dá mais liberdade para os caras proporem ideias e assumirem riscos".
Todos os elementos da base conceitual foram confirmados, uma vez que repercutem
nas organizações. No quadro_4 apresenta-se o conjunto consolidado de elementos
após as entrevistas.
A base conceitual foi enriquecida com um novo elemento sobre gerenciamento do
risco e sinaliza os elementos que parecem ser menos desenvolvidos nas
organizações (em itálico). A fala de um executivo ilustra essa dimensão e a
dicotomia risco e retorno (DESS e LUMPKIN, 2005):
"O fato de a gente não temer assumir riscos, e principalmente não
perder oportunidades, fez um grande diferencial no crescimento da
empresa. Porque em determinados momentos as oportunidades apareceram
e nós encaramos, e havia um risco".
4.3. Proatividade nas organizações e a consolidação de seus elementos
A proatividade é considerada a busca de oportunidades, a antecipação na
introdução de novos produtos e serviços e a ação para criar mudanças e moldar o
ambiente a partir de antecipação e tendências. Para seu estudo, foram
considerados monitoramento do ambiente, atitude de antecipação, par- ticipação
e resolução de problemas, e flexibilidade tecnológica.
O monitoramento do ambiente parece ser vital. "Tenho necessidade de estar
sempre monitorando o mercado", afirma um executivo. Tendências, avanço
tecnológico, concorrentes e clientes são monitorados de diferentes formas,
entre elas viagens profissionais e feiras:
"Eu vou há 15 anos para a Ásia, no ano passado eu estive na Coreia
[...] participamos de feiras na Alemanha, Estados Unidos, Espanha,
Argentina".
Também são destacadas avaliação da concorrência, benchmarking e a constante
busca de oportunidades. "Um dos pontos de pilar de crescimento definido em
nosso planejamento foi a aquisição de empresas", exemplifica um entrevistado.
A atitude de antecipação também fica clara. "A gente tem como praxe estar
fazendo coisas que superem sempre a concorrência", afirma um executivo. A
maioria considera sua empresa criativa e inovativa. Outro ilustra de forma
satirizada o fato de ser referência no segmento de atuação:
"Se eu sair com uma melancia pendurada no pescoço, os caras, uma
semana depois, também vão andar com uma melancia pendurada no
pescoço".
A participação e resolução de problemas foi retratada em práticas como gestão
da informação, uso de sistemas de informação, de sistemas de qualidade e de
indicadores de desempenho, como também reuniões, discussões de acompanhamento
de metas, entre outras. "Nós mensuramos permanentemente a nossa capacidade de
aumentar o ticket médio", ilustra um executivo. Outro fala da "lógica do
espírito de resolver", em que cada um deve ser proativo.
A flexibilidade tecnológica teve menor destaque. Há carência de pessoas
habilitadas para desenvolver inovação, ilustrada nesta fala:
"Não vem fazer entrevista de emprego um sujeito que já tenha
militado numa empresa baseada em inovação, que se posicionou em
função disso, que desenhou os produtos a partir do que ela
prenunciava como tendência".
Destaca-se que a base conceitual da OE sobre a proatividade está bastante
completa, uma vez que não emergiram novos elementos das entrevistas. No quadro
5 consta o conjunto consolidado de elementos, posto que todos repercutem na
prática organizacional.
Essa dimensão retrata um campo importante, pois remete a antever tendências e
oportunidades que possam guiar ações em- preendedoras. Embora seja evidente nas
organizações, ela repercute de forma variada, com certos elementos com maior
destaque que outros. A categoria monitoramento do ambiente destaca-se,
retratando ser mais bem desenvolvida do que as demais.
4.4. Autonomia nas organizações e a consolidação de seus elementos
A autonomia é considerada, neste estudo, a ação independente, de um indivíduo
ou time, visando levar adiante um conceito de negócio ou visão. A pesquisa
demonstrou que a autonomia parece ser praticada de forma mais ou menos
homogênea nas organizações. Para estudá-la, consideraram-se equipe,
centralização, intraempreendedorismo e ação independente.
As organizações que participaram do estudo normalmente possuem líderes
autônomos. Destacam-se duas visões em relação à autonomia: uma "autonomia
regrada", segundo um executivo; e outra mais incentivada. Esta última, presente
em mais organizações, pode ser ilustrada nesta fala:
"Meu sonho de consumo é ter uma equipe de líderes autônomos que eu
tenho que segurar e não empurrar".
Outro remete à importância da autonomia num contexto de inovação:
"O ponto de partida é gente, gente competente [...] não adianta a
gente ter um desenho de empresa agressiva, inovativa, se você tem um
exército de cordeiros".
A centralização, que também implica autonomia, ocorre de forma bastante
variada, tendendo a um equilíbrio. Também é relacionada ao tamanho da empresa:
"A gente tem centralização, mas eu vejo uma mudança grande porque aumentou a
nossa estrutura", diz um executivo, retratando a necessidade de descentralizar
para crescer. Outro ilustra a delegação:
"Eu não vejo e não assino cheques, não falo com banqueiros, não
falo com clientes, eu falo com meus caras, e tenho os ele- mentos de
controle máximo e trabalho muito na cabeça deles".
O intraempreendedorismo foi abordado com ênfase. São encorajadas iniciativas
empreendedoras, mas faltam práticas sistematizadas. Um executivo fala de
profissionais pouco empreendedores:
"Existe uma inércia, uma formação cultural que não é pró-
empreendedorismo [...] o nosso esforço pra criar uma empresa que
preserve o espírito empreendedor foi muito grande".
A ação independente é retratada na liberdade para proposição de ideias: "A
gente valoriza as contribuições, as ideias, os insights", afirma um executivo.
É relatada a necessidade de estimular as pessoas para que sejam criativas,
proativas e não se contaminem com o "vírus da acomodação", conforme afirma um
executivo.
Considerando que o estudo da autonomia foi guiado pela base conceitual,
destaca-se que um novo elemento emergiu da pesquisa: práticas estabelecidas
para desenvolvimento do comportamento empreendedor, que direciona ações para o
desenvolvimento do intraempreendedorismo. No quadro_6, apresenta-se o conjunto
consolidado de elementos da autonomia, tendo em vista que todos foram
confirmados na prática organizacional.
Percebe-se que os elementos foram evocados pelos executivos com certa harmonia.
Além disso, a base conceitual de OE foi enriquecida com um novo elemento
relevante no contexto estudado. A cultura para a autonomia (LEE e PETERSON,
2000) é ilustrada: "Nós começamos a preparar, a educar as pessoas, a ponto que
eu não estou e a empresa continua".
4.5. Agressividade competitiva nas organizações e a consolidação de seus
elementos
Agressividade competitiva é considerada o intenso esforço em superar a
concorrência, caracterizado por postura combativa ou resposta agressiva,
visando melhorar a posição no mercado ou superar ameaças. Para estudá-la,
consideraram-se reação à concorrência, competição financeira, competição em
negócios, e marketing, havendo certo contraste entre as empresas.
A reação à concorrência é muito forte onde há competição com grandes empresas e
multinacionais. "A gente sempre brigou com concorrente [...] nossa empresa hoje
é um horror de competitiva. Já tentaram nos comprar duas vezes", diz um
executivo. Outro complementa: "A gente não tem condições de ditar normas ao
lado de multinacionais, então é necessário ser muito agressivo para ter
credibilidade". Há casos em que é preciso desenvolver agressividade comercial e
outros de condição privilegiada, de somente atender à demanda do mercado.
Com relação à competição financeira, há ações eventuais com preços muito
baixos. "Se a gente está muito a fim de ter um cliente, a gente paga pra ter.
Mas a tradição não é essa", afirma um entrevistado. Para outros, essa prática
não existe: "No momento em que viramos referência, todo mundo, quando entra
contra a gente, rasga preços".
Já a competição em negócios é comum. "Naquilo que a gente não pode estar à
frente, a gente está associado com alguém que está à frente", diz um
entrevistado. Outro destaca a qualidade do produto: "Focamos a superioridade do
nosso produto. 'Ah, eu sou o número 1 do mundo'. Ok, vamos fazer um teste
piloto, quem ganhar é o melhor". Também foram evidenciadas ações de ampliação,
estruturação de franquias, filiais, parcerias, entre outras.
No que se refere ao marketing, destaca-se o marketingdirecionado, com ênfase em
novos produtos ou tecnologias, especialmente em feiras do setor. Também há foco
em casos de sucesso: "A gente tem diversos projetos que viraram cases nacionais
pra revistas ou para o meio técnico". Algumas organizações têm focado no
marketing institucional.
O estudo da agressividade competitiva foi guiado pela base conceitual da OE.
Dois novos elementos emergiram das entrevistas: atuação por meio de novas
formas organizacionais, retratada em fusões, aquisições, incorporações,
alianças, entre outras ações que representam novas formas organizacionais
(CLEGG e HARDY, 1998); ações de internacionalização, que retratam uma tendência
do setor (ROSELINO e DIEGUES, 2006). Há exemplos de consórcio de exportação, de
escritório virtual no exterior e de parcerias. No quadro_7, apresenta-se o
conjunto de elementos, consolidado da literatura e das entrevistas, uma vez que
repercute na prática organizacional.
A base conceitual foi enriquecida com o incremento de dois elementos relevantes
no contexto estudado, bem como sinaliza elementos evocados com menor ocorrência
nas entrevistas, o que sugere que repercutem na prática com menor intensidade.
Destaca-se a fala de um executivo que retrata uma tendência no setor:
"[...] um tempo atrás eu estava num evento onde um palestrante
disse: 'Hoje o posicionamento das empresas de TI são só dois: ou eles
são os predadores, ou eles são a noiva'. Ou eles são levados por
alguém ou eles vão começar a incorporar e se fortalecer".
A seguir, são feitas as considerações finais do estudo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O CONJUNTO CONSOLIDADO DE ELEMENTOS E A OE NAS
ORGANIZAÇÕES
A realização deste estudo resultou na proposição de um conjunto consolidado de
elementos da OE, a partir da literatura e cotejado com a prática
organizacional, que possibilita guiar ações visando à OE em organizações de
software (quadros_3 a 7, apresentados na seção 4). Além da confirmação na
prática organizacional dos elementos das dimensões da OE identificados na
literatura, nove novos elementos foram propostos como resultado do estudo.
O conjunto de elementos final traz características peculiares às organizações
pesquisadas no que se refere à sinalização dos elementos identificados com
maior ou menor ocorrência. Já com relação aos novos elementos, parecem refletir
características do setor de software. Em geral eles retratam:
tendências do setor ' produtos globais, novos modelos de negócios,
atuação por meio de novas formas organizacionais, ações de
internacionalização;
práticas que contribuem para o desenvolvimento de inovações '
recursos financeiros para inovação obtidos de fontes externas,
parcerias desenvolvidas para atividades de inovação;
práticas para o desenvolvimento dos profissionais ' práticas
estabelecidas para desenvolvimento da criatividade, práticas
estabelecidas para desenvolvimento do comportamento empreendedor,
postura de assumir riscos calculados.
Tais elementos constituem importante resultado do estudo, pois retratam a
contribuição da prática gerencial para o desenvolvimento do conhecimento.
Para melhor ilustrar como a OE repercute nas organizações pesquisadas, no
quadro_8 faz-se uma representação das dimensões da OE e suas categorias
(brevemente descritas) no contexto estudado. É apresentada uma notação em
cores, que retrata a ocorrência com que foram evocados os elementos de cada
categoria nas entrevistas: a célula magenta claro representa que a maior parte
dos elementos foi evocada com maior ocorrência; a célula cinza representa igual
quantidade de elementos evocada com maior ou menor ocorrência; e a célula
magenta escuro representa que a maior parte dos elementos foi evocada com menor
ocorrência. O asterisco sinaliza as categorias para as quais foram propostos
novos elementos.
As dimensões inovatividade e autonomia tiveram todas as categorias sinalizadas
de magenta claro, o que retrata que são as mais bem desenvolvidas nas
organizações, contudo não implica serem as mais importantes. No entanto, de
acordo com as entrevistas, a inovatividade tende a ser a mais relevante no
contexto estudado. Nas dimensões assunção de riscos e proatividade, é
evidenciada certa disparidade entre as categorias, representada nas três cores,
retratando que algumas empresas apresentam certas categorias e elementos mais
desenvolvidos que outras. Também há indícios de que alguns elementos são muito
pouco desenvolvidos na maior parte das organizações, no caso das células em
magenta escuro. A dimensão agressividade competitiva, por sua vez, também
sinaliza que há espaço para ser mais bem desenvolvida, já que algumas
categorias estão em cinza.
Embora a análise do quadro_8 seja sumária e um tanto subjetiva, pode-se sugerir
que as categorias em cinza e em magenta escuro mereceriam uma maior atenção por
parte das organizações em que os elementos de tais dimensões aparecem com menor
intensidade. De certa forma, essa orientação é válida para todos os
participantes do estudo, no sentido de considerar o conjunto consolidado de
elementos e, com base nele, guiar ações para melhor desenvolver a OE ou os
aspectos considerados mais importantes no contexto específico.
O conjunto consolidado de elementos resultante do estudo apresenta interessante
potencial de contribuição para os meios acadêmico e prático. Em termos
acadêmicos, a principal contribuição do estudo é o enriquecimento e o
detalhamento da base conceitual de OE, com a proposição de categorias,
agregação de novos elementos e sua consolidação. Tal conjunto de elementos pode
ser adotado em estudos sobre OE, sobre suas dimensões, sobre seu
desenvolvimento em organizações, de modo especial em organizações de software.
O estudo também contribui para o debate sobre o empreendedorismo no nível
organizacional.
Para a prática de gestão das organizações, o estudo oferece subsídios para
executivos, empresários, gestores de empresas de software, na medida em que
apresenta um referencial para auxiliar na compreensão da OE e oferece subsídios
aos que desejam desenvolver esse comportamento nas organizações. Além disso,
exemplos de práticas efetivas de OE citados ao longo do texto aportam
conhecimento e experiência a respeito de organizações de software. Para as
organizações cujos executivos foram entrevistados, uma reflexão sobre as
dimensões, as categorias e os elementos da OE pode trazer contribuição no
sentido de diagnóstico e identificação de elementos a potencializar.
Alguns limites metodológicos do estudo devem ser considerados. Um deles é a
dificuldade de identificar organizações que evidenciassem maior número de
dimensões da OE. Outro aspecto é que não se recorreu a uma técnica mais apurada
de quantificação que pudesse embasar, na sequência, um procedimento mais
específico de validação. Outra limitação é a subjetividade na condução do
processo de entrevista, análise dos dados e elaboração dos resultados. Contudo,
esforço de estudo, de leitura e de reflexão foi feito na tentativa de minimizar
esses aspectos, tendo pelo menos estabilidade na interpretação, nas diferentes
leituras realizadas pelos pesquisadores, por ocasião da interpretação dos
resultados.
Como sugestões de pesquisas, a base conceitual de OE resultante pode ser
utilizada para estudar outros setores, em que, eventualmente, uma configuração
mais direcionada para o setor específico pode resultar. Também se sugere o uso
da base conceitual em pesquisa quantitativa com empresas de software, com um
universo de abrangência nacional. Outra possibilidade seria escolher uma
organização notadamente empreendedora e usar a base conceitual para realizar
estudo longitudinal em profundidade, com triangulação de dados.