Comprometimento e entrincheiramento na carreira: integrar ou reconstruir os
construtos? Uma exploração das relações à luz do desempenho
1. INTRODUÇÃO
O contexto de mudança, que há anos caracteriza o ambiente em que se inserem as
organizações, traz repercussões aos vínculos das pessoas no trabalho.
Especificamente, a aceleração da globalização, os novos meios de comunicação e
a pressão gerada pela necessidade de inovação como forma de sobrevivência
alteraram os contratos psicológicos entre organizações e seus trabalhadores,
pois a garantia do emprego não mais pode ser usada para estimular o
comprometimento do empregado (MEYER, ALLEN e TOPOLNYTSKY, 1998). Nesse
horizonte competitivo, a vida profissional das pessoas está cada vez menos
atrelada a uma única organização, sendo esperado que haja em média cinco
mudanças de organização ao longo da evolução de uma carreira (COOPER-HAKIM e
VISWESVARAN, 2005).
Diante desse quadro, o comprometimento com a carreira pode fornecer significado
e continuidade no trabalho aos indivíduos, nesses tempos em que as organizações
tornaram-se fluidas e incapazes de prover estabilidade no emprego (COLARELLI e
BISHOP, 1990, apud AYREE, CHAY e CHEW, 1994). O foco na carreira, então, pode
aumentar a possibilidade de os indivíduos investirem em suas capacidades e
conhecimentos, contribuindo para o aumento de seu desempenho (MEYER, ALLEN e
TOPOLNYTSKY, 1998). Com o passar do tempo, os investimentos empregados e os
custos de afastamento contribuem para que o indivíduo sinta-se forçado a
permanecer na carreira, independentemente de estar ou não satisfeito. Tal
quadro, denominado entrincheiramento (CARSON, CARSON e BEDEIAN, 1995),
necessita ainda de um maior número de investigações sobre seus antecedentes e
consequentes, a exemplo de variáveis objetivas de desempenho (CARSON et al.,
1996). Em paralelo, alguns autores têm levantado questionamentos acerca das
interfaces do entrincheiramento com o comprometimento com a carreira (BLAU,
2001; SCHEIBLE e BASTOS, 2006). Diversos autores (SULIMAN e ILES, 2000; SNAPE e
REDMAN, 2003) ressaltam o desequilíbrio na pesquisa do comprometimento em
relação a outros focos além da organização, o que justifica a relevância deste
estudo. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo aprofundar o
conhecimento sobre o comprometimento das pessoas com sua carreira/ profissão,
explorando suas relações com os conceitos de entrincheiramento e desempenho.
A ênfase na carreira, além de oportuna, responde à recomendação de evitar
desperdício de esforços em áreas já muito estudadas. Tal alerta foi levantado
por Medeiros et al. (2002) em sua revisão sobre a pesquisa do comprometimento
no Brasil, ao explorar uma área do comprometimento em que existem poucos
trabalhos publicados no País. Reporta-se também a uma recomendação adicional
dos mesmos autores, ao investigarem a dimensionalidade do construto, além de
enfocar a questão do desempenho que é por eles indicada.
1.1. Comprometimento com a carreira
Para Blau (2001), carreira representa o padrão de experiências relacionadas ao
trabalho de um indivíduo por toda a sua vida. Já Meyer, Allen e Smith (1993)
afirmam ser ocupação o termo mais apropriado, e que se refere a um grupo de
pessoas que se considera engajado em algum tipo de trabalho. De acordo com
Morrow (1993), o comprometimento com a carreira abrange as seguintes
nomenclaturas: comprometimento com a profissão, comprometimento com a ocupação,
envolvimento com a carreira, saliência da carreira, profissionalismo,
comprometimento afetivo com a ocupação, comprometimento instrumental com a
ocupação, comprometimento normativo com a ocupação. Diante das diversas
operacionalizações do comprometimento na carreira, Morrow (1993) recomenda que
todas essas formas sejam tratadas como um único construto. Cooper-Hakim e
Viswesvaran (2005) concluem que o termo comprometimento com a carreira engloba
o comprometimento ou a dedicação das pessoas para com sua profissão, carreira,
ocupação, pois frequentemente essas definições são vistas como sinônimas. No
presente trabalho, é usada essa última conceituação, sendo tratado
especificamente o comprometimento com a carreira/ocupação como operacionalizado
por Blau (1985), Meyer, Allen e Smith (1993) e Carson e Bedeian (1994).
A operacionalização de Blau (1985) foi considerada por Morrow (1993) como
confiável. No entanto, Carson e Bedeian (1994) questionaram aspectos da
elaboração da escala, por terem identificado sobreposição entre comprometimento
e intenções de deixar a carreira. Diante dessas limitações, Carson e Bedeian
(1994) conceituaram o comprometimento com a carreira como "a motivação para
trabalhar em uma vocação escolhida", dividindo-o em três componentes:
identidade com a carreira, que representa o vínculo emocional; planejamento da
carreira, que determina as necessidades de desenvolvimento na carreira bem como
objetivos; e resiliência na carreira, que remete à constância na carreira mesmo
em face das adversidades.
Meyer, Allen e Smith (1993) introduziram uma abordagem multidimensional do
comprometimento ao estender seu modelo desenvolvido no foco organizacional para
o foco ocupacional. Segundo os autores, comprometimento é a ligação do
indivíduo com sua carreira, que pode ter origem em sentimentos de afeto,
interesse ou obrigação. O comprometimento afetivo aborda a identificação e o
envolvimento dos indivíduos com suas carreiras. Já o comprometimento normativo
é gerado pelo sentimento do dever e da obrigação moral para com sua carreira.
Por fim, o comprometimento instrumental está ligado ao julgamento do preço a
pagar pelo abandono da carreira, que é calculado por meio da relação custo-
benefício entre continuar ou romper o vínculo (MEYER, ALLEN e SMITH, 1993). A
aplicabilidade desse modelo foi testada em diversas profissões e sancionada por
Irving, Coleman e Cooper (1997).
Alguns estudos encontraram correlação fraca e positiva entre o comprometimento
com a carreira e o desempenho (CARSON e BEDEIAN, 1994; LEE, CARSWELL e ALLEN,
2000). O comprometimento com a carreira também possui correlação positiva com o
comprometimento organizacional e com a busca de desenvolvimento de habilidades,
e negativa com a rotatividade e intenções de abandonar a carreira (AYREE, CHAY
e CHEW, 1994; LEE, CARSWELL e ALLEN, 2000; SULIMAN e ILES, 2000). Cohen (2003)
explica que é esperada a existência de relações entre os diferentes focos do
comprometimento.
Irving, Coleman e Cooper (1997) informam que outros pesquisadores (COLARELLI e
BISHOP, 1990) encontraram correlação significativa e negativa entre educação e
comprometimento com a carreira, indicando que níveis mais altos de educação
propiciam mais flexibilidade para mudança de carreira do que treinamentos mais
curtos e especializados. Adicionam, ainda, que os homens tendem a apresentar
maiores níveis de comprometimento com a carreira do que as mulheres, e reportam
não ter encontrado relação entre idade ou nível educacional com
comprometimento.
No entanto, Lee, Carswell e Allen (2000) contrapõem esse resultado em sua
revisão meta-analítica, pois não encontraram relações entre gênero, estado
civil, ou número de dependentes e o comprometimento com a carreira. Além disso,
Goulet e Singh (2002) afirmam que existe uma relação positiva com nível
educacional e hierarquia (natureza) do cargo. Esses autores também informam
correlações positivas e fracas com idade e tempo de permanência na organização.
Isso demonstra a necessidade de estudos que permitam um quadro mais claro de
como outras variáveis se relacionam com o comprometimento com a carreira. Essas
inconsistências são explicadas por Ellemers e van den Heuvel (1998), ao
apontarem que diferenças individuais como gênero, idade, nível educacional, e
tempo de permanência na organização não afetam índices de comportamento de
maneira sistemática, apresentando variações.
1.2. Entrincheiramento na carreira
O entrincheiramento é uma metáfora que remete à continuidade de profissionais
em uma carreira porque mudar lhes parece desvantajoso ou inviável. Ficam,
assim, protegidos em sua trincheira - a carreira. Para Carson, Carson e Bedeian
(1995), o entrincheiramento é um processo de estagnação no qual os indivíduos
não se adaptam e não se motivam a encontrar alternativas para seu
encaminhamento profissional. Adicionam, ainda, que alguns sintomas do
entrincheiramento podem ser: medo de estigma social, visão da idade como fator
de limitação das alternativas de carreira, percepção de desequilíbrio na
relação custo-benefício da mudança. Esses autores definem o entrincheiramento
com três dimensões: investimentos na carreira, dimensão que se refere ao tempo
e dinheiro investido na carreira/ profissão em relação à capacitação; custos
emocionais, que envolve questões sociais e psicológicas associadas à ruptura de
relações interpessoais que uma mudança de carreira traria, falta de
alternativas de carreira, que remete à percepção da restrição de novas
oportunidades de carreira.
É possível que o entrincheiramento na carreira resulte em diversos padrões de
comportamento, de acordo com o grau de satisfação. Carson e Carson (1997)
supõem que indivíduos entrincheirados e insatisfeitos buscarão mecanismos de
gerenciamento do estresse, como: saída da organização, confrontação verbal,
lealdade passiva, ou negligência, que inclui absenteísmo, aumento de erros no
trabalho e ineficiência. Por outro lado, profissionais entrincheirados e
satisfeitos tenderiam a realizar novos investimentos e a contribuir
construtivamente, reduzindo a rotatividade e aumentando a estabilidade da força
de trabalho. Em um estudo empírico partindo de um modelo de entrincheiramento
na carreira, Carson et al. (1996) encontraram que grupos de profissionais
entrincheirados apresentaram altos níveis de comprometimento instrumental,
baixa intenção de afastamento e maior estabilidade na carreira em comparação a
indivíduos não entrincheirados.
No Brasil, Magalhães (2005) explorou o entrincheiramento em seu estudo sobre
personalidades vocacionais e desenvolvimento na vida adulta, encontrando bons
índices de confiabilidade e bom ajuste da amostra às três dimensões
originalmente propostas. Investigou a generatividade, que se refere ao
envolvimento do indivíduo com o bem-estar das próximas gerações. Os resultados
de seu estudo indicaram que o entrincheiramento se correlaciona negativamente
com generatividade, ao contrário do comprometimento, medido pela escala de
Carson e Bedeian (1994), que o faz de maneira positiva. Em trabalho posterior,
Magalhães (2008) investigou a relação entre generatividade, entrincheiramento
na carreira, comprometimento na carreira (medido com a escala de Carson e
Bedeian, 1994) e comprometimento organizacional (medido com a escala de Meyer,
Allen e Smith 1993). Observou relações negativas entre a generatividade e a
base de continuação do comprometimento organizacional. Essa base, por sua vez,
apresentou relações positivas com todos os fatores do entrincheiramento e
negativas ou não significativas com os fatores do comprometimento com a
carreira.
Scheible e Bastos (2006) também encontraram bom ajuste às três dimensões do
entrincheiramento e bons índices de confiabilidade na escala, além de
identificarem relações significativas e negativas entre o entrincheiramento e a
natureza do cargo ocupado (gerencial/operacional), concluindo que "à medida que
os profissionais pesquisados galgam posições menos técnicas e mais gerenciais,
eles percebem mais alternativas de carreira, diminuindo seu nível de
entrincheiramento" (SCHEIBLE e BASTOS, 2006, p.11). Encontraram, também,
relações negativas entre a dimensão custos emocionais e as variáveis
demográficas: faixa etária e escolaridade. O comportamento diferenciado dessa
dimensão foi observado também por Blau (2001), que atribuiu os resultados
encontrados à imprecisão do que seriam esses custos emocionais.
Scheible e Bastos (2006) não encontraram relação entre entrincheiramento e
tempo de permanência na organização, ao contrário de pesquisas anteriores
(CLEVELAND e SHORE, 1992, apud CARSON, CARSON e BEDEIAN, 1995). O
entrincheiramento correlacionou-se de forma significativa e positiva com o
comprometimento com a carreira, sendo mais forte a relação com a base
instrumental, o que demanda um estudo mais focado na sobreposição entre os dois
conceitos e, consequentemente, em suas dimensionalidades. No presente trabalho,
propõe-se abordar essa questão.
1.3. Dimensões do comprometimento com a carreira e entrincheiramento
As dimensões do comprometimento têm sido palco de diversos estudos. Alguns com
abordagem genérica ou com foco na organização (BARBOSA e FARIA, 2000; MEYER e
HERSCOVITCH, 2001; RODRIGUES e BASTOS, 2010), outros com foco específico na
carreira (MEYER, ALLEN e SMITH, 1993; IRVING, COLEMAN e COOPER, 1997; BLAU,
2001, 2003). A exemplo do que ocorreu com o comprometimento com a organização,
o comprometimento com a carreira foi visto inicialmente como um construto
unidimensional e, posteriormente, novas operacionalizações conduziram a
estruturas multidimensionais.
No caso do modelo multidimensional de Meyer, Allen e Smith (1993), diversos
pesquisadores (BLAU, 2001; COHEN, 2003; SCHEIBLE, 2004) apontam para a
sobreposição conceitual entre as bases afetiva e normativa, por apresentarem
correlações muito altas em diversos trabalhos (COHEN, 2003). Para Cohen (2003),
índices acima de 0,70 apontam a existência inequívoca de sobreposição
conceitual; índices na faixa de 0,50 são aceitáveis. Outros autores como Morrow
(1993) e Bandeira, Marques e Veiga (1999), no entanto, estabelecem o limiar de
sobreposição em 0,65.
Blau (2001) levantou diversas questões em relação ao conceito de
entrincheiramento proposto por Carson, Carson e Bedeian (1995). Segundo esse
autor, o entrincheiramento sobrepõe-se conceitualmente à dimensão instrumental
do comprometimento com a ocupação proposto por Meyer, Allen e Smith (1993). Ele
argumenta que ambos possuem o mesmo arcabouço teórico, que é o trabalho de
Becker (1960) sobre os side bets, ou linhas contínuas de ação. Além disso, como
mencionado anteriormente, Blau (2001) defendeu que a tipificação dos custos
emocionais é insuficiente, prejudicando o bom entendimento dessa dimensão. Por
isso, propôs que essa dimensão fosse incorporada ao fator investimentos na
carreira, passando a compor uma nova dimensão, denominada custos acumulados.
Dando prosseguimento a sua pesquisa, Blau (2003) propôs uma visão integrativa
dos construtos comprometimento e entrincheiramento, com a adição de uma quarta
dimensão para o comprometimento com a carreira. Ele defende, nesse caso, a
incorporação do entrincheiramento pela dimensão instrumental, que passaria a
ser dividida em custos acumulados e alternativas limitadas. Blau e Holladay
(2006) testaram as escalas de Meyer, Allen e Smith (1993) com foco na carreira,
considerando as bases afetiva e normativa, e substituíram os itens originais da
base instrumental pelas dimensões custos acumulados e falta de alternativas da
escala de entrincheiramento validada por Carson, Carson e Bedeian (1995). Os
resultados encontrados forneceram suporte a sua hipótese de que os itens de
entrincheiramento poderiam substituir a escala do comprometimento instrumental,
mas as medidas não foram confrontadas nesse estudo, a fim de atestar
sobreposição.
No presente estudo, compartilha-se com Blau (2003) e com Blau e Holladay (2006)
a hipótese de sobreposição entre o entrincheiramento e o comprometimento
instrumental. Contudo, adota-se uma hipótese contrária àquela apresentada por
esses autores quanto à delimitação dos construtos. Enquanto esses autores
utilizam a sobreposição como argumento para integrar o entrincheiramento ao
comprometimento na carreira, neste trabalho ela será utilizada em favor da
desintegração da base instrumental do comprometimento, que passaria a compor o
entrincheiramento na carreira. Tal abordagem está suportada nos resultados
contrários apresentados pela base instrumental em relação às bases afetiva e
normativa. No presente trabalho, essa confrontação será feita ao se relacionar
todas as dimensões ao desempenho dos trabalhadores.
1.4. Desempenho
Medidas são utilizadas para acompanhar o desempenho do trabalhador. Geralmente,
elas são capturadas em processos denominados avaliações de desempenho, que
representam a tentativa de tornar objetiva e imparcial a análise da conduta e
do resultado geral das tarefas produzidas pelas pessoas. Lucena (1992)
caracteriza a avaliação do desempenho por meio dos seguintes componentes
básicos:
* qualificação profissional - dimensiona a competência requerida pelas
expectativas do negócio e pelo tipo de contribuição esperada de cada
cargo;
* cultura organizacional - alguns indicadores precisam ser dimensionados e
confrontados para reconhecer a cultura de uma organização, pois constitui
uma das expressões mais utilizadas quando se discute qualquer ação a ser
implementada na organização;
* estilo gerencial - faz-se necessário por ser o gerente ou o supervisor os
responsáveis pela gerência do desempenho;
* ambiente externo - dimensiona como fatores ambientais podem afetar o
desempenho dos trabalhadores.
Avaliar o desempenho das pessoas no trabalho implica, assim, conhecer a
dinâmica comportamental própria de cada um, o trabalho a ser realizado e o
ambiente organizacional em que essas ações se passam. Uma das dificuldades, no
entanto, está na delimitação da colaboração individual das pessoas para os
resultados da organização (BERGAMINI, 1988).
Desempenho tem sido um dos consequentes mais pesquisados do comprometimento com
foco na organização, apesar de os valores encontrados até agora estarem longe
de comprovar o que o senso comum prega: níveis elevados de comprometimento
potencializam melhor desempenho. Isso ocorre porque a relação não é direta,
como Riketta (2002) e Scheible (2004) comprovam, uma vez que existem diversas
variáveis moderadoras. Meyer, Allen e Topolnytsky (1998) afirmam, ainda, que
essa relação varia de acordo com a natureza do comprometimento. Para esses
autores, o comprometimento instrumental relaciona-se negativamente com o
desempenho, ao contrário do comprometimento afetivo. Ellemers e van den Heuvel
(1998) alertam para o fato de que comprometimento não prediz desempenho na
tarefa e que a visão do superior hierárquico a respeito do desempenho no
contexto é mediada pelas relações existentes entre subordinados e superiores.
Neste trabalho buscou-se investigar também a relação entre os vínculos com a
carreira - de comprometimento e entrincheiramento - e o desempenho do
trabalhador.
2. METODOLOGIA
Na primeira fase deste trabalho, realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre
comprometimento no trabalho e desempenho nas organizações. Tal pesquisa
viabilizou o conhecimento sobre o estado da arte nos tópicos abordados e
opiniões reinantes em diversas correntes de pesquisadores. A partir daí, foi
possível estabelecer um arcabouço teórico de referência e identificar
instrumentos já validados. Na segunda fase, buscou-se testar as hipóteses sobre
as relações entre as variáveis estudadas pela aplicação de um questionário, que
utilizou instrumentos e indicadores extraídos da primeira fase e da pesquisa
documental em avaliações de desempenho conduzidas na organização-alvo. Após
coleta e tratamento dos dados, foram elaboradas as análises, interpretações e
conclusões.
2.1. Hipóteses
Baseada em Blau (2001, 2003), a primeira hipótese assume que o
entrincheiramento se correlaciona de forma significativa e positiva com o
comprometimento instrumental com a carreira e não se relaciona com
comprometimento afetivo. A segunda hipótese, sustentada por Meyer et al.
(1989), Blau (2001, 2003) e Meyer et al. (2002), afirma que entrincheiramento e
comprometimento instrumental se relacionam com desempenho de forma negativa. A
terceira e última hipótese, apoiada em Blau (2001, 2003), aponta a dimensão
falta de alternativas do entrincheiramento como à parte das três dimensões do
comprometimento na carreira propostas por Meyer, Allen e Smith (1993) e Meyer e
Herscovitch (2001).
2.2. Universo, amostra, instrumentos e procedimentos de coleta de dados
A pesquisa foi realizada em uma empresa de tecnologia da informação de âmbito
nacional, escolhida devido à possibilidade de acessar pessoas em diferentes
localidades. Participaram indivíduos de vários estados, totalizando 217
respondentes, o que corresponde a quase 15% do universo pesquisado. Para
aplicação do questionário, foi utilizado um sistema de questionário eletrônico
disponibilizado na intranet da organização. Tal procedimento agilizou o
processo e ampliou a participação para todas as unidades da empresa e para os
colaboradores alocados em clientes. Outra razão para esta tática foi o fato de
o questionário ser longo e exigir boa vontade dos respondentes.
O questionário aplicado em março de 2006 dividiu-se em três partes: itens
demográficos e funcionais; itens relativos ao comprometimento com a carreira;
itens relativos ao entrincheiramento. O segundo grupo consistiu nas escalas:
comprometimento com a ocupação - escala de 18 itens proposta e validada por
Meyer, Allen e Smith (1993) - com seis itens para cada base; comprometimento
com a carreira - escala de sete itens proposta e validada por Blau (1985);
comprometimento com a carreira (CCM), de 12 itens, proposta por Carson e
Bedeian (1994). O terceiro grupo consistiu na escala entrincheiramento na
carreira - composta por 12 itens, proposta e validada por Carson, Carson e
Bedeian (1995).
Os indicadores de desempenho foram obtidos por meio dos resultados da avaliação
de desempenho conduzida pela organização-alvo, e concluída em julho de 2006.
Foram obtidos dois indicadores de desempenho: o primeiro autorrelatado e o
segundo relatado pelo supervisor. As avaliações ocorrem semestralmente (em
janeiro e julho) e estão inseridas no processo de gestão de pessoas. A
utilização de dados secundários está justificada na confiabilidade esperada,
visto que os números obtidos são resultado de um processo organizacional
controlado. Foi assumido que, apesar de eventuais problemas, faltas,
inconsistências que possam existir com o sistema de avaliação de desempenho, os
indicadores dela obtidos são válidos e permitem distinguir os trabalhadores com
desempenho superior daqueles que apresentam desempenho inferior.
2.3. Tratamento e análise dos dados
Os dados foram analisados e tratados para verificar a presença de questionários
incompletos (missing values), identificar e retirar questionários que não se
encaixavam (outliers) por alguma razão. Todos os questionários que não possuíam
os dados de desempenho completos foram retirados, reduzindo o tamanho da
amostra. Todas as questões respondidas nas escalas receberam um valor de um a
sete, referente à escala tipo Likert. Os itens negativos das escalas foram
invertidos.
Foi analisada a consistência interna das escalas (e subescalas) utilizadas, bem
como verificada a validade dos fatores delas extraídos pela análise da
confiabilidade, que calcula a consistência interna do instrumento e permite
avaliar as propriedades psicométricas das escalas e dos itens que as compõem,
pelo cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach para cada dimensão. Esse
coeficiente compara a variação total da escala com as variâncias dos itens
individuais. Escalas que apresentam este coeficiente acima de 0,60 são
consideradas consistentes (MALHOTRA, 1996). A normalidade da amostra para as
variáveis pesquisadas foi testada. Apenas as variáveis relativas ao
comprometimento afetivo não apresentaram normalidade, de acordo com o teste de
Shapiro-Wilk. Dessa forma, aplicou-se a análise de correlação de Pearson como
uma forma de avaliar a relação entre as variáveis estudadas.
As variáveis que compõem as escalas de comprometimento e entrincheiramento
foram tratadas com a técnica de análise fatorial, utilizando-se o método
Maximun Likehood e rotação oblíqua Promax, conforme recomendado por Fabrigar et
al. (1999), no intuito de verificar a dimensionalidade dos conceitos estudados.
Para verificar se os dados da amostra se ajustavam ao modelo fatorial, foi
realizado o teste de esfericidade de Bartlett e da medida de adequação da
amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), a fim de atestar que a análise fatorial
poderia ser utilizada com sucesso para a amostra coletada. O teste de Bartlett
aponta a homogeneidade do nível de correlação entre as variáveis. Quanto maior
o índice e quanto menor a significância, maior a correlação. A significância
deve ser menor do que 0,05. Idealmente, a KMO deve ficar acima de ou igual a
0,70. Porém, é aceita a partir de 0,50. Níveis abaixo desse patamar indicam que
a amostra não deve ser utilizada para análise fatorial (BANDEIRA, MARQUES e
VEIGA, 1999).
3. RESULTADOS
A análise das características pessoais nos dados coletados revela a
predominância de pessoas do sexo masculino (75%), jovens, solteiros e sem
dependentes (58,5%). O nível de escolaridade é alto (67,3% com curso superior
completo). A maioria dos participantes (59,8%) trabalha em Salvador. A
distribuição por tempo de casa é equilibrada e predominam os indivíduos que
exercem ocupações de nível operacional (78,3%).
3.1. Confiabilidade das escalas utilizadas
Todas as escalas utilizadas apresentaram bons níveis de confiabilidade (acima
de 0,6), conforme demonstrado na Tabela_1. O índice de confiabilidade mais alto
foi o encontrado para a subescala falta de alternativas de carreira do
entrincheiramento (CARSON, CARSON e BEDEIAN, 1995). Ao compará-los com os
índices de confiabilidade encontrados nos trabalhos originais e no estudo de
Scheible (2004), observa-se que os índices foram ainda mais favoráveis nesta
aplicação.
3.2. Relações entre entrincheiramento e comprometimento com a carreira/ocupação
Inicialmente, buscou-se estabelecer as relações entre as variáveis referentes
ao comprometimento e ao entrincheiramento. Na Tabela_2, estão apresentados os
resultados obtidos. O entrincheiramento apresenta alta correlação com o
comprometimento instrumental, o que comprova parcialmente a primeira hipótese.
Embora a relação positiva com a base afetiva não tenha sido prevista, o
coeficiente é menor em comparação aos encontrados para as demais bases. Foram
verificadas também correlações significativas entre o entrincheiramento e os
demais tipos de comprometimento, sendo mais fracos com aqueles advindos de base
afetiva, negando parcialmente a primeira hipótese. O comprometimento
instrumental apresentou relações significativas e fracas com aqueles que advêm
da base afetiva, exceção feita ao comprometimento medido com a escala de Carson
e Bedeian (1994). Foi encontrada correlação entre a base instrumental e a base
normativa. Na dimensão afetiva, constatou-se sobreposição entre as escalas de
Blau (1985) e Meyer et al. (1993) (r= 0,973), bem como entre a escala afetiva
de Meyer et al. (1993) e a escala de Carson e Bedeian (1994), que apresentou
correlação superior a 0,7. O comprometimento afetivo medido pela escala de Blau
apresentou forte correlação com o medido pela escala de Carson e Bedeian,
sugerindo que também há sobreposição. Além disso, a dimensão normativa
apresentou fortes relações com a dimensão afetiva em todas as escalas
utilizadas.
No intuito de aprofundar a investigação, foram averiguadas as relações das
dimensões do entrincheiramento com os tipos de comprometimento estudados. Os
resultados, apresentados na Tabela_3, demonstram que a relação do
entrincheiramento com o comprometimento instrumental é dada predominantemente
pelos investimentos na carreira (r= 0,664). Uma vez que a relação da base
instrumental com custos emocionais é mais fraca (r= 0,371), é possível afirmar
que o alto coeficiente encontrado entre essa base e custos acumulados (r=
0,607) é influenciado pela presença do conteúdo de investimentos na carreira.
Os custos emocionais apresentam relação mais forte com o comprometimento
normativo, o que leva a pensar que esses custos emocionais são mais vistos como
emoção do que como custo material nesta amostra. As relações altas e
significativas dessa dimensão com o comprometimento afetivo, medido pela escala
de Blau (r= 0,457), e com a dimensão identificação com a carreira (r= 0,404)
reforçam essa conclusão. Esses resultados são congruentes com a fragilidade
apontada por Blau (2003) para esse fator (custos emocionais). A falta de
alternativas não apresentou correlação significativa com a base afetiva, apenas
correlações fracas com as bases instrumental (r= 0,361) e normativa (r= 0,216).
3.3. Relações entre entrincheiramento e comprometimento com a carreira/ocupação
com o desempenho
A pesquisa documental revelou que o processo de avaliação do desempenho
utilizado na organização estudada possui um caráter eminentemente subjetivo,
enfocando tanto o contexto como as tarefas. É bidirecional (avaliador -
> avaliado e avaliado -> avaliador) e possui dois padrões de questionários: um
voltado para o nível gerencial, outro para o nível operacional. Esse é um fator
limitante, já que pode implicar inadequação da medida para perfis
intermediários. A avaliação de desempenho nessa organização é também utilizada
para estabelecer recompensas extrínsecas, como promoções e ganhos salariais. O
desempenho futuro é negociado em termos subjetivos, o que dificulta seu
acompanhamento. Apenas colaboradores com mais de 60 dias na empresa são
avaliados.
Consiste em um sistema disponibilizado na intranet (rede interna), o que lhe
permite um caráter assíncrono, dividindo-se em três partes: uma referente aos
aspectos técnicos, outra aos aspectos comportamentais, e uma terceira referente
à abertura do empregado para novos desafios. Essa última parte não é objeto de
julgamento em termos de resultado objetivo (nota), tendo apenas caráter
investigativo para o direcionamento da carreira. Os itens de avaliação recebem
duas respostas, que consistem em notas de 0 a 10: uma respondida pelo
avaliador, outra pelo avaliado. Esses itens possuem pesos específicos dados
pela organização e pelo avaliador, e diferem de acordo com a natureza do cargo
ocupado, se gerencial ou operacional. As respostas de ambos são discutidas em
uma interação presencial. Ao final, dois indicadores são computados, um
autorrelatado pelo avaliado, outro pelo avaliador, referentes aos mesmos itens,
com a média ponderada das respostas, que são utilizados neste trabalho como
medição do desempenho. As relações entre desempenho, entrincheiramento e
comprometimento obtidas estão apresentadas na Tabela_4.
Foi encontrada relação significativa e negativa entre desempenho e
entrincheiramento (r=-0,211). Essa relação apresenta a mesma natureza daquela
esperada no caso do comprometimento instrumental e comprova parcialmente a
segunda hipótese. Em estudo com foco na organização, Meyer et al. (1989) e
Meyer et al. (2002) apontaram que a base instrumental do comprometimento trazia
relações negativas com o desempenho. Esse mesmo quadro delineia-se com os
resultados obtidos neste estudo com foco na carreira, mostrando que o
entrincheiramento produz efeitos ainda mais contundentes. A relação positiva e
fraca do comprometimento afetivo encontrada está de acordo com Ellemers e van
den Heuvel (1998), que sustentam não ser o comprometimento com a carreira um
preditor confiável para o desempenho das pessoas, pois existem diversos
mediadores e moderadores dessa relação.
É importante ressaltar a natureza negativa da relação entre o desempenho
relatado pelo superior e o comprometimento ou entrincheiramento com a carreira,
exceção feita ao uso da escala de Carson e Bedeian (1994), pois indivíduos que
planejam suas carreiras tendem a ter melhor avaliação de seus supervisores.
Esse achado sugere que os indivíduos cujo foco principal de comprometimento é a
carreira obtêm medidas de desempenho menores à medida que seus superiores
hierárquicos percebem essa inclinação. O mesmo resultado foi encontrado em
Scheible (2004), sugerindo que, nessa tão procurada relação, além da natureza
da base, importa quem mede o desempenho. A natureza das relações entre os tipos
de comprometimento e o desempenho autorrelatado também é digna de nota, pois
ela também se apresenta negativa nas relações com o entrincheiramento e com a
base instrumental. Já com as bases afetiva e normativa existe relação de
natureza positiva. Essa constatação fortalece os estudos que se referem à
importância da natureza do comprometimento para suas relações com desempenho, a
exemplo do clássico trabalho de Meyer et al. (1989) e Riketta (2002).
3.4. Explorando as dimensões do entrincheiramento e do comprometimento com a
carreira/ocupação
Diante do quadro de sobreposição que já havia sido iden-tificado por Blau
(2001, 2003), buscou-se aprofundar a investigação dos dois construtos.
Inicialmente, foi realizada análise fatorial exploratória que extraiu oito
dimensões dos itens das escalas utilizadas neste estudo. O KMO obtido foi
0,870, classificando a amostra como meritória. O teste de Bartlett confirmou a
adequação da amostra (chi square=6090,569; df=1170;sig= 0,000). No entanto, a
análise do gráfico screeplot, bem como das cargas na matriz de fatores, revelou
que esse número poderia ser reduzido. Assim, foi conduzida análise fatorial
confirmatória com quatro dimensões (afetiva, normativa, instrumental+custos
acumulados, falta de alternativas) partindo dos resultados obtidos em Blau
(2003). O modelo proposto obteve um bom ajuste, conforme revelou o teste (chi-
square=2097,489; df=986, sig= 0,000).
Os itens da escala de Blau (1985) e da escala de comprometimento afetivo de
Meyer, Allen e Smith (1993) foram aglutinados como pertencentes à mesma
dimensão (afetiva). Os itens referentes à subescala de investimentos na
carreira do entrincheiramento aglutinaram-se com o comprometimento instrumental
como pertencentes à mesma dimensão (instrumental). A dimensão normativa
apresenta alguma sobreposição com a afetiva, que já foi documentada em diversos
estudos, a exemplo de Morrow (1993), e também em alguns itens com a
instrumental. Em relação aos achados de Blau (2003), a diferença está nos
custos emocionais que, no modelo integrativo testado pelo autor, foi incluída
na dimensão instrumental, e neste trabalho aglutinou-se à dimensão normativa. A
razão para tal pode estar nos problemas apontados por Blau (2003) para essa
subescala, como a falta de especificação dos tipos de custos emocionais
envolvidos, como foi feito na subescala de investimentos. Além disso, não pode
ser descartado que a tradução para o português possa ter agravado esse quadro.
O resultado para o item 9 da subescala de resiliência de Carson e Bedeian
(1994) - os custos associados com a carreira parecem altos - apresentou uma
carga negativa na dimensão normativa e positiva na afetiva, merecendo
investigação futura. A falta de alternativas de carreiras correspondeu à quarta
dimensão, separada das demais, comprovando a terceira hipótese, conforme mostra
a Tabela_5.
3.5. Revisão das relações das variáveis estudadas
Após o estudo das variáveis do entrincheiramento e do comprometimento, foram
gerados novos indicadores a partir dos itens que formam uma determinada
dimensão, e calculadas novamente as correlações deles com desempenho. Os
resultados encontrados estão listados na Tabela_6.
Esses resultados demonstram que a falta de alternativas de carreira apresenta
relação negativa e significativa com o desempenho (r=-0,269) na amostra
estudada. Isso sugere que os indivíduos que não percebem alternativas para sua
carreira tendem a ter um desempenho pior até do que aqueles que possuem
comprometimento instrumental com a carreira, segundo a avaliação do superior
hierárquico. A natureza das relações da base instrumental e da falta de
alternativas com desempenho coincide, apontando para maior aproximação entre
esses dois fatores.
4. DISCUSSÃO
A análise fatorial apresentada anteriormente sugere, à primeira vista, que a
dimensão falta de alternativas do entrincheiramento seria uma quarta dimensão
do comprometimento. Esse ponto de vista é defendido por Blau (2003). No
entanto, questiona-se: seria a ausência de alternativas uma base para que os
indivíduos se sintam comprometidos com sua carreira? Não estaríamos incorrendo
no que Osigweh (1989) caracteriza como "esticamento de conceito"? Para esse
autor, tal fenômeno ocorre nas ciências organizacionais quando conceitos são
estendidos para aumentar sua aplicabilidade, ou explicar mais fenômenos
empíricos. Não seria mais razoável pensar-se que a falta de alternativas
contribui para que as pessoas se sintam aprisionadas (entrincheiradas) em suas
carreiras?
Outro ponto de discussão refere-se à base instrumental, que apresenta
comportamento diverso do das demais bases do comprometimento. Especificamente
em relação ao desempenho, essa diferença foi observada em estudos com foco na
organização (MEYER et al., 1989; MEYER et al., 2002; RIKETTA, 2002) e no
presente estudo. Será que, em vez de propor a integração, não se deveria
reconstruir o pensamento hegemônico sobre o comprometimento que atualmente
inclui bases antagônicas? Considerando que a base instrumental tem sido
apontada como a antítese da base afetiva, não seria mais razoável pensar em sua
integração ao construto do entrincheiramento, uma vez que há sobreposição clara
entre ela e a dimensão investimentos na carreira?
Bedeian (2002) aponta a necessidade de realizar comparações do
entrincheiramento com outros construtos. Nesse sentido, a comparação com o
desempenho revela que sua natureza é oposta ao esperado para o comprometimento
de base afetiva e coincidente com o comprometimento de base instrumental. Isso
reforça a sugestão de integração dessa última ao entrincheiramento, tornando-
o bidimensional: uma dimensão instrumental, referente aos investimentos na
carreira (ou percepção de sacrifício), e uma dimensão de falta de alternativas.
Em relação aos custos emocionais, os resultados encontrados neste estudo
diferem daqueles apresentados por Blau (2003). Ainda assim, a fragilidade dos
itens dessa escala, conforme apontada pelo autor, é comprovada pela disparidade
dos resultados. Essa constatação responde à demanda de Bedeian (2002) por
estudos com foco nessa questão. Dessa forma, são sugeridos dois caminhos
possíveis: retirar esses itens ou reconstruir a escala especificando os custos
emocionais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo pretendeu-se contribuir para o desenvolvimento de pesquisas
sobre vínculos com a carreira, a partir da reflexão sobre as propostas de
delimitação entre os conceitos de comprometimento e entrincheiramento. Para
tal, exploraram-se as relações entre o entrincheiramento e o comprometimento
com a carreira e o desempenho, respondendo às preocupações de Goulet e Singh
(2002) de que a pesquisa sobre comprometimento no trabalho tem focado mais em
consequentes de cunho negativo, como turnover ou intenção de saída. Colaborou-
se, ainda, para o entendimento de como esses vínculos podem ser considerados
para prever o comportamento nas organizações.
A primeira hipótese previa relações positivas entre o entrincheiramento e o
comprometimento instrumental, como de fato foi verificado, e negativas entre a
base afetiva e esses vínculos, que não foram confirmadas. Tal resultado é uma
evidência de sobreposição entre o entrincheiramento e o comprometimento
instrumental, e um indicador de que esse tipo de vínculo pode coexistir com
aquele de natureza afetiva.
A segunda hipótese previa relações negativas e significativas entre o
desempenho e os vínculos de entrincheiramento e o comprometimento instrumental.
Foram encontradas relações negativas e significativas entre o desempenho
relatado pelo superior e o vínculo de entrincheiramento, mas não houve relação
significativa com a base instrumental. Também foram fracas ou não
significativas as relações encontradas entre comprometimento com a carreira e
desempenho. Esse mesmo resultado foi encontrado em Scheible (2004) e sugere que
os indivíduos cujo foco principal de comprometimento é a carreira tendem a ser
avaliados de forma negativa por seus superiores hierárquicos. Esses resultados
coadunam, ainda, os estudos que atribuem à natureza do comprometimento o tipo
de relação estabelecida com o desempenho. Diante dessas diferenças, foi
questionado se o comprometimento de base instrumental deve fazer parte do
comprometimento ou se deve ser integrado ao entrincheiramento.
Por fim, a análise da dimensionalidade do comprometimento com a carreira
atestou a sobreposição da dimensão investimentos na carreira do
entrincheiramento com a base instrumental do comprometimento com a carreira. Já
a dimensão custos emocionais sobrepôs-se à base normativa. A dimensão falta de
alternativas de carreira, conforme previsto pela terceira hipótese do estudo,
representou algo à parte do comprometimento com a carreira.
Os resultados encontrados apontam para uma relação negativa dessa dimensão com
o desempenho conforme avaliado pelo superior hierárquico. Dessa forma, levanta-
se a possibilidade de reconstrução da abordagem multidimensional do
comprometimento com a carreira. Propõe-se reformular o entrincheiramento a
partir da integração da base instrumental, ficando o comprometimento apenas com
os aspectos afetivos e normativos. O objetivo dessa proposta é separar o querer
(gostar) do precisar (ter de), delimitando comprometimento como algo positivo
ao retirar os aspectos que lhe conferiam caráter negativo. A dimensionalidade
do entrincheiramento na carreira, a princípio baseada em duas vertentes,
permanece em aberto em função da necessidade de mais estudos sobre custos
emocionais.
Existem algumas limitações neste trabalho que precisam ser apontadas. Uma delas
diz respeito ao perfil dos respondentes, que é muito homogêneo por abranger
trabalhadores com alto nível de escolaridade. Embora o desempenho dos
trabalhadores tenha sido aferido a partir de medidas quantitativas, a
subjetividade envolvida no processo permite que variáveis não mensuradas - como
empatia, conflitos etc. - atuem como intervenientes nas relações encontradas
entre os vínculos investigados e o desempenho. Nesse caso, a possibilidade de
considerar o desempenho autorrelatado e aquele avaliado pelo superior foi uma
forma de monitorar essa limitação. A ferramenta estatística utilizada, o SPSS,
também impôs limitações, pois não possui recursos mais avançados para a
realização de uma análise fatorial mais sofisticada, não sendo possível obter
índices de ajuste do modelo mais precisos. A falta de sincronismo entre a
coleta dos indicadores de desempenho e as demais variáveis resultou em
diminuição relevante da amostra ao examinar esses dois aspectos.
Apesar dessas limitações e do fato de ser um estudo de caso, este trabalho abre
possibilidade para continuação da pesquisa sobre o comprometimento com a
carreira e o entrincheiramento no Brasil. Um ponto forte é que foram utilizadas
medidas diversas para o mesmo conceito, o que possibilitou uma análise
comparativa. Trabalhos futuros podem partir dos questionamentos levantados e
pesquisar as relações do comprometimento e do entrincheiramento com outros
antecedentes e consequentes, bem como abordar outros focos, a exemplo da
organização. Outras amostras precisam ser coletadas para validar os resultados
obtidos, bem como definir se os custos emocionais devem ser revisados ou
eliminados.