Gestão estratégica de pessoas e inovação: estudos de caso no contexto
hospitalar
1. INTRODUÇÃO
No âmbito internacional, observa-se um debate acirrado sobre as fragilidades do
sistema de saúde dos Estados Unidos e suas causas. Desde 1999, relatórios do
Institute of Medicine(Instituto de Medicina) nos Estados Unidos têm demonstrado
ao público que o erro na atividade médica é uma das principais causas de morte
naquele país, à frente de acidentes de carro e câncer de mama (Kohn, Korrigan,
& Donaldson, 1999). Tais erros são atribuídos a problemas de qualidade, a
dificuldades de implementações de inovações (Kahtri, Baveja, Boren & Mammo,
2006; Nembhard, Alexander, & Hoff, 2009) e a modelos organizacionais
inadequados (Kahtri et al., 2006; Porter & Teisberg, 2004; Hwang &
Christensen, 2008).
Desde que os problemas de qualidade foram identificados, organizações
hospitalares investiram recursos financeiros e esforços organizacionais para
melhorar a assistência prestada. Para tanto, adotaram uma série de inovações
(Nembhard et al., 2009). Uma inovação pode ser definida como uma prática,
política, ou tecnologia (por exemplo, procedimentos clínicos, política de
remuneração ou tecnologias da informação) que seja nova para uma organização,
ainda que já seja utilizada por outras (Rogers, 2003).
No entanto, a adoção de inovações não resultou em aumento significativo de
qualidade e segurança para os pacientes. A indústria da saúde nos Estados
Unidos apresenta um progresso inferior ao de outras indústrias, como a da
manufatura e serviços (Porter & Teisber, 2004). O número de erros continua
sendo considerável e assustador. De acordo com Porter e Teisberg (2004), a
adoção de inovações deveria ter gerado maior valor aos consumidores do sistema,
por meio de melhorias de qualidade e redução de custos, mas esse não foi o
caso.
No Brasil, há uma preocupação dos setores público e privado com a incorporação
de inovações tecnológicas associadas à área da assistência. Como exemplo,
podem-se mencionar: novos medicamentos, mais eficazes e eficientes; novas
técnicas cirúrgicas, que permitem intervenções menos invasivas; e procedimentos
e medicamentos adequados para atendimento em domicílio, conforme algumas
tendências da prestação de serviços. Todas essas inovações são acompanhadas e
analisadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo
Ministério da Saúde por meio da Comissão para Incorporação de Tecnologias
(Citec) (Malik, 2009). Por outro lado, poucos esforços têm sido realizados para
implementar inovações de processo ou de gestão. De acordo com Malik (2009),
estudos realizados durante o período de 2000 a 2008 evidenciam que as inovações
e a adoção de processos de acreditação em organizações de saúde no Brasil
resultam de mimetismo organizacional e modismo, e não de uma visão estratégica
para fazer avançar a assistência e a segurança do paciente. Adicionalmente, a
autora argumenta que o conservadorismo das organizações da saúde as impede de
lidar com uma cultura avessa às mudanças, à distribuição de conhecimentos e à
aprendizagem, vitais para os processos de inovações (por exemplo, Herzlinger,
2006).
Nesse contexto, há que se questionar quais fatores podem contribuir para as
dificuldades enfrentadas pelas organizações da saúde na adoção e implementação
de inovações. Trabalhos recentes apontam para variáveis do contexto
organizacional e sugerem que a literatura de teoria das organizações e gestão
de pessoas poderá contribuir para elucidar essa questão (Nembhard et al.,
2009).
Neste artigo, os principais objetivos foram analisar e comparar os aspectos
organizacionais e de gestão de pessoas que têm contribuído para a implementação
de inovações em três hospitais. As três organizações estudadas foram escolhidas
por fazerem parte de um grupo de hospitais que têm demonstrado sucesso
constante na adoção de inovações, entre outras características em comum. Dois
deles estão no estado de São Paulo, Brasil, e um situa-se em Ohio, nos Estados
Unidos. Adicionalmente, pretendeu-se demonstrar de que maneira a pesquisa em
Administração poderá informar a implementação de inovações no setor da gestão
da saúde. Até recentemente, esse fenômeno tem sido pouco explorado por ser
considerado idiossincrático.
A seguir, no referencial teórico, serão apresentados os principais conceitos de
inovação, modelos organizacionais inovadores e políticas e práticas de gestão
de pessoas consideradas relevantes para este trabalho. Na sequência, serão
apresentadas as características específicas das organizações da saúde.
Posteriormente, apresentar-se-ão a metodologia da pesquisa, os resultados e a
análise dos dados.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Inovação: definições e conceitos
Para muitos autores reconhecidos no campo da inovação, as organizações derivam
o seu sucesso econômico, em maior ou menor grau, do sucesso em introduzir
inovações em seus produtos e processos (Tidd, Bessant & Pavitt, 2005). A
vantagem competitiva pode advir do tamanho da empresa ou de seus ativos, mas
sem dúvida a habilidade para mobilizar conhecimento, tecnologia e experiência
para criar novos produtos, processos ou serviços, vem adquirindo um lugar cada
vez mais importante. Nesse contexto, a inovação pode ser definida como o
processo pelo qual as organizações utilizam suas capacitações e seus recursos
para desenvolver novos produtos, serviços, sistemas (operacionais ou de
produção), formas de trabalho e tecnologias para melhor atender às demandas de
seus consumidores (Moreira & Queiroz, 2007).
Uma das mais antigas classificações que se podem utilizar é apresentada por
Knight (1967). Trata-se de um exemplo de classificação baseada no foco. Para
esse autor, existem quatro tipos de inovação, todas elas altamente inter-
relacionadas, de modo que a introdução de uma inovação de um tipo provavelmente
causará mudanças em uma ou mais das outras categorias. Os quatro tipos são:
• Inovações no produto ou no serviço - dizem respeito à
introdução de novos produtos ou serviços, de maneira a atender
necessidades e desejos dos clientes.
• Inovações no processo de produção - consistem na introdução
de novos elementos nas tarefas da organização, no seu sistema de
informação ou na produção física ou nas operações de serviços.
Representam avanços na tecnologia da companhia.
• Inovações na estrutura organizacional- incluem mudanças nas
relações de autoridade, nas alocações de trabalho, nos sistemas de
remuneração, nos sistemas de comunicação e em outros aspectos da
interação formal entre as pessoas na organização. Mudanças no
processo de produção ou na prestação de serviços tendem a produzir
concomitantemente inovações na estrutura organizacional.
• Inovações nas pessoas - dizem respeito a inovações que podem
mudar o comportamento ou as crenças das pessoas dentro da
organização, utilizando técnicas como educação e treinamento.
As três primeiras categorias de Knight (1967) aparecem com frequência em outras
classificações; as inovações nas pessoas, porém, tenderam, com o tempo, a ser
incluídas junto às inovações organizacionais ou administrativas.
De acordo com as diretrizes estabelecidas pela Organisation for Economic Co-
operation and Development (OECD) no Manual de Oslo (2005), as firmas podem
fazer vários tipos de mudanças nos métodos de trabalho, no uso de fatores de
produção e tipos de produtos e serviços que melhorem a produtividade e/ou o
desempenho comercial. O manual define quatro tipos de inovações que contemplam
uma gama de mudanças nas atividades das firmas: inovação de produto, inovação
de processo, inovação organizacional e inovação em marketing. Retirou-se a
palavra "tecnológica" das definições, pois entendeu-se que muitos
setores de serviços poderiam interpretar a "inovação tecnológica"
como equivalente ao "uso de novas tecnologias e equipamentos" e,
assim, não seria aplicável a muitos de seus produtos e processos de inovação.
2.2. Modelos organizacionais inovadores e gestão de pessoas
A literatura sobre novas formas organizacionais é muito ampla e diversa. A
despeito disso, pesquisas recentes apontam para um consenso entre os autores de
que as formas, os processos e o papel das organizações mudaram de maneira
significativa no final do século XX (Fenton & Pettigrew, 2000). A
existência de novas formas organizacionais justifica-se por: velocidade de
mudanças, que exige capacidade de reinventar constantemente estratégias e
estruturas; presença, em mercados altamente competitivos, dos recursos que
geram valor dentro da firma. O que confere vantagem competitiva às organizações
é a maneira como elas são organizadas; aumento da importância da capacidade de
uma firma organizar e utilizar o conhecimento, na chamada era do conhecimento
(Whittington & Melin, 2003).
Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que inúmeras pesquisas,
realizadas com metodologias distintas, em momentos e locais diferentes, apontam
para tendências similares quanto às características das empresas inovadoras
(Vasconcellos & Hemsley, 2000; Pettigrew & Massini, 2003; Tushman &
O'Reilly, 2004; Hargadon & Sutton, 2005). Essas características foram
resumidas por Pettigrew e Massini (2003, p. 6):
(1) descentralização radical da responsabilidade por resultados para
as unidades operacionais;
(2) redução no número dos níveis hierárquicos;
(3) redução no papel dostaff corporativo: a alta cúpula passa a
concentrar-se em criar e disseminar conhecimentos;
(4) mudança no estilo gerencial, de "comandar e controlar"
para "facilitar e autorizar";
(5) sistemas sofisticados de comunicação interna (tanto formal quanto
informal), horizontal e vertical;
(6) uso extensivo de grupos ad hoc (interdivisionais e
interfuncionais) focados em forças-tarefa, ao invés de estruturas
organizacionais departamentalizadas e rígidas;
(7) uso deliberado dos recursos humanos internos para disseminação de
conhecimento.
Pode-se observar que as características apontadas pelos autores assemelham-se
ao modelo orgânico dos teóricos da contingência e à Adhocracia proposta por
Mintzberg (2003). São organizações cujas fronteiras são permeáveis, cujos
membros se agrupam temporariamente para atender necessidades do ambiente
externo, onde a comunicação flui de maneira ágil e o conhecimento é
adequadamente disseminado para os níveis em que agregam maior valor.
Independente de tamanho, essas empresas mantêm a ênfase em equipes autônomas de
trabalho, que operam como pequenas empresas individuais. A lógica é manter
grupos, de maneira que os colaboradores tenham um senso de propriedade e sejam
responsáveis pelos resultados. Isso encoraja uma cultura de autonomia e tomada
de risco, não compatível com o ambiente de uma grande organização
verticalizada.
A flexibilização de estruturas e a criação de unidades autônomas de negócios
geram, inevitavelmente, dificuldades de coordenação e controle para as
organizações, aspectos esses já identificados por Lawrence e Lorsch (1967). A
transformação de estruturas verticalizadas e mecânicas em horizontais e
orgânicas, mais aptas à criação e à adoção de inovações, não se dá sem
transformações profundas no contexto sociocultural das empresas. Dessa forma, a
eficácia dos modelos flexíveis é condicionada pela maneira como as lideranças
lidam com aspectos de gestão de pessoas, tais como a cultura e políticas e
práticas de Recursos Humanos que favoreçam trabalhos em equipes
multidisciplinares, flexibilidade das funções, polivalência dos membros
organizacionais, autonomia, comunicação e aprendizagem (Jimenez-Jimenez &
Sanz-Valle, 2008).
Estudos recentes investigaram as relações entre as políticas e práticas de
gestão de pessoas e as inovações nas organizações (Leede & Looise, 2005;
Jimenez-Jimenez & Sanz-Valle, 2008; Parolin & Albuquerque, 2009). De
fato, apesar de parecer existir uma relação próxima entre inovação e gestão de
pessoas, poucos trabalhos têm investigado esse fenômeno.
Leede e Looise (2005) propuseram um modelo em dois níveis que visa integrar as
duas perspectivas teóricas. O primeiro nível contempla ações de gestão de
pessoas necessárias para a construção de um modelo organizacional inovador,
similar à perspectiva apresentada por Tidd et al. (2005). Nesse primeiro nível,
Leede e Looise (2005) ressaltam a necessidade de visão compartilhada e
liderança de uma estrutura organizacional flexível e apropriada, indivíduos-
chave, treinamento e desenvolvimento, alto grau de envolvimento e
comprometimento por parte dos colaboradores, trabalho em equipes
multidisciplinares e um clima que favoreça a criatividade. No segundo nível
contemplam práticas de gestão de pessoas que apoiem os diversos estágios das
organizações. Como exemplos, podem-se citar a liderança e o papel da média
gerência para as inovações, os elementos de trabalhos em projeto e em equipe, a
criatividade de colaboradores etc.
Mais recentemente, Jimenez-Jimenez e Sanz-Valle (2008) também propuseram um
modelo que avalia as relações entre inovação e gestão de recursos humanos e de
ambas no desempenho das inovações. Para os autores, a capacidade de inovação de
uma empresa reside na inteligência, na imaginação e na criatividade de seus
funcionários. Consequentemente, é necessário um conjunto de políticas e
práticas de recursos humanos que possa identificar, desenvolver, avaliar e
recompensar comportamentos de trabalho que sejam consistentes com objetivos
organizacionais de inovação. Jimenez-Jimenez e Sanz-Valle (2008) entendem que
esse conjunto de políticas e práticas de recursos humanos incluem: o desenho
flexível das funções e o empowerment dos colaboradores; o trabalho em equipes
multidisciplinares; o recrutamento de pessoas polivalentes e que se adequem à
cultura organizacional; o treinamento extensivo e de longo prazo; amplas
oportunidades de carreira; a avaliação de desempenho baseada em comportamentos
alinhados à inovação; o sistema de remuneração orgânico, associado
positivamente à inovação. Em estudo realizado com 173 empresas espanholas, os
autores concluíram que esse conjunto de políticas e práticas de recursos
humanos tende a incentivar a inovação nas organizações.
Apesar dos resultados positivos, os autores (Leede & Looise, 2005; Jimenez-
Jimenez & Sanz-Valle, 2008; Parolin & Albuquerque, 2009) argumentam que
a adoção de um conjunto de políticas e práticas de gestão de pessoas que tem o
potencial de favorecer a inovação precisa estar alinhado a uma estratégia
organizacional mais ampla que contemple a inovação como objetivo de longo
prazo.
A abordagem estratégica para recursos humanos não é recente, surgiu no início
da década de 1980 e ressaltou a importância de alinhar-se a gestão de pessoas à
estratégia organizacional (Albuquerque, 1987; Anthony, Perrewé, & Kacmar,
1996; Ulrich, 1998). Albuquerque (1999; 2002) apresenta uma visão sistêmica do
alinhamento da estratégia de gestão de pessoas aos objetivos organizacionais.
Para o autor, os diversos subsistemas - a estrutura organizacional, as
relações de trabalho e as políticas de recursos humanos - compõem a
gestão de pessoas. Esses subsistemas, compostos de políticas e práticas, podem
ser combinados de forma a produzir diferentes estratégias.
2.3. Organizações hospitalares e suas características
As organizações hospitalares estão inseridas em um setor que emprega grandes
esforços e recursos no desenvolvimento de inovações tecnológicas para
solucionar problemas de saúde ou de doença. Com o objetivo de reduzir os altos
índices de chamados erros médicos (erros assistenciais), as organizações
hospitalares aceleraram investimentos no desenvolvimento de novas tecnologias
diagnósticas e terapêuticas. A despeito disso, não alcançam os resultados
esperados em termos de melhoria de qualidade e redução de custos (Kahtri et
al., 2006; Malik, 2009; Nembhard et al., 2009). Apesar de as inovações nas
tecnologias médicas serem críticas para a assistência e a redução de erros na
saúde, parece que não são suficientes para superar eventos adversos que emergem
do contexto organizacional.
De acordo com Hwang e Christensen (2008), inovações trouxeram conveniência e
redução de custos para consumidores de diversas indústrias. No setor da saúde,
os serviços permanecem extremamente caros e inacessíveis a muitos consumidores.
Porter e Teisberg (2004) sugerem ainda que na indústria da saúde os custos são
crescentes, a despeito dos esforços para reduzi-los. Os serviços são restritos
e racionados, a maioria dos pacientes recebe assistência com padrões inferiores
àqueles considerados desejáveis e persiste um alto índice de erros evitáveis
nos processos. Para esses autores, à semelhança do que se encontra nos textos
de Hwang e Christensen (2008), a solução reside na alteração do modelo de
gestão e na forma de competição da indústria.
Trabalhos recentes têm investigado as variáveis organizacionais e de gestão de
pessoas que compõem o modelo organizacional dos hospitais e que dificultam a
implementação bem-sucedida de inovações (Weick & Sutcliff, 2003; Khatri et
al., 2006; Malik, 2009; Nembhard et al., 2009). Os autores são unânimes em
afirmar que os desafios das instituições da saúde residem não no
desenvolvimento de inovações tecnológicas e sim na superação de aspectos
organizacionais e culturais que se encontram profundamente arraigados na
prática assistencial e impedem a adoção bem-sucedida de inovações. Esses
aspectos podem ser resumidos conforme descrito a seguir.
• A natureza do trabalho é incerta e arriscada, pois pode causar
danos ao consumidor (paciente) e, em geral, está sob a
responsabilidade de um único indivíduo, o médico, que é considerado o
detentor do conhecimento necessário para indicar e conduzir os
tratamentos. Nesse contexto, os profissionais tendem a ser avessos à
tomada de risco e rejeitam inovações, pois temem que elas possam
prejudicar seus pacientes no curto prazo. Adicionalmente, em muitas
instituições, esses profissionais fazem parte de um corpo clínico
aberto, em que os médicos são considerados clientes, o que lhes
confere um grau de discrição no que diz respeito à adoção de
inovações definidas pela organização.
• Determinadascaracterísticas da força de trabalho, específicas do
setor da saúde, contribuem de maneira negativa para a implementação
de inovações. Observa-se, nos últimos anos, um aumento importante no
grau de especialização (por exemplo, os médicos podem se especializar
em mais de 120 disciplinas, os enfermeiros em mais de 50). Nesse
contexto, a colaboração para realizar um tratamento de qualidade
torna-se fundamental. No entanto, estudos do Institute of Medicine
(2001; 2004) indicam que a interação entre profissionais da saúde é
rara. Isso é atribuído à cultura hierárquica e individualista das
profissões. Por exemplo, o processo de socialização dos médicos os
ensina a serem atores independentes, autoritários, autônomos,
competitivos, conservadores, reativos, rápidos e imparciais. A
identificação profissional que resulta desse processo de socialização
faz com que os profissionais da saúde, em especial os médicos, tenham
baixo grau de identificação com a organização na qual trabalham,
enfatizando o espírito de corpo. Dessa forma, é mais difícil
estimular a colaboração e o aprendizado em grupo, essenciais para a
inovação.
• Os sistemas de controle e mensuração de desempenho são pouco
desenvolvidos. Os profissionais da saúde tendem a acreditar que os
sistemas de acompanhamento de desempenho não refletem a realidade
corretamente e que os dados poderão ser utilizados contra eles. Como
consequência, têm baixo grau de confiança, tanto nas organizações
quanto em seus sistemas. Logo, dados críticos não estão disponíveis
nem para gerar novos conhecimentos e inovações nem para acompanhá-
los, quando em progresso. O acompanhamento contínuo de dados e a
correção de ações são, idealmente, fatores relevantes para a
implementação bem-sucedida de inovações.
A seguir será apresentada a metodologia utilizada para realizar os estudos de
caso.
3. METODOLOGIA
A escolha da metodologia para uma pesquisa depende de seu referencial teórico,
bem como de seus objetivos. A pesquisa aqui relatada foi de natureza
exploratória e descritiva. Dada a natureza deste trabalho, considerou-se a
pesquisa qualitativa como a mais adequada para a investigação do problema em
questão. Os estudos de caso são considerados a melhor alternativa quando o
pesquisador tem pouco controle sobre os eventos que estuda e quando o foco se
encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real
(Yin, 2001), como é o caso da inovação, dos modelos organizacionais e da gestão
de pessoas. Conforme descrito por Einsenhardt e Graebner (2007), o estudo de
caso permite compreender e analisar a dinâmica presente em determinados
contextos.
Os três estudos de caso exploratórios foram realizados no período de 2007 a
2010, baseados em entrevistas semiestruturadas, com membros da alta e da média
gerências. Além disso, foram analisados documentos internos, relatórios das
organizações e seus sites.
As organizações hospitalares estudadas foram escolhidas por fazerem parte de um
seleto grupo de hospitais nos Estados Unidos e no Brasil que têm demonstrado
esforço constante na adoção de inovações e são acreditadas pela Joint
Commission(nos Estados Unidos) e pela Joint Commission International(JCI) (no
Brasil), entidade estadunidense que acredita serviços de saúde. Esse fato
permite afirmar que elas são pelo menos comparáveis em termos de condições para
a prestação de serviços.
A primeira dessas organizações, localizada em Ohio, Estados Unidos, é
constantemente considerada uma das melhores instituições hospitalares desse
país, recebendo há décadas pacientes de todo o mundo. Recebeu o prêmio de
primeiro lugar pelo American Group Medical Association, que reconhece
desempenho excepcional em inovação e avanços na qualidade.
Foram ainda pesquisadas duas instituições em São Paulo, Brasil. Uma delas é um
hospital geral, filantrópico e de grande porte, que se destaca pela adoção
constante de inovações, já tendo sido estudado nesse contexto (Queiroz &
Vasconcelos, 2005). Ela ocupa posição de vanguarda entre as instituições
hospitalares similares da América Latina, tendo sido, em 1999, a primeira
instituição fora dos Estados Unidos a receber a certificação da Joint
Commission International(JCI). Ela também tem sido a primeira classificada no
rankingda América Economia (2012). Além disso, dispõe de certificações ISO em
numerosas áreas. Esse patamar de excelência, documentado segundo parâmetros
internacionais, é plenamente reconhecido pelos clientes. Pesquisa divulgada
pela instituição em 2009 demonstrou que a instituição supera as expectativas de
98% de seus pacientes. Além disso, é conhecida no mercado por possuir as mais
modernas tecnologias médicas, profissionais da saúde do mais alto nível e
serviços de alta qualidade.
A segunda instituição nacional pesquisada é um hospital filantrópico de
referência em cardiologia clínica e cirúrgica que, recentemente, se expandiu
para incorporar novas especialidades com sucesso. Assim como as outras duas
instituições, foi acreditada pela Joint Comission International(JCI) em 2006 e
re-acreditada em 2009. Além disso, dois de seus programas de cuidados foram
acreditados em 2012.
A primeira parte do roteiro de entrevista focalizou os dados específicos dos
entrevistados (idade, formação profissional, escolaridade e especialidade, tipo
de vínculo profissional com a instituição, tempo na instituição e no cargo
atual, número de horas que dedica ao trabalho na organização por semana). Foram
selecionados membros da alta e da média gerências envolvidos com decisões
estratégicas, de inovações e/ou de gestão de pessoas. Na segunda parte, buscou-
se compreender a atividade de cada entrevistado, o setor no qual atua e os
principais órgãos internos ou pessoas da estrutura organizacional com os quais
se relaciona. Finalmente, na terceira teve-se como objetivo levantar dados
específicos sobre as inovações e os processos organizacionais que as permeiam.
Para tanto, perguntou-se quais foram as principais inovações desenvolvidas nos
últimos cinco anos, quais os aspectos da estrutura organizacional favoreceram
ou dificultaram as implementações de inovações, quais as políticas e práticas
de gestão de pessoas são adotadas pela organização, quais os principais
objetivos organizacionais, quais os principais valores organizacionais e quais
foram as dificuldades enfrentadas na implementação das inovações.
Adicionalmente, foram analisados relatórios internos, relatórios anuais e
informações dos sites das três instituições. Essas estratégias permitiram uma
comparação contínua dos dados das diferentes fontes para a sua validação. As
respostas às entrevistas foram cotejadas com os dados formais das organizações
e foram analisadas em função da literatura considerada.
4. A PESQUISA
4.1. Breve histórico das organizações pesquisadas
O primeiro estudo de caso foi realizado no Hospital A em São Paulo, Brasil, no
ano de 2007. Lá foram realizadas dez entrevistas com membros das alta e média
gerências. Esse hospital nasceu da iniciativa de imigrantes no ano de 1955 e
inaugurou sua primeira unidade hospitalar em 1971. Trata-se de um hospital
geral, privado, sem fins lucrativos, que possuía, em 2009, aproximadamente, 500
leitos, 30 salas de cirurgia, 7.000 colaboradores e 6.000 médicos no corpo
clínico aberto. O hospital oferece todo o tipo de serviço assistencial e de
apoio. Em 2009, foram atendidos, aproximadamente, 160.000 pacientes por dia e
realizadas 30.000 cirurgias por ano. A instituição gerou, nesse mesmo ano, uma
receita de R$ 998,1 milhões.
A organização goza de excelente reputação no mercado, que resulta das ações
empreendidas por seus presidentes ao longo dos anos. Depois de sua fundação e
entrada em funcionamento, veio a fase de 1979 a 1985, caracterizada pelo
desenvolvimento da estrutura física. Como exemplo, pode-se mencionar a
construção de um segundo prédio, a fim de oferecer melhor suporte diagnóstico
aos membros do corpo clínico e de despertar neles o interesse de vincular seus
nomes ao do hospital. A fase seguinte, de 1986 a 1994, foi caracterizada pelas
inovações tecnológicas. A instituição adquiriu a reputação de ser o hospital
mais bem equipado, do ponto de vista tecnológico, e um centro de excelência em
São Paulo, no Brasil e na América Latina. O período de 1994 a 2001 foi
caracterizado pelo aumento da concorrência no mercado de hospitais privados em
São Paulo e pelo incremento dos custos associados à assistência. Nesse
contexto, a instituição decidiu estabelecer novos objetivos estratégicos.
Assim, enfatizou a qualidade dos processos e expandiu suas atividades
diagnósticas para o público externo, visando crescimento econômico. Na fase
atual (a partir de 2002 até, pelo menos, 2012), seu presidente busca a
incorporação e a difusão de conhecimento para adotar as Best Practices for
Patient Care (melhores práticas na assistência ao paciente).
A missão e a visão da organização reforçam os objetivos perseguidos:
• Missão -oferecer excelência de qualidade no âmbito da saúde,
da geração do conhecimento e da responsabilidade social, como forma
de evidenciar a contribuição da comunidade imigrante à sociedade
brasileira.
• Visão - ser líder e inovadora na assistência médico-
hospitalar, referência na gestão do conhecimento e reconhecida pelo
comprometimento com a responsabilidade social.
• Valores - honestidade, verdade, integridade, diligência,
justiça, altruísmo, autonomia, profissionalismo e trabalho em equipe.
O segundo estudo de caso foi realizado em uma organização hospitalar (Hospital
B) localizada em Ohio, Estados Unidos, nos anos de 2008 e 2009. Nela foram
realizadas 12 entrevistas com membros das alta e média gerências. Trata-se de
centro médico e acadêmico, sem fins lucrativos, que integra atendimento clínico
e hospitalar a ensino e pesquisa. Essa organização foi fundada em 1921 por
quatro médicos renomados que tinham como objetivo criar uma instituição capaz
de oferecer excelente assistência aos pacientes, baseando-se em princípios de
cooperação, compaixão e inovação. Em 2009, o Hospital B possuía 1.210 leitos,
recebeu aproximadamente 3,7 milhões de visitas, realizou 54.000 internações e
79.000 cirurgias. Nesse mesmo ano, a instituição possuía aproximadamente 7.200
funcionários, dos quais 2.000 são médicos e pesquisadores assalariados.
Essa organização foi considerada a quarta melhor dos Estados Unidos pelo
relatório da 2010-2011 Best Hospitals da US News & World Report(2010).A
publicação avalia 5.000 hospitais nos Estados Unidos para identificar os 16
melhores. Esse trabalho considera índices de mortalidade, segurança dos
pacientes e reputação da instituição com mais de 10.000 especialistas em um
período de três anos. O Hospital B possui o melhor serviço de cardiologia além
de outras 13 especialidades classificadas entre as dez melhores. Uma pesquisa
de satisfação realizada com pacientes que receberam alta demonstra que 79%
indicariam o Hospital B para amigos e familiares, média acima da nacional
(Estados Unidos) que é de 68%.
A missão do Hospital B é prestar assistência na saúde, com compaixão e dentro
dos mais altos padrões de qualidade, em um contexto de ensino e pesquisa. Os
principais valores que sustentam essa missão são: colaboração, comprometimento
com a qualidade e inovação, integridade e comprometimento com os stakeholders.
O terceiro estudo de caso foi realizado no ano de 2010 em uma instituição na
cidade de São Paulo. Nesse hospital, foram entrevistados 16 membros das média e
alta gerências. O Hospital C iniciou suas atividades em 1976 e é uma
instituição sem fins lucrativos e de referência em procedimentos de alta
complexidade. Essa organização faz parte de um projeto mais amplo de uma
comunidade imigrante, que se iniciou em 1918 com ajuda aos órfãos da 1ª Guerra
Mundial e seguiu com a abertura de um hospital em Campos do Jordão, em 1947,
para tratar a tuberculose. Recentemente, expandiu suas atividades para incluir
novas especialidades, tais como ortopedia, oncologia, gastroenterologia,
urologia, neonatologia etc. Esse hospital possuía, em 2009, 229 leitos, 1.930
colaboradores e 933 médicos do corpo clínico aberto. Nesse mesmo período
realizou 11.298 internações e obteve uma receita de R$ 223 milhões.
Essa instituição tem como missão, visão e principais valores:
• Missão - promover com excelência e ética a recuperação da
saúde, atuando com pioneirismo em cardiologia, compartilhando
recursos tecnológicos e conhecimentos com outras especialidades,
associando ensino e pesquisa clínica, valorizando a participação
multiprofissional e multidisciplinar na assistência humanizada,
visando à prevenção e ao bem-estar com qualidade de vida.
• Visão - manter e ampliar o nível da instituição e os
reconhecimentos nacional e internacional, identificando, atraindo e
retendo profissionais com potencial técnico, científico e social.
• Valores - valorização da vida, qualidade, ética, pioneirismo
tecnológico, responsabilidade social e ambiental, ensino e pesquisa,
humanização, valorização e integração profissional.
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Nesta seção, são apresentados os principais resultados da pesquisa de campo.
Primeiramente, são descritas as variáveis organizacionais e de gestão de
pessoas que compõem os modelos organizacionais das três instituições
pesquisadas. Posteriormente, apresentam-se considerações acerca das relações
dessas variáveis com as inovações das organizações pesquisadas. Os dados foram
analisados de maneira a permitir uma comparação contínua dos dados das
diferentes fontes para a sua validação.
No que diz respeito às características dos modelos organizacionais, os
hospitais pesquisados encontram-se em estágios distintos de desenvolvimento
organizacional. O Hospital B possui uma estrutura matricial (Vasconcellos &
Hemsley, 2000) consolidada, com políticas e práticas de gestão de pessoas
alinhadas a esse modelo. O Hospital A, por sua vez, apresenta uma estrutura
similar à burocracia profissional (Mintzberg, 2003) e, nos últimos três anos,
buscou incorporar políticas e práticas de gestão de pessoas que focalizam a
fidelização dos colaboradores, em especial do corpo clínico aberto, e o
incremento no trabalho em equipes multiprofissionais. O Hospital C, apesar de
apresentar uma evolução mais lenta, fez mudanças significativas em sua
estrutura e gestão de pessoas nos últimos dois anos. Evoluiu de uma estrutura
mecanicista (Mintzberg, 2003), com processo decisório centralizado, para um
modelo funcional (Vasconcellos & Hemsley, 2000) e busca caminhos, por meio
de políticas e práticas de gestão de pessoas, para melhorar a comunicação e a
integração das áreas recém-estabelecidas. No Quadro_1 constam as principais
características organizacionais das três instituições, apresentando-as em
função daquelas atribuídas às organizações inovadoras.
O Hospital B possui um modelo organizacional baseado no conceito de equipes
multiprofissionais (group practice). Os especialistas de todas as suas unidades
(17 unidades de saúde da família, 8 hospitais comunitários e 1 centro de
tratamentos de alta complexidade) colaboram para realizar o tratamento de um
determinado paciente. Nesse contexto, os diversos departamentos de
especialidades relacionadas organizam-se em institutos para oferecer um serviço
integrado ao paciente (por exemplo, os institutos de cardiologia, oncologia,
pediátrico etc.). Para integrar as diversas especialidades em institutos, a
organização faz uso de sofisticados recursos da tecnologia da informação. O
primeiro, e mais importante, é o sistema de prontuário eletrônico, que registra
e distribui todas as informações dos pacientes, on-line e em tempo real. O
segundo é um sistema denominado PACS (Picture Archiving System, sistema de
arquivamento de imagens), que permite a rápida distribuição dos exames pela
intranet.
Outro recurso de integração entre as especialidades é o médico da família/
cuidados primários. Esse profissional é responsável por desenvolver e
compartilhar um conhecimento detalhado sobre os pacientes e direcioná-los
internamente às equipes envolvidas no tratamento, desenvolvendo um processo de
regulação interna. Finalmente, os diversos institutos mensuram e divulgam
informações sobre o desempenho de suas atividades em Outcomes Booklets (livros
de resultados), disponíveis no site da empresa. Os booklets trazem indicadores
de qualidade, volume de pacientes, índices de mortalidade, técnicas e
procedimentos médicos, serviços e inovações etc. para a comunidade de
profissionais da saúde.
O Hospital A fez uma alteração relevante em seu modelo organizacional no ano de
2006, quando implementou a atual estrutura, que separou a Prática Médica da
Prática Assistencial e designou o staff corporativo para disseminar e controlar
novos padrões de assistência. O principal objetivo, de acordo com os
entrevistados, foi a necessidade de descentralizar as decisões e torná-las
menos dependentes do conhecimento médico. Desde então, observa-se aumento no
trabalho em equipes multiprofissionais e na participação de seus membros,
especialmente no que diz respeito a projetos especiais - como o da re-
acreditação pela JCI, o da incorporação de novos processos de trabalho etc.
Outro aspecto relevante a destacar é o crescente investimento em treinamento e
desenvolvimento em todos os níveis da organização. O Instituto de Ensino e
Pesquisa (IEP) incentiva a realização de pesquisas e a participação em eventos
científicos, desenvolve a educação continuada para as diversas profissões
(privilegiando ainda as voltadas à saúde), promove seminários para disseminar
conhecimento e organiza a Educação Médica Continuada (EMC) para os médicos do
corpo clínico aberto. Essa última tem colaborado de maneira significativa para
que os médicos do corpo clínico aberto aumentem seu grau de identificação com a
organização e seu conhecimento em relação às práticas assistenciais
estimuladas.
De acordo com Nembhard et al. (2009), a identificação profissional que resulta
do processo de socialização dos profissionais da saúde, em especial os médicos,
faz com que em geral tenham um baixo grau de identificação com a organização na
qual trabalham, fortalecendo o espírito de corpo em detrimento da lealdade para
com a empresa. Dessa forma, é mais difícil estimular a colaboração e o
aprendizado em grupo, essenciais para a inovação. O Hospital A tem adotado
algumas políticas e práticas específicas de gestão de pessoas para aumentar a
identificação dos médicos com a organização, tal como treinamentos, avaliação
de desempenho, processos formais de feed-back e remuneração variável alinhada
aos objetivos de desempenho.
O Hospital C iniciou a descentralização de seu processo decisório recentemente
(2009), com a alteração de uma estrutura mecanicista para uma estrutura
funcional. Como se pode observar pelos dados apresentados na seção "Breve
histórico das organizações pesquisadas", essa organização é menor do que
as outras duas. Por esse motivo, pode ter demorado a realizar um movimento
formal em direção à descentralização, por falta de necessidade. Até
recentemente, o presidente da organização, apoiado pelo conselho consultivo,
tomava todas as decisões - desde compras básicas de medicamentos e
materiais até decisões relacionadas à introdução de inovações tecnológicas. De
acordo com os entrevistados, a queda em faturamento, ocorrida em função do
aumento da concorrência na área de cardiologia (na qual a instituição é
referência), resultou em mudanças importantes para a organização. Foi feito um
esforço deliberado para descentralizar as decisões, teve início a busca pela
acreditação pela JCI e o hospital estimulou o desenvolvimento de novas
especialidades médicas (ortopedia, oncologia etc.) em coerência com a
Cardiologia. Recentemente, observa-se a incorporação de novas políticas e
práticas e gestão de pessoas, entre as quais o estimulo aos trabalhos em
equipes multiprofissionais, o recrutamento de profissionais qualificados, a
avaliação de desempenho por competências (ainda restrito aos níveis
gerenciais).
A seguir, no Quadro_2 apresentam-se as principais políticas e práticas de
gestão de pessoas adotadas pelas três organizações pesquisadas.
No que tange à inovação e ao modelo organizacional, as três organizações
pesquisadas são reconhecidas pela capacidade de incorporar inovações. O
Hospital B pode ser considerado o mais inovador, por ter um histórico de
desenvolvimento de novos produtos e serviços de impacto significativo na área
médica, internacionalmente. Como exemplo, a primeira angiografia coronária
(1958), o primeiro transplante de rins realizado pelo umbigo do paciente
(2007), a primeira cirurgia de transplante quase-total de face dos Estados
Unidos (2008) e o primeiro transplante de coração e rins em paciente com
coração artificial (2009). Em 2009, foram investidos cerca de US$ 300 milhões
em pesquisa e desenvolvimento.
O Hospital A é reconhecido na América Latina por possuir os mais modernos e
sofisticados equipamentos para tratamentos de doenças de alta complexidade.
Adicionalmente, tem realizado várias inovações em processos, como a
incorporação dos equipamentos Pyxis para controle de dispensação de
medicamentos, o prontuário eletrônico e a implementação do PACS (Picture
Archiving System, sistema de arquivamento e distribuição de exames de imagem).
Em 2009, investiu cerca de R$ 20 milhões em pesquisa e desenvolvimento. Foi o
primeiro no Brasil a implantar o equipamento Alpha-Omega, considerado o mais
preciso para tratamento cirúrgico da doença de Parkinson, e o Aquilium One, a
mais moderna tecnologia então existente em tomografia computadorizada.
O Hospital C tornou-se referência na área de cardiologia por ter adquirido
competências similares às de hospitais reconhecidos nos Estados Unidos,
inclusive comparáveis ao do Hospital A. Em 1985, foi o primeiro a realizar
transplantes cardiopulmonares na América Latina. Inovou em serviços ao
incorporar novas especialidades com sucesso, inclusive tornando-se referência
em ortopedia e medicina esportiva. Esse hospital tem desenvolvido inovações
significativas em processos, como a adoção de visitas interdisciplinares para
acompanhamento dos pacientes e incorporação do PACS (Picture Archiving System,
sistema de arquivamento de imagens).
Os dados coletados e analisados nesses três estudos de caso não permitem
relacionar diretamente os aspectos organizacionais e de gestão de pessoas às
inovações mencionadas pelos entrevistados. No entanto, ao comparar os três
hospitais, há dados suficientes para afirmar que a existência de determinadas
variáveis organizacionais e de gestão de pessoas (Leede & Looise, 2005;
Jimenez-Jimenez & Sanz-Valle, 2008; Parolin & Albuquerque, 2009) pode
favorecer a inovação. Além disso, o alinhamento das políticas e práticas de
gestão de pessoas aos objetivos e valores organizacionais, conforme sugerido
por Albuquerque (1999; 2002), tem papel fundamental para a inovação nas
organizações.
No Hospital B, as políticas e práticas de gestão de pessoas são reconhecidas e
identificadas pelos entrevistados como relevantes para os processos de
inovação. Essas políticas e práticas estão alinhadas a uma estratégia
organizacional mais ampla que engloba e comunica, claramente, os objetivos de
inovação e assistência com compaixão, já estabelecidos na sua missão.
Adicionalmente, a identificação dos profissionais da saúde, em especial os
médicos, com a organização é alta e favorece o trabalho em equipes
multidisciplinares, no âmbito dos institutos existentes. De acordo com Nembhard
et al. (2009), o trabalho em equipes multiprofissionais, a identificação do
profissional da saúde com a organização e a adoção de sistemas de controle e
mensuração de desempenho são fundamentais para a inovação nas organizações da
saúde. No caso do Hospital B, todos esses elementos estão presentes.
Nos Hospitais A e C a relação entre os aspectos organizacionais e de gestão de
pessoas e inovação não está evidente. Em primeiro lugar, os objetivos
estratégicos não são claros no que diz respeito à inovação. Para o Hospital A,
o objetivo estratégico é: ser o hospital mais bem equipado em termos de
recursos tecnológicos e humanos na América Latina e ter excelência no
atendimento médico-assistencial. Para o Hospital C, é oferecer aos pacientes
uma assistência humanizada e de excelência. Em segundo lugar, observa-se que as
inovações mencionadas pelos entrevistados dos hospitais A e C são novas para a
firma, o que as distingue da maioria das inovações geradas no Hospital B, ditas
novas para o setor. Finalmente, o volume de inovações no Hospital B é muito
superior aos números dos Hospitais A e C.
Os dados coletados permitem afirmar que, nessas duas instituições, a adoção de
modelos organizacionais mais flexíveis e de políticas e práticas de gestão de
pessoas que estimulem a inovação são muito mais um reflexo das pressões de
mercado e das exigências do processo de acreditação pela JCI do que de
objetivos estratégicos relacionados à inovação. De fato, observa-se nesses
hospitais a adoção de novidades (tanto tecnológicas quanto organizacionais) por
modismo e mimetismo, em linha com outras pesquisas realizadas no setor no
Brasil e apresentadas por Malik (2009).
Esse contexto, no entanto, não é desfavorável para essas duas organizações. A
flexibilização das estruturas organizacionais, o incentivo ao trabalho em
equipes multiprofissionais no âmbito de projetos especiais e a adoção de
políticas e práticas de gestão de pessoas capazes de estimular a inovação,
ainda que restritas a níveis gerenciais e a áreas específicas dos hospitais,
têm contribuído para gerar mudanças na cultura rígida que dificulta a
implementação de inovações de maneira regular. A percepção dos entrevistados é
a de que já há avanços importantes a reconhecer.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhos recentes têm investigado as variáveis organizacionais e de gestão de
pessoas que compõem o modelo organizacional dos hospitais e que dificultam a
implementação bem-sucedida de inovações (Weick & Sutcliff, 2003; Khatri et
al., 2006; Malik, 2009; Nembhard et al., 2009). Os autores são unânimes em
afirmar que os desafios das instituições da saúde residem não no
desenvolvimento de inovações tecnológicas e sim na superação de aspectos
organizacionais e culturais que se encontram profundamente arraigados na
prática clínica e impedem a adoção bem-sucedida de inovações.
Em primeiro lugar, a pesquisa aqui apresentada demonstrou que quando a
estratégia organizacional contempla objetivos de inovação e quando as variáveis
do contexto organizacional e as políticas e práticas de gestão de pessoas estão
alinhados a esses objetivos, a organização da saúde é capaz de superar as
limitações culturais e organizacionais inerentes à sua prática, como é o
exemplo do Hospital B. É tentador, mas não é possível afirmar que nos Estados
Unidos há mais pressões para desenvolver inovações para o setor do que no
Brasil, onde o fato de a firma ser inovadora já é valorizado.
Em segundo lugar, é possível afirmar que as duas organizações brasileiras
estudadas tendem a adotar modelos organizacionais mais flexíveis, em geral para
responder a pressões externas, como o mercado de pacientes, o de operadoras de
saúde e as agências de acreditação. Ambos os hospitais geram inovações
tecnológicas que são novas para as firmas com o intuito de tornarem-se
similares aos seus pares nacionais e internacionais. Esse processo não é ideal,
mas tem proporcionado mudanças importantes na cultura e nas organizações,
facilitando a colaboração, o compartilhamento de conhecimentos e o aprendizado,
relevantes para os processos de inovação.
Tendo em vista as características da pesquisa realizada, suas contribuições
apresentam limitações. Em primeiro lugar, o contexto das organizações estudadas
é restrito. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil (ou mesmo no estado de
São Paulo) há diversos outros hospitais com características diferentes, que
também são inovadores, eventualmente em relação a outros objetos. Pesquisas
futuras poderão analisar número maior de instituições da saúde para
identificar, especificamente, as relações entre determinadas políticas e
práticas de gestão de pessoas e as inovações adotadas.
Finalmente, considerando especificamente o aspecto gestão de pessoas, não
necessariamente a percepção dos gestores representa a realidade organizacional.
Com frequência, aspectos identificados e valorizados pela gerência passam
despercebidos ou são interpretados de forma diferente por atores com atividade
mais técnica (mesmo que com formação equivalente). Em outras palavras, novos
estudos também podem contrastar a maneira pela qual as inovações são
percebidas.