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BrBRHUAp0080-21072013000400005

BrBRHUAp0080-21072013000400005

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0080-2107
ano2013
Issue0004
Article number00005

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Espiritualidade na formação do administrador sob a ótica dos professores: um estudo de caso na Faculdade Gamma

1. INTRODUÇÃO Desde a segunda metade do século XX, muito se tem discutido sobre os reflexos da industrialização e da economia de mercado sobre os indivíduos, a sociedade e o meio ambiente (Ramos, 1983; Ramos & Cardoso, 1989; Aktouf, 1996; Chanlat, 1996; Enriquez, 1997; Dejours, 1999; Random, 2000; Secretan, 2002).

Tais discussões intensificaram-se nos últimos anos que fecharam o século XX e nos primeiros anos do século XXI, revelando que, apesar dos avanços científicos e tecnológicos sem precedentes, que marcam os tempos atuais, tanto no nível macroscópico quanto no microscópico, o mundo pós-moderno, sob a égide da dominante sociedade de mercado, tem dado mostras de seus efeitos nocivos, não no campo individual, mas também no social e no ambiental. Entre esses efeitos, destaca-se a degradação ambiental de todo o planeta, marcada por repercussões climáticas irreversíveis, pela extinção de espécies animais e vegetais, pela escassez de água potável e pela produção e acúmulo crescentes de lixo químico etc. No campo social e político, por sua vez, o quadro não é muito diferente: guerras e conflitos pelo poder, corrupção, fome, pobreza crônica, crimes, violência etc. No campo pessoal ocorre sensação de vazio, ausência de propósito, depressão, perda de valores, uso de drogas, entre outros. Aliás, a necessidade de encontrar sentido para a vida chega a ser considerada como a força motivacional primária dos tempos atuais, marcados por uma sensação de vazio e frustração, também conhecida como "vácuo existencial" (Frankl, 1991). Zohar e Marshall (2002) confirmam essa informação ao sinalizar que diversos pensadores afirmam que a falta de um sentido mais profundo na vida é o problema nevrálgico de nossa época. A inquietação em busca do preenchimento desse vazio existencial é revelada pelos recordes de venda alcançados pelos livros denominados de autoajuda, bem como pela busca, cada vez maior, por seitas, igrejas, filosofias de vida etc.

No universo corporativo, esse vazio decorre tanto de um trabalho fragmentado e destituído de importância, no que diz respeito ao todo, como de relações interpessoais destruídas pelo isolamento e pela competitividade (em que vencer significa derrotar um adversário, fazendo com que haja sempre um perdedor) ou, ainda, da inexistência de uma relação intrapessoal, na medida em que o indivíduo não se (re)conhece.

Por essa razão, nos últimos 25 anos, as teorias administrativas vêm sofrendo uma série de críticas, sobretudo quanto ao seu caráter instrumental (Santos, 2007). Como consequência, muitos têm sido os esforços empreendidos na busca de modelos alternativos e menos instrumentais de gestão. Sob a influência de diversas áreas do conhecimento, tais como a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia e a Filosofia, ao longo desses anos surgiram novas correntes de pensamento (inspiradas pelo paradigma transdisciplinar e holístico) que têm incitado importantes reflexões dentro dos estudos organizacionais. Entre elas, merecem destaque a busca pela humanização das organizações (Aktouf, 1996; Vergara & Branco, 2001), o movimento pela qualidade de vida no trabalho (Rodrigues, 1994) e a busca de sentido no trabalho (Morin, 2001).

Dentro desse contexto, criou-se a expectativa de que as organizações possam criar e manter um ambiente organizacional em que haja uma relação mais saudável com seus funcionários, com a sociedade, com o meio ambiente, enfim, com o planeta como um todo. Em outras palavras, o desafio passou a ser o de considerar o trabalho como parte de algo que, para além dos aspectos materiais, contempla também as dimensões psíquica, social e espiritual inerentes ao ser humano.

Como possível resposta a esse desafio, na década de 1980 do século passado, iniciaram-se as discussões que se intensificaram na década de 1990 sobre a temática da espiritualidade nas organizações. Cavanagh (1999), por exemplo, argumenta que o movimento de espiritualidade nos negócios ajuda as pessoas a tornarem-se mais centradas nas coisas importantes da vida, tais como Deus, as pessoas, a família e um planeta que possa ser deixado como herança para as gerações futuras.

Todavia, apesar do crescente interesse pelo tema nos Estados Unidos (Butts, 1999; Tischler, 1999; King & Crowther, 2004) e em outros países, a revisão de literatura acadêmica revela que, no Brasil, são quase inexistentes os estudos sobre esse assunto. São ainda mais raras as pesquisas que tratem da formação do administrador contemplando a questão da espiritualidade.

Assim, diante do desafio que se apresenta às organizações de considerar o trabalho como parte de algo que, para além dos aspectos materiais, também contemple as dimensões psíquica, social e espiritual do ser humano e da lacuna na teoria sobre a relação entre a formação do administrador e a temática da espiritualidade, o objetivo neste estudo foi entender como tem acontecido a formação do administrador no que tange aos princípios da espiritualidade.

Além desta parte introdutória que representa a primeira seção, este artigo está dividido em mais quatro seções, de forma a atingir-se o objetivo proposto para o estudo. Na segunda seção apresenta-se o referencial teórico que sustenta a investigação. Na terceira seção, dedica-se à metodologia do trabalho, que se caracterizou pela adoção de uma abordagem qualitativa e uma estratégia de estudo de caso simples para levar a cabo o objetivo deste estudo. Na quarta seção, contemplam-se os resultados provenientes da análise do material empírico. Finalmente, na quinta seção, são abordadas as conclusões e as implicações da pesquisa.

2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. Críticas e desafios à formação do administrador A maior parte das críticas feitas ao modelo convencional de formação do administrador está dirigida ao seu caráter excessivamente instrumental, e vem sendo realizada ao longo de décadas (Burkhard & Moggi, 2009). Algumas propostas surgem como alternativas, por exemplo: uma formação baseada também no uso de uma razão substantiva (Ramos, 1983; Fischer, 1984; Ramos & Cardoso, 1989; Motta, 1997); uma formação baseada no desenvolvimento de um pensamento crítico (Aktouf, 1996; Goffee & Hunt, 1998; Saccol & Munck, 2003); uma formação pautada em princípios humanistas (Aktouf, 1996; Vergara & Branco, 2001); uma formação baseada em valores humanos para o despertamento da consciência nas organizações (Barreto & Leal, 2003); uma formação que contemple a questão espiritual (Santos, 2007).

No que diz respeito a uma formação baseada no uso de uma razão substantiva, busca-se amenizar o desequilíbrio entre a racionalidade funcional do modelo tradicional de formação e a racionalidade substantiva. Ramos (1983, p23) aponta a incapacidade de a formação tradicional vigente oferecer diretrizes para a criação de espaços sociais em que os indivíduos possam participar de "relações interpessoais verdadeiramente auto-gratificantes" e emancipatórias. Para Ramos e Cardoso (1989, p. xi), a forma pela qual o modelo dominante é ensinado é "ilusória e desastrosa" por não admitir, explicitamente, sua limitada utilidade funcional, trazendo consequências tanto para o homem como para o planeta.

No que tange à proposta para a formação de um administrador que seja capaz de pensar de forma crítica, em oposição ao simples uso de ferramentas de gestão importadas e, muitas vezes, dissociadas da realidade vivenciada por ele, Goffee e Hunt (1998) apontam que esse profissional deve ser educado a refletir sobre cada situação específica para não procurar respostas universais e sim respostas válidas para cada contexto. Saccol e Munck (2003, p. 85), por sua vez, apontam que, em geral, os métodos tradicionais do ensino de administração ensinam aos alunos o que devem pensar, ficando o "aprender a aprender" ausente do discurso de boa parte dos professores, os quais se comparam a "adestradores". Isso conduz, de acordo com Saccol e Munck (2003), a um ensino superficial, baseado na reprodução do conhecimento. Como possível alternativa para o resgate do pensamento crítico, eles sugerem a utilização do método socrático - a Maiêutica - no ensino de Administração.

Quanto à preocupação com uma formação pautada em valores humanistas, Aktouf (1996, p. 228) aponta que a condição imprescindível para o desempenho positivo da empresa com empregados "mais bem formados, mais felizes, mais serenos, menos doentes, menos frustrados, mais cooperativos, mais responsáveis, menos ausentes, mais criativos" é o respeito à dignidade do ser humano, o qual deve "orientar toda escolha social para que esteja à altura da consciência moral da humanidade". Ao propor o que chama de Administração Renovada, Aktouf (1996) critica a formação marcadamente tecnicista e defende uma perspectiva que enfatiza outros saberes essenciais, tais como a ética, a confiança e a colaboração, capazes de melhor preparar o administrador para lidar com problemas complexos e mais abrangentes.

Por seu turno, uma formação baseada em valores humanos para o despertamento da consciência nas organizações tem o objetivo de formar o ser humano em sua totalidade, aliando o desenvolvimento de competências técnico/científicas com o conhecimento de si mesmo (Barreto & Leal, 2003). Assim, considerando- se o relevante papel das organizações e dos administradores para a sociedade moderna, Barreto e Leal (2003) destacam a necessidade de uma formação mais filosófica, antropológica e psicológica para os administradores. Segundo eles, tal formação seria capaz de propiciar, ao administrador, uma visão sistêmica e uma prática administrativa pautada em valores humanos como concentração, observação, visão interior, sensibilidade e criatividade, os quais assumem um papel preponderante na compreensão dos fenômenos organizacionais, fazendo com que a própria qualidade da gestão seja consequência de ações elevadas, centradas nesses valores.

No que tange a uma formação que contemple a questão espiritual, tal ideia é fortemente influenciada pela perspectiva holística que resgata e insere uma dimensão humana muito afastada da ciência positivista: a espiritual (Burkhard & Moggi, 2009). Sobre isso, Barnett, Krell e Sendry (2000) dizem que não parece muito adequado que faculdades de negócios ensinem técnicas profissionais que negligenciem importantes questões históricas, sociais, éticas e espirituais que as envolvem. Portanto, esses autores reconhecem que o movimento de espiritualidade nas organizações tem sérias implicações para educadores de escolas de negócios, não lhes sendo possível evitar, por muito tempo, o confronto com a necessidade do ensino que contemple a espiritualidade em seus cursos.

Diante desses motivos apresentados, novas formas de educar e formar administradores baseadas em modelos que contemplem a perspectiva espiritual têm sido encontradas na literatura internacional. De fato, alguns autores - e até mesmo universidades - passaram a adotar uma prática pedagógica diferenciada, na qual as questões relativas à espiritualidade exercem um papel preponderante (Neal, 1997; Barnett et al., 2000; Harlos, 2000; Schmidt-Wilk, Heaton & Steingard, 2000).

2.2. Conceitos de espiritualidade Schmidt-Wilk et al. (2000) dizem que as definições de espiritualidade variam de acordo com três correntes: uma define espiritualidade em termos de uma experiência interior pessoal; outra foca em princípios, virtudes, ética, valores, emoções, sabedoria e intuição; e, finalmente, a terceira engloba as duas primeiras e define espiritualidade em termos da relação entre a experiência interior pessoal e suas manifestações em comportamentos externos, princípios e práticas.

Para Bradley e Kauanui (2003, p. 458), espiritualidade é "o desejo, inerente a cada pessoa, por plenitude, por encontrar o significado e propósito último da vida".

Por sua vez, Bell e Taylor (2001) dizem que a espiritualidade pode se relacionar a um sentido de totalidade, criatividade e interdependência, estimulado por uma interpenetração multicultural de diferentes tradições religiosas, e também incluir uma preocupação holística, não necessariamente relacionada à noção do Divino.

Kinjerski e Skrypnek (2004) apontam que a espiritualidade pode ser descrita por uma perspectiva tanto religiosa como metafísica ou, ainda, humanística. Na perspectiva religiosa, o foco está na conexão com Deus. Na metafísica, a espiritualidade é vista como uma crença numa força maior que si mesmo e, na perspectiva humanística, o interesse está na busca pelo significado de experiências fora do ponto de vista religioso e mais no campo das interações humanas.

Por sua vez, outros autores (Boff, 2001) relacionam espiritualidade a um estado de espírito pessoal ou a uma maneira de ser que pode estar vinculada a determinados adjetivos do espírito humano capazes de trazer felicidade tanto para a própria pessoa quanto para outrem.

2.3. Dimensões essenciais à formação espiritual de administradores A partir da revisão da literatura sobre a formação do administrador que contemple a questão espiritual, identificaram-se três dimensões recorrentes: Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade; o que possibilitou a construção do Quadro_1.

A primeira dimensão essencial à formação espiritual do administrador está diretamente relacionada ao desenvolvimento de uma atitude crítica e reflexiva nos alunos, visando despertar sua autoconsciência, ou seja, seu autoconhecimento (Neal, 1997; Schmidt-Wilk et al., 2000; Kinjerski & Skrypnek, 2004). A ideia é a de que o futuro administrador tenha a oportunidade de se (re)conhecer plenamente (inclusive em suas dimensões não materiais), bem como as suas escolhas, e melhor compreender seu papel, tanto como cidadão quanto como profissional.

Ampliando a reflexão do nível pessoal para o coletivo, a segunda dimensão essencial refere-se à necessidade de desenvolver nos estudantes o senso de totalidade e de conectividade, para a integração entre trabalho e espiritualidade, tanto para indivíduos como para organizações (Kinjerski & Skrypnek, 2004). Em outras palavras, é fazer com que o futuro administrador esteja atento ao fato de que as pessoas querem estar envolvidas em um trabalho que lhes traga propósito para a vida, além de perceber que seu trabalho traz algum tipo de contribuição para a sociedade (Ashmos & Duchon, 2000).

É desenvolver a capacidade de pensar sobre o papel significativo e construtivo das empresas na transformação da sociedade, a partir da compreensão de que uma base espiritual para a vida e para os negócios (Schmidt-Wilk et al., 2000).

É o reconhecimento de que essa base espiritual está presente em cada indivíduo e que as organizações também têm uma dimensão espiritual (Marcic, 2000). Essa dimensão essencial visa dar, ao futuro administrador, uma visão da teia unificada do todo da vida e do princípio que por detrás de todas as coisas.

A terceira e última dimensão essencial deriva das duas primeiras. Desenvolver o senso de comunidade significa compreender que o ambiente de trabalho não deve isolar nem alienar as pessoas, mas, ao contrário, fazer com que elas se sintam parte de uma comunidade na qual cada indivíduo está conectado aos demais, num clima de cooperação e solidariedade (Ashmos & Duchon, 2000), e a algo maior que si mesmo (Kinjerski & Skrypnek, 2006).

Entende-se, assim, que as três dimensões essenciais devem estar presentes, de forma integral e complementar, para que se possa identificar se uma determinada instituição de ensino superior (IES) enfatiza uma formação do administrador que contemple a questão espiritual.

Essas três dimensões serviram de base para a construção de todo o desenho empírico-metodológico, inspirando as categorias analíticas, o protocolo de entrevistas e a análise de todo o material empírico.

3. METODOLOGIA: ABORDAGEM QUALITATIVA E ESTUDO DE CASO SIMPLES A pesquisa aqui relatada é qualitativa de caráter exploratório-descritivo, em que se utilizou o estudo de caso simples como estratégia metodológica. A opção pelo estudo de caso ocorreu, basicamente, por três fatores, conforme apontado por Yin (2005): pelo fato de esse método ser indicado para questões focadas no como; pela possibilidade de utilizar, entre outras técnicas, a observação direta, bem como uma série de entrevistas; e, finalmente, pela sua indicação em casos de fenômenos contemporâneos e ainda não totalmente estudados.

3.1. Escolha da unidade de análise empírica Nos estudos exploratório-descritivos, os procedimentos de amostragem (sobretudo numa abordagem qualitativa) são flexíveis, ao contrário do que ocorre em estudos quantitativo-descritivos e experimentais, os quais são caracterizados pela precisão e controle estatísticos (Lakatos & Marconi, 2006). Sendo assim, a delimitação do universo a ser estudado levou em consideração dois pré- requisitos: (1) ser uma IES particular, localizada na Bahia, e que possuísse (2) o seu curso de Administração tendo alcançado a nota máxima em, no mínimo, cinco avaliações promovidas pelo Ministério da Educação nos últimos dez anos. O primeiro pré-requisito diz respeito à conveniência dos pesquisadores. Ambos residiam no estado da Bahia. Esse critério tinha o objetivo de facilitar o processo de investigação da unidade de análise. O segundo pré-requisito teve o propósito de selecionar um curso com um histórico de excelência ao longo do tempo, do que se presume uma maior qualidade na formação do administrador. Como decorrência dos critérios anteriormente apontados e justificados, fez-se uso do tipo não probabilístico de amostra intencional e racionalmente selecionada, o que permitiu chegar à Faculdade Gamma.

De acordo com as informações disponíveis em seu site,a Faculdade Gamma foi fundada em 1989, a partir de sua mantenedora. Seu primeiro concurso vestibular ocorreu no ano seguinte ao da fundação e ofereceu vagas para os cursos de Administração e Tecnologia em Processamento de Dados. Nos anos subsequentes, a instituição optou por uma estratégia de crescimento contida, sem se expandir para uma estrutura multicampi, e, a partir de 1998, passou a oferecer, além da graduação em Administração, as opções de Bacharelado em Ciência da Computação, Psicologia, Direito e Sistemas de Informação. Além disso, a Faculdade Gamma instituiu, a partir de 1999, cursos de pós-graduação, incrementando as atividades de ensino, a pesquisa e a extensão. Atualmente, a IES conta com 11 cursos de pós-graduação, sendo cinco cursos de especialização na área de Administração (MBA), além de quatro cursos relacionados à área de Informática e duas opções em Psicologia.

3.2. Etapas preliminares ao estudo empírico Uma vez obtido o consentimento da IES para a execução da pesquisa, foi realizada uma reunião com o coordenador do curso de Administração, com o intuito de identificar os potenciais entrevistados da pesquisa. Vale ressaltar, nesse sentido, que se sabia que o público-alvo das entrevistas seriam os professores, haja vista a relevância do papel do educador para o processo de ensino-aprendizagem e, em especial, para a inclusão da perspectiva espiritual na formação de administradores. Assim, contando com a decisiva contribuição do coordenador, tendo em vista seu conhecimento da estrutura geral do curso e do perfil das disciplinas, foi analisada a matriz curricular, além do plano de ensino das disciplinas e da lista de professores responsáveis por elas. A partir dessa análise, foi identificado um conjunto de nove grandes áreas do conhecimento, das quais duas se revelaram mais apropriadas aos objetivos do estudo: humano-sociais e teorias organizacionais (Quadro_2).

Dessas duas áreas, foram eleitas nove disciplinas, cujos conteúdos programáticos e objetivos guardavam uma maior proximidade com o tema da pesquisa: Administração de Recursos Humanos, Análise Organizacional, Antropologia e Realidade Brasileira I e II, Filosofia, Gestão Empresarial, Motivação e Liderança, Psicologia Aplicada à Administração e Sociologia Aplicada à Administração. Depois de eleitas as disciplinas de interesse, foram identificados os sete professores que deveriam ser entrevistados, além do próprio coordenador do curso.

3.3. Coleta do material empírico No presente estudo, buscou-se a obtenção de informações por meio de questões abertas, de modo a permitir o aprofundamento de determinados assuntos que emergiram durante a entrevista e que estavam ligados à problemática do estudo, caracterizando-se, assim, como uma entrevista semiestruturada. O protocolo de entrevistas utilizado foi dividido em três partes, inspirado nas três dimensões essenciais à formação espiritual do administrador apresentadas no referencial teórico (Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade). Na primeira parte do protocolo tratou-se de examinar o quão importante os informantes consideram o autoconhecimento dos alunos, para formação do administrador, bem como a sua percepção do quanto (e como) esse autoconhecimento tem sido estimulado (Vida Interior). Na segunda parte, procurou-se obter dos entrevistados o quanto (e como) eles têm estimulado, nos alunos, reflexões acerca do papel construtivo dos negócios e do significado do trabalho (Trabalho Significativo). Finalmente, na terceira parte buscou-se perceber o quanto (e como) os entrevistados têm fomentado, nos alunos, a aceitação da diversidade e da individualidade (Senso de Comunidade). Além disso, buscou-se identificar a existência de ações institucionais relacionadas a cada uma das dimensões trabalhadas pelas três partes anteriormente descritas.

Vale ressaltar que o objeto de que trata cada uma das partes do protocolo de entrevistas foi abordado de diferentes formas, pelas distintas perguntas que compunham cada parte, o que permitiu o alcance de níveis significativos de profundidade compreensiva, a partir da extrapolação e da comparação das respostas dadas a cada formulação do objeto. Todas as entrevistas foram realizadas face a face pelos autores da pesquisa, que buscaram conferir a elas um clima de informalidade e conversação, visando maior conforto psicológico aos entrevistados e, consequentemente, maior naturalidade de sua parte. Foram realizadas oito entrevistas, com uma média de 60 minutos de duração (cada), envolvendo sete professores e o coordenador do curso. Exceto esse último, todos os demais entrevistados eram professores horistas. As entrevistas foram realizadas entre os meses de outubro e novembro de 2007.

Dos oito entrevistados, cinco eram do sexo feminino e três, do masculino. No que diz respeito à experiência docente, dois tinham entre dois e cinco anos de experiência docente, dois eram docentes entre cinco e oito anos e, finalmente, quatro tinham mais de oito anos de experiência docente. No que tange ao tempo de trabalho na IES, dois tinham entre dois e cinco anos, três possuíam entre cinco e oito anos e, por fim, três trabalhavam mais de oito anos. A lista dos entrevistados obedeceu ao seguinte detalhamento: P1 - Professor de Filosofia; P2 - Professor de Motivação e Liderança e Psicologia Aplicada à Administração; P3 - Professor de Análise Organizacional, Motivação e Liderança e Psicologia Aplicada à Administração; P4 - Professor de Antropologia e Realidade Brasileira I e II e Sociologia Aplicada à Administração; P5 - Professor de Gestão Empresarial; P6 - Professor de Administração de Recursos Humanos e Gestão de Pessoas I; P7 - Professor de Análise Organizacional; e C - Coordenador do Curso.

Cabe ressaltar que algumas das disciplinas selecionadas como de interesse para a pesquisa estavam sob a responsabilidade de mais de um professor. Da mesma forma, alguns professores entrevistados eram responsáveis por mais de uma disciplina dentre as selecionadas. Isso possibilitou a comparação de discursos relacionados a uma mesma disciplina. Além disso, embora o coordenador não estivesse exercendo função docente no semestre letivo da entrevista, pode-se considerar relevante a participação dele na pesquisa, tendo em vista sua privilegiada visão geral do curso. Nesse sentido, o protocolo de entrevistas mereceu uma pequena adaptação quando da entrevista com ele, de modo a tirar melhor proveito de sua condição.

Paralelamente às entrevistas semiestruturadas, fez-se o uso da observação. O caderno de campo foi utilizado de forma que todos os eventos julgados de interesse para a pesquisa fossem devidamente registrados no momento em que ocorriam, seja durante as entrevistas, seja nas conversas informais após a entrevista, seja ainda durante o trânsito pelas áreas de interações sociais, sala dos professores, salas de aula etc.

Finalmente, o acesso aos documentos mostrou-se de grande relevância para a pesquisa. Entre os documentos analisados, destacaram-se trechos do siteda Faculdade Gamma, documentos relacionados aos projetos pedagógicos do curso de Administração, bem como o ementário das disciplinas. Um exemplo da importância da interação com tais documentos foi o fato de que, antes mesmo da realização das entrevistas, a análise da matriz curricular do curso e das ementas das disciplinas permitiu a seleção das disciplinas a serem estudadas e, consequentemente, determinar os professores a serem entrevistados.

4. RESULTADOS DA PESQUISA Para esta análise, partiu-se do pressuposto de que a formação espiritual do administrador depende da presença das três dimensões essenciais mencionadas anteriormente: Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade (Figura_1).

No caso da Faculdade Gamma, a análise dos dados permitiu a constatação de que, das três dimensões, apenas Senso de Comunidade foi contemplada pelo curso. Tal fato se deu devido à presença de alguns inibidores da ocorrência de estímulo aos aspectos relacionados às outras duas dimensões (Vida Interior e Trabalho Significativo). Esses inibidores emergiram das falas dos entrevistados, quando da análise das entrevistas, ou das anotações no caderno de campo e dos documentos.

No tópico a seguir, serão apresentados os resultados relativos à dimensão Senso de Comunidade, em virtude de ela ter sido considerada como contemplada pelo curso. Mais adiante, tratar-se-á de explorar, mais intensamente, as razões que explicam o fato de as dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo não terem sido consideradas como contempladas pelo curso, apontando-se os inibidores à sua existência.

4.1. Dimensão Senso de Comunidade: fomento à aceitação da diversidade e da individualidade A análise dos dados relativos à dimensão Senso de Comunidade revelou que são recorrentes os estímulos (inclusive institucionais) à busca da equidade e da justiça na relação com os outros, ao respeito e à aceitação da diversidade e da individualidade, bem como a não utilização de uma postura impositiva para expressar ou compartilhar pressupostos pessoais.

No que se refere aos estímulos institucionais, muitas foram as ações da Faculdade Gamma que tiveram o objetivo de estreitar o relacionamento dela como um todo com as comunidades vizinhas locais, mencionadas pelos entrevistados.

Dentre elas, as mais citadas foram: a Internet Comunitária; os Cursos Livres; as atividades do Núcleo de Esportes, Cultura e Lazer (NECLA); o Balcão de Justiça e Cidadania; e o Núcleo de Aprendizagem e Desenvolvimento Cognitivo.

Além desses exemplos institucionais, diversas práticas e recursos didáticos cotidianos foram apresentados como viabilizadores desses estímulos, dentre eles os próprios trabalhos interdisciplinares semestrais. Esses, especificamente, foram o recurso mais apontado para estimular os aspectos relacionados aos elementos essenciais da dimensão Senso de Comunidade, tendo em vista a sua dinâmica de envolver momentos distintos, tais como a formação das equipes, a distribuição das tarefas individuais para a construção do trabalho e a apresentação. De acordo com os relatos, cada uma das etapas para a consecução dos trabalhos interdisciplinares semestrais representa uma rica oportunidade de desenvolvimento do senso de comunidade. Na formação das equipes, por exemplo, alguns professores, quando necessário, chegam a interferir, no sentido de evitar ações preconceituosas e formação de panelinhas. Nas outras fases a descoberta e o aproveitamento da diversidade de habilidades e competências entre os membros de cada equipe acabaram oportunizando o desenvolvimento de tal senso.

Muitos entrevistados afirmaram, ainda, que o fato de não adotarem uma postura de donos da verdade serve como exemplo de não utilização de uma postura impositiva para expressar ou compartilhar pressupostos pessoais, além de contribuir para a aceitação da diversidade e para a geração de um clima de cooperação (entrevistados P2, P3, P4, P5 e P7). Outros exemplos incluem os debates e discussões em sala de aula, decorrentes do uso dos painéis simples e integrados como recurso didático, em que os professores atuam como mediadores (entrevistados P1, P5 e P7).

Assim, diante dessas evidências, quanto à existência de estímulos aos aspectos relacionados à dimensão Senso de Comunidade, foi possível concluir que essa dimensão é contemplada pelo curso. O mesmo não se pode dizer, entretanto, das dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo, para as quais a análise dos dados revelou o caráter desafiador de tratar o tema espiritualidade na educação de administradores, conforme mostra-se na seção seguinte.

4.2. Dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo Verificou-se, na fala dos entrevistados, uma série de aspectos inibidores à ocorrência de estímulos às dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo.

Quatro desses inibidores são comuns a ambas as dimensões, existindo, ainda, um quinto inibidor ligado, especificamente, à dimensão Trabalho Significativo, conforme consta no Quadro_3.

Antes da apresentação dos quatro inibidores comuns a ambas as dimensões, é importante considerar que, no caso específico da dimensão Trabalho Significativo, a análise dos dados revelou que a metade dos professores não crê numa das dimensões essenciais para uma formação do administrador que contemple a espiritualidade, qual seja, a de que as pessoas estão buscando sentido para as suas vidas por meio de seus trabalhos e que, além disso, estão preocupadas com a contribuição de seus trabalhos para a sociedade. Na opinião de P4, por exemplo, as pessoas "não conseguem perceber o trabalho como uma dimensão maior que aquela relacionada ao dinheiro, [...] fora do plano do concreto". Para P1 e P5, o trabalho representa tão somente uma condição de sobrevivência, enquanto que, para P6, se trata apenas de uma forma de manter o padrão de vida.

Com base nessas afirmações, não se pode pretender alcançar a formação espiritual de administradores num contexto em que o próprio professor não acredita nas bases essenciais para tal formação. Assim, esse fato, por si , implicaria na impossibilidade do desenvolvimento da dimensão Trabalho Significativo e, consequentemente, da inclusão da questão espiritual na formação do administrador, uma vez que, como visto, as três dimensões precisam ser integralmente contempladas para que haja a ocorrência da formação espiritual do administrador.

Contudo, independentemente desse inibidor, especificamente relacionado à dimensão Trabalho Significativo, ainda foram observados outros quatro inibidores ou limitadores que, além de relacionarem-se com a dimensão Trabalho Significativo, também diziam respeito à dimensão Vida Interior. Esses inibidores estão afeitos: ao perfil tecnicista do curso; à postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade; à atitude do docente de receio em tratar da questão da espiritualidade; e à estrutura física e à concepção pedagógica da IES. Além disso, tais inibidores agem de forma conjunta e concomitante, fazendo com que a ação de um gere ou reforce a ação do outro, potencializando seus efeitos.

4.2.1. Inibidor 1: perfil tecnicista do curso de Administração O primeiro inibidor está relacionado a algumas características do curso e traz um conjunto de implicações. Como visto no referencial teórico, a formação tradicional do administrador sempre teve uma perspectiva muito pragmática, baseada, sobremaneira, na racionalidade instrumental. No caso da Faculdade Gamma, indícios de que ela siga a mesma orientação, uma vez que, apesar da sensibilidade em relação ao tema e do engajamento demonstrado pelos professores, eles próprios reconhecem que o curso tem um perfil tecnicista.

Aliás, todos os entrevistados concordam (alguns, veladamente) que a necessidade de romper com essa realidade e contrapor uma perspectiva mais substantiva à formação em Administração, uma vez que tal perfil representa, segundo eles, uma das dificuldades de trabalhar questões e assuntos menos convencionais (entrevistados P3, P4, P5, C, P6 e P7).

Algumas declarações são ilustrativas dessa percepção, tais como "a gente esbarra sempre nessa visão, digamos, extremamente instrumental, que a gente vai encontrar na maioria dos livros: a razão, o predomínio dessa racionalidade econômica [...]" (P3); ou ainda "eu acredito que existe, pelo menos, uma tentativa de a gente pensar dessa forma, mas numa formação cartesiana e positivista tão rigorosa é um pouco mais difícil" (P2). Além dessas, outras falas corroboram e confirmam a percepção quanto ao perfil tecnicista do curso. Por exemplo, o próprio coordenador, ao falar sobre os objetivos do curso, o dividiu em quatro grandes áreas, das quais apenas uma (Gestão de Pessoas) dizia respeito ao elemento humano nas organizações. E mais, ainda se referiu às disciplinas "Antropologia, Sociologia e outras mais" como tendo um caráter complementar.

Essa característica do curso acaba trazendo consequências que limitam o alcance (e, até mesmo, a existência) dos estímulos pretendidos na formação espiritual de administradores, tanto no contexto das disciplinas, individualmente, como do curso como um todo. P2, por exemplo, ao reconhecer a importância do autoconhecimento para a formação do administrador, afirma: "sempre que possível, eu acho importante trazer esse aluno à autoconsciência de que é um ser humano [...] que tem uma dimensão sagrada, importante para ele entrar em contato com ele mesmo". Contudo, ao responder sobre os estímulos aos alunos, no sentido de levá-los à reflexão sobre si mesmos e sua dimensão espiritual, P2, com ar de pesar, desabafa: "o espaço que a gente tem dentro da instituição é muito pequeno para a gente estar trazendo muitas impressões a respeito disso (sic)". Outra possível consequência do perfil tecnicista do curso é a necessidade, percebida e apontada por alguns professores, de aumentar o número de disciplinas que trabalhem uma perspectiva mais substantiva e menos pragmática, de forma que essa abordagem não fique restrita a apenas algumas poucas disciplinas (P2, P4 e P7). No entanto, mesmo quando questões menos pragmáticas e racionais são abordadas em alguma disciplina, , ainda, certa limitação, em termos de profundidade e abrangência do plano de ensino de cada uma delas, em relação aos estímulos pretendidos para uma significativa formação espiritual do administrador. A esse respeito, P1 sinaliza: "acho que a gente não pode contar que ela [a disciplina] tenha essa capacidade de resolver ou despertar alguém acerca da sua própria essência". Nesse sentido, uma análise do plano de ensino da disciplina Psicologia Aplicada à Administração, por exemplo, revela limitações quanto à abrangência de seus conteúdos para que se possa trabalhar a dimensão espiritual do aluno. Nele estão previstos conteúdos e indicações de leitura que contemplam a dimensão emocional (inteligência emocional), mas nada apresenta, por exemplo, sobre a inteligência espiritual, ou ainda, sobre a Psicologia transpessoal, apesar de haver referências em língua portuguesa sobre ambos os assuntos, os quais estão afeitos à temática da Espiritualidade nas Organizações.

Assim, na opinião de alguns professores, essa questão do perfil tecnicista do curso (e todas as suas consequências) parece possuir conexão com os fatores relacionados ao segundo inibidor (postura do aluno, que será vista mais adiante) e, mais especificamente, àquilo que o aluno está buscando ao se matricular no curso.

Um exemplo pode ser extraído da entrevista de P5, que foi coordenador do mesmo curso, ao falar sobre o perfil do curso: "é um perfil pragmático, é um perfil tecnicista. O mercado... as empresas acabam importando...". E justifica: "[...] o próprio aluno, ele quer ver ferramenta em aplicação". Esse pensamento é confirmado por P7 quando diz: Num curso de Administração [...], geralmente quando a pessoa vai fazer, mais pensando em empresas, em resultados, em lucros, ? [...] É isso o que a gente identifica. Não pode generalizar, ? Mas, de uma maneira geral, [...] muitas vezes, eles vão com essa necessidade e muito daquilo o que a gente trabalha, também, às vezes, reforça essa questão desse pragmatismo, desse quantitativismo [...], porque o aluno querendo se posicionar no mercado (sic).

, portanto, o indício de uma relação entre esse aspecto instrumental e tecnicista que marca o perfil dos cursos de Administração em geral (e o da Faculdade Gamma, em especial) e as razões que levaram o aluno para o curso, conforme mostra o item que segue.

4.2.2. Inibidor 2: postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade De acordo com a fala dos entrevistados, existem alguns fatores relacionados à postura do aluno enquanto aspecto inibidor das dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo. O primeiro deles diz respeito às razões que levaram esse aluno a escolher o curso de Administração. Como visto, alguns professores têm o entendimento de que o aluno está buscando ferramentas técnicas para atender às necessidades do mercado, de que ele quer assegurar seu futuro no mercado profissional e está interessado em status social e profissional por meio do curso (P5). As opiniões, entretanto, são diversas. Na perspectiva de P1, por exemplo: Em torno de 20% querem ascensão profissional [...], 40% são alunos cujos pais são empresários e precisam desse menino para assinar projetos [ou] documentos na JUCEB, ou pensam na cadeia sucessória [...]; a outra parte resolve fazer Administração por conta do pai ou da mãe, ou ainda algum parente ser administrador.

Por sua vez, P3 afirma que, com base em suas observações, "a maioria das pessoas que estão cursando o primeiro semestre de Administração não escolheu tal profissão como primeira opção". Levando-se em consideração essa observação e associando-a à afirmação de que "esses alunos não sabem muito bem o que eles querem" (P4), um outro fator relacionado à postura do aluno vem à tona: a imaturidade.

Os relatos dos entrevistados mostram que são diversas as manifestações de imaturidade dos alunos. Também revelam que, em geral, os alunos do turno vespertino apresentam mais manifestações de imaturidade, devido à faixa etária ser mais baixa (entrevistados P1 e P4). Independentemente disso, um fato apontado por muitos entrevistados é de que a imaturidade representa um problema sério nos dois primeiros semestres do curso (P1). Entre as formas de manifestação da imaturidade está, por exemplo, a resistência e a insensibilidade a determinados assuntos e/ou atividades (entrevistados P1, P4 e P6). Sobre esse aspecto, C diz: apesar de tentar levá-lo à reflexão, muitas vezes, por conta da imaturidade ou por causa de ele mesmo achar que aquilo não é importante, a gente não retorno disso, não resultado ou o resultado não é o esperado.

Por sua vez, P6 se pergunta: como quebrar a resistência do próprio aluno, porque, muitas vezes, ele acha que falar de questões espirituais é baboseira, que é brincadeira, que o professor não aula, [então], quando você coloca um pouco de responsabilidade na mão dele, ele acha que não está aprendendo, que ele não está estudando (sic).

E, no que diz respeito à resistência ao próprio autoconhecimento, a mesma entrevistada desabafa: "alguns, na verdade, não querem se conhecer, alguns não querem, na verdade, se aprofundar nas suas próprias dificuldades (sic)".

Na medida em que vão ocorrendo e se repetindo essas atitudes de resistência dos alunos, diminui (quando não se anula) a disposição do educador em tratar de determinadas questões ligadas à espiritualidade ou a assuntos relacionados à temática do autoconhecimento, seja por temor, seja por desconforto.

4.2.3. Inibidor 3: atitude do docente de receio em tratar da questão da espiritualidade Outro fator inibidor de uma formação que contemple a espiritualidade na formação do administrador está relacionado à atitude do docente de receio em tratar da questão da espiritualidade. Segundo a fala dos entrevistados, o receio de serem mal interpretados e, até mesmo, acusados de estarem fazendo proselitismo religioso (P3, P4 e C) tem funcionado com um fator inibidor para tratar da espiritualidade. Sobre esse aspecto, demonstrando visível desconforto, C revela: Eu tive a impressão de que certo temor, muitas vezes, em relação à discussão sobre esse tema na sala de aula, porque, muitas vezes, o professor me parece que tem o receio de ficar parecendo que está, talvez, induzindo o aluno para algum caminho que, não necessariamente, é o caminho que o aluno vai escolher e que reação os alunos vão ter a esse tipo de discussão na sala de aula (sic).

Embora reconheça a relevância do tema, P4 confirma o sentimento presente na citação anterior ao afirmar: São questões importantes que, talvez, vão ajudar esse ser humano a se perceber como participante, como responsável por tudo isso, porque sai um pouco do concreto, do técnico, indo para outro lado, e esse outro lado é muito difícil de trabalhar, e sabe qual é o perigo? Cair no plano do espiritualismo, do religioso. Porque quando você começa a falar num bem comum, fazer o bem, nós fomos educados pra pensar que esse bem é um bem religioso (sic).

4.2.4. Inibidor 4: estrutura física e concepção pedagógica da Instituição de Ensino Superior O último inibidor de estímulos à aplicação dos princípios da espiritualidade na formação dos administradores da Faculdade Gamma está relacionado à estrutura física e à concepção pedagógica da IES. De acordo com P3, a estrutura das salas de aula é um obstáculo à percepção do próprio corpo físico, seja por conta da disposição das cadeiras, seja pelos limites impostos pelas paredes. Em suas palavras: acho que falta espaço para o corpo e para o espírito [...]. Como é que a gente pode trabalhar e falar das coisas do espírito, da espiritualidade, dessa religação com algo maior que nós, se esse corpo não é respeitado, se esse corpo é aprisionado? Outro aspecto que inibe uma formação do administrador que contemple a questão da espiritualidade é a inexistência de uma preocupação com a temática no projeto pedagógico do curso de Administração. Por meio da análise dos documentos, percebeu-se que não havia menções na proposta pedagógica sobre a questão da espiritualidade na formação do administrador. Se houvesse tal preocupação, talvez ações pedagógicas que contemplassem a perspectiva espiritual acontecessem de forma mais concreta.

5. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES Apesar do crescente interesse de estudiosos de diversas áreas do conhecimento sobre a espiritualidade, essa temática ainda é considerada recente dentro dos estudos organizacionais. Nesse sentido, justifica-se uma pesquisa em que se buscou entender como acontece uma formação do administrador que contemple a questão espiritual. A carência de referencial teórico, no Brasil, foi determinante para as escolhas teórico-metodológicas da presente pesquisa que assumiram fortes características descritivo-exploratórias. Por essa razão, nenhuma hipótese foi inicialmente levantada, buscando-se que os dados falassem por si sós, na medida em que emergiam.

Assim, ao investigar como tem sido a formação espiritual de administradores, sob a ótica dos professores e no contexto específico da Faculdade Gamma, constatou-se que, das três dimensões essenciais à formação espiritual do administrador (Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade), apenas uma (Senso de Comunidade) pôde ser considerada como contemplada pelo curso. As outras duas dimensões, por sua vez, não puderam ser assim consideradas, tendo em vista a presença de alguns inibidores das dimensões essenciais à formação do administrador que contemple a espiritualidade.

Quatro desses inibidores são comuns a ambas as dimensões, existindo, ainda, um quinto inibidor ligado, especificamente, à dimensão Trabalho Significativo. Em relação a esse inibidor, a análise dos dados revelou que a metade dos professores não crê num dos principais pressupostos da espiritualidade nas organizações, qual seja, o de que as pessoas estão buscando sentido para as suas vidas, por meio de seus labores, e, além disso, estão preocupadas com a contribuição de seus trabalhos para a sociedade. Esse aspecto foi entendido como um inibidor, pois não se pode pretender alcançar a formação espiritual de administradores num contexto em que o próprio educador não acredita nas bases essenciais para tal formação.

Em relação aos quatro outros inibidores identificados, dois estão diretamente relacionados ao ator IES (perfil tecnicista do curso de Administração e estrutura física e concepção pedagógica da instituição), enquanto os outros dois (postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade e atitude do docente de receio em tratar da questão) estão ligados, respectivamente, aos atores aluno e professor, embora tais inibidores se influenciem mutuamente.

A presente pesquisa aponta três implicações diretamente relacionadas a esses inibidores. A primeira delas sugere que as IES que desejem contemplar, de forma integral, as três dimensões da espiritualidade na formação do administrador deverão criar um contexto que favoreça esse objetivo. Isso pode acontecer por meio da adoção de uma proposta pedagógica mais completa e que contemple claramente a questão da espiritualidade como um pilar no desenvolvimento das competências dos seus estudantes, com uma ação conjunta e coordenada de todos os três atores do processo de ensino-aprendizagem (aluno, professor e instituição). Dito de outra forma, todos esses três atores têm um papel relevante para que se cumpra o objetivo pretendido, sobretudo quando se tenciona incluir a perspectiva espiritual em tal processo.

A segunda implicação está ligada à primeira e afeita ao inibidoratitude do docente de receio em tratar da questão da espiritualidade. Como visto, a ação desse inibidor relaciona-se a alguns aspectos que fragilizam o papel do educador no processo de ensino-aprendizagem, considerando-se a perspectiva espiritual: o ceticismo quanto aos pressupostos da espiritualidade, o receio de ser acusado de fazer proselitismo religioso e a falta de domínio técnico e conceitual para lidar com o tema. Dessa forma, as IES que desejem proporcionar uma formação espiritual para os administradores devem buscar educadores verdadeiramente engajados e comprometidos com seu próprio autoconhecimento (Neal, 1997; Harlos, 2000) e com a formação integral do ser humano. Além disso, devem estar dispostos a incluir a perspectiva espiritual em sua práxis pedagógica, sem a adoção de uma postura impositiva, mas, ao contrário, de forma isenta, buscando promover um contexto seguro para o aprendizado sobre espiritualidade, bem como viabilizando um processo de questionamento criativo e respeitoso, além de não defensivo (Barnett et al., 2000).

Ademais, nesse sentido, as IES devem favorecer e estimular a capacitação desses educadores, habilitando-os a utilizar ferramentas pedagógicas, tais como alegorias, dinâmicas, vivências e modelos teóricos que estimulem o autoconhecimento dos alunos, em suas dimensões física, psíquica e moral- espiritual (Harlos, 2000; Lewis & Geroy, 2000). Desse modo, os educadores devem ensinar os alunos a analisar as organizações em sua dimensão moral- espiritual, bem como a utilizar ensinamentos espirituais no dia a dia das relações, inclusive para gerir organizações (Lewis & Geroy, 2000; Marcic, 2000).

Por fim, a terceira implicação, ligada às duas primeiras, diz respeito ao inibidor postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade. Como visto, existem alguns fatores, intimamente interligados, que dizem respeito a essa postura do aluno: as razões que levaram esse aluno a escolher o curso de Administração e, mais especificamente, naquela determinada IES; a imaturidade do aluno; e a visão limitada que o aluno tem quanto ao papel do professor de mero transmissor de conteúdos técnicos. Ao que parece, uma única ação institucional poderia eliminar os efeitos desse inibidor: o claro posicionamento institucional quanto aos objetivos e ao perfil do curso. Em outras palavras, as IES que desejem contemplar as três dimensões essenciais da espiritualidade na formação de administradores deverão se posicionar de forma clara quanto à inclusão da perspectiva espiritual em sua proposta pedagógica, de modo a atrair estudantes interessados nesse tipo específico de formação mais holística e menos pragmática. Com isso, espera-se, no mínimo, a redução da ocorrência dos aspectos relacionados ao inibidor postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade.

Finalmente, é importante considerar que esta investigação apresenta alguns limites. O primeiro deles refere-se à amplitude da pesquisa no próprio contexto da Faculdade Gamma. Considerando-se uma concepção mais interacionista, sabe-se que os docentes não são os únicos responsáveis pelo processo de ensino- aprendizagem. Assim, esta investigação possui uma limitação ao se explorar a formação espiritual do administrador apenas sob a ótica dos professores. O segundo limite diz respeito à abrangência do estudo. Levando-se em consideração que se trata somente de um estudo de caso simples, esta pesquisa possui apenas validade interna, não podendo ser generalizada para outras realidades.

Apesar das limitações quanto à amplitude e à abrangência do presente estudo, acredita-se que o quadro de referência desenvolvido para atrelar as contribuições teóricas sobre a formação espiritual de administradores com as três dimensões essenciais propostas por Neal (1997), Ashmos e Duchon (2000), Barnett et al. (2000), Lewis e Geroy (2000), Schmidt-Wilk et al. (2000) e Kinjerski e Skrypnek (2004), dentre outros autores, pode ser útil em pesquisas futuras sobre o tema.

Este trabalho abre espaço para futuras pesquisas sobre a temática da espiritualidade na formação do administrador. Por exemplo, seria interessante explorar a formação desse profissional a partir de investigações, dimensões e tipologias diferentes daquelas discutidas nesta investigação, tais como as pesquisas recentes de Tombaugh, Mayfield e Durand (2011), Banyhamdan, Harrim e Al-Qutop (2012), dentre outras. Outros estudos poderiam ampliar a abrangência deste, buscando explorar a ocorrência da espiritualidade na formação do administrador a partir da realidade de escolas de Administração de uma cidade, de um estado ou mesmo de uma região. Outra investigação poderia analisar exemplos de escolas de negócios que se preocuparam em inserir a temática da espiritualidade em seus projetos pedagógicos e quais foram as repercussões dessa opção para a formação do administrador. Outros estudos poderiam, ainda, explorar a ocorrência da espiritualidade na formação do administrador em escolas de Administração ligadas a IES confessionais, podendo estabelecer uma comparação com a realidade encontrada em instituições não confessionais. Essas são algumas das ideias de investigação que podem ser implementadas com o objetivo de trazer progressos a uma área de pesquisa ainda bastante embrionária no Brasil.

Assim, espera-se que este trabalho sirva de estímulo à realização de novas pesquisas no campo da formação espiritual de administradores e profissionais em geral, que estejam atentos à necessidade de transformar a realidade biopsicossocial da humanidade e do planeta.


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