Marketing de lugar: estado da arte e perspectivas futuras
1. INTRODUÇÃO
O aumento da popularidade do estudo de marketing de lugar durante as últimas
três décadas pode causar a impressão de ele ser um fenômeno recente; no
entanto, há tempos cada localidade sente a necessidade de diferenciar-se das
outras, a fim de afirmar sua individualidade e características distintas,
desenvolvendo vetores de atratividade nos âmbitos econômico, político ou
psicossocial. A tentativa consciente dos governos de moldar uma identidade
local especificamente projetada e promovê-la aos mercados identificados, seja
interna, seja externamente, é quase tão antiga quanto o próprio governo
(Ashworth & Voogd,_1994).
Na produção acadêmica, o tema pode ser apresentado como marketingterritorial,
marketing geográfico, marketing público, marketing urbano e marketing de
localidade (Minciotti & Silva,_2011). O conceito ganhou notoriedade como
marketing de cidades na década de 1980, porém, em razão de sua limitação à
municipalidade, foi posteriormente designado por Kotler,_Haider_e_Rein_(1993)
como marketing de lugares em função de sua abrangência. Independentemente da
nomenclatura, seu real significado relaciona-se à aplicação do processo de
troca estabelecido pelo conceito de marketing entre determinada região, cidade,
estado ou país e os habitantes locais, visitantes, organizações e investidores
com o objetivo de gerar valor às partes envolvidas.
As pesquisas sobre o tema em publicações nacionais apresentam a perspectiva de
aplicação do marketing às localidades em um contexto abrangente (Vainer,
2000;Almeida,_2004;Sánchez,_2010;Minciotti & Silva,_2011), assim como a
associação da marca-país e o efeito país de origem por parte de organizações em
processo de internacionalização (Crescitelli & Giraldi,_2009:Giraldi_&
Ikeda,_2009;Machado,_2013). Vale ressaltar que, partindo desse escopo, aspectos
da imagem do Brasil no cenário internacional também estão presentes nos estudos
nacionais, principalmente no que se refere ao campo do turismo.
Desde o início da década de 1980, grande número de trabalhos internacionais,
principalmente no continente europeu, foi publicado e hoje há uma extensa
literatura sobre o tema; entretanto, isso não significa um corpo uniforme de
escritos. Assim, o marketing de lugar é conceituado a partir de ângulos
diferentes e há, evidentemente, diferentes pontos de vista e abordagens na
literatura devido a seu caráter multidisciplinar. A maioria dos estudos nesse
campo de pesquisa busca conceituar marketing de lugar com referência ao
desenvolvimento urbano das regiões e usa o conceito para denotar atividades
desenvolvidas para o fortalecimento da atratividade e competitividade de um
lugar com foco em mercados externos. Muitas vezes, o conceito é usado como
sinônimo de comercialização e promoção de lugar por meio de uma marca, porém,
parece ainda não estar claro o que cada conceito significa e como eles se
relacionam. Grande parte dos estudos nesse campo de pesquisa apresenta
preocupação em analisar criticamente as forças motrizes, as expressões e os
efeitos dos desenvolvimentos urbanos espetaculares e sua promoção (Gold_&
Ward,_1994;Eisinger,_2000).
Em menor número, os estudos que enfatizam a essência do pensamento de marketing
dentro do conceito não são suficientemente objetivos e claros no que diz
respeito à aplicação das atividades de marketing para o desenvolvimento de um
lugar. Enquanto alguns têm uma perspectiva das melhores práticas e abordam o
marketing de lugar como um processo de gestão (Kotler_et_al.,_1993; Rainisto,
2003), outros abordam marketing de lugar como uma teoria de gerenciamento de
marca com orientação para o mercado (Asworth & Voogd,_1990;Asworth_&
Kavaratzis,_2008;Berglund & Olsson,_2009).
No que diz respeito à metodologia aplicada, a maior parte da literatura utiliza
estudos de caso em cidades de certo sucesso em termos de competitividade
internacional (Millington,_2002; Niedomysl,_2004). Embora haja número crescente
de estudos de casos que trata da gestão de problemas e das possibilidades
competitivas de pequenas e remotas regiões (Nyseth & Viken,_2009), nota-se
uma falta de conhecimento geral e sistemática sobre como lugares com diferentes
condições podem reforçar sua atratividade e competitividade. Em linha com esse
raciocínio, há também a necessidade de estabelecer um quadro analítico para a
estruturação de estudos empíricos que caracterizem a prática crescente
geralmente referida como marketing de lugar.
O objetivo primordial neste trabalho é contribuir não só para um repensar da
natureza e do significado do marketing de lugar presente na literatura, como
também para sua aplicação prática. Nesta análise, considera-se a extensão dos
conceitos, das estratégias e das práticas do marketing para o âmbito de
lugares, caracterizando a disciplina como uma importante ferramenta para a
gerência das trocas que ocorrem no âmbito territorial com vistas ao
desenvolvimento socioeconômico das localidades por meio das técnicas de
marketing. Para tanto, em primeiro lugar descrevem-se as três principais
perspectivas do desenvolvimento histórico do marketing de lugar, uma vez que
esse conceito se consolidou ao longo do tempo passando por fases distintas, mas
convergentes. Nesse sentido, a delimitação do assunto ocorre sob a perspectiva
puramente promocional, a perspectiva do marketing como instrumento de
planejamento estratégico e a perspectiva de branding como ferramenta de
gerenciamento de localidades. Em segundo lugar apresenta-se um composto
analítico-conceitual dessas perspectivas no intuito de colaborar com a
estruturação de investigações futuras, contribuindo com o reconhecimento e o
crescimento de sua participação na produção acadêmica nacional.
2. ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DO MARKETING DE LUGAR
O marketing de lugar é analisado em função de diferentes abordagens
características de sua natureza multidisciplinar. A maioria dos estudos busca
conceituá-lo com referência ao desenvolvimento sustentável do local, visando
satisfazer segmentos-alvo, identificados como atual e potencial, com o intuito
de criar, ou gerar, valor positivo aos envolvidos, bem como fortalecer a
atratividade e a competitividade de um lugar com foco em mercados externos e
internos. O tema que é hoje amplamente pesquisado e praticado tem se
desenvolvido ao longo do tempo por fases distintas que diferem não só em sua
sofisticação, mas também em suas abordagens e objetivos (Ashworth_&
Kavaratzis,_2008). Essas fases podem ser agrupadas sob três perspectivas
amplamente desenvolvidas – promoção, planejameno e branding –, mas que não
necessariamente seguiram um cronograma específico, tampouco apresentam uma
distinção claramente definida. Ainda, cada etapa não foi substituída pela
seguinte, mas coexistem, de modo que, a qualquer momento, aspectos
característicos de determinada fase podem ser encontrados agindo sobre o mesmo
objeto. Nesse contexto, nota-se que o progresso de um estágio para o seguinte
baseia-se em um resultado da crescente compreensão e experiência da aplicação
do marketing no planejamento estratégico de lugares.
2.1. Perspectiva promocional – place promotion
A obra de Lynch_(1960) representa um marco teórico para o início da concepção
do marketing aplicado a lugares sob uma perspectiva puramente promocional.
Grande parte dos estudos empíricos nessa linha de pesquisa busca descrever os
aspectos da atividade promocional como uma ferramenta para a comercialização de
cidades. Esse entendimento do conceito de marketing de lugar é abordado sob a
premissa do uso consciente da publicidade e de outras atividades promocionais
para comunicar imagens seletivas de localidades e áreas geográficas específicas
para um público-alvo (Griffiths,_1998; Hall & Hubbard,_1998; Ward,_1998;
Short & Kim,_1999).
A promoção ufanista, conforme descrito em muitos casos por Gold_e_Ward_(1994),
não surgiu de uma ideia do século XIX, mas como uma reação à crescente
competitividade entre lugares ocasionada por nacionalização e globalização dos
mercados. A necessidade de colonização agrícola em terras recém-assentadas
envolvia tanto a venda da própria terra como a promoção das cidades e de seus
serviços para atender os primeiros moradores. Agências governamentais,
ferrovias, empresas de desenvolvimento imobiliário entre outros facilitadores
fizeram pleno uso de dispositivos promocionais para atrair tanto os
agricultores como exploradores de terras (Ashworth & Kavaratzis,_2008).
Da mesma forma, no decorrer do século XIX, o desenvolvimento urbano apresenta
uma tendência de diversidade funcional, quando uma maior diferenciação das
especificidades das regiões tornou-se aparente em sistemas urbanos cada vez
mais amadurecidos. Nesse contexto, nota-se que o elemento turístico das
localidades faz parte do início do processo de desenvolvimento de marketing de
lugares. Com o despertar das primeiras sociedades para o acesso à mobilidade e
ao lazer na Europa Continental e na América do Norte, a difusão da venda de
terras em estâncias turísticas aumentou, dando início ao processo de
diferenciação de regiões balneárias e montanhosas em relação aos demais lugares
(Berglund & Olsson,_2010).
Posteriormente, o foco foi a promoção do lugar industrial, onde a ênfase não
era exatamente a venda da terra, mas a promoção de inúmeros incentivos para
atração de indústrias (Ward,_1998). Essa abordagem preocupava-se com a geração
de empregos na indústria, atraindo empresas com subsídios, promessas de custos
baixos de operação, além de ampla possibilidade de habitação, educação, lazer e
vantagens culturais em relação aos potenciais rivais (Burgess,_1982).
À medida que a economia industrial foi sendo substituída pela economia de
serviços, as ações promocionais passaram a direcionar seus esforços aos
trabalhadores em localidades que apresentavam certo nível de crescimento. Havia
ainda tentativas de atrair plantas de outras localidades, mas a essência das
mensagens promocionais incluía a melhoria de infraestrutura, formação
profissional e a boa cooperação público-privada. As propostas continuavam não
só a mencionar os custos baixos de operação, mas também abordavam a
profissionalização da comunidade local e a noção de qualidade de vida com foco
em lazer, além da crescente popularidade das indústrias culturais como motores
do crescimento e do desenvolvimento econômico (Florida,_2002).
Na literatura empírica, muita atenção é dedicada à forma como os lugares são
retratados, ou seja, o conteúdo das imagens apresentadas pela promoção do
local. Gold_e_Ward_(1994) identificaram vários estudos que apontam conclusões
semelhantes em relação às imagens promovidas. Na busca por diferenciação, o
posicionamento das localidades parece ser padronizado em contextos promocionais
que comunicam mensagens semelhantes. Assim, muitos estudos indicam uma série de
declarações de posicionamento recorrentes atribuídas à localidade, como
“exclusivo”, “reinventado na cultura urbana”, “dinâmico e vibrante” e “central,
com a localização vantajosa” (Barke & Harrop,_1994; Griffiths,_1998;
Holcomb,_1999; Berglund & Olsson,_2009). Em contrapartida, pesquisas
críticas questionam a forma como lugares são retratados e argumentam que suas
imagens são higienizadas e simplificadas e, assim, transmitidas seletivamente,
representando uma dentre as muitas maneiras de retratar a realidade (Gold_&
Ward,_1994; Barke,_1999; Holcomb,_1999).
Vale considerar que as imagens que determinados lugares possuem são, na
verdade, estereótipos culturais mundialmente compartilhados que perduram mesmo
quando os consumidores experimentam os produtos do país ou interagem com sua
cultura e atributos de formação de sua identidade. Além disso, as localidades
precisam projetar uma imagem forte e substancial para atrair potenciais
compradores, por meio de um posicionamento original e diferenciado. Para
Gertner_e_Kotler_(2004), as imagens que as pessoas têm de um país muitas vezes
não passam de simplificações extremas que não correspondem necessariamente à
realidade. Com frequência, baseiam-se em informação desatualizada, em exceções
em vez de padrões, em interpretações em vez de fatos.
Mesmo em seu caráter limitado, porém introdutório ao marketing de lugar, a
perspectiva promocional permite compreender que é necessário examinar e mapear
a cultura da região, as características, os costumes, e entender como esses
recursos podem beneficiar sua imagem. Aspectos geográficos como clima,
natureza, localização e atrações famosas são fatores decisivos na construção
dos atributos que formam a imagem de uma localidade, mas não atuam de forma
isolada. Devem ser levados em conta outros elementos de formação de sua
identidade como os setores econômicos, que determinam parcialmente as vantagens
competitivas do lugar em conjunto com sua indústria, recursos e legislação.
Ainda, a política é parte integrante das relações acima citadas e é um
importante canal de informação por meio da diplomacia e da influência na
consolidação da imagem de um lugar.
Na sequência do processo de evolução do conceito de marketing de lugar,
surgiram os primeiros estudos referentes ao planejamento estratégico, em que se
evidencia que muitos lugares desejam crescer, transformando sua infraestrutura
física por meio de desenvolvimentos urbanos modernos, criação de instalações de
alta tecnologia, implementando estratégias de desenvolvimento econômico e
gerenciando uma imagem forte no intuito de atrair grupos de investidores que
possam gerar novas oportunidades, prosperidade e crescimento. Esse conceito
pode ser considerado mais do que simplesmente a realização de algumas
atividades promocionais de curto prazo, mas incorpora iniciativas de
planejamento específicas destinadas a iniciar um processo de incentivo à
atração de novos investimentos para melhorar a infraestrutura e fortalecer os
serviços públicos e privados.
2.2. Perspectiva de planejamento – place planning
Porter_(1989) afirma que, ao longo da década de 1980, alguns lugares
aperfeiçoaram sua visão de desenvolvimento para um esquema mais amplo de
técnicas e incorporaram a suas ações de administração pública estratégias
sofisticadas de marketing tendo como objetivo atingir compradores específicos e
fazendo com que os recursos da comunidade pudessem responder às necessidades e
aos desejos dos públicos de interesse em mercados competitivos. Nesse cenário,
argumenta-se que todos os lugares, independentemente de sua posição econômica
mundial, precisam ser comercializados, a fim de lidar com mudanças internas e
externas. Dessa forma, o fortalecimento da competitividade e a atratividade de
um lugar passam a ser uma questão de sobrevivência e a única estratégia
sustentável de longo prazo que assegure o desenvolvimento social e econômico da
localidade (Kotler_et_al.,_1993).
Nessa fase, nota-se a influência das atividades de marketing de forma a
ultrapassar as barreiras corporativas e a concepção de aplicação do marketing
exclusivamente nas organizações de bens de consumo (Kotler & Levy,_1969).
Nesse contexto, o uso do marketing e das ferramentas de planejamento
estratégico passam a ser pesquisadas e replicadas em prol do desenvolvimento de
comunidades, cidades e países no intuito de impulsionar exportações, atrair
indústrias e investidores, ampliar a captação de visitantes, residentes e
eventos (Rainisto,_2003). O conceito de planejamento estratégico de marketing
aplicado a lugares implica ação em vez de reação, considerando a necessidade de
a localidade ser adaptável às mudanças e aproveitar as oportunidades dos
cenários. Essa perspectiva fomenta uma linha de pesquisa prescritiva que visa
descrever a importância do marketingde lugar, as partes interessadas que devem
estar envolvidas no processo, os grupos que devem ser alvo, e como executar os
programas de ação da melhor maneira possível (Kotler_et_al.,_1993).
2.2.1. Pesquisas prescritivas
As pesquisas que tratam dessa perspectiva do marketing de lugar apresentam
diretrizes gerais de como trabalhar a fim de atrair mercados externos. A
premissa principal propõe um quadro linear de planejamento estratégico, que
inclui uma auditoria sistemática de lugar; declarações de visão e formulação de
planejamento de metas e estratégias; realização de um plano de ação;
implementação e avaliação (Ashworth & Voogd,_1990;Kotler_et_al.,_1993;
Rainisto,_2003). Nessa acepção, é explicitamente notável que o marketing de
lugar envolva muito mais do que a atividade de promoção. Para Kavaratzis_
(2009), na verdade, a auditoria sistemática de lugar é a tarefa mais importante
do processo de planejamento, ao passo que a promoção, isoladamente, não seria
capaz de lidar com os desafios propostos pela competitividade.
Principalmente concentradas no modelo de como atrair novos investimentos, novos
moradores e visitantes, as pesquisas prescritivas dessa fase retratam
preocupações embasadas na forma de satisfazer a demanda dos mercados externos.
Os mercados internos, ou seja, aqueles que já vivem, trabalham e fazem negócios
em determinado lugar, são considerados elementos representativos da localidade
e, acima de tudo, vistos como produtores indiretos em vez de consumidores
finais (Haider,_1992; Kotler_et_al.,_1993; Rainisto,_2003).
Partindo desse escopo, Gertner_e_Kotler_(2004) enumeram os principais mercados-
alvo que um local pode tentar atrair em suas atividades de marketing:
* visitantes – constituído pelo grupo de visitantes a negócios e a lazer;
* moradores e trabalhadores – grupo formado por profissionais
especializados, pessoas de alto poder aquisitivo, investidores e
empreendedores;
* negócios e indústrias – que podem variar entre indústrias montadoras, de
tecnologia e prestadores de serviço;
* mercados de exportação – incluindo a capacidade de uma nação produzir
bens e serviços que outros lugares, pessoas e empresas estejam dispostos
a comprar.
2.2.2. Pesquisas críticas
Estabelecendo um contra-argumento ao modelo de planejamento estratégico de
marketing aplicado aos lugares em que se nota uma preocupação excessiva com
atração de públicos externos, surge uma corrente crítica de pensamento que
parte de uma perspectiva na qual o marketing de lugar é encarado como uma ideia
neoliberal (Nyseth & Viken,_2009) e visto como uma prática de negócios não
aplicável à gestão e ao planejamento público (Gold & Ward,_1994). Mais
precisamente, nessa linha de fundamentação, observa-se o conceito com uma
preocupação sociocultural e questiona-se o papel ideológico que marketing de
lugar exerce nas sociedades capitalistas (Harvey,_1989;Eisinger,_2000).
Na pesquisa crítica, há muito ceticismo em relação à hipótese de que a prática
de investimentos em marketing de lugar aumente a prosperidade de determinada
região e, no longo prazo, crie condições para melhorar o bem-estar social. Para
Harvey_(1989) e Crilley_(1993), tais iniciativas ocorrem à custa do
investimento na melhoria das condições sociais das comunidades e, ainda, as
populações ricas são priorizadas em detrimento dos pobres, assim como os
mercados externos são priorizados em detrimento do mercado interno. Além disso,
observa-se que o planejamento urbano sem preocupação com comunidades locais
pode contribuir para a polarização de injustiças sociais (Judd & Fainstein,
1999; Eisinger,_2000).
A pesquisa crítica também chama a atenção para o papel ideológico do conceito e
da prática do marketing de lugar. No âmago da crítica, reside a argumentação de
que a fabricação de paisagens urbanas espetaculares e das imagens que as
acompanham não só dá origem às injustiças sociais e culturais, mas, de fato,
servem como um subterfúgio para desviar a atenção dos cidadãos locais evitando
a contestação popular dessas desigualdades. Assim, o viés característico nesse
campo crítico aponta uma dupla especificidade do marketingde lugar: uma vez que
as cidades são redesenhadas para atrair mercados externos, as comunidades
locais são convencidas dos benefícios de tais empreitadas. Nesse sentido, a
aprovação das populações locais é compreendida como um processo de falsa
consciência das relações sociais que visa legitimar e naturalizar as práticas
do marketing na administração de cidades e países (Hall & Hubbard,_1996;
Hall & Hubbard,_1998).
2.2.3. Pesquisas conceituais
Entre o fim da década de 1980 e início dos anos de 1990, as pesquisas
conceituais sobre o tema, menos extensas em comparação a outros tipos de
pesquisa, relacionam o conceito de marketing de lugar ao planejamento público,
definindo-o como uma aplicação integral do pensamento e gestão de marketing no
planejamento da administração pública (Asworth & Voogd,_1988; Borchert,
1994). Assim, na pesquisa conceitual, marketing de lugar é definido como uma
maneira de pensar e trabalhar o planejamento público com base na teoria de
marketing como uma atividade social e sem fins lucrativos, que não deve ser
confundida com comercialização de lugares e ideias neoliberais de como
organizar a sociedade (Asworth & Voogd,_1990).
Ashworth_e_Voogd_(1990) abordam o conceito, de certa forma, como sinônimo de
planejamento de mercado e apresentam uma visão da maneira como o pensamento de
marketing pode ser aplicado no planejamento público com o objetivo de
estabelecer uma nova relação entre os lugares e seus usuários. Os autores
descrevem marketing de lugar como um planejamento de orientação para o mercado
no qual os locais são analisados como produtos, constituídos por recursos
moldados de acordo com as necessidades e os desejos dos mercados-alvo. Nesse
contexto, a demanda é um construto central, porém, vagamente definido e é
tratado como um composto de necessidades e desejos dos mercados internos e
externos (Ashworth & Voogd,_1990;Berglund & Olsson,_2010).
Ashworth_e_Kavaratzis_(2008) apontam para a necessidade de diálogos inclusivos
em que as partes interessadas devem chegar a um consenso sobre a visão, os
objetivos e as ações de marketing do lugar. Berglund_e_Olsson_(2009) defendem o
tema a partir da participação dos cidadãos no intuito de obter conhecimento
sobre a demanda dos mercados internos por meio de técnicas de pesquisa como um
complemento para o desenvolvimento do marketing de lugar. Portanto, o marketing
de lugar não é visto como uma forma de atração de mercados externos apenas,
como na maioria das pesquisas nesse campo de desenvolvimento. Pelo contrário, é
visto como uma forma de pensamento com orientação para o mercado interno e que
pode ser aplicado em todos os aspectos da administração pública, especialmente
na área de planejamento urbano.
Nota-se que há duas visões diferentes sobre o significado do marketing de lugar
como uma prática de planejamento. Nos primeiros estudos, trataram com maior
ênfase o processo de planejamento linear e aparentemente racional presente na
abordagem prescritiva. Trabalhos contemporâneos, no entanto, chamam a atenção
explicitamente para o marketing de lugar como uma ferramenta que envolve um
grande número de interessados, incluindo os cidadãos, no processo de
planejamento.
Com o objetivo de aperfeiçoar e evoluir o conceito, os estudos e as práticas de
marketing de lugar passaram a trafegar em uma área correlata que agregou
importantes considerações a esse campo do conhecimento. O surgimento da
concepção de lugar como marca é um processo que retrata uma visão estratégica
competitiva e atraente para a localidade. Nesse contexto, o objetivo é buscar a
valorização de um lugar em função de seus atributos, pontos fortes e
comportamentos positivos em relação ao local. Essa dimensão pode oferecer um
espectro mais amplo de investigação, uma vez que tem atraído interesse das
áreas de sociologia, história, geografia, política, marketing e comunicação. No
entanto, o branding de lugares permanece uma área predominantemente prática, na
qual a pesquisa acadêmica, apesar do crescimento, tem sido relativamente lenta
em acumular e avançar no conhecimento.
2.3. Perspectiva de marca – place branding
Nos últimos anos, o foco no debate sobre marketing de lugar vem se deslocando
para uma perspectiva de branding (Ashworth & Kavaratzis,_2008). Um
indicador da atual popularidade do conceito de lugar como marca pode ser
representado no grande número de artigos publicados em periódicos
internacionais desde 2000, na proliferação de livros sobre o tema e no aumento
significativo de investimento em branding de lugares em diferentes escalas –
países, regiões, cidades, distritos (Lucarelli & Berg,_2011). Entretanto,
essa prática vem demonstrando alguns desencontros conceituais que limitam seu
papel em explorar oportunidades reais de desenvolvimento de lugares
(Kavaratzis,_2005). Tais interpretações envolvem os aspectos de determinação
dos atributos que compõem a marca de um lugar, assim como a participação de
diferentes públicos de interesse no gerenciamento dessa marca e a diversidade
de mercados-alvo que representam diferentes níveis de atratividade para uma
localidade.
A introdução de rankings de marcas de cidades, como o AnholtGMI City Brands
Index (Anholt,_2008), pode exemplificar esse novo esforço, muito embora a
análise de lugares sob essa perspectiva seja mais antiga e ancorada nas
estratégias de marcas corporativas (Knox & Bickerton,_2003). Pesquisas e
práticas de branding demonstram tratar-se de uma potente ferramenta para as
empresas obterem vantagem competitiva no mercado gerando valor tanto para o
produtor como para os consumidores (Keller,_1993). O alcance e o poder
estratégico das atividades das marcas provocaram uma série de estudos na área,
com o objetivo de explorar o assunto a partir de diversas perspectivas,
enriquecendo a compreensão do problema por meio do desenvolvimento de uma
variedade de conceitos, como identidade, imagem e personalidade de marca
(Aaker,_1997;Kapferer,_2000).
Kavaratzis_e_Ashworth_(2005) sugerem que os lugares são entidades passíveis de
branding se suas características podem diferenciá-los uns dos outros. Tais
esforços para diferenciar lugares têm sido frequentemente observados nos
últimos anos, como o aumento da intensidade de competição por recursos,
investidores, força de trabalho qualificada e visitantes (Van_Den_Berg_&
Braun,_1999; Gertner & Kotler,_2002). Nesse contexto, o branding de lugar
refere-se à aplicação de estratégias adequadas, a fim de diferenciar cidades,
regiões e países da concorrência, no que diz respeito ao desenvolvimento
econômico, social, político e cultural.
A perspectiva de estudo de lugar como marca pode ser fundamentalmente diferente
de marcas de produtos, mas isso não significa que lugares não possam ser
trabalhados como marcas corporativas (Shimp,_Saeed & Madden,_1993). Dentro
dessa especificidade, observa-se que o branding corporativo e de lugares têm
raízes multidisciplinares, envolvem diversos grupos de interesse, têm um alto
nível de intangibilidade e complexidade, lidam com múltiplas identidades e
precisam de um desenvolvimento de longo prazo. Tal diversidade é levantada por
Kavaratzis_(2005), que demonstra que as pesquisas sobre branding de lugar
englobam inúmeras iniciativas, incluindo temas como o lugar de origem (place of
origin branding), cultura e entretenimento (culture and entertainment
branding), países (nation branding) e turismo (destination branding).
Dessa forma, o gerenciamento de marcas corporativas aplicado ao contexto de
lugares pode fornecer valiosas possibilidades de pesquisas e práticas do
marketing de lugar (Govers & Go,_2009). Em estudos realizados, destaca-se a
gestão da imagem da marca do lugar, sugerindo tratar-se de uma ferramenta
estratégica para atrair investimento doméstico ou estrangeiro e melhorar as
condições urbanas (Warnaby,_2009). Partindo desse princípio, os administradores
de lugares têm percebido que, na concorrência por habitantes, empresas,
estudantes e visitantes, não é suficiente investir em infraestrutura,
equipamentos culturais e outras amenidades; sendo assim, a imagem de um lugar
pode valorizar sua atratividade e desenvolvimento econômico no longo prazo
(Ashwporth & Voogd,_1990;Van_Den_Berg & Braun,_1999).
A partir de extensa literatura, nota-se que desenvolver o brandingde lugar é um
processo dotado de maior complexidade em relação a produtos e serviços, uma vez
que envolve muitos fatores e associações a serem considerados, tais como
geografia, atrações, recursos naturais, produtos locais, características dos
moradores, turistas, instituições e infraestrutura (Dinnie,_2004). Mais
especificamente, pode-se sugerir que os atributos de lugares são difíceis de
definir, incluindo sua imagem e as associações numerosas que evocam em oposição
a bens e serviços. Além disso, a propriedade da marca de um local é incerta
devido à existência de múltiplos grupos de interesse (Anholt,_2007).
3. ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO
Nos achados da literatura, há interesse crescente no estudo do marketing de
lugar dentro da academia, e seu desenvolvimento apresenta nitidamente uma
influência de conhecimentos agregados oriundos de outras disciplinas. Desde o
início da década de 1980, grande número de pesquisas foi publicado, entretanto
a uniformidade do conteúdo conceitual ainda parece padecer de definições claras
e objetivas.
Na Figura_1 apresentam-se as descrições das fases evolutivas do conceito. O
marketing de lugar é observado a partir de ângulos diversos e há,
evidentemente, diferentes pontos de vista e abordagens na literatura devido a
seu caráter multidisciplinar. No entanto, há também consenso sobre a
necessidade de adequar a aplicação do marketing de lugar, enfatizando-se que as
localidades devem, de fato, ser comercializadas de forma tão eficiente quanto o
mercado de produtos e serviços.
Figura 1 Resumo das Perspectivas de Marketing de Lugar
Perspectiva Período Objetivos Características
Promocional Século XIX Venda de bens tangíveis – terras/casas. Diversidade e diferenciação funcional urbana. Foco apenas promocional.
Promocional De 1930 a 1970 Crescimento do setor Industrial. Promoção de incentivos para a indústria, crescimento do setor e criação de
empregos de manufatura.
Promocional Década de 1980 Comercialização das cidades. Simples promoção do lugar, seus serviços e atrações a fim de incentivar o
consumo das cidades por diferentes públicos.
Planejamento Início da década de Comercialização do espaço pós-industrial. Intervenções para melhoria do espaço urbano em reação à intensa competitividade
1990 entre regiões.
Planejamento Meio da década de Atender às necessidades dos residentes, atrair investimentos e Uso do marketing como instrumento de planejamento social e econômico. Aumento
1990 turismo. da qualidade de vida, melhoria da infraestrutura e cooperação público-privada.
Planejamento Final da década de Atração de mercados externos e correção de imagens. Mudar imagens desgastadas ou melhorar imagens neutras. Maior concentração de
1990 propagandas e mensagens da imagem dos lugares.
Branding Início da década de Identificar e gerenciar associações com o lugar. Uso do branding corporativo como instrumento de gerenciamento de lugar como
2000 marca. Foco no aspecto comunicativo dentro das atividades de marketing.
Branding Final da década de Priorizar o mercado interno e construir uma marca competitiva. Maior compreensão da complexidade do assunto. Desenvolvimento de atributos
2000 físicos e emocionais favoráveis a todos os públicos de interesse.
Fonte: Adaptado de Ashworth_e_Kavaratzis_(2008).
A perspectiva promocional permite compreender que é necessário diagnosticar o
construto formador da identidade regional a fim de corretamente gerenciar sua
imagem. Esse aspecto relaciona-se com a perspectiva de branding, em que se
sugere que as características dos lugares podem diferenciá-los uns dos outros
em um cenário competitivo. Na perspectiva de planejamento, enfatiza-se que
muitas localidades desejam evoluir e aprimorar sua infraestrutura implementando
estratégias de desenvolvimento econômico e gerenciando uma imagem forte com
foco em diferentes grupos de interesse que possam gerar prosperidade.
É possível notar fases de avanços, principalmente do fragmentado conceito de
promoção local dos últimos dois séculos, quando, na prática, foi adotada a
implementação de atividades puramente promocionais empreendidas por atores
independentes com interesse em comercializar a localidade. Posteriormente, a
atenção deslocou-se para a tentativa de descobrir o que potenciais consumidores
desejavam experimentar, abrindo espaço para que as ações de planejamento
estratégico de marketing pudessem ser praticadas ao lado de outras técnicas de
planejamento e administração dos lugares. Finalmente, o estudo se estabelece em
um estágio aparentemente mais refinado e orientado para os mercados interno e
externo, em que as criações de outras formas de representação de lugares e as
principais preocupações sobre a imagem transcendem a mera publicidade e, assim,
as localidades são gerenciadas no intuito de desenvolver ações de branding.
Vale ressaltar que a maior parte das pesquisas na área começa a partir de uma
perspectiva espacial ou de marketing, em que, na primeira, tende-se a registrar
grande parte de trabalhos de conteúdo crítico e, na segunda, apresenta-se um
ponto de partida que fomenta uma investigação prescritiva ou conceitual. É
notável, ainda, que parece haver uma dificuldade por parte de alguns
pesquisadores em tentar avançar as generalizações com base em seus trabalhos
empíricos. Quaisquer teorias ou modelos utilizados são geralmente emprestados
da pesquisa em marketing, entretanto, essa perspectiva deve considerar o fato
de que os lugares não são produtos espacialmente estendidos, sendo necessária
maior preocupação com as consequências dessa espacialidade. A partir da análise
dos processos de evolução constatados na literatura, é possível considerar que
parece haver certa lacuna sobre a compreensão do tema. No entanto, como
Lucarelli_e_Berg_(2011) demonstram, há um volume notável de trabalhos
publicados na área, por isso é improvável que a dificuldade de progresso
teórico esteja relacionada com a falta de interesse. Sendo assim, parece mais
provável que a falta de avanços que estabeleça um terreno comum para a
comunidade acadêmica esteja relacionada com a complexidade natural desse campo
de estudo.
Por fim, a pesquisa em marketing de lugar não se limita a um campo científico,
em vez disso é um campo multidisciplinar de investigação, que envolve uma gama
de perspectivas, diferentes pontos de partida, terminologias, estruturas
teóricas e abordagens empíricas. Embora envolver uma gama de disciplinas seja
claramente vantajoso, também há um risco evidente de desentendimento em uma
seara que atravessa fronteiras disciplinares. Essa dimensão permite sugerir a
necessidade de compreensão coletiva e valorização do conceito como um processo
de longo prazo e sua expansão para campos mais amplos e diversificados que
possam beneficiar-se de seu conhecimento.
4. INVESTIGAÇÕES FUTURAS
Nesta seção, identificam-se e descrevem-se alguns aspectos do marketingde lugar
que devem ser considerados a fim de contribuir com o desenvolvimento de
pesquisas conceituais e empíricas, bem como colaborar com a aplicação prática
do planejamento estratégico de marketing na administração pública com foco no
desenvolvimento econômico, cultural e social de cidades, estados e países de
forma independente ou em conjunto. Em linhas gerais, as questões aqui
levantadas dizem respeito às lacunas entre a teoria do marketing de lugar e a
forma como é compreendida e praticada, assim como as dificuldades específicas
para sua implementação causada pela realidade política e administrativa. As
questões referentes à compreensão do conceito estão listadas nos itens:
natureza do conceito; lugar como marca; turismo e residentes. Os aspectos
referentes aos desafios e dificuldades de implementação são abordados nos
itens: medidas e resultados; coordenação e participação; competição e
cooperação.
4.1. Natureza do conceito
O interesse pelo tema deve basear-se na ampliação do estudo do marketing
(Kotler & Levy,_1969), no intuito de contribuir para um repensar não só da
natureza e do significado do marketing de lugar presente na literatura, como
também de sua aplicação prática. Dessa forma, a análise deve considerar a
possibilidade de estender os conceitos, as estratégias e as práticas do
marketing para o âmbito de lugares, caracterizando a disciplina como uma
importante ferramenta para a gerência das trocas que ocorrem no âmbito
territorial e possibilitando a atração de investimentos e recursos que
assegurem o desenvolvimento econômico e social da localidade por meio das
técnicas de marketing.
Marketing de lugar deve ser considerado um processo estratégico de longo prazo
que consiste em várias etapas que não podem ser implementadas parcialmente.
Esse aspecto tem sido descrito desde o início das explorações teóricas em
marketing de lugar (Ashworth & Voogd,_1990). A análise da situação é
obviamente uma importante etapa do processo, seguida da segmentação do mercado
e do posicionamento estratégico e psicológico para a concepção de uma visão
para o lugar que servirá também como o objetivo final de todos os esforços de
marketing embasados em programas de ação eficientes. Adiante, as ações não
terminam com a conclusão de um ciclo, mas as localidades devem continuamente
reexaminar estratégias, redefinir objetivos e reiterar o processo desde o
início. Esse entendimento é fundamental a fim de evitar o fenômeno comum da
implementação de campanhas promocionais com objetivos limitados.
4.2. Lugar como marca
O branding corporativo e o de lugares possuem raízes multidisciplinares,
envolvem uma diversidade de públicos, têm um nível elevado de intangibilidade e
complexidade, lidam com múltiplas identidades e precisam de um desenvolvimento
de longo prazo. Apesar das iniciativas, lugares não possuem diretrizes
específicas como as organizações de bens e serviços para a gestão estratégica
de marca. Nesse contexto, é possível depreender que a administração pública
pode espelhar-se nas práticas de gerenciamento de marcas corporativas, contanto
que se observe a necessidade de adequar esses modelos às condições específicas
e às características dos lugares. Isso significa que aplicar o conceito de
marca a lugares deve ser encarado como uma forma distinta de branding, e é essa
tentativa que vem sendo observada nos estudos que estão na fronteira do
conhecimento.
Como complemento, a atividade de beneficiar um lugar, principalmente um país,
com a utilização da ferramenta de branding exclusivamente para apoiar marcas em
busca de competitividade, pode não ser considerado marketing de lugar. Estudos
nessa área demonstram que a concepção de branding vem sendo analisada como
forma de fortalecer a produção nacional, tornando a localidade mais competitiva
no mercado internacional por meio da adição de valor às marcas do país na
competitividade global e protegendo-as de efeitos negativos oriundos das
políticas de governo nacional e internacional. Sendo assim, o objetivo das
marcas em processo de internacionalização é a venda de seus produtos e serviços
e não seu lugar de origem, mesmo que ele esteja sendo associado às ações de
alavancagem de suas marcas (Aaker,_1991).
Contudo, o inverso também pode ocorrer, isto é, uma localidade pode ser
promovida com o auxílio de marcas corporativas e produtos físicos que podem
gerar associações positivas em relação ao lugar, colaborando com sua imagem.
Nesse caso, pode-se considerar uma estratégia de marketing de lugar, uma vez
que o produto físico está sendo usado para promover o lugar e não o contrário.
Nesse cenário, trabalhar um lugar como marca pode contribuir com a
prosperidade, aumentando os padrões de vida do local em todos os aspectos, o
que incorre de fatores econômicos, políticos e culturais.
4.3. Turismo e residentes
Frequentemente, as pesquisas e as atividades de marketing de lugar parecem ser
mais apreciadas no campo do desenvolvimento do turismo. Govers_e_Go_(2009)
indicam que as pesquisas, em sua maioria, enfocam o conceito de imagem de marca
e a tomada de decisão em relação ao comportamento do consumidor no turismo.
Ainda, Anholt_(2002) analisa um total de 147 trabalhos que se concentraram em
imagens de destinos turísticos entre 1973 e 2000, e cuja maioria busca
identificar os atributos da localidade em relação a sua imagem de destino
turístico. Talvez, isso se justifique pela intensa presença de elementos
simbólicos dos atributos turísticos nas ações de comunicação dos lugares.
O fato é, no entanto, que as localidades não são apenas destinos turísticos e a
concentração do esforço de marketing apenas na captação de visitantes limita
sua eficácia e reduz os elementos que contribuem para a formação de sua
identidade, além de dotar o lugar de significado que pode não ser
necessariamente baseado nas aspirações dos moradores. A população local
certamente pode fazer a diferença na atmosfera de um destino uma vez que sua
participação é essencial na prestação do serviço de turismo, porém, o marketing
pode ajudar em muitos aspectos do desenvolvimento e da atratividade do lugar,
não só para os visitantes, mas para os demais públicos de interesse, começando
com os próprios residentes. Inclusive, a literatura indica que ambos,
visitantes e residentes, são os mercados-alvo principais dos esforços de
marketing. Assim, as necessidades e os desejos das comunidades locais devem ser
integrados no conjunto de objetivos ao mesmo tempo em que os cidadãos devem ser
participantes ativos em todas as etapas de formulação, elaboração e
implementação de uma estratégia de marketing de lugar. Ainda, uma questão muito
importante que precisa de maior entendimento é a participação das atividades
empresariais de diferentes naturezas operando localmente, uma vez que, em
muitos casos, contribuem diretamente para o desenvolvimento econômico do lugar.
4.4. Medidas e resultados
A literatura está repleta de pesquisas qualitativas descritivas com a
utilização do método de estudos de caso. Tal predominância pode sugerir que o
estudo de caso seja de fato a metodologia de pesquisa mais viável no campo, uma
vez que as estimativas quantitativas de, por exemplo, despesas para os esforços
de marketing de lugar, raramente estão disponíveis. De forma complementar,
existe uma quase total ausência de pesquisas baseadas em evidências que buscam
estabelecer a eficácia do marketing de lugar, demonstrando ações e resultados
significativos para o desenvolvimento socioeconômico de determinada região.
A incapacidade para justificar despesas de marketing de lugar por meio de seu
retorno financeiro continua a ser um problema que deve ser enfrentado com a
evolução do conhecimento e melhor compreensão do conceito. Para que o marketing
seja capaz de fornecer respostas com credibilidade, é preciso identificar e
sugerir formas eficazes de integrar métodos que possam ser usados para medir e
avaliar os resultados de seus esforços. Utilização de dados referentes ao
turismo receptivo por si só não são suficientes para representar adequadamente
os efeitos alcançados, tornando necessária a análise de outros rankings.
Entretanto, a metodologia utilizada e os objetivos implícitos das organizações
que realizam tais pesquisas podem ter naturezas diversas. Outro aspecto
importante é o monitoramento da imagem da localidade e de suas mudanças,
contudo, não há formas precisas de relacionar a imagem de um lugar ao aumento
ou diminuição do número de visitantes ou às mudanças nos níveis de satisfação
dos cidadãos e empresas em relação às ações de marketingrealizadas.
As percepções dos públicos são amplamente exploradas na literatura de branding
de lugares que apresenta, principalmente, a abordagem de pesquisas empíricas
usando métodos qualitativos, como técnicas de grupo focal (Lodge,_2002;Morgan,
Pritchard & Piggot,_2002;Hankinson,_2005), e aplicação de questionários
para avaliar diferentes atributos da localidade e livre associações de marca
por diferentes públicos (Merrilees,_Miller & Herington,_2009;Zenker,_2009).
Métodos mistos como escala multidimensional (Carroll & Green,_1997),
análises de rede (Henderson,_Iacobucci & Calder,_2002), mapa conceitual
(Roedder,_Loken,_Kim & Monga,_2006) ou a técnica de laddering (Gutman,
1982;Grunert & Grunert,_2005) não são amplamente utilizados, entretanto,
tais técnicas poderiam enriquecer o debate e superar as eventuais lacunas
observadas nos resultados das pesquisas presentes na literatura.
4.5. Coordenação e participação
Um grande desafio na implementação do marketing de uma localidade é a
coordenação de um imenso número de atores dos setores público e privado que
podem impactar o desempenho e a imagem de um lugar. A limitação de recursos e o
tempo exigido para mudanças estruturais são, ainda, outros fatores agravantes.
A falta de coordenação e a fragmentação das estratégias de marketing que
normalmente resultam das estruturas administrativas podem levar à
inconsistência das políticas implementadas, resultando em um obstáculo para a
eficácia do marketing de lugar no longo prazo. A criação de um organismo que
terá a tarefa de reunir todos os interessados e coordenar ações é obviamente
uma necessidade para qualquer esforço de marketing e um passo importante de sua
implementação.
Tanto na literatura quanto na prática, tem existido uma imensa dificuldade
política e administrativa para integrar ações de marketing eficientes, porém, a
realização de uma cooperação mais ampla pode ser extremamente compensatória no
intuito de garantir equidade na tomada de decisões, apoio para as estratégias
escolhidas e as ações implementadas. Nesse cenário, a questão da alocação de
papel e responsabilidades para todos os participantes no processo de
planejamento serve ainda para evitar a duplicação de ações e, ainda mais
importante, evitar ações conflitantes dentro da própria localidade. Entretanto,
a forma de alcançar esse grande nível de participação e cooperação é certamente
difícil de ser estabelecida.
4.6. Competição e cooperação
Na maioria dos casos, a implementação do marketing de lugar trata de uma reação
às novas condições às quais as localidades necessitam adequar-se para prosperar
em um cenário de grande concorrência. Nesse ambiente competitivo, a comparação
direta entre localidades e a forma como implementam atividades de marketing são
uma atividade popular em metrópoles desenvolvidas que atribuem, também, grande
importância a vários rankingspublicados regularmente. A concorrência pode, em
muitas maneiras, estimular as localidades a tornarem-se mais eficazes em suas
decisões de marketing. Dessa forma, um problema significativo, que necessita
maior investigação, é a natureza dessa competitividade.
Em contrapartida, as localidades, principalmente no âmbito das cidades, devem
examinar as possibilidades e benefícios da cooperação. A compreensão mais ampla
do marketing de lugar, particularmente no início do processo de planejamento e
diagnóstico, pode revelar áreas onde as cidades concorrentes na mesma região
podem complementar-se em vez de substituir umas às outras em um processo de
cluster de atratividade. Além disso, esse mecanismo pode ainda revelar
oportunidades de projetos em comum que resultarão na ampliação do mercado para
todas as cidades da rede, em contraponto à concorrência intermunicipal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento da popularidade do estudo de marketing de lugar ao longo das
últimas três décadas vem se desdobrando a partir de pontos de vista que diferem
em padrões, abordagens e objetivos. Essas especificidades podem ser agrupadas
sob três perspectivas que não seguiram uma cronologia específica, apresentam
distinções relativamente indefinidas e coexistem na essência do conceito. A
partir dos achados da literatura, observam-se nítidos avanços no conhecimento,
principalmente no que diz respeito à transição do fragmentado conceito de
promoção e comercialização de lugares para o processo de planejamento
estratégico de marketing, culminando em uma abordagem de branding,
aparentemente mais sofisticada, de orientação para os mercados interno e
externo. Em linhas gerais, os estudos nesse campo buscam abordar o tema com
referência ao desenvolvimento e ao fortalecimento da competitividade de
determinada região, cidade, estado ou país com base no processo de troca
estabelecido pelo conceito de marketing entre a localidade e seus públicos de
interesse.
A revisão do estado da arte do marketing de lugar indica um interesse crescente
da academia, e o desenvolvimento do conceito apresenta uma influência de
conhecimentos agregados de outras disciplinas. Grande parte das pesquisas
desenvolve-se a partir de uma perspectiva espacial ou de marketing, em que a
primeira tende a considerar trabalhos de conteúdo empírico ou crítico, e a
segunda aborda investigações prescritivas ou conceituais. Encontra-se na
literatura grande número de pesquisas qualitativas descritivas com a utilização
do método de estudos de caso, evidenciando a indisponibilidade de estimativas
quantitativas e a ausência de pesquisas baseadas em evidências da relação entre
ações e resultados significativos do marketing de lugar.
A dimensão multidisciplinar do conceito permite sugerir a necessidade de uma
compreensão coletiva e sua expansão para campos mais amplos e diversificados
que possam beneficiar-se de seu conhecimento. A partir dos pontos abordados ao
longo do artigo, evidencia-se que marketing de lugar deve ser encarado como uma
importante ferramenta para a gestão eficaz das trocas que ocorrem no cenário
territorial e com enfoque em diferentes grupos de interesse. Apesar da
dificuldade de sua implementação em função da política e da gestão das
localidades, é fundamental compreender o conceito como um processo de longo
prazo que deve ser embasado em formas eficazes de integrar métodos que possam
ser usados para medir e avaliar os resultados de seus esforços; reconhecer a
participação do mercado interno nas etapas decisórias; constituir um organismo
de coordenação das ações de atores do setor público e privado; examinar as
possibilidades de cooperação entre cidades e regiões para o alcance de
objetivos em comum.
Sistema de Avaliação: Double Blind Review Editor Científico: Nicolau Reinhard