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BrBRHUAp0102-30982005000200008

BrBRHUAp0102-30982005000200008

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0102-3098
ano2005
Issue0002
Article number00008

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Das causas às conseqüências econômicas da transição demográfica no Brasil

As relações entre crescimento da população e desenvolvimento desafiam estudiosos por muito tempo. É vasta a bibliografia sobre o tema e não é tão longa a lista de evidências que possam comprovar as inter-relações entre os dois processos de transformação. Complexas por sua natureza, essas inter- relações podem ser encontradas nas conexões tanto entre crescimento populacional e crescimento da renda (crescimento econômico), quanto entre crescimento populacional e distribuição da renda (distribuição dos frutos do crescimento econômico). Para identificar tais relações torna-se necessário perguntar quais seriam, por um lado, as possíveis conseqüências do crescimento populacional sobre o crescimento e a distribuição da renda e, por outro, quais seriam os possíveis efeitos do crescimento e da distribuição da renda sobre o crescimento populacional.

Se por desenvolvimento se entende mais do que crescimento da renda, levando-se em conta também os processos de transformações estruturais em diferentes esferas da sociedade, percebe-se logo que a complexidade das relações é ainda maior. A evolução do debate, das pesquisas e da produção científica sobre o tema no Brasil segue, em linhas gerais, a mesma tendência dos estudos, discussões e da agenda no plano internacional.

cerca de três décadas discutia-se as causas e conseqüências do crescimento populacional. Hoje, discute-se as causas e conseqüências da transição demográfica. A chamada "bomba demográfica" foi desativada, muita coisa mudou no mundo e, do ponto de vista demográfico, a maior mudança foi a universalização do processo de transição demográfica. Em todas as regiões do mundo, mais cedo ou mais tarde, mais rapidamente ou mais lentamente, os níveis de mortalidade e de fecundidade estão caindo. O que parecia imutável nas condições de subdesenvolvimento do início dos anos 60 tornou-se, a partir do conhecimento daquela época, surpreendentemente mutável. Expressões como "bomba demográfica" foram substituídas por "bônus demográfico" ou "janela de oportunidades".

Este artigo pretende examinar como essas relações entre população e economia foram interpretadas e discutidas e como influenciaram o pensamento e a pesquisa acadêmica e, eventualmente, algumas propostas de políticas públicas no Brasil.

Não pretendemos fazer uma revisão bibliográfica extensiva nem abordar todos os aspectos das complexas relações entre população e desenvolvimento,1 mas simplesmente gostaríamos de situar o debate no Brasil, de identificar as principais linhas de investigação acadêmica relacionadas com o tema e de sumariar os avanços que estão em curso na pesquisa sobre população e economia e suas implicações para as políticas públicas e o desenvolvimento.2

Antecedentes É impressionante como houve um enorme avanço no conhecimento científico sobre população no Brasil. Consolidaram-se no país uma excelente base de dados, principalmente sobre o mercado de trabalho, um sólido conhecimento técnico e uma invejável produção acadêmica. Talvez valesse a pena lembrar os quatro pilares que foram importantes para que isso acontecesse. Primeiro, a criação de um programa de estudos populacionais na Escola de Saúde Pública da USP, liderado pela professora Elza Berquó, que foi o embrião para o desenvolvimento do Núcleo de Demografia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e, posteriormente, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp.

Segundo, a criação de um Núcleo de Demografia no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), liderado pelo professor José Alberto Magno de Carvalho, que se constituiu, posteriormente, no Departamento de Demografia do Cedeplar/UFMG.

Terceiro, o fortalecimento da pesquisa econômica, social e demográfica e a modernização do processo de produção de informações econômicas e sociais do IBGE, sob a liderança do professor Isaac Kerstenetzky.3 Quarto, e como conseqüência natural do que vinha acontecendo, a criação da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), em 1977.4 Isto tudo aconteceu, aproximadamente, no curto espaço de uma década, o que uma idéia de como era grande o interesse pelos estudos populacionais naquela época, havendo disponibilidade de recursos e demanda por pesquisas.

Quais eram as principais questões da agenda relativa a população e desenvolvimento? Logo após a Segunda Guerra Mundial, o debate circunscrevia-se a duas linhas de pensamento que se contrapunham. De um lado estavam os chamados pessimistas, que, seguindo a tradição malthusiana, entendiam que a população crescia muito rapidamente em relação aos recursos disponíveis e, em conseqüência, tornava-se, no longo prazo, um impedimento ao crescimento econômico. De outro lado estavam os otimistas, que acreditavam que o crescimento populacional, ao contrário, estimularia o consumo e ofereceria a mão-de-obra necessária ao crescimento econômico. Ademais, nos países geograficamente muito grandes, com baixa densidade demográfica, o crescimento populacional poderia, eventualmente, também assegurar condições para a ocupação e a proteção do território.

Mas é interessante também registrar o que se discutia na época acerca das alternativas para promover o desenvolvimento e sobre o papel das estratégias dos países desenvolvidos e das instituições multilaterais com relação aos chamados países subdesenvolvidos.

Passada a guerra, os Estados Unidos e as instituições de Bretton Woods, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, empenharam-se na reconstrução da Europa através da implementação do chamado Plano Marshall.

Nos anos 50 e início dos anos 60, os países subdesenvolvidos, em geral, apresentavam crescimento econômico relativamente acelerado, acompanhando o desempenho das economias avançadas. A ajuda ao desenvolvimento era, predominantemente, o resultado de relações bilaterais e a ação do Banco Mundial concentrava-se sobretudo na reconstrução da Europa.

Naquela época, desenvolvimento econômico era de alguma maneira identificado com crescimento econômico e industrialização. Entendia-se que os determinantes do crescimento econômico, que seria a base para o desenvolvimento, eram universais e, assim, todos os países eventualmente passariam pelo mesmo processo. Os países subdesenvolvidos estariam no estágio em que estiveram no passado os atuais países desenvolvidos. Haveria, pois, uma convergência para os níveis de desenvolvimento dos países avançados, como os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental. Ficaram famosos os chamados estágios de desenvolvimento de Rostow.5 Também teve grande repercussão e impacto nos estudos sobre desenvolvimento econômico a teoria de Lewis, que estabelecia que havia um excedente de mão-de-obra nas atividades tradicionais rurais com baixa produtividade e que o crescimento das atividades urbano-industriais com maior produtividade poderia valer-se dessa mão-de-obra. Dada sua oferta ilimitada, em razão do crescimento demográfico no campo, a absorção de mão-de-obra nas atividades urbano-industriais dar-se-ia sem aumento dos salários, que ficariam no nível de subsistência. Os resultados dos censos demográficos dos anos 50 e 60 mostraram que, acompanhando o processo rápido de urbanização, crescia uma parcela da população que não se incorporava ao mercado de trabalho, mas ocupava-se de atividades tradicionais de baixa produtividade. Era uma população que crescia nos centros urbanos, excluída do mercado de trabalho, que vivia de atividades de baixa produtividade e/ou esporádicas, resultando no aumento do segmento da população pobre urbana. Graças ao impacto da difusão de antibióticos e outras medidas que resultaram na queda da mortalidade infantil, as taxas de crescimento populacional elevaram-se. Enfim, parecia que, ao invés de se desacelerar, o crescimento demográfico acelerava-se com o processo de desenvolvimento econômico e, apesar do crescimento econômico, a pobreza não se reduzia. Ao contrário, crescia.

No âmbito das relações internacionais, consolidava-se a chamada Guerra Fria, formando-se dois blocos: de um lado os Estados Unidos e seus aliados da Europa Ocidental e de outro lado o Bloco Soviético (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o Leste Europeu). Esse conflito teve papel importante nas estratégias relativas à ajuda e às alianças com os países do chamado Terceiro Mundo.

Foi nesse contexto que o debate sobre população e crescimento econômico tornou- se central nas discussões sobre o desenvolvimento nos anos 60. A principal contribuição acadêmica dessa época para se entender as relações entre população e econômica foi, sem dúvida, o livro de Coale e Hoover (1958), que, com base em amplo estudo sobre a Índia e o México, trouxe uma nova interpretação à visão malthusiana. Esses autores inovaram ao incorporar o conhecimento sobre a dinâmica demográfica nos modelos de crescimento econômico. O mais importante foi examinar os efeitos das mudanças na estrutura etária da população, causadas pelas quedas da mortalidade e da fecundidade, sobre o crescimento econômico.

Uma de suas principais conclusões, utilizando um modelo convencional de crescimento econômico, era a de que, com a redução da relação de dependência, devida à queda de fecundidade, haveria um aumento na taxa de poupança e, em conseqüência, na taxa de crescimento. Ao contrário, com a manutenção de taxas altas de fecundidade, com redução da mortalidade infantil, elevava-se a proporção de jovens e, em conseqüência, o consumo, eliminando-se a poupança e levando a economia à estagnação. Vale dizer, com a mesma renda familiar, domicílios com número maior de crianças consomem mais e não poupam, ao passo que domicílios com menor número de filhos consomem menos e poupam. As implicações para as políticas públicas decorrentes dessa interpretação são diretas: dadas as externalidades negativas resultantes da manutenção de um tamanho maior de família, seriam necessárias políticas de planejamento familiar para promover o controle da natalidade. Essa orientação de política pública passou a ter vasta aceitação e foi, em certa medida, incorporada aos programas de ajuda aos países em desenvolvimento.

Ao mesmo tempo em que, entre os economistas, ao menos do ponto de vista lógico, parecia incontestável que o rápido crescimento populacional teria um impacto negativo sobre a população, outras interpretações foram tomando corpo.

Certamente a voz oposta mais influente foi a de Boserup (1981), que, com base em estudos sobre a agricultura na África, argumentava que mudanças tecnológicas seriam induzidas pelo crescimento populacional. Assim, rápido crescimento populacional e aumento da densidade demográfica na agricultura levariam à mudança tecnológica, com conseqüente aumento da produtividade e do crescimento econômico. Mas foram, com certeza, os resultados dos estudos empíricos de Kuznets (1963, 1966 e 1973) que mais dúvidas colocaram acerca dos impactos negativos causados pelo crescimento populacional sobre o crescimento econômico.

Foi nesse ambiente que ocorreu a Primeira Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, promovida pelas Nações Unidas, em Bucareste, em 1974, onde duas visões foram contrapostas. De um lado, os defensores do planejamento familiar, que propunham a implantação de políticas públicas controlistas e a subordinação de ajuda aos países em desenvolvimento à adoção de políticas de planejamento familiar. De outro lado, os defensores de que a melhor política para a queda da fecundidade seria o desenvolvimento econômico.6 Estabelecia-se, então, uma profunda oposição de duas visões relativas às inter- relações entre população e desenvolvimento e, como conseqüência, diferentes sugestões para políticas públicas e para ajuda aos países do chamado Terceiro Mundo. Um corolário do argumento favorável ao controle da natalidade referia-se às políticas de combate à pobreza. O planejamento familiar teria impacto positivo na redução da pobreza ao promover a queda do número médio de filhos por domicílio. Assim, o controle do crescimento populacional poderia estimular o crescimento econômico e a redução da pobreza.

A repercussão do debate no Brasil Nesse período, final dos anos 60, início dos anos 70, a economia brasileira crescia a níveis relativamente altos e o país estava sob um regime de ditadura militar. Era a fase do chamado milagre econômico. As idéias neomalthusianas não encontraram terreno fértil no Brasil.

Do lado acadêmico havia reservas muito grandes quanto às implicações políticas da tese que enfatizava os efeitos negativos do crescimento populacional. Foi desse período a publicação do livro de Singer (1970) refutando a visão de Coale e Hoover (1958).7 O debate sobre população e desenvolvimento teve mais fôlego nas pesquisas sobre o setor informal e as relações entre população e mercado de trabalho. Várias pesquisas sobre a dinâmica dos mercados de trabalho no país e o papel do setor informal foram desenvolvidas na época.8 Com a economia crescendo, o debate mais caloroso era sobre a concentração da renda, que tendia a agravar-se ao longo do processo de crescimento econômico. Setor informal e concentração de renda, entre economistas, e marginalidade urbana, entre os cientistas sociais, eram os temas predominantes do debate e das pesquisas. Não havia motivação nem interesse para aprofundar os estudos sobre os possíveis impactos do crescimento populacional sobre o crescimento econômico. A contribuição da análise demográfica para os estudos de mercado de trabalho concentrava-se nos temas das migrações internas e da oferta de mão-de-obra: aumento da participação da mulher na população economicamente ativa (PEA) e variações nos níveis de atividade e composição da PEA. Chamavam mais a atenção dos especialistas os processos de migração, como a ocupação das regiões Centro-Oeste e Norte, a chamada nova fronteira agrícola, e a acelerada urbanização.9 No plano político, o país vivia sob uma ditadura militar e entre os militares predominava uma visão muito particular sobre crescimento demográfico, qual seja, que o tamanho da população é importante para a ocupação do país e é tema de segurança nacional. Um país grande, em território e população, será um país também mais forte do ponto de vista político e militar.

Somando-se a isso, a Igreja Católica opunha-se publicamente a qualquer ação do Estado no sentido do estabelecimento de programas de controle da natalidade. E, finalmente, a esquerda entendia que a América Latina e o Brasil, em particular, necessitavam de desenvolvimento econômico e de melhor distribuição de renda, não de controle da população. Nessas condições, parece-nos que também não havia terreno para as idéias de controle da população prosperarem no plano político.10 Faltariam canais para que vozes defensoras de políticas controlistas pudessem ter repercussão relevante para alterar o rumo das políticas públicas. O Congresso Nacional, espaço natural para a repercussão das opiniões da sociedade, não tinha liberdade de ação como em uma democracia e a mídia não parecia dar grande espaço para o tema.11 no final da década de 70, as primeiras evidências da queda da fecundidade no Brasil chamaram a atenção dos especialistas, sobretudo porque o país não havia adotado nenhuma política explícita de controle da natalidade.12 Os pesquisadores brasileiros passaram a buscar as causas13 da queda da fecundidade e foram talvez pioneiros ao enfatizar os aspectos institucionais.

A literatura econômica sobre os determinantes da fecundidade era predominantemente de cunho microeconômico e apontava os efeitos da mudança nos custos relativos dos filhos sobre a determinação de tê-los. A qualidade se sobrepunha à quantidade na formação do tamanho ideal de família. A educação era elemento-chave na determinação de se ter ou não um filho adicional, assim como a queda da mortalidade infantil, ao permitir o aumento no número de filhos sobreviventes. Esses modelos, que se tornavam mais complexos do ponto de vista de sua especificação, supunham um mundo simples e homogêneo, onde preço e quantidade definiriam o tamanho da família, tudo o mais constante.

A Pesquisa Nacional de Reprodução Humana14 desenvolvida no Cebrap nos anos 70 foi um esforço para determinar diferentes contextos aos quais se relacionariam diferentes comportamentos reprodutivos.15 Buscar entender o papel das escolas, da igreja, da mídia e da comunidade médica era a contribuição importante dessa pesquisa.

A preocupação com elementos institucionais na determinação da ruptura do comportamento reprodutivo tradicional foi partilhada também por Paiva,16 que procurou argumentar que mudanças institucionais nas relações de trabalho no campo brasileiro poderiam estar na base da desestabilização do aparente equilíbrio entre tamanho médio da família e relações de trabalho no campo.

Finalmente, cabe mencionar, como fizeram Potter e Tuirán-Guitiérrez (2005), as observações de Faria sobre os possíveis efeitos esperados ou não-esperados de políticas públicas implementadas no Brasil (Faria, 1989; Faria e Potter, 1999), como a expansão da cobertura médica e a conseqüente "medicalização" do comportamento reprodutivo e sexual, a expansão da cobertura dos serviços da previdência social e o papel da mídia, em especial da televisão, na formação de padrões de família,17 na mudança no padrão de consumo, com aumento da participação de bens duráveis, em um período em que a produção industrial crescia rapidamente.

Enfim, tomando-se em conta os temas de pesquisa e a produção acadêmica da época, verifica-se que, no Brasil, as preocupações com as causas da queda da fecundidade ocuparam mais os esforços dos pesquisadores do que os efeitos do crescimento populacional sobre o crescimento econômico.

O contexto internacional também mudou Quanto Malthus escreveu o seu clássico ensaio sobre população, as condições que eventualmente estimulavam o mecanismo que determinava o equilíbrio entre tamanho de população e recursos na Inglaterra haviam sido alteradas. No final do século XVIII, os níveis de fecundidade apresentavam uma clara tendência de elevação naquele país.

Algo semelhante estava acontecendo quando ocorreu a Primeira Conferência de População e Desenvolvimento em Bucareste, no início dos anos 70. Em vários países, a fecundidade começava a cair, embora não de maneira homogênea internamente, e as condições da economia dos países em desenvolvimento não eram mais as mesmas das décadas de 50 e 60.

A década de 70 inicia-se sob mudanças profundas na economia com repercussões sobre todos os países e, principalmente, sobre os chamados países subdesenvolvidos. Em agosto de 1971 os Estados Unidos abandonaram a regra de paridade fixa da moeda estabelecida no acordo de Bretton Woods. Iniciava-se uma nova fase de instabilidade e volatilidade das moedas, tornando as economias emergentes muito mais vulneráveis. O aumento dos preços do petróleo e, mais tarde, a elevação das taxas de juros nos mercados financeiros internacionais tiveram impacto devastador nas dívidas das economias emergentes que, na sua maioria, com desequilíbrio fiscal, enfrentaram crises profundas, com iliquidez, alta inflação e recessão.18 Seguiu-se um período de instabilidade que representou, na América Latina, a transição de um modelo de crescimento econômico com base na substituição de importações e na liderança do Estado para outra estratégia de crescimento econômico que buscava a integração da economia no mercado internacional via fluxo de comércio e de capitais. É a nova globalização.

É também evidente o impacto da ruptura do modelo de crescimento sobre o desempenho das economias na América Latina. Se até a década de 70 o crescimento era relativamente mais elevado e estável, a partir dos anos 80 as taxas médias de crescimento são mais baixas e uma enorme volatilidade no crescimento19 (ver o Gráfico_1 para o caso do Brasil).

No plano político internacional, têm início a era Regan nos Estados Unidos e a era Thatcher na Inglaterra. Agora são os novos conservadorismo político e liberalismo econômico que terão enorme repercussão sobre os programas de ajuda e a política das instituições multilaterais. Em seguida cai o muro de Berlim e com ele vai-se a Guerra Fria.

Essas mudanças foram importantes para refazer a agenda internacional. Desde então, passam a ter prioridade, nas economias emergentes e em transição, os programas de reformas estruturais, a redução da intervenção do Estado na economia e os ajustes macroeconômicos. Busca-se construir blocos econômicos e acordos de comércio.20 Eliminam-se barreiras aos fluxos de capitais.

Crescimento econômico, projetos de investimentos em infra-estrutura e perspectivas de longo prazo perdem sua importância relativa na agenda econômica, dominada então pela volatilidade do mercado financeiro e pela vulnerabilidade das economias emergentes. O capital externo assume maior relevância nos investimentos nas economias dos países em desenvolvimento.

Crescimento populacional perde espaço na agenda internacional.21 Nesse contexto prevalecem as preocupações com a condução da política macroeconômica, com o controle da inflação, da dívida e do déficit públicos.

Derrubam-se barreiras alfandegárias e não-alfandegárias para estimular o comércio exterior.

O governo conservador dos Estados Unidos reduz seu apoio aos programas de planejamento familiar e deixa de exercer pressões sobre os organismos internacionais para fomentar o controle populacional nos países em desenvolvimento. Ao contrário, reduz-se o financiamento aos programas de estímulo às políticas populacionais e ao planejamento familiar.

Nesse novo ambiente é realizada a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo, em 1994,22 cujo resultado não surpreendeu mais ninguém. Não mais se enfatizou os programas de planejamento familiar. A ênfase foi no "empowerment" das mulheres, especialmente na área da escolha reprodutiva. Enfatizou-se o poder das mulheres e a liberdade. A saúde reprodutiva da mulher é o novo tema. Uma dimensão importante no novo conceito de desenvolvimento preconizado por Amartya Sen (1999).23 Sen desenvolveu a idéia da importância da mulher como agente de mudança social e acredita que o acesso da mulher tanto à educação quanto ao mercado de trabalho são elementos essenciais ao seu "empowerment". E associado ao aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e do seu nível educacional, segundo Sen, está a redução dos níveis de fecundidade.

Na visão de Sen, a ênfase sobre o conceito de desenvolvimento deixa de se concentrar no crescimento econômico para tratar do acesso às oportunidades econômicas, sociais e políticas. A liberdade é um conceito central não apenas como meio mas também como o próprio fim do desenvolvimento. Nesta nova visão de desenvolvimento enfatiza-se muito a importância da redução da pobreza e da desigualdade, que serão temas centrais na agenda das agências multinacionais a partir dos anos 90. Todavia, nenhuma delas retoma algum tipo de política populacional controlista como condição à ajuda aos países em desenvolvimento.

Seja por influência da nova agenda econômica concentrada nas questões de curto prazo e nas reformas estruturais, seja por influência da orientação conservadora do governo norte-americano, o fato é que o planejamento familiar não aparece como componente em nenhum programa de ajuda ou em agenda de reformas e políticas.24

Os impactos da transição demográfica Atualmente, um enorme acervo de pesquisas e de resultados encontrados sobre as relações entre crescimento populacional, crescimento econômico e distribuição da renda. Embora os resultados empíricos não sejam totalmente conclusivos, avanços importantes que estão instruindo os estudos mais recentes. Como observam Birdsall e Lustig (1998), as relações são muito complexas e os efeitos, negativos e positivos, se anulam quer seja em relação ao crescimento da renda, quer seja em relação à pobreza (distribuição da renda), e por isso os resultados apresentados na literatura não confirmam uma clara relação de causalidade.

Relativamente à transição demográfica, podemos identificar três fases distintas em relação às mudanças da distribuição etária (veja o Gráfico_2 para o caso brasileiro). Na primeira fase ocorre um aumento na proporção de jovens e, em conseqüência, aumento na taxa de dependência, em função da queda da mortalidade infantil. Depois, segue-se um período de redução da taxa de dependência, graças à redução da proporção de jovens, em decorrência da queda de fecundidade, e, mais tarde, a taxa de dependência volta a se elevar, porque aumenta a proporção da população idosa, enquanto as coortes menores chegam às idades produtivas.

Essas mudanças na estrutura etária ocorrem ao longo de décadas e em cada fase pode-se pensar em diferentes impactos. Por exemplo, as preocupações de Coale e Hoover eram informadas pela experiência da primeira fase nas mudanças da estrutura etária e, parece-nos, concentravam-se então no exame dos impactos mais imediatos da redução da fecundidade, isto é, o aumento relativo do segmento da população em idade de trabalhar, no início da segunda fase. As evidências recentes25 mostram, por exemplo, que o aumento na parcela da população em idade produtiva (PIA) está positivamente relacionado com o aumento da poupança e da produtividade e, em conseqüência, com o crescimento econômico.

Ao contrário, o aumento da proporção da população idosa está negativamente relacionado com essas variáveis. A poupança gerada no período da idade reprodutiva será consumida no período da velhice, com efeitos tanto sobre a poupança privada quanto sobre os gastos públicos.26

Além da continuidade na exploração das relações entre mudanças na estrutura demográfica e poupança/investimento, que foi iniciada com Coale e Hoover, a discussão atual introduz um novo componente importante que é a relação entre as mudanças na estrutura demográfica e a política fiscal, com efeitos tanto sobre o equilíbrio das contas públicas quanto sobre as políticas sociais.

Atualmente, acredita-se que nos países em desenvolvimento, em particular nos países da América Latina, que estão na segunda fase das mudanças na estrutura etária em razão da transição demográfica, possibilidades de se tirar proveito da redução da taxa de dependência (aumento relativo da população em idade de trabalhar) para promover os ajustes necessários para enfrentar a fase seguinte em décadas futuras. É o que se chama de "bônus demográfico" ou "dividendo" demográfico. Esses países passam pela fase em que o crescimento populacional tem efeito positivo sobre o crescimento econômico. Como observa o relatório do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2004), deve-se aproveitar a oportunidade para implementar políticas que assegurem potencializar os benefícios do dividendo demográfico. Veja que não se trata mais de discutir políticas de controle da natalidade, mas sim de, compreendendo o processo de transição demográfica, definir políticas que possam ajudar o crescimento e melhorar a distribuição da renda.

Um outro tema que merece atenção refere-se aos fluxos migratórios internacionais. O processo de globalização dos últimos anos, diferentemente do que ocorreu no final do século XIX, não se completou. Desta feita, os mercados se abrem ao livre fluxo de bens, serviços e capitais, mas não se abrem às pessoas. Naquela época, também as barreiras aos fluxos de migrantes foram eliminadas, o que permitiu um movimento expressivo de migrantes da Europa para o chamado Novo Mundo, por exemplo. Agora, barreiras à imigração internacional restringem os fluxos de pessoas e são um tema de discussão nas relações internacionais e na determinação de políticas de integração.27 Para vários países, principalmente países menores, as migrações são importantes para a formação da poupança, em razão das transferências de rendimentos dos imigrantes para seus familiares, e, como conseqüência, para o próprio crescimento dessas economias.

Além das migrações internacionais, outro tema relativo à população que passa a ter maior importância nos estudos sobre desenvolvimento é a mortalidade. A incidência de Aids em vários países subdesenvolvidos, efeitos da violência e de guerras civis sobre segmentos jovens da população e diferenciais de mortalidade nas idades mais avançadas são questões relevantes na discussão sobre desenvolvimento econômico e social nos dias atuais.

Os avanços recentes nos estudos sobre população e desenvolvimento no Brasil Estudos sobre os impactos da queda da fecundidade sobre as políticas sociais e, conseqüentemente, sobre a distribuição dos gastos públicos estão na agenda dos pesquisadores brasileiros vários anos. Embora os primeiros estudos que constataram a queda da fecundidade no Brasil estivessem muito centrados em descrever e indicar as causas desse processo, a preocupação quanto às suas conseqüências sobre, pelo menos, o sistema educacional, o mercado de trabalho e a previdência social sempre esteve presente.28 Ao longo das duas últimas décadas, porém, esta preocupação foi se tornando mais refinada, pela própria influência da literatura internacional, ampliando o debate sobre o chamado bônus demográfico, e com isso cresceu o interesse por temas relacionados com os impactos do processo de envelhecimento da população no Brasil.

Enquanto surgiam as primeiras evidências da queda da fecundidade no Brasil e o debate sobre suas conseqüências tomava corpo, crescia, paralelamente, o volume de pesquisas sobre o funcionamento do mercado de trabalho no país. É nesse contexto que algum investimento foi feito no sentido de se tentar compreender os mecanismos através dos quais as mudanças no tamanho e na composição da oferta de trabalho deveriam afetar, no curto e no longo prazo, as diversas variáveis econômicas.

Com base na ampla experiência com técnicas de padronização para controle dos efeitos de composição da estrutura etária nos diferenciais de taxas brutas de mortalidade, os demógrafos contribuíram ao debate identificando o papel dos perfis etários da atividade econômica de homens e mulheres e de seus rendimentos do trabalho. Como decorrência, mensuraram os efeitos de composição causados pelas mudanças na estrutura etária da população economicamente ativa sobre a distribuição de rendimentos.

De fato, a preocupação com a desigualdade da distribuição de renda vinha intensificando-se no Brasil desde os anos 70, quando o quadro de recrudescimento do processo de concentração estimulou um debate altamente ideológico, no qual qualquer tentativa de identificar mecanismos de concentração que não se baseasse exclusivamente no modelo político de desenvolvimento adotado era recebida com desconfiança. Algumas vozes consideradas conservadoras, como Langoni (1973) e Simonsen (1978), defendiam a idéia de que o aumento da participação de jovens no mercado de trabalho brasileiro, ocorrido nos anos 60 e 70 em decorrência da queda da mortalidade do período anterior, teria desempenhado seu papel no aumento dos índices de desigualdade.29 Se esse argumento era verdadeiro, com a queda da fecundidade, em curso a partir dos anos 70, o efeito esperado do novo cenário de reversão das tendências demográficas deveria ser o de diminuição da desigualdade de renda. Alguns estudos tentaram identificar essa tendência e as inovações metodológicas desse período foram as rigorosas análises de decomposição das medidas de desigualdade, que passaram a explicitar, uma a uma, as componentes da desigualdade, mensurando o exato papel da estrutura etária. Com as análises de shift-share, ou os chamados exercícios contrafactuais, tornou-se possível simular os efeitos esperados da mudança da estrutura etária da população ocupada, assim como da composição educacional, regional, por sexo, por setor de atividade, e assim por diante.30 Estimadas as contribuições de cada uma das componentes da desigualdade total, desde logo ficou claro que, conquanto houvesse, de fato, uma parcela a ser atribuída à estrutura etária da população, a magnitude desse efeito não deveria ser exagerada.31 De longe, a componente educacional, dada pelo nível tanto quanto pela distribuição da escolaridade da população brasileira, mostrou ser a de maior impacto e, assim, o principal foco da análise sobre os determinantes da desigualdade no Brasil voltou-se, nos últimos anos, para a questão educacional.

Todavia, o entrelaçamento da mudança da estrutura etária e das transformações na distribuição de escolaridade da população economicamente ativa faria com que os efeitos do envelhecimento da população continuassem sendo objeto de interesse das pesquisas sobre desigualdade. Projetando a escolaridade das diversas coortes de entrada no sistema educacional no Brasil, estudos têm apontado o papel da inércia demográfica na redefinição das dotações educacionais da PEA brasileira (Wajnman e Menezes Filho, 2003; Vélez, Soares e Medeiros, 2002). Em outras palavras, esses trabalhos indicam que não é possível mudar dramaticamente a quantidade e a distribuição de escolaridade da população, dada a sobrevivência de coortes cujo patamar de escolaridade máximo foi atingido em períodos anteriores às maiores mudanças no sistema escolar do país. Wajnman e Menezes Filho (2003) mostram o efeito dessa limitação sobre os diferenciais de rendimento no mercado de trabalho brasileiro, indicando que, durante o processo de acomodação dos ganhos educacionais na trajetória de envelhecimento das coortes, previsto para as próximas décadas, a desigualdade no Brasil pode se elevar ainda mais.32 Olhando da perspectiva histórica, uma vantagem comparativa da demografia tem sido sua ênfase no trato das fontes de dados e de métodos que propiciam a abordagem de ciclos de vida e a combinação de informações transversais para a inferência da perspectiva longitudinal. A prática do uso do diagrama de Lexis, um dos instrumentos mais simples e mais poderosos da análise demográfica, permite aos demógrafos a combinação das dimensões de coorte, período e idade na análise das variáveis econômicas. É o uso desse instrumento que sugere a decomposição das tendências de coorte, período e idade nos processos de mudança social. Essa abordagem considera que uma mudança social pode ser determinada pelas alterações no ambiente sócio-econômico-cultural, pelas alterações inerentes aos ciclos de vida dos indivíduos que compõem uma sociedade, ou ainda pela constante substituição de gerações com comportamentos distintos (ver Ryder, 1965). Inicialmente proposto como método de análise das tendências de fecundidade, os chamados modelos IPC (idade-período-coorte) foram recentemente incorporados à pesquisa econômica.

Nesse aspecto, o Brasil apenas seguiu de perto a literatura dos países desenvolvidos, que produziu estudos dessas tendências em variáveis como taxas de participação, consumo, poupança, criminalidade etc.33 A exuberância da produção local nessa linha pode ser atestada pelo volume de trabalhos que, no curto espaço de tempo entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, focaram uma grande variedade de temas segundo a abordagem de período, coorte e idade.34 Tendências de comportamento das taxas de participação econômica foram analisadas por Rios-Neto e Oliveira (1999). O estudo da evolução da desigualdade da distribuição de rendimentos também recebeu esse tratamento em Firpo, Gonzaga e Narita (2003) e Wajnman e Menezes Filho (2003). Mudanças no mercado de trabalho, como tamanho de jornada (analisado por Gonzaga, Machado e Machado, 2003), distribuição dos trabalhadores por posição na ocupação (Magalhães, 2003), evolução das taxas de desemprego (Penido, 2003) e a participação econômica dos idosos (Souza, 2003), foram decompostas segundo tendências de período, coorte e idade.35 Vale notar, no entanto, que o que possibilitou e impulsionou a farta produção de estudos nessa linha no país foi a disponibilidade da série histórica de dados anuais da PNAD, que se inicia em 1976 e que hoje completa uma série de 27 anos de informações socioeconômicas e demográficas observadas. A enorme melhoria no acesso aos microdados das PNADs, tanto quanto os exemplos da literatura internacional, motivaram a incorporação das dimensões demográficas aos estudos do comportamento de diversas variáveis econômicas. Uma vez que a partir de dados transversais como os da PNAD não é possível identificar e acompanhar cada indivíduo ao longo do tempo, a concatenação das informações através dos anos deve se dar por meio de alguma característica de grupos de indivíduos que seja possível acompanhar no tempo. A coorte surge então como unidade de análise natural para a construção dos chamados pseudopainéis, com a idade servindo de marcador das coortes através dos períodos, de tal modo que, para cada ano observado, os indivíduos de uma determinada coorte tornam-se um ano mais velhos. Assim, a adequação da dimensão da coorte à construção de pseudopainéis parece ter sido uma importante motivação para que coortes se tornassem unidades de análise bastante usuais na pesquisa econômica no Brasil.

É importante destacar ainda que, nesse processo de incorporação dos conceitos e instrumentos típicos da análise demográfica pelos cientistas sociais das mais diversas áreas, as fronteiras da pesquisa entre as diferentes áreas das ciências sociais têm se estreitado. Contribuiu para isso o fato de a pesquisa aplicada com uso de microdados no Brasil ter se disseminado paulatinamente, como decorrência da própria ampliação de sua oferta. Nesse sentido, o IBGE desempenhou papel fundamental, ao democratizar o acesso aos microdados de todas as suas pesquisas, de forma cada vez mais barata, mais ágil e simples de lidar.

Do lado dos usuários, o crescente interesse por técnicas de pesquisa empírica, a ampliação do leque de métodos estatísticos e a disponibilidade de pacotes computacionais cada vez mais poderosos explicam a mudança radical nos contornos da pesquisa sobre as relações entre população e as distintas dimensões do desenvolvimento socioeconômico.

A antiga agenda revisada Ao longo dos últimos anos, o escopo do debate sobre as possíveis conseqüências do envelhecimento tem feito aumentar, com os estudos incorporando maiores possibilidades metodológicas de identificação de tendências e, também, maior arsenal de informações nas quais se baseiam. Desse modo, atualmente são várias as áreas de interesse para as quais a preocupação sobre os efeitos da transição demográfica tem se estendido.

Na área de economia da saúde, por exemplo, cresce a preocupação com os prováveis impactos da transição demográfica sobre os gastos públicos com saúde.

Sabe-se que a mudança do padrão epidemiológico que acompanha o processo de envelhecimento reconfigura inteiramente o perfil etário dos gastos com a saúde, afetando não apenas a saúde dos idosos, para quem o padrão de morbidade torna- se crescentemente mais complexo e oneroso, mas também os gastos nas demais faixas etárias. Dadas as enormes disparidades sociais e regionais que o Brasil abriga, o principal desafio nessa área é o fato de que o perfil de gastos se modifica, como nos países desenvolvidos, com o dramático aumento do peso relativo dos gastos com recém-nascidos e com idosos (cada vez mais numerosos e mais longevos), ao mesmo tempo em que uma parcela significativa dos gastos ainda é direcionada para as morbidades típicas de países subdesenvolvidos (ver Saad, 1990; Kilsztajn et al., 2002; Nunes, 2004; Berenstein, 2005).

Outra área que recebe atenção crescente é a que relaciona os impactos do envelhecimento com a economia das famílias. Alguns aspectos têm sido discutidos neste caso. Em primeiro lugar, o envelhecimento da população, convivendo com a diminuição do tamanho das famílias e a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, suscita a questão de quem se ocupa com os cuidados com os idosos e as perspectivas de redução de bem-estar desse segmento populacional (ver Goldani, 2004; Camarano et al., 2004). Por outro lado, estudos sobre transferências intergeracionais no Brasil têm mostrado que, por meio do sistema previdenciário, a política social brasileira tem sido muito mais eficaz em combater a pobreza dos idosos do que a das crianças e dos jovens.36 Como resultado, os rendimentos dos idosos brasileiros, contabilizando-se seus rendimentos do trabalho e de aposentadoria, têm respondido por parcelas crescentes da composição de suas rendas familiares e exercido papel fundamental na redução da pobreza dos domicílios em que vivem (ver Camarano et al., 2004; Wajnman et al., 2004).

Um tema diretamente associado a este é o dos determinantes das mudanças nas condições de participação dos idosos no mercado de trabalho (ver Liberato, 2003; Perez, 2005). Além disso, permanece a questão da crescente inviabilidade financeira e política do sistema previdenciário brasileiro, que, baseado no modelo de repartição simples e em uma razão de dependência crescente, tende a gerar retornos cada vez mais negativos para as coortes atuais e futuras (ver Fernandes, 1993).

Com tudo isso, um outro campo incipiente e promissor da pesquisa em população e desenvolvimento é o estudo da magnitude e da direção dos fluxos intergeracionais das transferências públicas e privadas na sociedade brasileira (ver Turra, 2000). Conhecer as perspectivas da transição demográfica com relação a esses fluxos é essencial para a formulação correta das políticas sociais visando ao longo prazo.

Assim, um breve inventário do rol de temas que têm sido contemplados nas pesquisas sobre relações entre as variáveis populacionais e o desenvolvimento socioeconômico aponta que, ao menos no âmbito acadêmico, os estudos muito se distanciaram do enfoque político-ideológico que marcou o início do debate, para se concentrarem cada vez mais nos aspectos técnicos das relações entre população e desenvolvimento.

Entretanto, os novos rumos da pesquisa acadêmica não significam que o antigo debate ideológico esteja superado no Brasil. Muito pelo contrário, nos últimos tempos a sociedade brasileira reacender o interesse pelas relações entre população e pobreza, a partir das evidências sobre a ineficiência do crescimento em gerar redução de pobreza e dos ainda relativamente altos níveis de fecundidade remanescentes nos bolsões de pobreza do país.37 Na contramão das tendências do debate no âmbito internacional, alguns políticos e outras figuras públicas do cenário nacional têm se manifestado a favor da necessidade de regulação da fecundidade dos pobres como forma de combate à pobreza. O debate acerca dessas declarações tem aparecido na mídia com bastante freqüência e mobiliza a opinião pública de forma pouco usual.38 Na esfera das ações governamentais, por outro lado, cabe lembrar que, desde os anos 90, a agenda política brasileira tem procurado incorporar as recomendações do Programa de Ação Mundial aprovado na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994. Assim, em 1996 o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Conselho Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), com o objetivo de fortalecer as relações entre o Estado e a sociedade e visando à formulação, implementação e avaliação de políticas relativas à população e ao desenvolvimento, com destaque para a garantia à saúde integral da mulher.39 Mais especificamente, o Estado brasileiro assumiu a tarefa de promover o planejamento familiar gratuito com a Lei 9.263, de 1996. Recentemente, em 2005, o governo Lula lançou a "Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos", reafirmando o compromisso da Lei do Planejamento Familiar e prevendo ações em três eixos principais: ampliação do acesso aos métodos anticoncepcionais reversíveis, ampliação do acesso à esterilização cirúrgica voluntária e introdução da reprodução humana assistida no Sistema Único de Saúde (SUS).

Observações finais Atualmente uma crescente preocupação com as conseqüências da transição demográfica sobre o desenvolvimento. A possibilidade de se tirar proveito do chamado bônus demográfico sugere a necessidade de se implementar políticas que tomem em consideração o processo de mudança populacional e suas relações com as diferentes variáveis econômicas. O ideal seria levar em conta o conhecimento sobre a distribuição demográfica futura e suas implicações para a economia para se tomar, hoje, as decisões de políticas públicas que terão repercussões também no futuro.

Isto, contudo, deve ser feito de acordo com as condições específicas de cada país. Alguns exemplos são importantes para se entender as questões.

Por exemplo, o aumento da participação relativa da população em idade produtiva tem uma relação positiva com o crescimento econômico. Todavia, para se potencializar essa relação, no caso do Brasil, torna-se necessário estimular a geração de emprego feminino, a eliminação da discriminação no mercado de trabalho e a extinção do trabalho infantil, bem como reduzir tanto o tamanho das atividades informais de trabalho ' isto é, promover a formalização do emprego ' quanto o desemprego. Certamente, um dos mecanismos importantes para tanto, no caso brasileiro, é a redução da pobreza e da desigualdade. Assegurar acesso à educação e à saúde é indispensável para o aumento da produtividade dos segmentos da população que estão ingressando ou vão ingressar no mercado de trabalho nos próximos anos. Implementar políticas que assegurem a atuação das mulheres como agentes de mudanças e do desenvolvimento é outro passo importante para promover o desenvolvimento. Promover a formalização do mercado de trabalho é essencial, muito embora sua concretização seja complexa e dependa, em parte, de reformas difíceis de serem acordadas e aprovadas no Congresso Nacional e de serem implementadas. Cremos que, neste aspecto, talvez a oportunidade do bônus demográfico esteja sendo perdida. O melhor aproveitamento do período em que a razão de dependência é menor depende das possibilidades de absorção da mão-de- obra em atividades mais produtivas. A história passada de baixos níveis relativos de escolaridade das coortes que atualmente estão em idade produtiva e a presente estrutura do mercado de trabalho são fatores que dificultam obter os ganhos do bônus demográfico. Do mesmo modo, as enormes dificuldades na implementação de reformas no programa de previdência social, que possam eliminar os desequilíbrios correntes, contribuem para que se esvaziem as oportunidades concedidas pela transição demográfica. Como se pode ver no Gráfico_2, a partir de 2020 a taxa de dependência demográfica iniciará outro período de crescimento.

Outro exemplo, com vistas aos impactos da estrutura demográfica sobre as políticas públicas, principalmente previdência social e saúde, refere-se aos estudos de mortalidade, que terão grande prioridade. Estudos sobre padrões e diferenciais de mortalidade de segmentos adultos e de idosos segundo diferentes características socioeconômicas poderão trazer subsídios importantes para as políticas sociais.40 Ainda outro exemplo. de se pesquisar mais, também, o impacto das migrações internacionais sobre a economia. No caso do Brasil, se de um lado as transferências de recursos dos migrantes têm efeitos positivos, embora com impactos regionais diferentes, de outro lado cabe examinar se essas migrações não estariam promovendo transferência de capital humano para o exterior, na sua maioria resultado de investimento público.

Outra questão importante refere-se ao impacto futuro sobre a previdência social previsto para quando a transição demográfica entrar na sua terceira fase e a taxa de dependência voltar a crescer. Essa questão é bastante complexa porque o sistema de previdência no Brasil opera em desequilíbrio estrutural. Do lado da receita, uma parcela considerável da população ativa que não contribui por estar no setor informal; do lado das despesas os gastos são crescentes. No futuro, não apenas o desequilíbrio poderá se agravar, mas também é possível que o aumento do volume de população idosa sem cobertura da previdência torne ainda mais grave o problema social no país.

Diante das evidências, dos estudos e das discussões, é possível fazer uma listagem das questões e alertar para seus impactos e para a necessidade de políticas públicas visando enfrentá-las. Contudo, é necessário também entender as dificuldades em passar do conhecimento à implementação de políticas.

Em primeiro lugar, o timing das mudanças demográficas e o das decisões de políticas públicas não são exatamente coincidentes. O agente público, em geral, prioriza as decisões sobre questões cujos resultados aparecem no horizonte de sua administração. As questões demográficas indicam a necessidade de medidas cujos resultados advirão depois de décadas.

Em segundo lugar, muitas das sugestões relativas, por exemplo, às finanças públicas referem-se a opções entre gastar com a população presente ou gastar com gerações futuras. Taxar as gerações presentes ou taxar as gerações futuras.

São decisões sobre fluxos entre gerações. Não é uma opção trivial escolher entre o presente e o futuro.

Em terceiro lugar, ainda no campo das decisões de políticas públicas, é necessário entender que elas quase sempre decorrem de pressões da sociedade, quer mediante manifestações no Poder Legislativo, quer através da mídia, quer, ainda, por meio da mobilização da sociedade organizada. Parece-nos razoável supor que é pouco provável que um canal importante de influência na escolha de políticas públicas se mobilizaria por temas cujos impactos aparecerão após, no mínimo, uma geração. É mais comum a população se mobilizar por questões cujos efeitos sejam sentidos de imediato.

Em quarto lugar, mesmo no caso de políticas cujos impactos podem ocorrer mais imediatamente, como as que se referem ao mercado de trabalho, as opções não são necessariamente consensuais. Muito ao contrário. Por exemplo, não dúvidas de que todos concordam que o país deveria voltar a crescer em termos sustentados e ter taxas de desemprego mais baixas. Mas como fazer é outra estória. O desafio ao crescimento econômico no Brasil pode, para uns, indicar a necessidade de se aprofundar e concluir o programa de reformas econômicas e manter a austeridade fiscal e, para outros, ao contrário, pode indicar a necessidade de se reduzir as taxas de juros e elevar os gastos públicos. Parece-nos que a discussão dos possíveis impactos demográficos dificilmente irá influenciar a escolha de políticas e reformas para estimular o crescimento econômico.41 O que é lamentável, posto que diferentes políticas públicas terão impactos diferentes sobre um cenário que é conhecido e não foi levado em conta.42 Parece-nos, por fim, ser desejável que se entenda que o crescimento econômico é elemento necessário ao processo de desenvolvimento. Contudo, mudanças estruturais são determinantes para que o desenvolvimento seja amplo e inclusivo, e a transição demográfica é uma dessas mudanças que oferece oportunidades e desafios para o desenvolvimento futuro.


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