Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não-remunerado?
Introdução
O presente artigo pretende oferecer uma contribuição ao tema do trabalho
doméstico e, com base nos resultados de um estudo sobre o tempo semanal médio
gasto na realização de afazeres domésticos, elaborado com dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios ' PNAD de 2002,1 do IBGE, defender o
argumento de que, considerando o elevado número de horas que os indivíduos, em
sua maioria mulheres, se ocupam com a realização desses afazeres, seria
legítimo considerar esta categoria um trabalho não-remunerado e não mais
inatividade econômica, como tem sido feito. O estudo foi viabilizado pela
introdução, nos questionários da PNAD, de duas perguntas sobre afazeres
domésticos, que passaram a constituir quesitos específicos sobre o tema. A
primeira, introduzida em 1992, refere-se à questão 121 ("realizou afazeres
domésticos na semana de referência?"), sendo apresentada a todos os
respondentes, independentemente de sua condição de atividade. Assim, a
categoria "afazeres domésticos" deixou de ser apenas uma alternativa de
resposta para aqueles que afirmavam "não trabalhar", como ocorria
anteriormente, e passou a ser um quesito específico. A segunda, incluída em
2001 (questão 121-a, "quantas horas dedica normalmente por semana aos afazeres
domésticos?"), é aplicada para aqueles que responderam "sim" à pergunta
anterior, o que possibilita um estudo sobre o uso do tempo no trabalho
doméstico, antiga demanda de pesquisadoras feministas.
O texto compõe-se de três partes. Na primeira, é traçada uma breve
retrospectiva, a partir dos estudos, sobre o trabalho feminino, a questão do
trabalho doméstico e a demanda dessas pesquisadoras, desde os anos de 70, para
que fossem incorporados, nos órgãos oficiais de levantamento de dados,
conceitos e perguntas mais adequados para tornarem-se visíveis as atividades
realizadas pelas mulheres. Na segunda parte, é apresentado um breve histórico a
respeito dos estudos baseados no uso do tempo para mensuração das atividades
dos indivíduos para produção e reprodução. Finalmente, na terceira, é oferecida
uma nova contribuição ao tema, apresentando resultados de um estudo sobre o
tempo semanal médio gasto por mulheres e homens, no Brasil, em 2002, segundo
variáveis consideradas relevantes, a partir dos estudos de gênero.
O acesso a informações sobre a categoria afazeres domésticos só se tornou
possível a partir do momento em que as pesquisas do IBGE passaram a ser
divulgadas sob a forma de microdados. Antes disso, tais informações não
costumavam ser disponibilizadas, mantendo os que respondiam que se dedicavam a
esses afazeres na vala comum de todos os inativos. Vale lembrar também que essa
é uma categoria ampla e diversificada, que inclui um leque extremamente
heterogêneo de tarefas, sejam estas manuais, como limpar a casa, lavar e passar
roupa, cozinhar, etc., sejam não-manuais, como cuidar dos filhos, dos idosos e
dos doentes, administrar a casa e o cotidiano doméstico e familiar, fazer as
compras, entre outras, que só podem ser discriminadas através de pesquisas
específicas sobre o tema, em surveys, entrevistas, etc.
Um pouco de história dos estudos sobre o trabalho feminino
Como afirmado em textos anteriores (Bruschini, 1992, 1994, 1998), o tema do
trabalho feminino foi a porta de entrada dos estudos sobre mulher na academia
brasileira. No final da década de 60 e início da de 70, pesquisas que se
tornaram clássicas na literatura sobre o trabalho da mulher, como a de Saffioti
(1969) e a de Blay (1978), abordaram essa questão, rapidamente tornando-se
leitura obrigatória nas universidades. O Ano Internacional da Mulher ' 1975 '
constituiu um marco a partir do qual a produção sobre o tema ganhou maior
fôlego. A emergência do feminismo como movimento social criou as condições
necessárias para a legitimação da condição feminina como objeto de estudo.
Uma breve análise dos principais rumos tomados pelo debate teórico sobre o
trabalho da mulher no Brasil revela que, de uma preocupação inicialmente
centrada na incorporação ou expulsão da força de trabalho feminina do mercado
sob os efeitos do capital, a produção teórica foi pouco a pouco mostrando maior
sensibilidade tanto para fatores culturais e simbólicos, que também explicam a
subordinação feminina, quanto para a inserção das mulheres no espaço da
reprodução familiar.
A primeira geração de estudos focalizou exclusivamente a ótica da produção, sem
levar em conta o fato de que o lugar ocupado pela mulher na sociedade também
está determinado por seu papel na reprodução social. Mais tarde, a análise da
condição da mulher a partir de seu papel na reprodução da força de trabalho
teria peso considerável na produção sobre o tema, dando origem às primeiras
discussões sobre o trabalho doméstico.
Mas as pesquisas sobre o trabalho feminino tomaram realmente um novo rumo
quando passaram a focalizar a articulação entre o espaço produtivo e o
reprodutivo, ou a família, pois, para as mulheres, a vivência do trabalho
implica sempre a combinação dessas duas esferas, seja pelo entrosamento, seja
pela superposição. Hoje é possível afirmar que qualquer análise sobre o
trabalho feminino, procurando romper velhas dicotomias, estará atenta à
articulação entre produção e reprodução, assim como às relações sociais de
gênero.
Ao longo dos anos 70 e 80, paralelamente a esse debate teórico, foi se
desenrolando um processo de desvendamento e de crítica às estatísticas oficiais
disponíveis para pesquisar a atividade econômica feminina, consideradas
inadequadas para mostrar a real contribuição das mulheres à sociedade. A maior
parte das críticas refere-se ao nível pouco adequado de mensuração da atividade
das mulheres.
A influência de organismos internacionais na elaboração das pesquisas oficiais
sempre induziu ao uso de categorias adequadas a países desenvolvidos e pouco
próprias aos da América Latina e a outros países em desenvolvimento, nos quais
o capitalismo convive com outras formas de atividade econômica.
Assim, os censos latino-americanos tomavam como referência a produção
capitalista industrial, escondendo o contexto doméstico, a pequena produção
mercantil ou o trabalho familiar não-remunerado, especialmente válido para as
mulheres. O trabalho a domicílio destinado à produção de alimentos ou de
roupas, por exemplo, esconde-se nas atividades domésticas, sendo omitido. Com
isso, as formas mediante as quais são elaboradas perguntas sobre a atividade
feminina provocam a sub-representação do trabalho da mulher. O período de tempo
usado como referência para saber se a pessoa é ou não economicamente ativa
afeta o volume de atividade encontrado. Quanto mais amplo o período, maior será
o componente rural feminino, pois este contingente exerce muita atividade
sazonal.
O número de horas também afeta o cômputo do trabalho feminino, tendo partido de
estudiosas do tema a sugestão de que o tempo parcial e as atividades
secundárias passassem a ser considerados nos levantamentos. A identificação das
atividades realizadas no domicílio, através de análises com o uso da
metodologia de orçamento-tempo, também foi defendida por algumas pesquisadoras
do trabalho feminino, nos anos 70 e 80 como de grande utilidade para detectar o
volume de trabalho familiar, principalmente das mulheres.
No Recenseamento de 1980, contribuições importantes das reflexões teóricas e
metodológicas sobre o trabalho feminino foram introduzidas, merecendo destaque,
neste texto, aquelas que dizem respeito ao conceito de atividade/inatividade
econômica. Nos levantamentos censitários, a categoria inativos abriga
indivíduos que não trabalham, seja porque vivem de renda, seja porque são
aposentados, pensionistas, doentes ou inválidos, estudantes e os/as que
realizam afazeres domésticos. Ou seja, apesar do considerável volume de
atividades que se escondem sob a rubrica afazeres domésticos e que mantêm
ocupadas mulheres de todas as camadas sociais, o trabalho doméstico não é
contabilizado como atividade econômica nesse tipo de levantamento.
Além disso, em virtude da maior difusão e aceitação social da função
reprodutiva das mulheres, a atividade de dona-de-casa costuma ser declarada
como a principal ocupação da respondente, a não ser que ela exerça outras
atividades claramente identificadas como profissionais, seja porque são
remuneradas, seja porque consomem a maior parte de seu tempo. Este viés poderá
ser agravado conforme a formulação das perguntas e a postura do entrevistador
que, imbuído também de preconceitos em relação ao papel da mulher na sociedade,
tende a classificá-la prioritariamente na função de dona-de-casa e, portanto,
inativa.
No Censo de 1970, a má formulação do quesito sobre trabalho contribuiu ainda
mais para intensificar a subenumeração da atividade feminina. Começando com uma
dupla negativa, a pergunta (Se não trabalha, nem procura trabalho, qual a
ocupação ou situação que tem e considera principal?) apresentava, como primeira
alternativa de resposta, a categoria afazeres domésticos, o que pode ter
induzido muitas respondentes a se declararem inativas, pois para a mulher,
sobretudo se for casada e mãe, a função reprodutiva é percebida como
prioritária.
Já no Recenseamento de 1980, a reformulação da pergunta, ampliando o tempo de
referência e mudando a ordem das alternativas,2 teve um efeito significativo no
aumento do número daquelas que se declararam trabalhadoras nessa data.
No caso da PNAD ' levantamento anual implantado gradativamente pelo IBGE desde
1967, com o objetivo de obter informações básicas sobre a população no período
intercensitário, assim como aprofundar alguns temas não contemplados ou
tratados superficialmente nos Censos Demográficos ', não eram menores os
problemas relativos à subestimação da atividade econômica feminina. Isto porque
tal pesquisa sempre se pautou também por uma concepção de trabalho associada ao
emprego capitalista, não sendo, portanto, um instrumento sensível para captar
outras formas de organização do trabalho, seja em áreas rurais ' como pequenas
propriedades rurais de base familiar ' seja em áreas urbanas ' pequena produção
independente e trabalho doméstico. Ao serem adotados critérios sugeridos pela
OIT ' Organização Internacional do Trabalho para definir a condição de ocupação
e critérios das Nações Unidas sobre contas nacionais, na PNAD, "a noção de
ocupação estava associada à realização de um trabalho com remuneração, e
excepcionalmente, a uma situação de trabalho não remunerado, mas com uma
jornada de trabalho mínima (15 horas)" (DEDECCA, 1998, p.105).
Procurando incorporar as críticas dos estudiosos, assim como as demandas dos
movimentos sociais, entre eles o das mulheres, a PNAD passou, desde o início
dos anos 90, por uma profunda reformulação, que, segundo Dedecca (1998), teve
por objetivo captar uma nova e complexa dinâmica socioeconômica, que vinha se
forjando desde o início da década de 80 e que a PNAD não se mostrava capaz de
captar, isto é, uma maior heterogeneidade produtiva e social que "se reflete em
uma organização do mercado de trabalho ainda mais distante da dicotomia
emprego/desemprego e cada vez mais próxima de um caleidoscópio ocupacional"
(DEDECCA, 1998, p. 109).
Na nova PNAD, as principais alterações se deram em relação ao conceito de
trabalho e desemprego. A definição de trabalho passou a ser a de ocupação
econômica remunerada em dinheiro, produtos ou mercadorias, ou somente
benefícios. A jornada de trabalho não-remunerado considerado ocupação passou a
pelo menos uma hora por semana. Foi incorporado o conceito de trabalho para
autoconsumo e autoconstrução, desde que realizados com jornada superior a uma
hora por semana. Estas alterações, além de darem conta das novas condições de
funcionamento do mercado de trabalho, visavam se adequar às recomendações da
13ª Conferência Internacional sobre Estatísticas do Trabalho, da OIT. O novo
questionário mantém, porém, a maior parte dos quesitos dos questionários
anteriores, acrescentando novas variáveis, como tipo de emprego público e
outras, além de questões sobre o trabalho de crianças de 5 a 9 anos de idade.
Para Dedecca, a mudança metodológica trouxe vantagens, entre as quais uma
análise mais precisa das mudanças em curso no mercado de trabalho e uma melhor
mensuração do desemprego. Entretanto, afirma ele, os novos critérios também são
passíveis de controvérsia, como a jornada de uma hora ou mais para autoconsumo
e autoconstrução, ou ainda o desprezo em relação a uma forma de atividade muito
mais recorrente em nossa sociedade: o trabalho das mulheres dedicado à
reprodução de suas famílias. "Cabe, portanto, a pergunta", diz ele, "sobre
porque considerar relevante o autoconsumo e a autoconstrução e irrelevante o
trabalho voltado para a família" (DEDECCA, 2004, p.111).
Por outro lado, o anteprojeto de revisão da PNAD de 1990 menciona, em relação
ao trabalho feminino, as recomendações da 13ª Conferência da OIT e da
Conferência Internacional de Nairobi sobre Mulher, de 1985, para que sejam
elaboradas estatísticas mais precisas sobre a participação econômica das
mulheres e seja dada atenção à sua contribuição não-econômica (BRUSCHINI,
1998). Entre as inúmeras recomendações, figura a de investigar, através do
domicílio, a produção da empresa familiar, as fontes de renda e os gastos, além
do tempo despendido por cada membro da família em diferentes atividades. A
amostragem domiciliar permite o estudo da atividade, da inatividade econômica e
do trabalho doméstico, no caso do trabalho feminino.
Tendo em vista todas essas considerações, as PNADs dos anos 90 passaram a
incorporar a fundo a revisão do conceito de trabalho. No novo conceito
caracterizam-se as condições de trabalho remunerado, sem remuneração e a
produção para o próprio consumo e o da família. O maior refinamento do conceito
favoreceu a mensuração mais adequada das atividades econômicas desempenhadas
por mulheres, à medida que também reduziu o número mínimo de horas trabalhadas
no período anterior à pesquisa e incluiu atividades assistenciais e para o
autoconsumo, entre outras alterações.
Ao longo da década, outras modificações foram sendo introduzidas, muitas delas
em resposta às demandas de grupos e movimentos sociais. Na PNAD de 1992 foi
criada ' a partir do desmembramento da categoria ocupados/as segundo tipo de
vínculo com o trabalho ' a categoria trabalhador doméstico, ao lado dos
empregados, autônomos ou conta própria, não-remunerados e empregadores. Esta
nova categoria refere-se ao emprego ou serviço doméstico remunerado, realizado
em geral no domicílio do empregador e não ao trabalho doméstico de reprodução
social, o qual, realizado sem remuneração no espaço da reprodução social,
continua a ser captado através da categoria "afazeres domésticos". Esta, no
entanto, a partir de 1992, deixou de ser somente uma alternativa de resposta
apresentada apenas aos que declararam não trabalhar e torna-se uma pergunta
específica, aplicada a todos os respondentes, independentemente de sua condição
de trabalho.3
A partir de 2001, a PNAD introduziu novo quesito sobre o tema, desta feita
sobre o tempo consumido na realização de afazeres domésticos, apresentado aos
que responderam afirmativamente à pergunta anterior.4
Assim, foram dadas as condições para um estudo sobre o tempo gasto na
realização de afazeres domésticos, objetivo deste texto, que visa também
sugerir, com base em seus resultados, uma nova reformulação e a consideração do
trabalho doméstico como trabalho não-remunerado, retirando-o da vala comum da
inatividade econômica.
Alguns estudos sobre o tempo
Os estudos sobre o uso do tempo não constituem grande novidade. Ao contrário,
estão presentes desde a primeira metade do século XX, principalmente nos países
desenvolvidos, como os da Europa ou nos Estados Unidos. Em estudo clássico
sobre o tema, Szalai (1972) discorre sobre conceitos e práticas das pesquisas
de orçamento-tempo, a partir de estudo em 12 países. Muitos aspectos
interessantes da vida social, segundo esse autor, estão associados com
distribuição temporal das atividades humanas, regularidades de ritmo, duração,
freqüência e ordem seqüencial. Isto é, certas técnicas de coleta de dados, tais
como observação direta, entrevista e exame de registros, permitem um cômputo
razoavelmente itemizado e mensurado de como as pessoas gastam seu tempo dentro
dos limites de um dia de trabalho, um fim-de-semana, uma semana de sete dias ou
qualquer outro período relevante.
Segundo Szalai, a designação orçamento-tempo tem uma justificativa metafórica,
uma vez que, a exemplo do que acontece em um orçamento financeiro, os estudos
desse tipo estão preocupados com as proporções de tempo alocado nas 24 horas do
dia, em várias atividades. O tempo apurado nesses estudos, ainda segundo esse
autor, serve apenas de referência estruturante das proporções do engajamento
das pessoas em toda a gama de suas atividades diárias. Não é, portanto, o
tempo, em si mesmo, mas sim o uso que as pessoas fazem dele o real assunto dos
estudos de orçamento-tempo. Dados assim obtidos podem se mostrar bastante
úteis, como, por exemplo, para o planejamento de serviços e equipamentos
comunitários, a partir de certos parâmetros gerais de necessidades da
população.
A abordagem do orçamento-tempo foi primeiramente desenvolvida em surveys,
reportando condições de vida da classe trabalhadora e as longas horas de
trabalho nos primeiros tempos do desenvolvimento industrial, reduzidas graças
às lutas dos trabalhadores organizados, em prol da redução da jornada de
trabalho. A luta pelo "3 x 8" (8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas
de sono) enquanto agenda correta para a jornada diária dos trabalhadores
"expressava, na verdade, uma demanda social na forma de um lacônico orçamento-
tempo." (SZALAI, 1972, p. 6). A maior parte dos estudos de orçamento-tempo
anteriores à 2ª Guerra Mundial foi realizada na Grã-Bretanha, União Soviética e
Estados Unidos, alguns na França e na Alemanha e em outros países,
esporadicamente. Em geral, estes primeiros estudos foram focados nos seguintes
tópicos: distribuição entre categorias amplas de atividade, como trabalho pago,
afazeres domésticos, cuidado pessoal, tarefas familiares, sono e recreação;
características de gasto de tempo por grupo ou estrato social (trabalhadores
industriais, estudantes, homens, desempregados, etc.); e uso do tempo livre,
especialmente lazer.
No Brasil, estudos que adotam essa metodologia foram incorporados àqueles sobre
o trabalho feminino, nos anos 70, com o intuito de tornar visível e valorizar a
atividade doméstica, assim como outras formas de atividade sem remuneração,
desempenhadas sobretudo por mulheres. Aguiar (1984, p.22), uma das pioneiras na
defesa do uso da metodologia de orçamento-tempo nos estudos sobre o trabalho
feminino como a mais adequada para tornar visíveis as inúmeras atividades
realizadas pelas mulheres, no meio urbano e no rural, comenta, em um dos seus
textos, que o número de horas de trabalho afeta o cômputo de mulheres como
participantes da população economicamente ativa, e sugere que sejam elaboradas
questões sobre o tempo de trabalho de cada um dos membros do domicílio nos
levantamentos censitários.
Nos anos 80, estudos antropológicos sobre a atividade feminina fizeram uso
dessa metodologia. Figueiredo (1980), investigando chefes de família em uma
comunidade pesqueira da Bahia, mostrou que, somando suas atividades remuneradas
e não-remuneradas, essas mulheres trabalhavam, em média, 95 horas por semana.
Machado Neto e Britto (1982) cronometraram as tarefas domésticas de mulheres
entre 30 e 45 anos, em diferentes ciclos da vida, todas pertencentes às camadas
populares da Bahia e constataram que o trabalho doméstico "recorta por sobre a
vida", invadindo todos os outros espaços temporais, sobretudo o do lazer e o do
descanso, que algumas tarefas são centralizadas, inadiáveis, e outras não podem
ser delegadas. Em pesquisa com mulheres de famílias das camadas médias
paulistanas, constatou-se, através do registro das atividades realizadas por
elas no dia anterior a uma segunda entrevista, que o tempo diário gasto nas
tarefas domésticas variava de 7 a 9 horas. O registro do tempo, apesar de
apenas aproximado, foi útil para mostrar que as tarefas domésticas, também nas
camadas médias, se caracterizam pela simultaneidade, multiplicidade e
fragmentação e por consumir grande parte do tempo feminino (BRUSCHINI, 1990).
Entretanto, apesar de sua importância para o desvendamento da contribuição
global das mulheres para as famílias e toda a sociedade, os estudos de
orçamento-tempo pouco avançaram no Brasil, em parte devido a um certo ceticismo
de algumas pesquisadoras em relação à sua utilidade, em parte devido às
dificuldades metodológicas inerentes a essa forma de levantamento de dados.
Relegado durante muitos anos a um relativo esquecimento, o critério do tempo
gasto em atividades mercantis e não-mercantis começou a ser novamente utilizado
para analisar o trabalho das mulheres, em documentos internacionais, como o
Relatório de Desenvolvimento Humano ' Human Development Report/HDR(UNDP, 1995).
Realizado anualmente, desde 1990, pelo Fundo das Nações Unidas para o
Desenvolvimento/UNDP, o Relatório define o desenvolvimento como um conceito
global, que tem como componentes essenciais a igualdade de oportunidades, a
sustentabilidade dessas oportunidades de uma geração para outra e o
fortalecimento das mulheres.
Ao contrário do paradigma do crescimento, que leva em conta apenas a renda
(Produto Nacional Bruto) para avaliar a situação socioeconômica de um país, o
conceito de desenvolvimento humano considera uma ampla gama de questões
sociais, como a educação, valores culturais e políticos. Com esta perspectiva
teórica, o HDR constrói um índice de desenvolvimento humano (IDH) que combina
os indicadores de esperança de vida, nível educacional e renda nacional.
A partir da consideração de que a eqüidade de gênero é um dos aspectos centrais
deste novo conceito de desenvolvimento, o Relatório passou a incorporar, desde
1992, as diferenças sexuais na composição do índice. Preparado especialmente
para a IV Conferência da Mulher em Pequim, o Relatório de 1995 avançou
significativamente neste tema: focaliza o gênero como questão central; analisa
o processo de exclusão das mulheres do desenvolvimento; mede a igualdade de
gênero; e oferece uma estratégia concreta para buscar a eqüidade nas
oportunidades entre homens e mulheres.
Dentro deste novo modelo de desenvolvimento, segundo os autores do Relatório,
não há nenhuma razão para que atividades como criar filhos, cozinhar, cuidar da
casa e outras não sejam valorizadas. Por isso, é feita uma estimativa desta
contribuição invisível à renda nacional, por meio de uma pesquisa sobre o tempo
gasto por homens e mulheres em atividades mercantis e não-mercantis, em 31
países industrializados e não-industrializados. Os resultados mostram que, nos
países industrializados, 66% do total do tempo do trabalho dos homens é gasto
em atividades remuneradas e 34% em não-remuneradas, enquanto nos países em
desenvolvimento essa relação é de 76% para 24%. Enquanto isso as mulheres,
tanto nos países em desenvolvimento como nos industrializados, consomem 34% do
tempo de trabalho em atividades remuneradas e 66% em trabalho não pago. A
partir desses e de outros resultados, o Relatório propõe que a mensuração da
categoria trabalho passe a considerar o número de horas que as mulheres e os
homens gastam no mercado de trabalho, em vez do método tradicional de contar o
número de participantes na força de trabalho (UNDP, 1995).
Já estudo recente da Unifem (2000) chama a atenção para a ambigüidade e a
variedade de termos utilizados para tornar visíveis todos os serviços prestados
e/ou trabalhos realizados pelas mulheres ' trabalho doméstico, trabalho não-
remunerado, trabalho reprodutivo, trabalho na unidade doméstica, trabalho de
cuidado não-remunerado aos membros da família ' e retoma a proposta de computar
o valor desses serviços ou trabalhos através da mensuração do tempo gasto para
realizá-los (UNIFEM, 2000, p. 23-24).
Mais recentemente, Dedecca, em artigo sobre o tempo, trabalho e gênero, chama a
atenção para a importância da questão do tempo e para a escassez de informações
no Brasil, até a introdução, na PNAD de 2001, de um quesito sobre o tempo gasto
na realização de afazeres domésticos, como foi mencionado em tópico anterior. O
autor faz uma análise teórica sobre o tempo no capitalismo, propõe a
articulação do uso do tempo para a reprodução econômica e para a reprodução
social e defende a tese que:
se trate o tempo do chamado trabalho doméstico como tempo para a
reprodução social, entendendo-o como fundamental para resolver alguns
problemas da acumulação capitalista que não se equacionam no sistema
generalizado de trocas realizado através da moeda (DEDECCA, 2004, p.
25).
O autor expõe resultados de estudos sobre o uso do tempo em países
desenvolvidos e chama atenção para inúmeras questões que têm sido objeto de
interesse de feministas e estudiosas das relações de gênero, entre as quais é
possível destacar: o tempo econômico masculino é maior do que o feminino,
enquanto o tempo feminino na reprodução social é maior do que o masculino; o
aumento da jornada do tempo econômico prejudica mais as mulheres, uma vez que o
tempo dedicado por elas à reprodução social e à família não tende a diminuir,
apesar do avanço tecnológico da aparelhagem doméstica; isso reduz o tempo livre
das mulheres, que adicionam o tempo econômico ao da reprodução social.
De fato, o menor tempo livre encontrado nas pesquisas mencionadas pelo autor
foi o das mulheres, em especial o daquelas com filhos menores de 15 anos.
Analisando resultados desses estudos em países desenvolvidos, Dedecca levanta
um ponto importante a ser considerado: o de que, até mesmo nos países que
possuem políticas sociais de caráter abrangente, como horário integral em
escolas e creches, persiste a desigualdade no uso do tempo para a reprodução
social, de homens e de mulheres.
Discorrendo sobre o tema da relação entre produção e reprodução, Sorj lembra
que o trabalho remunerado e o não-remunerado são duas dimensões do trabalho
social que estão intimamente ligadas. Constatar esse fato, revendo as
categorias que tratavam do tema, foi uma das contribuições dos estudos
feministas e de gênero, já que o trabalho não-remunerado é realizado, em grande
parte, pelas mulheres, na esfera privada. Até então, prevalecia a noção de que
a produção para o mercado e o trabalho doméstico eram regidos por diferentes
princípios, em que as regras do mercado aplicar-se-iam à produção, enquanto o
trabalho doméstico seria "um dote natural que as mulheres aportam ao casamento
em troca do seu sustento" (SORJ, 2004, p.107).
Devido à ausência de um conceito que lhe desse visibilidade, o trabalho
doméstico permaneceu, por muito tempo, ignorado nos estudos sobre o trabalho.
Os estudos sobre a divisão sexual do trabalho, porém, não tiveram dificuldade
em mostrar o estreito vínculo entre trabalho remunerado e não-remunerado. Esta
nova perspectiva de análise, articulando a esfera da produção econômica e da
reprodução social, permitiu observar as conseqüências das obrigações domésticas
na vida das mulheres, limitando seu desenvolvimento profissional. Com carreiras
descontínuas, salários mais baixos e empregos de menor qualidade, as mulheres
muitas vezes acabam por priorizar seu investimento pessoal na esfera privada.
Uma contribuição empírica: tempo semanal em afazeres domésticos
Nesta parte do texto são apresentados os resultados de um estudo realizado com
dados da PNAD/2002, sobre o tempo semanal médio de dedicação aos afazeres
domésticos. Foram utilizadas informações obtidas a partir das perguntas 121 "na
semana de 23 a 29 de setembro de 2001, cuidava dos afazeres domésticos?" e 121-
a (para os que responderam sim) "quantas horas dedicava normalmente por semana
aos afazeres domésticos?", introduzidas a partir das PNADs de 1992 e 2001,
respectivamente.
Entende-se por afazeres domésticos, na PNAD, a realização, no domicílio de
residência, de tarefas (que não se enquadravam no conceito de trabalho) de:
arrumar ou limpar toda ou parte da moradia; cozinhar ou preparar alimentos,
passar roupa, lavar roupa ou louça, utilizando, ou não, aparelhos
eletrodomésticos para executar estas tarefas para si ou para outro(s) morador
(es); orientar ou dirigir trabalhadores domésticos na execução das tarefas
domésticas; cuidar de filhos ou menores moradores; limpar o quintal ou terreno
que circunda a residência. Consideraram-se na pesquisa as pessoas de dez anos
ou mais de idade, independentemente da sua condição de atividade e ocupação na
semana de referência (IBGE, 2003, p. 36-37).
As informações sobre número médio de horas semanais dedicadas aos afazeres
domésticos, por pessoas de dez anos ou mais, foram relacionadas às variáveis
sexo, idade, escolaridade, rendimento, situação do domicílio (urbano/rural),
região do país, condição na família, presença de filhos, idade do último filho
vivo, raça/cor e condição de ocupação.5 No total, 140.338.544 pessoas
responderam à pergunta, sendo 67.675.933 homens (48,2% da população) e
72.662.611 mulheres (51,8%).
Os dados revelam, em primeiro lugar, que 68% dos investigados responderam
afirmativamente à pergunta sobre o cuidado com os afazeres domésticos. No
entanto, ao se desagregarem as informações por sexo, saltam aos olhos as
desigualdades de gênero, pois, enquanto quase 90% das mulheres responderam SIM
à pergunta, pouco menos de 45% dos homens deram resposta semelhante. A mesma
desigualdade se verifica ao considerar, de outro ângulo, o total dos que cuidam
de afazeres domésticos (95,5 milhões), segundo o sexo: 68,3% são mulheres e
31,7% homens. O diferencial de gênero se apresenta também com clareza quando se
examina o tempo de dedicação aos afazeres domésticos, segundo o número médio de
horas semanais: enquanto na população total este número foi de 21,9 horas, o
das mulheres correspondeu a cerca de 27 horas e o dos homens a pouco mais de 10
horas.6
Os resultados do estudo, apresentados a seguir, referem-se apenas à parcela da
população que declarou cuidar de afazeres domésticos na PNAD/2002 (ou seja,
respondeu SIM, cuidou de afazeres domésticos na semana da pesquisa).
Foi constatado que o tempo gasto com tarefas domésticas aumenta com a idade.
Entre as mulheres, esse crescimento é significativo até os 60 anos, passando a
declinar a partir de então. O número de horas aumenta, entre elas, a partir dos
25 anos ' 28,7 horas semanais ' e atinge seu pico ' 32,9 horas ' na faixa de 50
a 59 anos. Entre os homens, não há diferenças relevantes segundo a faixa
etária, exceto na primeira, 10 a 14 anos, na qual a média de horas é mais
baixa, e na última, 60 anos ou mais, na qual, ao contrário, o número de horas
dedicadas às tarefas domésticas aumenta. Vale ressaltar a acentuada diferença
do número de horas dedicadas aos afazeres domésticos entre meninos e meninas
(faixa etária de 10 a 14 anos): enquanto elas trabalham mais de 14 horas por
semana em afazeres domésticos, eles dedicam a essas tarefas menos de nove
horas. Quando ficam mais velhos ' a partir dos 60 anos ', os homens aumentam
sua dedicação ao trabalho doméstico, mas não atingem sequer a metade do tempo
gasto pelas mulheres da mesma faixa etária: 14 horas eles, 30,6 elas.
Observa-se também que o número de horas de dedicação aos afazeres domésticos
diminui à medida que aumenta o nível de escolaridade. Enquanto mulheres com 12
anos ou mais de estudo (ou nível superior) trabalham em média 20 horas por
semana em afazeres domésticos, aquelas com apenas 1 a 4 anos de estudo dedicam
quase 29 horas e aquelas com 5 a 8 anos de estudo 27,2 horas. Entre os homens,
o efeito da escolaridade também está presente, mantendo, porém, em todas as
faixas, número de horas muito inferior ao das mulheres.
O tempo de dedicação aos afazeres domésticos também se reduz com o aumento do
nível de rendimento, para homens e mulheres. Ao se analisarem as respostas dos
informantes segundo sexo e faixa de rendimento no trabalho principal,
constatou-se que as mulheres que se situavam na faixa de 5 a 10 salários
mínimos cuidavam de afazeres domésticos durante 17,5 horas e aquelas com mais
de 10 SM apenas 16,7 horas, enquanto o total, para todas as mulheres, é de 27,2
horas. Foi possível observar também que 84% das mulheres na faixa de 5 a 10 SM
e 77% na faixa de mais de 10 SM declararam na pesquisa que cuidavam de tarefas
domésticas, percentual inferior ao de 90% do total das mulheres.
Não foram observadas diferenças relevantes de número de horas em afazeres
domésticos, segundo a localização do domicílio. Nos domicílios rurais as
mulheres gastam 1,2 hora a mais. É preciso considerar, entretanto, que no meio
rural os afazeres domésticos, para as mulheres, se confundem com a atividade
econômica, mais do que no meio urbano. No que se refere aos homens, o número de
horas é o mesmo, tanto nos domicílios urbanos quanto nos rurais.
Não foram constatadas também diferenças relevantes no número de horas que as
mulheres dedicam aos afazeres domésticos, segundo as regiões do país, exceto no
caso do Norte e do Centro-Oeste, onde elas gastam um número menor de horas, em
comparação à média geral de 27,2 horas. Entretanto, na Região Sudeste, o
percentual de mulheres que declararam cuidar de afazeres domésticos (89%) é
inferior ao da demais regiões. No caso dos homens, o Sul é a região na qual o
tempo semanal gasto em afazeres domésticos é menor.
Em relação à posição na família,7 as cônjuges8 são as mulheres que trabalham o
número mais elevado de horas (33,4) em afazeres domésticos, seguidas pelas
chefes de família,9 com um número de horas mais próximo ao da média geral da
população feminina. Note-se que mais de 97% das cônjuges declararam cuidar de
afazeres domésticos e mais de 90% das chefes (categoria "pessoa de
referência"). Ao se analisar o uso do tempo no trabalho doméstico, segundo
posição na família e sexo do informante, chama a atenção ainda o número muito
mais elevado de horas que as filhas trabalham em afazeres domésticos ' quase 17
horas ' em comparação aos filhos ' pouco mais de 9. Além disso, na população
investigada, 80% das filhas e apenas 38% dos filhos declararam cuidar desses
afazeres, o que pode ser considerado um sinal de que a assimetria de gênero se
encontra em franca reprodução no interior das famílias.
Quando se analisa o tempo gasto nas tarefas domésticas segundo a presença de
filhos, é possível confirmar o que os estudos de gênero vêm seguidamente
afirmando: o cuidado com os filhos é uma das atividades que mais consome o
tempo de trabalho doméstico das mulheres, mesmo que as mais velhas, casadas e
mães sejam precisamente aquelas que estão adentrando com mais vigor no mercado
de trabalho e nele permanecendo10 (BRUSCHINI, 2000; BRUSCHINI e LOMBARDI,
2003). Segundo os dados desta pesquisa, as mães dedicam aos afazeres domésticos
quase 32 horas do seu tempo semanal, um número muito superior ao da média geral
e mais ainda ao das mulheres que não tiveram filhos. Note-se também que,
enquanto 95% das mulheres que tiveram filhos responderam que cuidavam de
afazeres domésticos, 82% das que não tiveram filhos deram resposta semelhante.
Ao introduzir na análise a idade dos filhos, os dados confirmam o que os
estudos de gênero têm apontado seguidamente: os filhos pequenos são aqueles que
consomem o maior número de horas de dedicação aos afazeres domésticos.11 Ao
considerar a idade do último filho vivo no domicílio, constatou-se que as mães
dedicavam aos afazeres domésticos ' aí incluído o cuidado com os filhos
pequenos e outros menores, conforme a definição da PNAD ' quase 35 horas
semanais, quando os filhos têm menos de 2 anos, e pouco mais de 32 horas quando
estes estão na idade de 2 a 4 anos, cifras muito superiores à encontrada para a
população feminina em geral.
Ao contrário o que foi constatado na PPV, mencionada anteriormente (ver nota
5), não foram observadas diferenças relevantes no número de horas de dedicação
aos afazeres domésticos, segundo raça/cor, tanto entre as mulheres como entre
os homens: brancas e pretas/pardas trabalham o mesmo número de horas em
afazeres domésticos, assim como brancos e pretos/pardos, mantendo-se, porém, o
diferencial de gênero já constatado.
Finalmente, ao analisar o número de horas de dedicação aos afazeres domésticos,
segundo atividade remunerada, foi possível constatar que as mulheres que tinham
ocupação remunerada fora do domicílio, na ocasião da pesquisa, dedicavam aos
afazeres domésticos quase oito horas a menos do que aquelas que não estavam
trabalhando fora do domicílio. Em relação aos homens, uma boa surpresa:
constatou-se que os desempregados (categoria desocupados) dedicaram quase
quatro horas a mais do seu tempo semanal aos afazeres domésticos, em comparação
aos ocupados e três horas em relação à população masculina total.
Considerações Finais
Ao finalizar este texto, duas considerações merecem ser feitas. A primeira é a
de que os dados analisados comprovam inúmeras afirmações que têm sido feitas
nos estudos de gênero: as mulheres, muito mais do que os homens, dedicam parte
significativa de seu tempo ao trabalho para a reprodução social; entre elas,
são as cônjuges e, principalmente, as mães as que dedicam número mais elevado
de horas semanais aos afazeres domésticos; e, entre as que tiveram filhos, são
as mães de filhos pequenos aquelas cujo tempo semanal de dedicação aos afazeres
domésticos é o mais elevado. Esta constatação torna-se mais relevante ao se
considerar o fato de que são justamente essas as mulheres ' as cônjuges e as
mães de filhos pequenos ' que estão adentrando com mais vigor no mercado de
trabalho e nele permanecendo desde os anos 80, como constatado em trabalhos
anteriores (BRUSCHINI, 2000; BRUSCHINI, LOMBARDI, UNBEHAUM, 2006). Ou seja, são
aquelas que mais trabalham atualmente na atividade produtiva as que mais
consomem seu tempo, no domicílio, na atividade reprodutiva, enfrentando enorme
sobrecarga de trabalho e dificuldades de conciliação entre as responsabilidades
familiares e as profissionais. É forçoso reconhecer, por isso, a necessidade de
políticas sociais de apoio a essas trabalhadoras, sobretudo àquelas de mais
baixa renda.
A análise dos dados revelou também, entre outras constatações, que a idade, a
escolaridade e o trabalho remunerado têm efeito relevante sobre o tempo
dedicado ao trabalho doméstico, principalmente pelas mulheres.
A segunda consideração que deve ser feita, ao concluir o artigo, é a do avanço
significativo do órgão oficial responsável pelo levantamento de dados, dando
continuidade àqueles mencionados na primeira parte do texto. Ao se desagregar a
categoria "afazeres domésticos" de uma pergunta feita apenas aos que não
trabalham e introduzir questão específica sobre esse tema, ao considerar, na
definição desses afazeres, uma ampla gama de atividades realizadas para a
reprodução e, finalmente, ao considerar o tempo dedicado a esse conjunto de
atividades, a PNAD viabiliza este e outros estudos sobre o trabalho de
reprodução e o tempo a ele dedicado. Não seria ilusório, portanto, levando-se
em conta todas as reformulações já realizadas na PNAD desde o começo dos anos
90, defender, para concluir o texto, a proposta de que o trabalho doméstico,
que consome parte considerável do tempo dos que dele se ocupam ' em sua maioria
mulheres, donas de casa e mães de filhos pequenos ', passe a ser considerado um
trabalho não-remunerado, e não mais inatividade econômica.