A presença de imigrantes de países do Cone Sul no Brasil: medidas e reflexões
Introdução
Com uma porcentagem muito baixa de estrangeiros no total da população, foram
recenseados, em 2000, 683.830 imigrantes internacionais, representando 0,4% da
população total do Brasil. Embora a quantidade de imigrantes estrangeiros tenha
diminuído, o número dos naturais dos países do Cone Sul aumentou de 102.757
para 118.612, entre 1991 e 2000, passando de 13,4% para 17,3% do total dos
imigrantes internacionais.
No período 1991-2000, mantiveram-se as tendências das migrações internacionais
no Brasil, caracterizadas pela emigração de brasileiros, a quase ausência dos
fluxos de ultramar, outrora clássicos (de Portugal, Espanha, Itália), a
imigração não-tradicional (como de Angola e outros países de África lusófona) e
o incremento dos fluxos migratórios regionais para o Brasil.
Em 2000, os argentinos, bolivianos, chilenos, paraguaios e uruguaios estavam
entre as dez nacionalidades que apresentavam maior quantidade de imigrantes
internacionais residentes no Brasil. Com exceção dos chilenos, todos os outros
registraram taxas de crescimento médio anual positivas no período 1991-2000
(Tabela_1).
Este artigo objetiva descrever as mudanças no volume e na localização dos
imigrantes provenientes dos países do Cone Sul, residentes no Brasil,
apresentando-se as estimativas dos saldos migratórios (SMs) e das taxas
líquidas de migração (TLMs). Também abordam-se as TLMs das décadas de 80 e 90,
nos Estados que concentravam mais de 10% do total dos imigrantes naturais de
cada um dos países analisados, além de alguns processos que poderiam ter
incidido nas mudanças da presença de naturais do Cone Sul no Brasil, com
especial ênfase entre os naturais do Paraguai e da Bolívia, os dois grupos que
mais cresceram nas referidas décadas.
É o Brasil um novo eixo na migração regional?
Desde fins do século XIX até 1970, cerca de 5,3 milhões de pessoas chegaram à
Argentina, o que representa 38% da migração líquida da América Latina e do
Caribe nesse período. A Argentina foi o principal destino dos fluxos
migratórios de ultramar na América do Sul, concentrando, juntamente com o
Brasil, 73% do balanço regional (LATTES; RECCHINI DE LATTES, 1992). Como
aconteceu com o Brasil, durante o século XX, diminuiu, na Argentina, a
quantidade de imigrantes de ultramar e cresceu a participação daqueles do Cone
Sul no total de estrangeiros.
A Argentina, até 2001, concentrava a maior parte dos imigrantes originários do
Cone Sul. Entre eles, os paraguaios compunham o grupo maior e os bolivianos
pertenciam àquele que mais cresceu nas duas últimas décadas do século XX.
Durante os anos 90, apesar do contexto de crescente desemprego e precarização
do trabalho, os salários argentinos permaneceram altamente atraentes para os
imigrantes do Cone Sul, devido à sobrevalorização do peso argentino, em relação
ao dólar americano. Esta situação teve vigência até janeiro de 2002. O
agravamento da crise econômica, especialmente na segunda metade da década, fez
com que o número de estrangeiros residentes naquele país declinasse.
Paralelamente, o Brasil parece ter se constituído numa nova opção migratória
para os imigrantes do Mercosul, durante os anos 90. O crescente nível do
desemprego na Argentina e as maiores restrições à imigração, durante a primeira
metade da década de 80 e na segunda da de 90, podem ter contribuído para o
redirecionamento de parte dos fluxos de paraguaios e, em menor medida, de
bolivianos para o Brasil, embora a população dessas duas nacionalidades
continuasse crescendo na Argentina, tal como evidenciado pela comparação entre
as taxas de crescimento médio anual, nas duas últimas décadas, dos segmentos
provenientes do Cone Sul residentes em cada um dos dois países (Tabela_2).
Tanto no Brasil quanto na Argentina, os naturais da Bolívia e do Paraguai
registraram taxas de crescimento maiores do que aqueles originários dos demais
países do Cone Sul, na década de 90. Para os bolivianos residentes na
Argentina, as taxas de crescimento médio anual foram maiores do que para
aqueles instalados no Brasil (Tabela_2).
Os anos 80 e 90 foram marcados pelo processo de reestruturação econômica pelo
qual passaram os países do Cone Sul. Este processo caracterizou-se pela
abertura e desregulacão das economias e pela crescente flexibilização das
relações trabalhistas.
A Tabela_3 apresenta a variação do PIB per capita no início, meio e fim da
década de 90, nos seis países do Cone Sul. O PIB da Argentina e o do Uruguai
diminuíram nas três datas consideradas. Na Bolívia e no Paraguai, reduziu-se em
2000. No Brasil, houve grande decréscimo (7,2%) no começo da década, maior do
que nos demais países em qualquer dos anos considerados, registrando aumento,
ainda que modesto (em torno de 2,5%), em 1995 e 2000. Já o PIB chileno cresceu
nas três datas consideradas, especialmente no meio da década (7,2%). Tanto em
1995 quanto em 2000, o crescimento do PIB chileno foi o maior do Cone Sul.
Com efeitos díspares, em termos de emprego e distribuição da renda, os países
mostraram, em geral, níveis de desemprego crescentes. Nas áreas urbanas do
Brasil, a taxa média anual de desemprego passou de 5,3%, em 1985, para 7,6%, em
1999, um crescimento pequeno, em comparação ao comportamento nos outros países
da América do Sul. No Chile, o desemprego experimentou uma queda notável
durante os anos 90, que se reverteu no final dessa década (Tabela_4).
A seção seguinte descreve o método para estimar saldos migratórios, no Brasil,
dos naturais dos países do Cone Sul e fornece informações referentes aos saldos
e às taxas líquidas de migração por país de nascimento.
O método para estimar saldos migratórios dos naturais dos países do Cone Sul
Os censos demográficos brasileiros, além do cálculo direto do volume de
migrantes sobreviventes e de sua distribuição por tempo de residência, através
de dados gerados por perguntas formuladas para tal fim, permitem, também, a
estimação de saldos migratórios (SMs) de um determinado período, por meio de
técnicas indiretas. Nesse caso, não é possível a desagregação dos SMs em
imigrantes e emigrantes.
Os SMs correspondem à diferença entre o volume de pessoas que não residiam na
unidade geográfica de referência, no início do período em análise, e que para
lá migraram (imigrantes) e aqueles que lá residiam, no início do período, e
dela saíram (emigrantes), descontados os efeitos da mortalidade e da
reemigração. Uma série de estimativas de SMs mostra as tendências do resultado
líquido da migração, mais do que volumes precisos, principalmente se foram
estimados por técnicas indiretas. Através das técnicas indiretas, os SMs são
estimados pela diferença, no segundo censo, entre a população efetivamente
observada e a fechada esperada (CARVALHO, 1985).
Zacariah (1962) desenvolveu uma técnica para estimar a população esperada
fechada no final do período, com idade igual ou maior do que a amplitude do
período intercensitário, que, subtraída da população observada, de mesma idade,
resulta nas estimativas de SMs e, conseqüentemente, das taxas líquidas de
migração (TLMs) referentes às migrações internas. Para estimar a população
fechada, são usadas as relações intercensitárias de sobrevivência (RISs). Essa
técnica tem a grande vantagem de minimizar, nos SMs e TLMs estimados, os erros
causados por problemas relacionados, nos dois censos envolvidos, à declaração
de idade e ao grau de cobertura censitária, contrariamente ao que sucede quando
são usadas as razões de sobrevivência das tabelas de mortalidade do período
(CARVALHO, 1982). No entanto, para que a técnica das RISs seja usada, tem-se
que trabalhar com o pressuposto de que a população do país seja fechada. Esta é
a razão porque, obviamente, ela, em princípio, não pode ser aplicada para
estimar SMs e TLMs internacionais. Como a população do Brasil, durante a década
de 80, mostrou-se claramente aberta, ajustou-se a técnica de Zachariah,
adotando-se as RISs do Brasil da década anterior e calibrando-as segundo os
níveis de mortalidade observados no decênio 1980/1990 (CARVALHO; RIGOTTI,
1996). Com essa adaptação, foi possível estimar os SMs e TLMs dos estados
brasileiros da década de 80 (CARVALHO; GARCIA, 2002), assim como aqueles
referentes às migrações internacionais para o total do Brasil (CARVALHO, 1996).
Nesse caso, foi possível estimar os SMs e TLMs internacionais através da
técnica das RISs ajustadas, porque estas RISs estimadas correspondiam àquelas
que seriam observadas no país entre 1980 e 1990 se, porventura, a população
brasileira tivesse permanecido fechada durante o período. Ao serem utilizadas
as RISs observadas durante os anos 70, quando a população brasileira podia ser
considerada fechada, ajustadas aos níveis de mortalidade do decênio seguinte,
adotou-se o pressuposto de que, nos mesmos grupos etários, a relação entre os
graus de completude dos Censos de 1991 e 1980 era a mesma que aquela entre os
Censos de 1980 e 1970 (CARVALHO; RIGOTTI, 1996).
Para se estimarem os SMs da década de 90, não seria aconselhável adotar o mesmo
procedimento, pois há, de um lado, o distanciamento de 20 anos em relação à
década de 70 e, de outro, uma sensível melhoria do grau de cobertura entre os
Censos de 1991 e de 2000.
Neste artigo, optou-se pela estimação dos SMs e das TLMs internacionais das
populações em estudo, nas décadas de 80 e 90, por meio da aplicação direta das
relações de sobrevivência de tabelas de mortalidade. Como se deseja comparar as
mudanças entre os dois períodos, julgou-se conveniente adotar uma única técnica
de estimação. Não houve correção alguma do grau de subenumeração, nem dos erros
de declaração de idade, nem das variações de cobertura censitária entre os
diferentes censos demográficos. Deve-se estar atento para os erros causados
pela melhoria de cobertura censitária entre 1991 e 2000 que, provavelmente,
atingiram, também, os naturais dos países do Cone Sul residentes no Brasil. Os
problemas advindos dos erros de declaração de idade serão minimizados, pois as
estimativas analisadas correspondem ao total e não a grupos etários
específicos. As distorções presentes nos diversos grupos etários, devido a erro
de declaração de idade, tendem a ser compensadas ao se somarem os SMs das
diversas idades. As estimativas de TLMs conterão erros proporcionais menores do
que aquelas dos SMs, porque os erros causados pela melhoria de cobertura
censitária estarão presentes, ainda que em proporções diferentes, tanto no
numerador quanto no denominador das TLMs (CARVALHO, 1982). O numerador
corresponde ao SM e o denominador à população enumerada no segundo censo. A
população enumerada em 1991 foi ajustada para 1º de setembro de 1990.
Existe outro problema para a estimação de saldos migratórios de estrangeiros -
um dos objetivos deste trabalho -, derivado das mudanças no volume de
imigrantes internacionais captado em cada censo, o que está associado à
clandestinidade de parte deles. A mudança da condição legal do imigrante, pela
regularização, induziria sua inclusão no recenseamento seguinte, incrementando,
assim, o volume de imigrantes captado após uma anistia, o que poderia levar à
sobreestimação dos saldos migratórios. Por outro lado, se durante o intervalo
intercensitário aumentasse consideravelmente a presença de imigrantes
irregulares, o incremento da clandestinidade poderia induzir à subenumeração e,
conseqüentemente, a erros, por falta, nas estimativas dos SMs e TLMs.
Modalidade de cálculo
Por meio da aplicação de relações de sobrevivência à população registrada no
primeiro censo, será estimada a quantidade de pessoas da população fechada que
sobreviverá até o segundo censo.
No caso de um intervalo intercensitário de dez anos, para calcular os SMs em
cada grupo de idade entre as pessoas de dez anos e mais no final do decênio,
subtraise, da população recenseada no segundo censo, a população sobrevivente
esperada no final do período, segundo a seguinte fórmula:
onde:
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb01.jpg] é o saldo migratório no
grupo etário x+10, x+15, do período 0-10, região j;
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb02.jpg] é a população recenseada
no ano 10, no grupo etário x+10, x+15, região j;
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb03.jpg] é a população recenseada
no ano 0, no grupo etário x, x+5, região j;
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb04.jpg] é a relação de
sobrevivência de 10 anos, das pessoas do grupo etário x, x+5 no ano
0, região j;
Ao se aplicar essa técnica, em cada região j, aos seus residentes, naturais de
cada um dos países do Cone Sul, obtêm-se os SMs da região, em relação aos
naturais de cada país. Trata-se do resultado líquido dos fluxos migratórios dos
naturais de cada país, no período em análise, entre a região j e o resto do
mundo. Nele estão incluídas as migrações, no período, dos indivíduos naturais
de um determinado país, para (de) a região j, e que tiveram como origem
(destino) o país de nascimento ou outros países ou as demais regiões do próprio
país. A técnica produzirá estimativas em relação àqueles já nascidos no ano 0,
portanto, com dez anos ou mais de idade no ano 10.
Quanto ao segmento de pessoas com menos de dez anos - ou nascidas no período
intercensitário -, a população esperada fechada corresponde às crianças que
nasceriam durante o intervalo intercensitário na população fechada em estudo
(no caso, nascidos em determinado país) e sobreviveriam ao final do período.
Para obter os saldos migratórios da população com menos de dez anos, no segundo
censo, neste artigo adotou-se a proposta de Lee (1957), comentada em Carvalho
(1985), usando as seguintes fórmulas:
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06form02.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb05.jpg] = relação, na população
censitária da região j, no ano 10, entre crianças de 0-4 anos e
mulheres de 15-44;
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb06.jpg] = relação, na população
censitária da região j, no ano 10, entre crianças de 5-9 anos e
mulheres de 20-49;
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb07.jpg] = saldo migratório do
período 0-10, das mulheres de 15-44 anos, no ano 10, da região j,
segundo país de nascimento.
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a06simb08.jpg] = saldo migratório do
período 0-10, das mulheres de 20-49 anos, no ano 10, da região j,
segundo país de nascimento.
Ao se aplicarem os fatores ¼ e ¾ nas duas equações, deve-se observar que estão
sendo considerados apenas os efeitos diretos da migração. Na verdade,
conceitualmente, os efeitos indiretos também fazem parte do SM, mas, neste
artigo, não serão incluídos, pois o interesse aqui é estudar o efeito dos
fluxos migratórios no estoque de naturais dos países do Cone Sul no Brasil. Os
componentes do efeito indireto nasceram no país de destino de seus pais, tendo,
portanto, no caso dos nascidos no Brasil (efeito indireto da imigração),
naturalidade brasileira.
Uma vez obtido o saldo migratório total (soma dos saldos em todas as idades),
serão estimadas as TLMs. A TLM corresponderá ao quociente, na região j, entre o
SM total, em relação aos nascidos em determinado país, e a população total
nascida nesse mesmo país, residente na região j, observada no final do período.
Uma taxa positiva refere-se à proporção da população em questão, no segundo
censo, resultante do processo migratório do período analisado, enquanto uma
negativa significa a "proporção em que a população seria acrescida, na ausência
de migração" (CARVALHO, 1982).
Um problema na estimação de SMs e TLMs, entre os naturais dos países do Cone
Sul, está na escolha de relações de sobrevivência das tabelas de mortalidade da
população de cada nacionalidade, residente no Brasil. Primeiramente, foram
estimadas as probabilidades de sobrevivência dos filhos das imigrantes de cada
nacionalidade, pela técnica de mortalidade infanto-juvenil de Brass (BRASS;
COALE, 1974), que usa as informações sobre filhos nascidos vivos e filhos
sobreviventes, que, no Brasil, provêm do questionário da amostra. Pretendia-se
gerar tabelas de sobrevivência para cada população em estudo, através de
transformação logital de uma tabela padrão, usando aquelas probabilidades para
ajustar o nível. No entanto, as estimativas de probabilidades de sobrevivência
obtidas mostraram-se erráticas e extremamente baixas, provavelmente devido a
grandes erros de amostragem, com certeza conseqüência do pequeno numero de
mulheres de cada país do Cone Sul, entre 20 e 34 anos, residentes no Brasil.
Uma vez descartada aquela alternativa, decidiu-se por adotar relações de
sobrevivência decenais que refletissem a média entre o nível de mortalidade de
cada país de nascimento dos imigrantes e aquele do Brasil. Foram usadas as
tabelas de mortalidade geradas pelo Celade e publicadas no Boletín Demográfico
(2001), referentes aos períodos 1980-1985, 1985-1990, 1990-1995 e 1995-2000.
Primeiro, foram construídas, para cada período, tabelas mistas de mortalidade a
partir da média dos logitos dos valores lx das tabelas de mortalidade de cada
um dos cinco países de nascimento, segundo o sexo, e os logitos dos valores lx
das tabelas correspondentes à população do Brasil, segundo o sexo. Em seguida,
obteve-se a relação de sobrevivência decenal (entre 1980 e 1990 e entre 1990 e
2000), através do produto das relações de sobrevivência qüinqüenais
correspondentes, das tabelas mistas. O cálculo das TLMs foi feito a partir de
SMs estimados com relações de sobrevivência das tabelas de vida mistas (Brasil
e país de nascimento dos imigrantes do Cone Sul).1
Nos anos 80, o SM referente à população nascida no Paraguai, residente no
Brasil, foi muito pequeno. O aporte chileno foi especialmente significativo. Já
na década seguinte, houve completa inversão das posições relativas de Paraguai
e Chile. Enquanto os naturais do primeiro experimentaram os maiores SMs do
período, os chilenos apresentaram SMs negativos bastante significativos (Tabela
5). O sinal negativo das taxas líquidas migratórias, do período 1990-2000, dos
naturais do Chile, residentes no Brasil, indica o percentual em que a população
chilena observada seria maior em 2000, na ausência de fluxos migratórios.2 As
TLMs dos bolivianos foram extremamente altas nas décadas de 80 (em torno de
20%) e 90 (cerca de 30%), assim como as dos paraguaios na de 90 (ao redor de
30%). Em 2000, aproximadamente um terço dos bolivianos e paraguaios residentes
no Brasil chegaram nos fluxos migratórios durante a década de 90 (Tabela_6).
Nas seções seguintes são estimadas as TLMs das décadas de 80 e 90, nos estados
que concentravam mais de 10% do total dos imigrantes naturais de cada um dos
países do Cone Sul. Diante dos pequenos valores dos SMs no nível estadual,
deve-se tomá-los com a devida cautela, assim como as TLMs, advindas das
estimativas de SMs.
A imigração paraguaia para o Brasil
Historicamente, a forte concentração da propriedade da terra e o elevado
crescimento natural da população paraguaia motivaram a emigração internacional.
Esse processo envolveu, inicialmente, os camponeses sem terra e incrementou-se
durante o século XX, como resultado da política rural do governo paraguaio, que
não favoreceu o desenvolvimento da pequena propriedade camponesa. Os fluxos
migratórios desse país, na primeira etapa, orientaram-se até as áreas
fronteiriças da Argentina e do Brasil. A tendência à emigração acentuou-se a
partir de 1950, em conseqüência da violência política, da crescente pressão
demográfica sobre as terras e da abertura, na Argentina e no Brasil, de novas
oportunidades de emprego para os paraguaios, geradas pelo crescimento urbano e
industrial (SOUCHAUD, 2007). O Paraguai tornou-se um exportador de população,
embora, entre fins dos anos 60 e meados dos 80, tenha se tornado um importante
receptor de migrantes brasileiros na fronteira de ambos os países.
A modernização da agricultura do Paraguai, motivada pelo interesse do governo
daquele país em incorporar as áreas orientais, coincidiu com o avanço da
fronteira agrícola brasileira no Centro-Oeste. Ambos os processos significaram
a abertura de novas opções laborais, concomitantes com importantes
deslocamentos de migrantes brasileiros dos estados do Norte e Nordeste e, nos
anos 60, de migrantes do Sul do Brasil para o Paraguai (SALIM 1992 e 1995;
SOUCHAUD, 2007). Nas décadas seguintes, a área da fronteira paraguaio-
brasileira dos estados do Centro-Oeste tornou-se altamente expulsora de
população, especialmente desde meados dos anos 80. Nessa região, a partir da
segunda metade da década de 70, generalizou-se a cultura da soja e do trigo,
cuja produção requer capitalização, mecanização, grandes extensões de terra e
pouca mão-de-obra (SOUCHAUD, 2007).
A crescente valorização da terra, as expropriações e concentração da
propriedade e a expulsão dos pequenos proprietários brasileiros incrementaram o
contingente de trabalhadores sem acesso à terra e sem possibilidades de
emprego. Esta situação e a violência das relações sociais motivaram a emigração
da população da fronteira Centro-Oeste do Brasil. Posteriormente, houve o
retorno de parte dos chamados "brasiguaios", residentes no Paraguai, para o
Brasil. Por outra parte, na década de 80, a conclusão das obras da usina
hidrelétrica binacional de Itaipu deixou um grande número de trabalhadores
desempregados e, também, promoveu a saída de população da área de fronteira
binacional.
O fechamento paulatino da fronteira paraguaia, além de afetar os brasiguaios,
também significou a redução das opções laborais para muitos paraguaios, que, em
conseqüência, teriam se deslocado até os Estados do Sul e Centro-Oeste do
Brasil, compartilhando o destino migratório dos primeiros.
Os brasileiros que retornaram do Paraguai dirigiram-se, principalmente, para o
Paraná e Mato Grosso do Sul, estados que apresentaram o maior crescimento de
população paraguaia nas últimas décadas. A análise dos saldos e taxas
migratórias dos paraguaios residentes no Brasil sugere que, provavelmente,
parte da migração dos paraguaios para o Brasil tenha respondido aos mesmos
determinantes da migração de retorno dos "brasiguaios" e, possivelmente,
apresente muitas semelhanças em termos de trajetórias migratórias e
socioocupacionais,3 embora pareça ter existido uma defasagem temporal entre
ambos os processos, já que, no caso dos paraguaios, este fenômeno tornou-se
visível nos saldos e taxas migratórias da década de 90. Esta hipótese
fundamenta-se em dois indícios: de um lado, na dimensão da presença paraguaia
nesses estados; e, de outro, na forte inserção dos naturais do Paraguai na
agricultura e nas atividades extrativas (SALA, 2005). Além dos fatores
determinantes da emigração do Paraguai de tipo econômico, também é provável que
a presença dos paraguaios no Brasil vinculese ao retorno de brasiguaios com
cônjuges ou filhos nascidos no Paraguai.4
Segundo informações do projeto Imila, desde 1970 o Paraguai ocupa o primeiro
lugar entre os países de origem da migração regional acumulada no Cone Sul da
América Latina, embora, na década de 80, parece ter havido uma reversão
temporária do caráter tradicionalmente expulsor de população para os países do
Cone Sul. Por outro lado, aquele país, no período 1980-1990, foi, depois da
Argentina, o segundo maior receptor de migrantes dos países do Cone Sul. Esta
situação explicaria, em boa parte, a baixa participação da população paraguaia
no Brasil nos anos 80 e o incremento notável registrado na década de 90 (SALA,
2005).
A maioria dos paraguaios em 2000 residia nos estados do Paraná, Mato Grosso do
Sul e São Paulo, que, respectivamente, concentravam 36,9%, 26,5% e 14,4% do
total dos residentes no Brasil. Na década de 90, a população paraguaia
residente no Brasil registrou crescimento significativo, produto dos fluxos
imigratórios do período, que foram responsáveis por cerca de um terço do
contingente dessa nacionalidade captado pelo Censo 2000, no total do país.
Quase 40% da população paraguaia residente no Paraná, quase um terço daquela
instalada no Mato Grosso do Sul e algo mais de um quarto da domiciliada no
Estado de São Paulo podem ser explicados pelos fluxos migratórios da década de
90. Nos anos 80 e 90, o Paraná experimentou as maiores TLMs, enquanto o Mato
Grosso do Sul registrou taxa líquida de migração dos paraguaios
significativamente negativa na década de 80. Já nos anos 90, as TLMs foram
altas e positivas nos três estados selecionados (Tabela_7). Os imigrantes
paraguaios da década de 80 optaram, majoritariamente, pelo Paraná. Durante os
anos 90, o Mato Grosso do Sul e São Paulo passaram a ser, também, importantes
destinos dos paraguaios. Considerando-se os estoques no final de cada
levantamento censitário e o valor das taxas nos Estados analisados, é possível
cogitar algumas hipóteses sobre o comportamento migratório dos naturais do
Paraguai nas duas décadas. Nos anos 80, teriam migrado para o Brasil mais
mulheres paraguaias do que homens, mas, na década seguinte, existem indicações
claras de que este comportamento tenha sido semelhante entre homens e mulheres.
Os migrantes da primeira década optaram, preferencialmente, pelo Paraná. Na
segunda, Mato Grosso do Sul e São Paulo também passaram a ser destinos
importantes dos imigrantes dessa nacionalidade (Tabela_7).
É muito provável que, atualmente, sejam os processos de urbanização das áreas
de fronteira e a dinâmica do emprego urbano e industrial, no caso dos estados
do Paraná e Santa Catarina, os fatores capazes de dar conta, mais cabalmente,
dos processos migratórios limítrofes nessas regiões. Souchaud (2007) destaca a
amplitude, sem precedentes no Paraguai, dos processos de urbanização na
fronteira paraguaio-brasileira e refere-se à multiplicação e diversificação das
trocas transfronteriças de população e bens materiais e simbólicos. Isso leva a
pensar que seja altamente provável que boa parte do incremento da presença de
paraguaios, talvez também de bolivianos, na fronteira oeste do Brasil se
relacione com a expansão das atividades comerciais nas zonas francas dos países
e com o incremento das alternativas de comunicação e transporte entre essas
áreas e os outros Estados do Brasil.
O aumento da presença de mulheres paraguaias no Brasil, muitas delas inseridas
no serviço doméstico, poderia, também, relacionar-se à crescente participação
das mulheres brasileiras no mercado de trabalho, o que motivaria a procura de
trabalho complementar para as tarefas do lar.
Os naturais da Bolívia
No Brasil, nos anos 80 e 90, o aporte líquido dos naturais da Bolívia só foi
ligeiramente menor do que o do Paraguai, tendo crescido entres essas décadas.
Nos anos 80, recuperou-se a imigração de bolivianos na Argentina e cresceu a
presença deles no Brasil. Na década de 90, ambos países registraram um
importante incremento dessa população (SALA, 2005).
No Estado de São Paulo, moravam 50,1% dos bolivianos recenseados no Brasil em
2000, enquanto Rondônia e Mato Grosso do Sul concentravam, respectivamente,
11,5% e 9,2% desse contingente populacional. As TLMs dos naturais da Bolívia
indicam que, em Rondônia, quase a metade da população boliviana, registrada em
1990, chegou com os fluxos migratórios dessa nacionalidade entre 1980 e 1990.
Nessa década, no Estado de São Paulo, o incremento populacional, produto dos
saldos migratórios dos bolivianos, também foi significativo, já que pouco mais
de um quarto da população desta origem, em 1990, deve-se às migrações do
decênio, tanto internas (a partir de outros estados) quanto internacionais. Na
década seguinte, no Estado de São Paulo, os fluxos migratórios foram
responsáveis por 43,6% da população boliviana recenseada no final do período.
Rondônia continuou registrando taxas migratórias positivas (em torno de 10%),
mas sensivelmente menores do que na década anterior. Nos anos 80, a imigração
boliviana foi, em boa parte, de caráter fronteiriço, mas, na de 90, aparece
nitidamente direcionada para o Estado de São Paulo (Tabela_8).
Da mesma forma que o Paraguai, a Bolívia também teve uma marcha para o leste,
coincidente com a do Brasil para o oeste. Desde os anos 50 e 60, o governo
boliviano promoveu a colonização de suas terras orientais, como parte da sua
política de defesa territorial, diante dos avanços do Brasil, que já havia
incorporado o Estado do Acre, no início do século XX, durante o ciclo da
borracha. Nas décadas seguintes, intensificou-se, na Bolívia, o assentamento de
importantes contingentes populacionais, por colonização e imigração espontânea,
nos departamentos de Pando, Santa Cruz (limítrofes com Brasil) e Tarija
(limítrofe com a Argentina).
O Altiplano andino boliviano ainda contém a maior parte da população do país e
as cidades de maior densidade, mas as localidades situadas no oriente
boliviano, algumas delas muito povoadas, como Santa Cruz de la Sierra,
experimentaram um importante crescimento, basicamente pela imigração interna
originária de outras regiões. O informe do PNUD (2004) destaca que aquela
cidade, na segunda metade do século XX, cresceu a uma taxa média anual de 6,6%,
situando-se muito acima da taxa de crescimento da população boliviana (2,2%
anuais) e, inclusive, do conjunto das cidades capitais departamentais (3,4%
anuais).
Durante o último quarto do século XX, cresceram rapidamente muitas cidades
fronteiriças do oriente boliviano, entre as quais se destacam, pela sua
urbanização acelerada, Riberalta e Guayaramerín. Este processo esteve vinculado
à expansão das atividades comerciais, muito ligadas ao contrabando, como foi
destacado pelo informe do PNUD (2004). O notável crescimento das localidades
orientais na Bolívia pode ter criado e/ou dinamizado uma série de circuitos
migratórios, a partir das cidades do oriente boliviano, para os Estados do Acre
e Rondônia, na fronteira oeste do Brasil, e para o Estado de São Paulo.
Uma abordagem que poderia elucidar alguns aspectos dos processos migratórios de
bolivianos e paraguaios para o Brasil é aquela que contempla o papel das zonas
francas, localizadas naqueles países, no crescimento das cidades trans-
fronteiriças e dos fluxos migratórios para os países vizinhos.5 As zonas
francas podem atuar como pólos mais dinâmicos, na criação de emprego nos
limites internacionais dos países de origem e, portanto, incentivar o
crescimento populacional nessas cidades. Também podem estimular a migração
transfronteiriça, ao promover a melhoria das vias de aceso e do sistema de
transporte com o Brasil e ao melhorar o conhecimento sobre o lugar de destino.
As emigrações internacionais são, em parte, conseqüência de pressões
demográficas das sociedades com alto crescimento populacional, onde os mercados
de trabalho não têm condições de absorver a população em idade ativa (PIA).
Martine, Hakkert e Guzmán (2000) destacam que a alta fecundidade e o
crescimento demográfico acelerado promovem a emigração, ao induzirem pressões
sobre a infra-estrutura, os serviços e o mercado de trabalho, embora admitam
que não é determinística a relação entre o tamanho, o crescimento, a densidade,
a distribuição da população e a migração internacional. Os autores referemse ao
provável incremento da emigração de países de alto crescimento populacional,
que compartilham fronteiras com outros de crescimento mais baixo ou até
negativo, como da Bolívia para a Argentina e o Brasil (MARTINE, HAKKERT;
GUZMÁN, 2000).
Além da Bolívia, deve-se considerar a emigração do Paraguai que, segundo as
projeções de população das Nações Unidas, é o terceiro país com maior ritmo de
crescimento demográfico, na América Latina, atrás apenas da Nicarágua e
Honduras.
A Bolívia e o Paraguai têm os maiores níveis de fecundidade da América do Sul
e, historicamente, experimentaram forte emigração, aportando evidências em
favor das hipóteses que enfatizam o papel das variáveis demográficas e a sua
relação com o crescimento econômico e o desemprego. No entanto, também se
destaca, com diferente intensidade, a emigração do Uruguai e da Argentina,
países nos quais a transição da fecundidade se deu bem mais cedo e onde foram
alcançados, já na primeira metade do século XX, níveis notavelmente baixos de
fecundidade e de crescimento populacional. Nesses países, a dinâmica econômica
foi incapaz, nas últimas décadas do século XX, de gerar empregos suficientes
para absorver a PIA. O desemprego, junto à generalização de condutas
emigratórias, como parte das estratégias de vida, expressou-se na saída
crescente de contingentes populacionais desses países. Um traço distintivo dos
seus emigrantes é a seletividade positiva, em termos educacionais.
Argentinos e uruguaios no Brasil
A Argentina, nas últimas décadas, experimentou um incremento da emigração. Este
processo, inicialmente, envolveu profissionais e técnicos e foi objeto de
diferentes estudos na década de 60. Nos últimos anos, com o agravamento da
crise social e econômica, as condutas emigratórias difundiram-se para outros
setores. A emigração de argentinos, nos anos 90, ainda não foi suficientemente
analisada. Só existem informações parciais, obtidas através dos censos
demográficos dos países europeus e dos Estados Unidos - os principais destinos
dessa migração (PELLEGRINO, 1993, 2000, 2001 e 2003a; SOLIMANO, 2003).
Solimano (2003) destaca que uma tendência importante, entre 1950 e 1970, foi a
emigração dos argentinos com alta qualificação. O autor afirma que, nas últimas
décadas do século XX, tornou-se crescentemente heterogêneo o perfil educacional
dos emigrantes argentinos, ao se massificar o processo. Os fluxos dirigiram-se,
principalmente, à Espanha e à Itália. Nos anos 90, a crise econômica e o
desemprego crescente acentuaram a emigração, que se expressou em taxas líquidas
de migração negativas (-2,3 por mil) no qüinqüênio 1995-2000.
Em 2000, no Brasil, os argentinos concentravam-se predominantemente nos estados
de São Paulo (35,4%), Rio Grande do Sul (16,3%), Rio de Janeiro (13,2%), Paraná
(10,6%) e Santa Catarina (9,1%). Quando se analisam as taxas líquidas de
migração desta população, observa-se que, nas duas décadas analisadas, foram
maiores as dos residentes em Santa Catarina. Nesse estado, quase a metade dos
naturais da Argentina, em 1990, e mais da metade daqueles registrados pelo
Censo 2000 foram resultado dos fluxos migratórios em cada uma das décadas. O
Paraná e o Rio Grande do Sul também apresentaram TLMs positivas nas duas
décadas. No Rio de Janeiro, estas taxas só foram positivas na década de 80 e,
no Estado de São Paulo, apenas nos anos 90 (Tabela_9). Pela evolução dos saldos
e taxas migratórias nas duas décadas, nos estados com maior concentração de
população dessa origem, infere-se que a imigração de argentinos vem se
tornando, crescentemente, um fenômeno dos estados de fronteira, ainda que, em
2000, a maior proporção deles ainda residisse em São Paulo.
Desde os anos 70, os principais motivos da emigração dos uruguaios foram o
desemprego e a queda do salário real, que frustraram as expectativas de
mobilidade social. A violência política instalada pela ditadura militar do
início dos anos 70 e o processo de desindustrialização promoveram a emigração
de muitos uruguaios de alta e média qualificação, muitos dos quais tornaram-se
emigrantes permanentes. A emigração no final dos da década de 90 foi uma
resposta à crise econômica dessa época, visível nas elevadas taxas de
desemprego e inflação no Uruguai. A Argentina e o Brasil foram, até 2000, os
principais destinos dos uruguaios que emigravam, embora nas últimas três
décadas do século estes destinos se diversificaram, incluindo, entre outros
países, os Estados Unidos, Austrália e Espanha. Produziu-se uma reorientação,
mormente da emigração que antes se orientava para a Argentina, devido ao
aumento do desemprego e à queda do salário real neste país (PELLEGRINO, 2003b;
PELLEGRINO; VIGORITO, 2005).
A emigração, para muitos uruguaios, faz parte das estratégias de vida
(PELLEGRINO, 2000). O Uruguai, desde décadas atrás, mostra um padrão de
emigração sustentado, que tem causado perdas de população significativas. A
perda, através da emigração anual, estimada em 20.000 pessoas, em uma população
de aproximadamente 3,3 milhões, supera o crescimento vegetativo da população do
país (PELLEGRINO, 2003b). A emigração uruguaia, como aquela originária da
Argentina, caracterizase pela composição predominantemente familiar e pela
seletividade positiva, em termos educacionais, e pela inserção em empregos com
requerimentos educacionais menores nos países de destino. No entanto, nos
últimos anos, dela teriam participado, crescentemente, todos os setores sociais
(PELLEGRINO, 2003b).
Em 2000, Rio Grande do Sul e São Paulo concentravam, respectivamente, 67,3% e
15,8% do total dos uruguaios residentes no Brasil. Houve um incremento das TLMs
dos uruguaios no Brasil na década de 90. Em ambas as décadas, as maiores taxas
corresponderam ao Rio Grande do Sul. No Estado de São Paulo, teriam sido
positivas apenas na segunda década analisada. Em todo Brasil, um quinto da
população uruguaia, recenseada em 2000, teria sido resultado dos fluxos
migratórios internacionais dos anos 90 (Tabela_10).
O provável retorno dos chilenos
A queda do desemprego no Chile e o restabelecimento da democracia poderiam
explicar, em boa medida, a diminuição da presença de chilenos no Brasil e na
Argentina, durante os anos 90. Pode-se supor que muitos, provavelmente,
retornaram para o país transandino.
O retorno dos chilenos é uma faceta da imigração internacional para o Chile,
que, nos anos 90, experimentou um importante crescimento. Martinez Pizzaro
(2004) afirma que o país, em 2002, registrou o maior número absoluto de
imigrantes em toda a sua história (185 mil nascidos no exterior, não estando
incluídos aí os chilenos retornados) e que, no período intercensitário 1992-
2002, houve o maior incremento na quantidade de estrangeiros, desde 1950. O
autor refere-se, sem mencionar cifras, ao retorno de chilenos com alta
qualificação, como resultado das políticas de repatriação de exilados, mas não
fornece informação mais detalhada sobre a quantidade de pessoas nesta situação.
Pode-se levantar a hipótese de que, devido à recuperação econômica, haveria
melhores possibilidades de reinserção, no Chile, dos seus emigrantes mais
qualificados, os quais, por esta razão, estariam mais motivados para retornar.
Dadas as características que apresentavam os chilenos residentes no Brasil em
2000, majoritariamente muito qualificados, provavelmente os que retornaram ao
Chile tivessem características semelhantes. Teriam, por isso, maiores
possibilidades de reinserção, em um contexto de relativa prosperidade. Por
outra parte, cabe destacar que o Chile, à semelhança do Brasil, caracteriza-se
por ter importantes retornos à escolaridade (BID, 1999), que poderiam explicar
a atração dos migrantes qualificados.
Em 2000, 63,9% dos imigrantes chilenos moravam no Estado de São Paulo. Esta
população registrou crescimento durante os anos 80 e declínio significativo na
década de 90, devido, provavelmente, à migração de retorno ao Chile (Tabela
11).
À guisa de conclusão
Os saldos e taxas migratórias do Brasil e Estados selecionados, das décadas de
80 e 90, explicam a mudança na composição do conjunto de imigrantes dos países
do Cone Sul, caracterizada pelo incremento do peso relativo dos naturais do
Paraguai e da Bolívia e pelo declínio da participação relativa dos argentinos,
uruguaios e chilenos, estes últimos com redução, inclusive, em números
absolutos, no período 1990-2000. Refletem, também, as mudanças, dentro do
Brasil, no padrão residencial dos imigrantes do Cone Sul durante as duas
últimas décadas do século XX.
Alguns dos processos que poderiam ter influenciado a migração dos países do
Cone Sul para o Brasil foram o incremento do desemprego nos países de origem,
as diferenças nos ritmos de crescimento das populações em idade ativa e a
progressiva reorientação dos fluxos de emigrantes da região - da Argentina para
o Brasil. A emigração por causas políticas foi importante nos anos 70 e 80,
especialmente entre os migrantes qualificados, no aumento da quantidade de
emigrantes da região e na diversificação de destinos.
As taxas migratórias dos estados com maior concentração de imigrantes do Cone
Sul mostraram a existência de uma preferência crescente pela residência nos
estados das fronteiras Sul e Centro-Oeste e, secundariamente, por São Paulo,
embora este estado ainda concentrasse, em 2000, a maior parte da população
nascida na Argentina, Bolívia e Chile. As mudanças no padrão residencial, no
Brasil, dos imigrantes do Cone Sul acompanharam, em certa medida, as
transformações experimentadas pelos movimentos migratórios interestaduais da
população brasileira durante as duas últimas décadas do século XX. Nos anos de
90, o Estado de São Paulo mostrou ter reduzido sua capacidade de atração de
imigrantes internos, em geral (OLIVEIRA; SIMÕES, 2004). No entanto, nesse
período, foram relativamente elevadas, naquele estado, as taxas líquidas de
migração positivas dos naturais da Bolívia e do Paraguai, o que, provavelmente,
esteve ligado às oportunidades de emprego para imigrantes de muito baixa
qualificação.
Paralelamente, os argentinos orientaram-se, predominantemente, para Santa
Catarina e os naturais do Paraguai dirigiramse para o Paraná, embora, no caso
dos paraguaios, mais de um quarto dos recenseados em 2000, residentes em São
Paulo, resultassem dos fluxos migratórios da década. Os uruguaios continuaram
altamente concentrados no Rio Grande do Sul. A população chilena, muito
concentrada em São Paulo, experimentou um declínio significativo na década de
90, devido, provavelmente, à migração de retorno ao Chile.