Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRHUAp0102-30982010000100012

BrBRHUAp0102-30982010000100012

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0102-3098
ano2010
Issue0001
Article number00012

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Idade materna e mortalidade infantil: efeitos nulos, biológicos ou socioeconômicos?

Introdução A idade da mãe ao ter o filho constitui importante fator relacionado ao óbito infantil, sobretudo quando precocidade ou postergação da maternidade ao longo do período reprodutivo feminino. Existem evidências de bipolarização das chances de ocorrência do óbito para filhos de mães muito jovens (menos de 20 anos) e de 35 anos e mais, em função de uma série de fatores comportamentais, socioeconômicos e biológicos (GUIMARÃES; VELÁSQUES-MELÉNDEZ, 2002; BACAK et al., 2005; O'LEARY et al., 2007). Verifica-se, na literatura, uma importante discussão quanto ao fato de os resultados obstétricos adversos na população de mães adolescentes deverem-se a uma possível imaturidade biológica, às condições socioeconômicas desfavoráveis, ou se é nulo o efeito da jovem idade materna sobre a vulnerabilidade ao óbito infantil. Também se discute se a maternidade nas idades avançadas está associada ao óbito de crianças abaixo de um ano de idade, se as melhores condições socioeconômicas que, em geral, estas mães experimentam atenuam o impacto das limitações biológicas naturais à gravidez após os 35 anos, e também se existe nulidade do efeito da idade materna avançada sobre a ocorrência de resultados obstétricos adversos (CALLAWAY; LUST; MCINTYRE, 2005; OLESZCZUK; KEITH; OLESZCZUK, 2005; LUKE; BROWN, 2007).

Com base em evidências contrastantes acerca dos efeitos da idade da mãe ao ter o filho, o objetivo deste trabalho é o de apresentar e discutir as principais tendências da fecundidade por idade da mãe e algumas das construções socioculturais e biomédicas das maternidades precoce e tardia, bem como algumas das correntes teóricas que fundamentam de maneira distinta as evidências de vulnerabilidade ao óbito infantil por idade materna. Por se tratar de uma revisão narrativa, este texto traz uma análise ampla e crítica da literatura sobre o tema abordado. Desse modo, não foram empregados métodos explícitos e sistemáticos para identificar e selecionar os estudos ora apresentados nesta revisão. As possíveis limitações/potencialidades advindas com a revisão de literatura empregada no presente trabalho também serão discutidas.

A maternidade nas idades jovens Estima-se que, em todo o mundo, cerca de 14 milhões de adolescentes dão à luz anualmente e 90% desse total vivem em países em desenvolvimento (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004). Na América Latina e no Caribe, apesar da tendência de queda na taxa de fecundidade total (TFT), quando se observa o comportamento reprodutivo por grupos etários, verifica-se que, nas últimas décadas, para o segmento de mulheres menores de 20 anos de idade, a fecundidade aumentou, especialmente entre aquelas com menos de 18 anos, embora o uso de métodos contraceptivos para esse grupo tenha se elevado (CENTRO LATINOAMERICANO Y CARIBEÑO DE DEMOGRAFÍA, 2005).

No Brasil, seguindo a tendência observada em boa parte da América Latina e do Caribe, a fecundidade iniciou um acelerado processo de declínio em meados da década de 1960, passando de uma TFT de 6,3 para 2,1 filhos por mulher, entre 1960 e 2004 (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2006). Dados recentes da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde - PNDS 2006 indicaram uma TFT de 1,8 filho por mulher, nos 36 meses anteriores à data da pesquisa, para todo o Brasil (CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2008). Verificou-se, também, aumento de 25% da taxa específica de fecundidade para mulheres de 15 a 19 anos, entre 1991 e 2000, ao passo que para os demais grupos etários femininos as taxas apresentam ritmo de queda consistente, o que tem se convertido no rejuvenescimento do padrão etário da fecundidade no Brasil (LEITE; RODRIGUES; FONSECA, 2004; BERQUÓ; CAVENAGHI, 2005; DIAS; AQUINO, 2006).

Alguns estudos apontam para uma tendência de declínio, a partir de 2000, da fecundidade entre mulheres de 15 a 19 anos, sobretudo nas regiões mais desenvolvidas do país, mas ainda persistem importantes diferenças entre grupos com características sociodemográficas distintas (BARBOSA, 2008; YAZAKI, 2008).

Segundo informações do relatório da PNDS 2006, entre outras dimensões analisadas, o percentual de mulheres de 15 a 19 anos grávidas pela primeira vez, na data da entrevista, alcançou maiores valores para as jovens do meio urbano (5,6%), em relação àquelas pertencentes ao meio rural (2,4%), e para as adolescentes negras (7,5%) quando comparadas às brancas (4,8%) (CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2008).

Todavia, a gravidez na adolescência tem se destacado como um potencial problema a ser resolvido. Além de merecer importância pelo fato de o contingente de adolescentes na população brasileira ainda ser expressivo, mesmo em meio ao processo de envelhecimento populacional, as discussões se dirigem para uma definição de qual seria a idade adequada à maternidade (se é que existe), bem como o melhor momento para se ter filhos (HEILBORN, 1998; HEILBORN et al., 2002).

No Brasil, no contexto da década de 1960, em que se notam importantes alterações de comportamento e de valores nas relações de gênero, houve também mudanças na concepção social das idades, redefinindo novas expectativas com relação à população feminina adolescente (HEILBORN, 1998). As oportunidades educacionais, profissionais e de vivência da sexualidade desvinculada do papel reprodutivo, que em princípio descortinaram-se para a população jovem, fundamentaram uma nova concepção da idade ideal à maternidade (HEILBORN et al., 2002). Porém, considerar a gravidez na adolescência um desperdício de tais oportunidades e um golpe na emancipação feminina pode significar que as oportunidades de acesso à educação, à qualificação profissional e ao exercício dos direitos reprodutivos alcançam indistintamente todos os grupos sociais (HEILBORN et al., 2002; PANTELIDES, 2004). Isto, entretanto, não pode ser aplicado ao Brasil, uma vez que parcela considerável de sua população jovem encontra-se alijada não apenas de informação e uso de métodos contraceptivos, mas também de oportunidades de escolha pelos estudos e pela carreira.

Com relação à abordagem da gravidez na adolescência como um problema social no século XX, deve-se ressaltar, inicialmente, que boa parte das sociedades ocidentais experimentou um aumento na incidência do intercurso sexual e de gravidezes entre adolescentes, em especial após a Segunda Guerra mundial (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004). Em meados da década de 1970, nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, entrou em cena um discurso biomédico que apontava as consequências deletérias do número crescente de gravidezes na adolescência sobre a saúde e o bem-estar da jovem mãe e do recém- nascido (PANTELIDES, 2004; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004). No Brasil, assim como em boa parte dos países em desenvolvimento, igualmente nos anos 1970, o discurso biomédico de danos à saúde materno-infantil em virtude da gravidez na adolescência cedeu espaço para aquele que enfatizava a imaturidade psicológica das adolescentes para a maternidade (HEILBORN, 2002; PANTELIDES, 2004). Essas construções perpassaram a década de 1980 e se consolidaram na de 1990, arrolando uma série de argumentos cuja tônica era a de perpetuação de condições de vida miseráveis, decorrentes em grande medida da gravidez na adolescência (HEILBORN, 2002).

Em linhas gerais, a questão da maternidade nas jovens idades como um problema encontrou apoio ora na alegação da imaturidade biológica das mães adolescentes, ora na sustentação de que as condições socioeconômicas desfavoráveis conseguem, mais do que a idade por si mesma, explicar a ocorrência de tais resultados adversos. Entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos, da década de 1970 até aproximadamente os anos 1990, destacavam-se por apresentar elevadas taxas de fecundidade no grupo de menores de 18 anos, tanto entre as jovens negras quanto entre as brancas e de status socioeconômico mais elevado do que as primeiras (SINGH; DARROCH, 2000). Havia uma associação entre o comportamento reprodutivo das adolescentes e as expressivas taxas de mortalidade infantil, sobretudo dos filhos das adolescentes negras, que experimentavam taxas mais elevadas do que os filhos das adolescentes brancas (GERONIMUS, 1987 e 2004).

Esse relacionamento era interpretado do ponto de vista estritamente biológico, no qual a fecundidade precoce era tida como algo inerentemente deletério à sobrevivência dos filhos das adolescentes (GERONIMUS, 1987 e 2003).

Ainda não consenso sobre em que medida a idade materna é capaz de explicar resultados obstétricos adversos. Um argumento relacionado à imaturidade biológica das jovens mães afirma que o desenvolvimento ainda em curso do organismo adolescente compete com o desenvolvimento fetal, conduzindo ao baixo peso ao nascer e à prematuridade, o que causa prejuízos à saúde do futuro recém-nascido (SCHOLL; HEDIGER; ANCES, 1990; CUNNINGTON, 2001; KING, 2003).

Mesmo nos casos em que a gestante menor de 18 anos apresenta ganho de peso adequado e consegue acumular reservas de gordura suficientes, os recém-nascidos dessas jovens, ainda em fase de crescimento, costumam pesar menos do que os de gestantes que não apresentam desaceleração no crescimento intrauterino (SCHOLL et al., 1994; LUTHER et al., 2007).

Outro argumento a favor da hipótese da imaturidade biológica refere-se ao fato de que a jovem idade ginecológica (concepção no período de dois anos após a menarca) pode implicar chances elevadas de ocorrência da mortalidade infantil, neonatal e pós-neonatal para crianças gestadas durante essa fase, devido à imaturidade do desenvolvimento uterino das mães adolescentes (FRASER; BROCKERT; WARD, 1995; CHEN et al., 2008). ainda a hipótese de que meninas, em especial aquelas submetidas a altos níveis de estresse psicossocial, tendam a experimentar a menarca precocemente e a iniciar mais cedo a atividade sexual e a maternidade, apresentando, assim, chances elevadas de darem à luz recém- nascidos de baixo peso (COALL; CHISHOLM, 2003).

Alguns trabalhos indicam maior efeito da jovem idade sobre as chances de intercorrências obstétricas, mesmo quando se comparam grupos maternos com características semelhantes, ou para a existência de efeitos independentes da idade materna sobre resultados obstétricos adversos. Utilizando dados de hospitais e maternidades do município de São Luiz do Maranhão, Simões et al.

(2003) encontraram evidências de que filhos de mães com idade inferior a 18 anos apresentavam maiores chances de nascerem prematuros, com baixo peso e de morrerem antes de completarem o primeiro ano de vida, em comparação com os filhos de mães de idades de 18 e 19 anos e com características socioeconômicas semelhantes às primeiras. Estudo de Silva et al. (2003), também empregando dados de registros hospitalares do município de São Luiz do Maranhão, mostrou que, mesmo após o ajuste por variáveis de confundimento, como renda familiar, status marital e parturição, as chances de ocorrência de nascidos vivos pré- termos para filhos de primíparas menores de 18 anos se mantiveram significativas.

A maternidade na adolescência também é apontada como um comportamento adaptativo às situações de extrema adversidade. Segundo Geronimus (1991, 1992, 1996 e 2003), nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980, e exclusivamente para as mães negras, que representam um grupo vulnerável do ponto de vista socioeconômico, a taxa de mortalidade infantil dos filhos das adolescentes apresentava-se menor do que a dos filhos de mães que estavam na segunda década de vida, um resultado consistente com a hipótese de que a maternidade precoce pode ser um elemento adaptativo ao processo, igualmente prematuro, de deterioração da saúde de mulheres negras.

Nos Estados Unidos, em reação ao discurso biomédico que defende a hipótese da imaturidade biológica de mães adolescentes, alguns estudos apontam que, ao se incorporarem nos modelos variáveis socioeconômicas, a associação entre idade materna e mortalidade infantil torna-se mais fraca, ou até mesmo desaparece (DAVANZO; BUTZ; HABICHT, 1983; GERONIMUS, 1987 e 2004). Fatores como baixa frequência às consultas de pré-natal, tabagismo, nutrição, baixos níveis de renda e de escolaridade e ausência de uniões estáveis são comuns entre gestantes adolescentes (CHEN et al., 2007), o que pode explicar a grande ocorrência de resultados adversos para recém-nascidos dessas mães, tais como baixo peso, prematuridade e maiores chances de mortalidade neonatal e pós- neonatal (ALMEIDA et al., 2002; MOHSIN; BAUMAN; JALALUDIN, 2006; CHEN et al., 2007; HALDRE et al., 2007; REIME; SHÜCKING; WENZLAFF, 2008).

Utilizando dados para o município de Belo Horizonte, em 1993, César, Miranda- Ribeiro e Abreu (2000) obtiveram resultados que apontam a condição socioeconômica como o fator mais importante para explicar a ocorrência da mortalidade neonatal entre filhos de mães com idade inferior a 20 anos. Ao analisar o relacionamento entre mortalidade neonatal e gravidez na adolescência em uma área rural do Nepal, Sharma et al. (2008) verificaram que a inclusão de variáveis socioeconômicas no modelo, como escolaridade da mãe, atenuou de forma bastante significativa essa associação.

autores que advogam a hipótese de que a maternidade na adolescência não implica maior vulnerabilidade aos resultados obstétricos adversos do que a maternidade em outras fases do período reprodutivo feminino. Lawlor e Shaw (2002) defendem que mães adolescentes não apresentam desvantagens biológicas e socioeconômicas em relação àquelas de outros grupos etários. Além disso, os autores sugerem que a gama de resultados conflitantes existentes na literatura referente ao tema reflete, entre outros aspectos, a dificuldade dos estudiosos em separar efeitos da idade materna de efeitos decorrentes de variáveis de confusão. Apesar de terem encontrado maiores chances de nascimentos pré-termos para filhos de mães menores de 18 anos, Jolly et al. (2000) verificaram, segundo registros hospitalares de uma região no Reino Unido, que a proporção de recém-nascidos tanto pequenos quanto grandes para a idade gestacional foi a mesma para o grupo de mães adolescentes e o daquelas com 18 a 34 anos. No estudo de casos e controles de Jobim e Aerts (2008), para o município de Porto Alegre, a jovem idade materna não esteve associada a resultados obstétricos adversos, apesar de 24,1% dos óbitos terem sido registrados para filhos de mães com menos de 20 anos.

A maternidade nas idades avançadas A idade materna avançada é estabelecida, tradicionalmente, como aquela igual ou superior a 35 anos (GUSMÃO, TAVARES; MOREIRA, 2003; KRISTENSEN et al., 2007), embora alguns autores apontem que a faixa etária de 40 anos e mais define o termo de forma mais adequada, tendo em vista os fatores associados relacionados mais fortemente à saúde da mãe e do recém-nascido nestas idades (CALLAWAY; LUST; MCINTYRE, 2005; CHAN; LAO, 2008). A experiência da maternidade em tais idades configura-se como uma tendência observável não apenas em países desenvolvidos, mas também naqueles em desenvolvimento, sendo sua prevalência mais elevada, sobretudo, no grupo de mulheres mais escolarizadas e de maior posse de recursos financeiros (YÁNES, 2007; CHAN; LAO, 2008).

Nos países desenvolvidos, aproximadamente entre o início do século XX e a década de 1970, o processo de declínio da fecundidade veio acompanhado da tendência de redução da idade média das mulheres ao terem seus filhos (ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP, 2005). A partir de então, essa tendência começou a se inverter e ganhos na idade média das mães passaram a ser observados em função, sobretudo, da postergação do nascimento do primeiro filho (ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP, 2005). Na Suécia, entre as primíparas, a idade média das mães passou de 24 para 28 anos, entre 1973 e 2003, e, no Canadá, de 28,8 para 29,6 anos, no período de 1995 a 2003 (MONTAN, 2007; BENZIES, 2008). Em 2003, a idade média das primíparas era de 28,3 anos na Holanda e de 24,9 anos nos Estados Unidos (BENZIES, 2008).

Na América Latina e no Caribe, por sua vez, no último quinquênio do século XX, a TFT não apenas decresceu, mas também houve um rejuvenescimento da fecundidade, com deslocamento do grupo modal, de 25 a 29 anos para o de 20 a 24 anos (FERRANDO, 2003). Seguindo a tendência dessa região, no Brasil, entre 1980 e 2000, os nascimentos vivos passaram a se concentrar no grupo etário de 20 a 24 anos, ao passo que o de 35 anos e mais diminuiu consideravelmente seu peso relativo nas taxas de fecundidade correntes, no período analisado (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2005). A idade média das mães brasileiras passou de 25,6 anos, em 1991, para 24,8 anos, em 2000, e o grupo etário de 15 a 19 anos experimentou, no mesmo período, uma variação positiva de 25,4% na taxa de fecundidade, ao passo que, para todos os demais grupos etários, verificou-se variação negativa, em especial para os de 35 a 39 anos, 40 a 44 anos e 45 a 49 anos, com declínios, respectivamente, de 28%, 47,8% e 63,3% (OLIVEIRA, 2005; BASSI, 2008).

No Brasil, assim como na América Latina e no Caribe, prevalecem padrões de entrada precoce ao casamento e de início do intercurso sexual, o que contribui para a concentração da fecundidade nos grupos etários maternos mais jovens (FERRANDO, 2003; SIMÃO, 2008). No que diz respeito ao total de mães pela primeira vez, na década de 1990, observou-se aumento da participação na faixa etária de 40 a 49 anos e, embora se saiba que esse ganho pouco tem contribuído para o envelhecimento do padrão etário da fecundidade, essa tendência revela o comportamento reprodutivo de um grupo que apresenta características socioeconômicas e comportamentais peculiares, em comparação àquelas em idades mais jovens (OLIVEIRA, 2005).

Alguns trabalhos apontam que mulheres que se tornam mães após os 35 anos, em geral, apresentam condições socioeconômicas favoráveis, recebem atendimentos pré-natal e obstétrico adequados e exercem maior planejamento econômico e emocional para o nascimento do primeiro filho (STEIN; SUSSER, 2000; SENESI et al., 2004; KRISTENSEN, 2007). A postergação do casamento e a constituição de novas uniões, os investimentos em educação e na carreira profissional, a ampliação do uso de métodos contraceptivos e problemas de infertilidade são fatores que contribuem para o adiamento da maternidade (TOUGH et al., 2002).

Para as mulheres, a passagem pelo período reprodutivo se insere em um contexto de expectativas sociais pelo desempenho simultâneo dos papéis ligados à maternidade e à carreira profissional, quando se inicia a vida adulta (TAIN, 2005). Segundo Guedes (2008), os tempos biológicos e sociais estão em permanente conflito e/ou negociação no universo feminino, sendo que o fato de as conquistas das mulheres no mercado de trabalho não virem acompanhadas por um processo de "desnaturalização" dos papéis tradicionalmente atribuídos às mesmas pode contribuir para que a maternidade seja deixada para mais tarde.

São arroladas outras estratégias para resolver o impasse entre a opção pela carreira e os filhos, como o abandono da carreira profissional em prol da maternidade, a procura por empregos com horários de trabalho flexíveis para compatibilizar os afazeres domésticos com os profissionais e a opção pela profissão em detrimento da escolha de se ter filhos (DIAS JÚNIOR, 2007). Apesar de a escolha mais empregada ser aquela que de alguma forma sacrifica a carreira profissional, como a preferência por empregos com jornadas de trabalho reduzidas (TAIN, 2005), a postergação do nascimento do primeiro filho, até certo limite da idade, também é vista como uma forma de adquirir estabilidade financeira e emocional, que muitas consideram condições necessárias para se tornarem mães (OLIVEIRA; MARCONDES, 2004).

O alcance de níveis educacionais elevados pode representar um estímulo para o adiamento do nascimento do primeiro filho, pois, quanto maior a escolaridade, maior a tendência de que a primeira relação sexual não aconteça precocemente, que a entrada no casamento seja postergada, que o uso de métodos contraceptivos seja maior e que se valorize a constituição de famílias menores (SIMÃO, 2005).

Resultados de um estudo empreendido em 13 países da América Latina e Caribe indicaram forte relação entre aumento da escolaridade feminina e início tardio tanto do intercurso sexual quanto da nupcialidade e da maternidade, com pouca variação entre os países analisados, entre os quais se inclui o Brasil (HEATON; FORSTE; OTTERSTROM, 2002).

Em muitas culturas, a entrada em união formal ou informal marca o início da constituição familiar e exerce importante influência sobre a fecundidade, uma vez que se supõe que mulheres unidas estão sujeitas a maior regularidade de relações sexuais, que as expõem, de maneira mais efetiva, ao risco de ter filhos (BAY; DEL POPOLO; FERRANDO, 2003). Ainda que os nascimentos não estejam, necessariamente, circunscritos à esfera do casamento, a nupcialidade exerce um importante papel sobre o número de filhos tidos, e aquelas que se casam tardiamente tendem, também, a adiarem o nascimento do primeiro filho (SIMÃO, 2005). Com relação à constituição de novas uniões, embora a fecundidade tenda a ser menor entre os recasados (MARCONDES, 2008), esse padrão de nupcialidade pode estar associado à postergação do encerramento da fase reprodutiva feminina.

No que tange à contracepção, mulheres que utilizam métodos contraceptivos modernos e de maneira mais sistemática tendem a adiar o nascimento do primeiro filho (SIMÃO, 2005). Informações do relatório da PNDS 2006 revelam que 80% das mulheres unidas no Brasil utilizavam algum método contraceptivo na data da pesquisa e apenas 3% delas recorriam a métodos tradicionais (CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2008).

Com relação à infertilidade, estima-se que nos países em desenvolvimento cerca de 186 milhões de casais são afetados por este problema, sendo que as principais causas são as infecções dos órgãos reprodutores provocadas por doenças como gonorreia e clamídia (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2003). A demanda por técnicas de tratamento da infertilidade tem aumentado nas últimas décadas, em decorrência, também, de mudanças comportamentais, como a postergação da maternidade para idades mais avançadas, quando o potencial reprodutivo de homens e especialmente das mulheres cai naturalmente (BRAZ; SCHRAMM, 2005). A idade é considerada o principal fator que limita o tratamento da infertilidade e, para as mulheres, a fertilidade declina após os 30 anos e de forma mais abrupta depois dos 40 anos (PASQUALOTTO; BORGES JÚNIOR; PASQUALOTTO, 2008).

Na América Latina, quase todos os países dispõem de legislação ou regulação formal para aplicação de técnicas de reprodução medicamente assistidas. Porém, em geral, esses tratamentos não estão disponíveis na rede pública, sendo acessados, basicamente, por uma clientela de poder aquisitivo elevado e em serviços de saúde especializados da rede particular (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2003).

Ainda no que se refere à fertilidade feminina, a perda de potencial reprodutivo se apresenta como aspecto inevitável com o avançar da idade (ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP, 2005) e nem sempre pode ser compensado com a utilização de técnicas de reprodução medicamente assistidas. Estudos indicam que esses métodos conseguem compensar, aproximadamente, menos de 30% da capacidade reprodutiva perdida por mulheres que postergam o nascimento do primeiro filho da idade de 35 para a de 40 anos (LERIDON, 2004; ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP, 2005). Mesmo entre as mulheres que não utilizam tais tecnologias, a taxa de sucesso da concepção (gravidezes terminadas em nascidos vivos por 100 mulheres de cada grupo etário) é substancialmente menor após os 40 anos (MAHESHWARI; HAMILTON; BHATTACHARYA, 2008).

No que se refere às morbidades maternas relacionadas à gravidez em idades avançadas, problemas como hipertensão e diabetes são alguns dos mais frequentes (JACOBSSON; LADFORS; MILSOM, 2004; LUKE; BROWN, 2007). Costa, Costa e Costa (2003) observaram, com base em dados de uma maternidade no Recife, que a idade materna igual ou superior a 40 anos representou fator associado à hipertensão induzida pela gravidez, independentemente da parturição e da presença de hipertensão arterial prévia e do diabetes. No que diz respeito ao relacionamento entre desordem hipertensiva e mortalidade infantil, os resultados de alguns trabalhos apontam maiores chances de ocorrência da mortalidade neonatal para filhos de mães com esse problema na gestação (ARAÚJO et al., 2005; DISSANAYAKE et al., 2007).

As perdas fetais também são indicadas na literatura como fatores associados à mortalidade infantil, mediadas pela idade materna avançada, embora não haja concordância estabelecida sobre quais mecanismos biológicos desencadeiam os óbitos fetais com maior frequência nas idades mais avançadas (HUANG et al., 2008). Apesar de ainda não serem bem conhecidas as implicações de históricos de perdas sobre os resultados obstétricos, no caso específico de abortos induzidos, uma das possíveis consequências desses eventos são os nascimentos pré-termos e de baixo peso, que representam um dos principais fatores de risco do óbito abaixo de um ano de vida (RAATIKAINEN; HEISKANEN; HEINONEN, 2006).

Alguns trabalhos indicam também que recém-nascidos de primíparas de 35 anos ou mais são mais propensos a serem prematuros, pequenos para a idade gestacional, de baixo peso e com baixo índice de Apgar no minuto (SENESI et al., 2004; CHAN; LAO, 2008).

Com relação à multiparidade, evidências de que esta característica esteja associada, especialmente no caso das grandes multíparas (mulheres com cinco filhos nascidos vivos e mais), ao aumento das chances de ocorrência de abortos, desnutrição e anemia, gemelaridade, hemorragia anteparto e prematuridade do recém-nascido (RAYAMAJHI; THAPA; PANDE, 2006). A multiparidade está relacionada à idade materna avançada, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde fatores culturais, como o rígido seguimento a certas doutrinas religiosas, e socioeconômicos, como as desigualdades de oportunidades educacionais, diminuem as chances de utilização de métodos contraceptivos para planejamento familiar, tornando as mulheres desse grupo mais vulneráveis a resultados adversos em suas respectivas gestações (RAYAMAJHI; THAPA; PANDE, 2006).

A postergação da maternidade também pode estar associada a intervalos intergenésicos curtos, implicando resultados obstétricos adversos para as gravidezes subsequentes (NABUKERA et al., 2008), que nestes casos são grandes as chances de ocorrência de depleção materna, caracterizada pelo esgotamento nutricional devido às sucessivas gravidezes e aleitamentos (CONDE- AGUDELO; ROSAS-BERMÚDEZ; KAFURY-GOETA, 2006).

A idade materna avançada também se relaciona aos hábitos saudáveis durante a gestação (MACHADO; HILL, 2003), o que está ligado, em grande medida, à adesão às recomendações prescritas durante o pré-natal. Oleszczuk, Keith e Oleszczuk (2005) explicam que mães de faixas etárias mais avançadas costumam suspender com maior frequência o uso de álcool e de tabaco e seguir dietas balanceadas, o que auxilia no alcance de resultados obstétricos mais favoráveis. Além disso, o acompanhamento adequado do curso da gravidez, em geral apresentado por estas mães, contribui para a redução da prevalência de baixo peso ao nascer, minimizando a atuação de fatores associados (MINAGAWA et al., 2006).

Alguns autores defendem que a idade materna avançada não exerce influência sobre os resultados obstétricos. Ao contrário, essas características positivas de conduta com a saúde pré-natal e as maiores chances de condições socioeconômicas e psicológicas favoráveis habilitam essas mães a experimentaram gravidezes com resultados obstétricos favoráveis. Para Marasinghe, Karunananda e Amarasinghe (2007), à parte de fatores como a senescência ovariana e a ocorrência de desordens genéticas, como anomalias cromossômicas, a idade avançada por si não deve ser considerada um indicador de resultados obstétricos adversos, sendo equívoco afirmar que os recém-nascidos dessas mulheres apresentam maiores chances de experimentarem eventos como o óbito neonatal, o baixo peso ao nascer e a prematuridade. Callaway, Lust e Mcintyre (2005) estudaram os resultados de gravidezes de uma coorte de mulheres australianas de 45 anos e mais e verificaram que as puérperas que conceberam naturalmente, sem recorrer às técnicas médicas de reprodução, apresentaram resultados obstétricos favoráveis, possivelmente em decorrência de um prévio bom status de saúde.

Limitações Por se tratar de um artigo de revisão narrativa, o objetivo precípuo deste estudo foi o de descrever e discutir os efeitos da idade materna sobre a mortalidade infantil, com base na consulta de trabalhos sobre o tema, sem orientar a busca destas fontes em métodos predeterminados ou específicos de seleção (CORDEIRO et al., 2007; ROTHER, 2007). Em linhas gerais, uma revisão narrativa é constituída pela análise crítica e pessoal do autor de literatura publicada em livros, revistas e material eletrônico. Ao contrário das revisões sistemáticas que utilizam métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos que serão incluídos, a seleção dos artigos na revisão narrativa é arbitrária e sua elaboração não está pautada em protocolos rígidos (COLLINS; FAUSE, 2005; CORDEIRO et al., 2007). Tendo em vista que a busca das fontes é menos abrangente do que nas revisões sistemáticas e diante da ausência de métodos de seleção dos artigos incluídos, as revisões narrativas apresentam problemas, como vieses de seleção e ausência de metodologia que permita a reprodução dos dados e o acesso aos resultados quantitativos (COLLINS; FAUSE, 2005; ROTHER, 2007).

Assim, por se tratar de uma revisão narrativa, o presente trabalho não está isento de conter vieses de seleção dos artigos que o compõem, sendo que a não apresentação da metodologia e dos resultados quantitativos de cada artigo incluído não favoreceu o estabelecimento de uma discussão mais detalhada acerca dos diferenciais de mortalidade infantil por idade materna, o que poderia ser bastante elucidativo para a identificação das idades jovens e avançadas em que a vulnerabilidade ao óbito infantil torna-se mais premente. Por exemplo, no caso específico das mães adolescentes, os resultados obstétricos adversos exibidos por essa população, mesmo após o ajuste por importantes fatores de confundimento, podem ser o reflexo de atitudes particulares de um determinado grupo social com relação à maternidade nas idades jovens (LAWLOR; SHAW, 2002), o que torna a análise ainda mais complexa se são estabelecidas comparações entre trabalhos de diversas localidades e que utilizaram diferentes estratégias para a condução dos resultados.

Conclusão Neste trabalho de revisão narrativa acerca dos diferenciais de mortalidade infantil por idade materna, foram apresentadas e discutidas, de maneira crítica, algumas hipóteses relacionadas a esses diferenciais. Conforme exposto, é possível identificar, na literatura, evidências a favor de explicações de naturezas biológica e socioeconômica e até mesmo a defesa da neutralidade da idade materna para explicar as chances de ocorrência da mortalidade infantil para filhos de mães muito jovens e, também, nas idades avançadas.

Do ponto de vista metodológico, deve-se considerar a variedade de métodos, ferramentas de análise e a não uniformidade na definição dos grupos etários entre diversos trabalhos, o que torna ainda mais difícil estabelecer comparações e chegar a uma melhor definição sobre a idade na qual os resultados obstétricos adversos tornam-se mais elevados. Por se tratar de uma revisão narrativa, o presente estudo não incluiu os resultados e a metodologia empregada por todos os trabalhos relacionados, que, ademais, não foram selecionados com base em métodos específicos e sistemáticos. Assim, sugere-se, para trabalhos futuros, a elaboração de revisões sistemáticas para minimizar o efeito de possíveis vieses no trabalho de identificação, seleção e análise crítica dos estudos relativos aos diferenciais de mortalidade infantil por idade materna. O emprego de métodos estatísticos (meta-análise) também pode ser uma boa estratégia em trabalhos futuros para análise e síntese mais detalhada dos resultados de diversos estudos, o que pode conduzir a importantes conclusões sobre as idades maternas em que as chances de ocorrência do óbito infantil se tornam mais elevadas.

No que diz respeito às mães adolescentes, a construção social da maternidade antes dos 20 anos de idade e sua variação de acordo com normas e sanções culturais praticadas por um determinado grupo social também figuram como elementos importantes para compreensão do fenômeno, que devem ser contemplados nas análises. Em boa parte dos estudos, utiliza-se o grupo de mães de 15 a 19 anos para caracterizar a maternidade na adolescência, sobretudo pela dificuldade de se captar um número expressivo de mães com 14 anos ou menos.

Todavia, verifica-se que importantes diferenças em se considerar o limite inferior da faixa etária materna menor do que o usualmente utilizado (PHIPPS; SOWERS, 2002), o que chama a atenção para o fato de que as chances de ocorrência da mortalidade infantil associadas à jovem idade materna podem ser subestimadas quando são empreendidas análises de faixas etárias muito agregadas. Assim, sugere-se que, em trabalhos futuros, sejam analisados grupos etários menos agregados, com o objetivo de verificar se os riscos de mortalidade infantil se comportam de maneira distinta, para faixas etárias menos heterogêneas. Contudo, é necessário ressaltar que esta tentativa de desagregação requer formas de análise apropriadas para que se possa lidar com pequenos números.

No caso da maternidade nas idades avançadas, tradicionalmente, são incluídas neste grupo as mães de 35 anos e mais (YÁNEZ, 2007; REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÕES PARA A SAÚDE, 2008a). Porém, sobretudo nos países desenvolvidos, cuja proporção de mulheres que se tornam mães nessa faixa etária é bem elevada, distinção das chances de ocorrência de resultados obstétricos adversos entre mulheres de 40 a 44 anos e de 45 anos e mais (DONOSO; BECKER; VILLARROEL, 2002; JACOBSSON; LADFORS; MILSON, 2004; LUKE; BROWN, 2007), o que também chama a atenção para a análise de faixas etárias mais desagregadas para identificar aquelas idades cujas chances de ocorrência do óbito infantil, possivelmente, se tornam mais elevadas.

Ainda com relação à maternidade após os 35 anos de idade, cabe ressaltar a importância em se explorar o efeito das possíveis melhores condições socioeconômicas, emocionais e comportamentais, em geral, atribuídas às mães em idades avançadas, para minimizar a atuação de comorbidades típicas da idade materna avançada, como diabetes e hipertensão arterial, que podem estar relacionadas ao óbito infantil. A maior utilização de métodos de reprodução medicamente assistida, advinda com a tendência de postergação da maternidade, também instiga as análises da ocorrência de óbito infantil para filhos de mães que não conceberam naturalmente.

Por fim, este artigo contribui para um debate que ainda suscita muitas indagações acerca da associação entre a idade da mãe ao ter o filho e o óbito entre menores de um ano de idade. Sobretudo no caso do Brasil, cujas taxas de mortalidade infantil ainda se encontram em patamares elevados, se comparadas àquelas alcançadas pelos países desenvolvidos e por alguns países da América Latina, é de grande importância identificar e avaliar níveis e tendências do óbito neonatal (precoce e tardio) e pós-neonatal. Ainda não concordância estabelecida na literatura quanto à natureza dos efeitos da idade materna sobre as chances de ocorrência do óbito infantil, o que abre espaço para futuras discussões.


transferir texto