Diferenciais de mortalidade: níveis e padrões segundo o sexo no município de
São Paulo de 1920 a 2005
Introdução
O diferencial na mortalidade por sexo é um fenômeno observado na maioria dos
países e constitui um dos principais temas de pesquisa em mortalidade (LUY,
2003). Via de regra, os homens experimentam maior mortalidade do que as
mulheres, em cada idade, exceto em alguns países, especialmente naqueles
situados no continente asiático. A magnitude da desvantagem masculina,
entretanto, varia de acordo com as condições sociais, econômicas e ambientais.
Durante grande parte do século XX, a mortalidade total declinou, as causas de
óbito mudaram de transmissíveis para não transmissíveis e a desvantagem
masculina continuou a crescer em muitos países industrializados. Entretanto,
nos países mais desenvolvidos, desde 1970, o diferencial na esperança de vida
ao nascer entre os sexos vem se estreitando (GLEI, 2005; TROVATO, 2005;
PRESTON; WANG, 2006; GLEI; HORIUCH, 2007).
Os países em desenvolvimento também passaram, no século XX, pelos processos de
transição da mortalidade e se encontram em estágios distintos do processo de
transição epidemiológica. Mas, em muitos desses países, como no Brasil, o
diferencial de mortalidade por sexo ainda não apresenta sinais inequívocos de
redução (SIMÕES, 2002).
Fatores de naturezas socioeconômica, cultural, ambiental ou política podem ser
arrolados para explicar o diferencial na mortalidade por sexo, além daqueles de
natureza biofisiológica (KALBEN, 2000). No caso do Brasil, uma das razões
evocadas tem sido o aumento da sobremortalidade masculina no segmento
populacional composto por jovens e adultos, relacionado a mortes por causas
externas, especialmente violências (FERREIRA; CASTIÑEIRAS, 1996a, 1996b;
SIMÕES, 2002; SEADE, 2006).
É possível, porém, que outros aspectos possam ser arrolados e que haja
especificidades no papel de cada um deles, ao longo do tempo. Trata-se,
portanto, de um campo de investigação promissor, capaz de revelar resultados
importantes para o conhecimento e entendimento do fenômeno, assim como para
subsidiar ações ou políticas visando a redução dessa desigualdade. A despeito
de sua importância, especialmente tendo em vista a persistência ou aumento do
diferencial de mortalidade por sexo, ainda são escassos os estudos nessa área
focalizando o Brasil, suas unidades federativas e seus municípios.
Neste contexto, o objetivo desse trabalho é analisar, de forma sistemática, o
diferencial de mortalidade entre os sexos no município de São Paulo, de 1920 a
2005, por meio de análises de período dos níveis e padrões do diferencial, além
de examinar a contribuição dos diversos grupos etários para o hiato na
esperança de vida ao nascer entre os sexos, ao longo deste período.
Diferencial de mortalidade por sexo: níveis e padrões
Nos países desenvolvidos, durante boa parte do século XX, o diferencial na
esperança de vida entre homens e mulheres ampliou substancialmente em um
contexto de mudanças demográficas importantes, como a redução sustentada no
nível geral da mortalidade e a mudança em seu padrão etário (UNITED NATIONS,
1988). Em um segundo momento, em geral quando os países alcançaram uma etapa
avançada do processo de transição da mortalidade, observou-se uma reversão
desta tendência, de forma que os países passaram a experimentar redução
sistemática da diferença entre as esperanças de vida de homens e de mulheres
(GLEI, 2005; TROVATO, 2005; PRESTON; WANG, 2006; GLEI; HORIUCH, 2007). Esta
tendência foi verificada em grande parte das nações desenvolvidas, com algumas
variações, sobretudo no que diz respeito à magnitude e ao início dos processos
de ampliação e redução do diferencial entre homens e mulheres.
Este processo de transição do diferencial entre os sexos da mortalidade geral
nos países desenvolvidos foi acompanhado por uma mudança no padrão etário da
mortalidade diferencial entre homens e mulheres. A razão de sexo entre taxas
específicas de mortalidade, a cada grupo de idade especificado, é uma medida
comumente utilizada para se examinar a desvantagem na mortalidade de um sexo em
relação ao outro (UNITED NATIONS, 1988). Uma razão igual à unidade indica que
homens e mulheres experimentam o mesmo risco de morrer em determinada idade.
Quanto maior for a razão, maior é a sobremortalidade masculina. Se esse valor
for menor do que a unidade, as mulheres estão em desvantagem. A curva de razões
de sexo entre taxas específicas de mortalidade por idade indica o padrão etário
do diferencial na mortalidade entre os sexos.
Quando o nível geral de mortalidade era alto, a desvantagem masculina em
relação às mulheres era pequena em grande parte dos grupos etários, observando-
se, em alguns países, desvantagem feminina na mortalidade, sobretudo nas idades
reprodutivas. Com o aumento do diferencial na esperança de vida ao nascer entre
homens e mulheres, a desvantagem masculina observada em alguns grupos etários
também aumentou, gerando padrões distintos entre grupos de países. Por exemplo,
entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, em alguns países, a desvantagem
masculina foi mais pronunciada entre 40 e 64 anos. Outro grupo de nações,
entretanto, experimentou uma razão de sexo entre taxas específicas de
mortalidade ' TEMs mais elevada na idade zero, enquanto outros ainda
registraram desvantagem feminina na mortalidade, especialmente entre 25 e 39
anos (GLEI, 2005). O momento seguinte, contudo, caracterizou-se pela
universalidade da desvantagem masculina na mortalidade, de forma que, na
maioria dos países, o pico se deslocou para as idades mais jovens, entre 15 e
24 anos (GLEI, 2005; ZANFONGNON; BORBEAU, 2008).
Com a diminuição dos ganhos na esperança de vida, observa-se um processo de
estabilização da desvantagem masculina nos grupos etários nos quais esta era
mais pronunciada. E, nos anos mais recentes, verifica-se uma tendência de
redução dos picos de sobremortalidade masculina em grande parte dos países
(GLEI, 2005).
Para os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos a situação é menos
clara, sobretudo devido à ausência de dados confiáveis (LANGFORD; STOREY,
1993). A despeito desta limitação, alguns autores observaram que o diferencial
na esperança de vida ao nascer entre os sexos também aumentou, em favor das
mulheres, com o declínio da mortalidade (OHADIKE, 1983; VALLIN, 1983; SHRESTHA,
2000; GEE, 2002; UNITED NATIONS, 2005; 2007), com exceção de alguns países
situados no continente asiático (LANGFORD; STOREY, 1993). Além disso, assim
como verificado nas regiões mais desenvolvidas, a magnitude e a velocidade de
aumento do diferencial diferiram, sistematicamente, entre os diversos grupos de
países, sobretudo na América Latina, Sul da Ásia, África Sub-sahariana e no
Extremo Oriente da Ásia (UNITED NATIONS, 1983). No entanto, o diferencial tende
a ser menor do que aquele observado nos países mais desenvolvidos (GEE, 2002;
SHRESTHA, 2000; UNITED NATIONS, 2005; 2007) e ainda menor nas regiões menos
desenvolvidas, que experimentam condições socioeconômicas e de saúde muito
desfavoráveis (UNITED NATIONS, 2005; 2007). Neste sentido, há indícios de que,
em tais regiões, as mulheres estão em desvantagem mesmo em um contexto de
ganhos na esperança de vida similares entre homens e mulheres.
O Brasil seguiu a tendência mundial, uma vez que as mulheres apresentaram maior
esperança de vida do que os homens durante a segunda metade do século XX e
houve uma rápida ampliação da diferença entre as esperanças de vida feminina e
masculina, no conjunto do Brasil, especialmente na Região Sudeste. Entre 1940 e
2000, o hiato na esperança de vida brasileira por sexo variou de 4,41 para 7,78
anos, apresentando incrementos em todas as décadas, sendo que os maiores ganhos
proporcionais ocorreram ao longo das décadas de 1940 (13%), 1950 (13%), 1970
(11%) e 1980 (21%). Nos anos 1960 e 1990, por sua vez, o incremento foi muito
menor, em torno de 1% (SIMÕES, 2002).
Entre 2000 e 2005, os diferenciais na esperança de vida entre os sexos no país
mudaram pouco, passando de 7,7 para 7,6 anos nesse período (OLIVEIRA et al.,
2006). O Rio de Janeiro apresentou os maiores diferenciais, tanto em 2000 (9,2
anos) quanto em 2005 (8,9 anos). O Ceará ocupa a segunda posição, em 2005 (8,8
anos), seguido por São Paulo (8,5 anos). Vale destacar ainda que, nestes três
Estados, a sobremortalidade masculina diminuiu em 2005, em relação a 2000
(OLIVEIRA et al., 2006). Ao que parece, então, inicia-se um processo, já em
curso nos países desenvolvidos, de redução do diferencial de mortalidade por
sexo.
Por outro lado, a contribuição dos grupos etários para o diferencial na
esperança de vida ao nascer nem sempre acompanhou as tendências do padrão
etário do hiato. De fato, uma grande desvantagem na mortalidade em determinada
idade não implica, necessariamente, uma grande contribuição para o diferencial
total na mortalidade por sexo, ou seja, na esperança de vida. Isto porque uma
razão de sexo elevada, em certo grupo etário, pode ter pouco peso em termos de
número esperado de anos de vida ao nascer, se a força de mortalidade nestas
idades for pequena (UNITED NATIONS, 1988; GLEI, 2005). A razão entre taxas
específicas de mortalidade não leva em consideração a magnitude das taxas, ao
passo que a contribuição do grupo etário para o diferencial depende desta
magnitude e da posição do grupo etário no eixo das idades (UNITED NATIONS,
1988). Neste sentido, os estudos apontam para a importância da utilização de
mais de uma medida na análise sistemática do diferencial na mortalidade entre
os sexos, visto que a utilização somente das razões pode levar a conclusões
incompletas ou até mesmo equivocadas.
Material e métodos
Fonte de dados
Os insumos necessários para se estudar o diferencial de mortalidade por sexo
podem ser estimados com base em duas fontes de dados: registro de óbitos e
população. Para o município de São Paulo, os dados de óbitos desagregados por
sexo e grupos etários são provenientes do Registro Civil e elaborados pela
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), que disponibilizou a
série anual para o período de 1903 a 2003. Como no momento da execução do
trabalho os dados de 2004 a 2006 não estavam disponíveis na Fundação Seade, os
mesmos foram obtidos no sítio eletrônico do Departamento de Informática do
Sistema Único de Saúde (Datasus) e são oriundos do Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM).
Os dados de população presente e residente1 do município de São Paulo, para os
anos de recenseamento disponíveis,2 desagregados por sexo e grupos etários, são
provenientes dos censos demográficos brasileiros. Até 1960 os dados foram
fornecidos pela Fundação Seade. A partir de 1970, foram utilizados os
microdados disponibilizados pelo Cedeplar.
Diante das condições dos dados, optou-se por construir a série de mortalidade
desagregada por sexo e grupos etários quinquenais, de 1920 até 2005, de cinco
em cinco anos. Tal escolha se justifica por diversos motivos. Em primeiro
lugar, partindo de 1920, elimina-se a necessidade de estimar as populações de
1905 e 1910, que seriam calculadas por meio das populações de 1890 e 1920, cuja
qualidade é discutível, principalmente pela ausência de dados por sexo em 1890.
Além disso, os dados de óbitos anteriores a 1918 estão muito agregados nas
idades adultas, o que diminuiria a precisão das estimativas. Vale ressaltar que
o período de 85 anos entre 1920 e 2005 é extenso o suficiente para permitir a
análise, uma vez que incorpora as principais fases da transição de mortalidade
ocorrida no município de São Paulo.
A construção da série histórica de mortalidade e das tábuas de vida de período
exigiu a adoção de diversos procedimentos preliminares que não serão discutidos
com detalhes nesse artigo.3 Entre eles, destacam-se: compatibilização dos dados
de óbitos, no que diz respeito às (des)agregações por idade, por meio do método
de interpolação osculatória de Karup-King; uniformização do grupo etário aberto
em 80 anos e mais; estimação das populações dos anos intercensitários e de
1930, ano em que não houve recenseamento; desagregação dos dados de população,
de forma que ficassem consistentes com a desagregação dos óbitos; correção do
fenômeno da "invasão de óbitos", visto que, até 1969, o registro de óbitos do
município de São Paulo era realizado segundo o local de ocorrência e não com
base no local de residência do falecido; e, finalmente, avaliação e correção do
sub-registro das taxas de mortalidade. Após a aplicação de todos esses
procedimentos, as funções de mortalidade, por sexo e grupos etários
quinquenais, de 1920 a 2005, foram construídas.
Aspectos metodológicos
Em termos gerais, muitos estudos sobre diferenciais de mortalidade por sexo
utilizam a análise de indicadores como razões ou diferenças entre taxas de
mortalidade, além da comparação entre esperanças de vida ao nascer. Pollard
(1983) apresenta um exemplo bastante claro de como a análise pode não ser
consistente se tais medidas forem utilizadas sozinhas. Empregando os mesmos
dados, o autor calculou dois indicadores distintos do diferencial (razão e
diferença entre as taxas masculina e feminina de mortalidade) e observou que a
razão aumenta, ao passo que a diferença diminui. A esperança de vida, por outro
lado, apesar de ser uma medida-resumo do nível geral da mortalidade que pode
ser comparada, apresenta complicações quando o objeto de estudo é a análise de
diferenciais. Reduções iguais na força da mortalidade, em duas populações
distintas, podem causar um aumento no diferencial entre esperanças de vida ao
nascer. Assim, é perfeitamente possível observar populações com diferenciais,
mensurados em termos da força da mortalidade, se reduzindo ao longo do tempo e,
ao mesmo tempo, um aumento no hiato entre as esperanças de vida (POLLARD,
1983).
Alguns trabalhos vêm complementando a análise descritiva do diferencial com
métodos que mensuram a contribuição de grupos etários para o hiato na
expectativa de vida ao nascer por sexo (UNITED NATIONS, 1988; GLEI, 2005;
TROVATO, 2005; GLEI; HORIUCH, 2007). Seguindo essa linha, três indicadores
foram utilizados na análise nesse trabalho:
a diferença entre as esperanças de vida ao nascer feminina e
masculina, como um indicador do diferencial total na mortalidade por
sexo;
razões de sexo entre taxas específicas de mortalidade por idade
(nTEMx masc./nTEMx fem.), para verificar tendências do padrão etário
no diferencial da mortalidade entre homens e mulheres;
método de decomposição da diferença entre esperanças de vida ao
nascer feminina e masculina, com o intuito de complementar a análise
descritiva do diferencial, feita por meio dos indicadores citados
acima, e solucionar os problemas a eles relacionados.
Decomposição da diferença entre expectativas de vida ao nascer
Como visto anteriormente, a esperança de vida e as razões de sexo entre taxas
apresentam alguns problemas quando o objetivo do estudo é a análise de
diferenciais de mortalidade. Nesse sentido, outro aspecto da análise de
mortalidade é estimar e/ou entender a contribuição da variação da mortalidade
em cada grupo etário para a variação total na esperança de vida, ou seja, a
decomposição da variação. Uma mudança na esperança de vida não significa,
necessariamente, que as taxas de mortalidade mudam na mesma magnitude ou até na
mesma direção em todas as idades. De modo geral, muitos grupos etários
registrarão declínio na mortalidade e contribuirão para o aumento da esperança
de vida. Por outro lado, para alguns grupos etários, a mortalidade pode
aumentar e, com isso, reduzir ou neutralizar o aumento da esperança de vida. É
o caso de alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre os quais o
Brasil. Também é útil explicar ou decompor diferenças entre esperanças de vida
pertencentes a duas populações, entre mulheres e homens, por exemplo, com
relação ao diferencial de mortalidade em cada idade (ARRIAGA, 1984).
Diversos métodos de decomposição em demografia estão disponíveis na literatura
internacional (KITAGAWA, 1955; POLLARD, 1983; ARRIAGA, 1984; SÁNCHEZ; PRESTON,
2007, entre outros). Murthy (2005) comparou vários métodos de decomposição de
mudanças na esperança de vida ao nascer e diferenciais em tais esperanças. Seu
estudo teve como objetivo comparar o sistema adotado por Chandra Sekar, em
1949, com diversas metodologias, como aquelas sugeridas por Lopez e Ruzicka em
1977, Pollard em 1982 e Arriaga em 1984. Murthy (2005) demonstrou que todas as
técnicas de decomposição, quando utilizadas em sua forma modificada, produzirão
resultados semelhantes aos de métodos mais simples. Assim, o autor defende a
utilização de métodos simples, como, por exemplo, aquele utilizado pelas United
Nations (1982). Diante de tais condições, optou-se por aplicar tal método neste
trabalho.
O método proposto pelas United Nations (1982) parte da definição matemática da
esperança de vida ao nascer, dependente da função da probabilidade acumulada de
sobrevivência, e do fato de que a mortalidade em determinado grupo etário
afetará a sobrevivência dos grupos etários subsequentes. A proposta é mensurar
a contribuição de cada intervalo etário para a diferença observada entre duas
esperanças de vida. Inicialmente, o método foi proposto e desenvolvido para
decompor a variação entre a esperança de vida ao nascer de uma população entre
dois pontos distintos no tempo. Posteriormente, as United Nations (1988)
aplicaram a mesma técnica para mensurar a contribuição de cada grupo etário
para o diferencial na esperança de vida por sexo, ou seja, entre duas
populações em um mesmo ponto no tempo.
Após diversas manipulações algébricas e desagregações por idade da definição
matemática da esperança de vida (equação 1), as equações propostas pelo método,
na forma discreta (equações 2, 3 e 4), são:
![](/img/revistas/rbepop/v28n2/a03eq01.jpg)
Para o primeiro intervalo etário:
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03eq02.jpg]
Para o intervalo etário intermediário:
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03eq03.jpg]
Para o intervalo aberto:
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03eq04.jpg]
Onde:
ex é a esperança de vida à idade exata x;
p(a) corresponde à probabilidade de sobrevivência do nascimento até a
idade exata a;
nΔx é a contribuição da mortalidade diferencial do grupo etário x e
(x+n) para o hiato na esperança de vida ao nascer por sexo;
lx refere-se ao número de sobreviventes à idade exata x na tábua de
vida.
Resultados
O diferencial por sexo na esperança de vida ao nascer
Uma forma simples e direta de se observar o diferencial de mortalidade por sexo
é por meio de uma inspeção visual de seus níveis. Os Gráficos_1 e 2 sumarizam a
evolução do hiato na esperança de vida entre os sexos, no município de São
Paulo. O Gráfico_1 relaciona as tendências de longo prazo do diferencial à
evolução dos níveis de esperança de vida feminina, da mesma forma que a análise
proposta por Vallin (1983). No Gráfico_2, observa-se a evolução do diferencial
de mortalidade por sexo ao longo do tempo, independentemente do nível da
mortalidade, assim como proposto por outros autores (GLEI, 2005; GLEI; HORIUCH,
2007).
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03graf01.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03graf02.jpg]
No início da transição da mortalidade no município, entre 1920 e 1930, o
diferencial se manteve em torno dos seis anos, quando a esperança de vida
feminina variava de 35 a 45 anos. Entre 1935 e 1940, o diferencial diminuiu
aproximadamente dois anos, mantendo-se relativamente constante até 1960. A
partir de então, até 1995, o hiato experimentou um sustentado aumento,
alcançando 11 anos, até a esperança de vida feminina atingir cerca de 75 anos.
A partir de 1995, o diferencial mostrou os primeiros sinais de redução,
tendência que se manteve nos quinquênios seguintes (Gráficos_1 e 2).
Padrão etário do hiato na mortalidade entre os sexos
Para entender a relação do hiato na esperança de vida entre os sexos e a
desvantagem masculina na mortalidade por idade no município de São Paulo,
realizou-se uma análise do comportamento do padrão etário do diferencial na
mortalidade entre homens e mulheres, ao longo do período 1920-2005. No entanto,
alguns períodos mais curtos também foram examinados (1925-1930; 1960-1965 e
2000-2005), visto que apresentaram especificidades na análise anterior.
A queda da mortalidade por idade, de 1920 a 2005, pode ser analisada por meio
das funções de mortalidade de tais períodos (dados não apresentados). O
processo de transição da mortalidade foi mais homogêneo para as mulheres, visto
que se registrou redução na mortalidade em praticamente todas as idades e anos
calendários. No caso masculino, sobretudo a partir dos anos 1980, o aumento da
mortalidade nas idades jovens ocasionou grandes mudanças no padrão etário, que
distorceram o padrão da mortalidade masculina e o diferenciaram fortemente do
padrão etário feminino.
Com o intuito de entender, de forma mais sistemática, o diferencial na
mortalidade entre os sexos, por grupo etário, examinaram-se as razões de sexo
entre TEMs. No município de São Paulo, a desvantagem masculina já era observada
desde 1920, em todos os anos e em praticamente todos os grupos etários e, nas
últimas décadas, sobretudo entre os jovens adultos (Tabela_1).
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03tab01.jpg]
Até 1950, o padrão etário do diferencial de mortalidade por sexo, mensurado por
meio das razões, seguiu um padrão semelhante: varia pouco nas idades jovens, em
torno de 1 e 1,4; apresenta um pico nas idades adultas (entre os 50 e 60
anos); e diminui nas mais avançadas. Vale destacar que, em 1920, há um pico no
grupo etário 10-14 anos. Entre os padrões observados na literatura, picos neste
grupo etário estão associados, em geral, à elevação na mortalidade masculina,
mas, no caso do município de São Paulo, isso é consequência da pequena TEM
feminina observada neste ano, quando comparada aos níveis de mortalidade
experimentados pelas mulheres nos grupos etários vizinhos (Gráfico_3). Neste
trabalho, as taxas de mortalidade foram calculadas por meio de médias móveis
trienais dos óbitos. Assim, é improvável que este comportamento observado seja
reflexo de algum distúrbio ocorrido na mortalidade feminina em 1920.
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03graf03.jpg]
Em 1960, 1965 e 1970, o padrão etário do diferencial tem a forma de um "U"
invertido e a desvantagem masculina nas idades jovens aumenta de um período
para outro (Gráfico_4). Em 1980, aparece o primeiro pico nas idades jovens (15
a 19 anos). No entanto, o restante da curva acompanha os padrões observados
anteriormente. A partir de então, a desvantagem masculina aumenta
substancialmente nas idades jovens, apresentando, em 2000, o maior valor. Em
2005, o padrão ainda é semelhante, mas já se observa tendência de redução na
desvantagem masculina nas idades jovens, registrando valores com magnitude
similar àquela observada na década anterior (Gráfico_5).
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03graf04.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03graf05.jpg]
Contribuição dos distintos grupos etários para o hiato na mortalidade entre os
sexos
Uma vez descritos o comportamento do hiato na esperança de vida por sexo e os
padrões etários do diferencial ao longo do período analisado, calcularam-se as
contribuições das distintas idades para o diferencial por sexo na esperança de
vida ao nascer. O objetivo desta seção é verificar se os grupos etários que
apresentam razões por sexo elevadas são, de fato, aqueles que mais contribuíram
para o diferencial na esperança de vida ao nascer por sexo e como essa
contribuição variou ao longo do tempo.
A primeira análise verifica, de dez em dez anos, quais grupos etários explicam
a maior esperança de vida ao nascer feminina. Em seguida, são identificados
quais grupos etários foram responsáveis pelo aumento ou diminuição do
diferencial na esperança de vida entre homens e mulheres, em alguns períodos
selecionados. Para facilitar as análises, trabalhou-se com os seguintes grupos
etários: 0 a 4, 5 a 14, 15 a 34, 35 a 59, 60 a 79 e 80 anos e mais.
A comparação das Tabelas_1 e 2 indica que a maior desvantagem masculina nem
sempre está associada a uma grande contribuição para o diferencial na esperança
de vida. A Tabela_3 apresenta a contribuição dos grupos etários para o
diferencial na esperança de vida ao nascer de homens e mulheres residentes no
município de São Paulo, de 1920 a 2005. Nas primeiras décadas do século, o
grupo etário que mais contribuiu para o diferencial na esperança de vida ao
nascer entre os sexos foi o de 0 a 4 anos. Com o passar dos anos, a
contribuição deste grupo se reduz substancialmente, de 47,2%, em 1920, para
2,1%, em 2005. O contrário acontece com o grupo etário aberto, 80 anos e mais,
cuja contribuição aumenta de 0,6% para 9,3%, no mesmo período (Tabela_3).
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03tab02.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03tab03.jpg]
Em 1920 e 1930, as mulheres viviam, em média, mais do que os homens,
principalmente pela vantagem feminina no primeiro grupo etário, mas também pela
sobremortalidade masculina entre os 35 e 79 anos. De 1940 a 2005, as mulheres
viviam mais principalmente em razão da sobremortalidade masculina entre os 35 e
79 anos. (Tabelas_2 e 3).
A partir de 1960, a contribuição do grupo etário 15 a 34 anos para a vantagem
feminina na esperança de vida ao nascer aumentou, até alcançar aproximadamente
29,0% em 2000. Nesse período, a contribuição do grupo etário 35 a 59 anos
permaneceu entre 30,8% e 40,0% e a daquele de 60 a 79 anos variou entre 28,8% e
37,2%. Entre 2000 e 2005, a contribuição atribuída a pessoas de 15 a 34 anos
voltou a reduzir, atingindo 19,8% em 2005 (Tabela_3).
Os dados apresentados na Tabela_4 mostram que, entre 1920 e 1930, o diferencial
aumentou pouco, 0,24 ano, e os grupos etários 15 a 34 e 60 a 79 anos foram
responsáveis por grande parte desse aumento, ao passo que os dois grupos mais
jovens contribuíram no sentido contrário. Entre 1930 e 1940, o diferencial
diminuiu aproximadamente dois anos e o grupo etário 0 a 4 anos respondeu por
mais de 90% dessa redução, embora os mais idosos tenham contribuído no sentido
contrário. Entre 1950 e 1960, a vantagem feminina na esperança de vida manteve-
se aproximadamente constante. No decênio seguinte, o diferencial experimentou
um ganho de 2,7 anos, e os grupos que mais contribuíram para esse aumento foram
os de 0 a 4 anos e 15 a 79 anos. Na década de 1980, o diferencial também
elevou-se em 2,7 anos. Embora o primeiro grupo etário tenha respondido por 31%
da redução do diferencial, a contribuição do grupo etário de 15 a 34 anos teve
participação muito pronunciada: 65%. A contribuição dos adultos e idosos, em
conjunto, para o aumento do diferencial também foi alta: 66%.
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a03tab04.jpg]
Entre 1990 e 2000, o diferencial apresentou os primeiros sinais de redução,
representado principalmente, em ordem de importância, pelas faixas etárias de
35 a 59, 60 a 79, 0 a 4 e 15 a 34 anos. Vale ressaltar que o grupo 80 anos e
mais contribuiu com 48% no sentido do aumento do hiato. Entre 2000 e 2005, o
decréscimo do diferencial é mais expressivo e explicado, principalmente, pela
redução da contribuição do grupo etário 15 a 34 anos (73%). Entretanto, os
adultos e idosos também contribuíram para o estreitamento, exceto a faixa de 60
a 79 anos (Tabela_4).
Discussão
Quando comparado aos níveis observados na maioria dos países desenvolvidos, o
nível do diferencial de mortalidade por sexo no município de São Paulo foi
elevado durante todo o período em análise. Nos países desenvolvidos, quando a
esperança de vida feminina variava entre 30 e 40 anos, o hiato na esperança de
vida entre os sexos variou de 2 a 4 anos (VALLIN, 1983). No município de São
Paulo, a diferença era muito mais elevada, entre 6 e 7 anos. Em nenhum dos
países desenvolvidos examinados por Vallin (1983) observou-se redução do
diferencial na mortalidade entre os sexos quando a esperança de vida estava
entre 45 e 50 anos, sugerindo que o decréscimo, verificado em São Paulo, pode
ser uma especificidade do município. A despeito desta característica, a
tendência de longo prazo observada em São Paulo assemelha-se, durante o período
de aumento sustentado do hiato, àquela observada nos países de origem anglo-
saxônica focalizados por Vallin (1983), sobretudo no que tange à estrutura da
curva. Entretanto, é importante destacar que, embora o padrão seja semelhante,
os níveis do diferencial em São Paulo eram mais elevados.
Alguns autores observaram que, assim como visto em São Paulo, em alguns países,
como Itália e Dinamarca, o hiato na mortalidade por sexo também diminuiu no
início do período para o qual havia dados disponíveis (GLEI, 2005; GLEI;
HORIUCH, 2007), ou seja, na segunda metade do século XIX (1870-1890). No
entanto, essa redução foi menos pronunciada do que a observada em São Paulo
entre 1935 e 1940. Vale destacar, ainda, que o nível do hiato nestes países
(três anos na Dinamarca e 0,5 ano na Itália) era muito menor do que o nível em
São Paulo (seis anos).
Tanto nos países desenvolvidos como em São Paulo, após uma fase de aumento
sustentado, o diferencial apresentou tendência de declínio. Enquanto em São
Paulo o estreitamento ocorreu a partir de 1995, com esperança de vida feminina
em torno de 75 anos e um nível do diferencial próximo de 11 anos, na maioria
dos países desenvolvidos, a inversão da tendência ocorreu nos anos 1970, 1980 e
1990, quando o nível do hiato variava entre 6 e 8 anos (GLEI, 2005; GLEI;
HORIUCH, 2007) e a esperança de vida ao nascer estava entre 75 e 80 anos
(UNITED NATIONS, 2008). Assim, os resultados sugerem que o diferencial de
mortalidade por sexo, no município de São Paulo, seguiu a mesma tendência
observada nos países desenvolvidos, sobretudo no que diz respeito aos níveis de
esperança de vida feminina para os quais houve aumento e redução do
diferencial. Entretanto, o processo ocorreu com uma defasagem de
aproximadamente 30 anos. Além disso, o nível do diferencial no município foi
maior do que aquele experimentado pela maioria das nações desenvolvidas.
O padrão etário da mortalidade diferencial por sexo em São Paulo também foi
avaliado nesse trabalho. No Estado de São Paulo, observou-se desvantagem
feminina na mortalidade nos anos 1940 (ORTIZ; YASAKI, 1984; FERREIRA;
CASTIÑEIRAS, 1996b). Por outro lado, no município de São Paulo, como foi
possível visualizar nesse artigo, a desvantagem masculina já era verificada
desde 1920, em todos os anos e em praticamente todos os grupos etários.
Observou-se, ainda, que a transição da mortalidade foi mais homogênea para as
mulheres. De acordo com Ferreira e Castiñeiras (1996b), esse processo ocorreu
em diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas com intensidade
inferior àquela registrada em São Paulo. No caso das mulheres, a
sobremortalidade nas idades jovens, constatada apenas nas primeiras décadas do
século XX, está geralmente associada à mortalidade materna (WINGARD, 1984;
FERREIRA; CASTIÑEIRAS, 1996b). Entre os homens, a distorção nas idades jovens
está associada às causas externas (FERREIRA; CASTIÑEIRAS, 1996b; MAIA, 2000;
CAMARGOS, 2002; SIMÕES, 2002; WALDVOGEL et al., 2003). Há indícios, portanto,
de que as variações ao longo do tempo no diferencial de mortalidade entre os
sexos sejam explicadas mais por mudanças na mortalidade dos homens do que das
mulheres.
Assim como verificado nas tendências de longo prazo do diferencial na esperança
de vida por sexo, parece haver uma defasagem na transição do padrão etário da
mortalidade diferencial por sexo em São Paulo, quando comparada aos países
desenvolvidos. O que se observa no município, até 1950, aconteceu em países
como Espanha, Finlândia, França, Itália e Bélgica, antes da década de 1930
(GLEI, 2005). Entre 1960 e 1970, o padrão etário em São Paulo, em forma de "U"
invertido, não foi registrado em muitos países, ao longo da transição do padrão
etário, mas se assemelha ao da Finlândia, entre 1945 e 1960 (GLEI, 2005).
A transição do pico da desvantagem masculina para as idades jovens ocorreu nos
países desenvolvidos na década de 1950 (GLEI, 2005), ao passo que em São Paulo
só aconteceu a partir dos anos 1980. A tendência de estabilização dos picos,
observada nos países desenvolvidos nos anos 1980, não foi verificada em período
algum em São Paulo. Em contrapartida, o início dos anos 2000 caracterizou-se
por reduções na magnitude dos picos, tanto nos países desenvolvidos quanto no
município de São Paulo.
Outro aspecto do diferencial de mortalidade por sexo analisado nesse trabalho
foi a contribuição dos diferentes grupos de idade para o hiato na esperança de
vida ao nascer entre homens e mulheres. O padrão de mudança de tais
contribuições, em São Paulo, parece ter acompanhado os processos de transição
da mortalidade e epidemiológica. Com a redução nos níveis de mortalidade,
verificou-se uma substituição gradual das doenças transmissíveis, que afetam as
idades mais jovens, pelas doenças não transmissíveis, que em geral atingem mais
adultos e idosos (OMRAM, 2005; PRATA, 1992; FERREIRA; CASTIÑEIRAS, 1996b),
entre as quais se destacam aquelas do aparelho circulatório, neoplasias e
causas externas (PRATA, 1992; FERREIRA; CASTIÑEIRAS, 1996b).
No caso específico de São Paulo, o aumento progressivo dos riscos de morte
entre os jovens adultos, associado às causas externas, teve impacto
considerável nos resultados. De fato, este é um fenômeno mundial, mas, como
dito anteriormente, chama a atenção a intensidade do processo observado no
município (FERREIRA; CASTIÑEIRAS, 1996b). Mesmo assim, o padrão de contribuição
do hiato na esperança de vida entre os sexos observado em São Paulo é
semelhante àqueles descritos para grande parte dos países desenvolvidos. A
principal diferença constatada foi a contribuição do grupo etário 15 a 34 anos,
que foi mais elevada em São Paulo do que nos países desenvolvidos, no mesmo
período.
Assim como observado nos países desenvolvidos, em São Paulo não há uma relação
direta entre a desvantagem masculina, medida pela razão de sexo entre taxas
específicas de mortalidade por idade, e a contribuição do grupo etário para o
diferencial na esperança de vida ao nascer entre homens e mulheres. No início
do século, a contribuição do primeiro grupo etário foi muito elevada, ao passo
que a razão foi próxima da unidade.
Da mesma maneira, nos anos recentes, as idades adultas e avançadas tiveram
grande impacto no diferencial na esperança de vida entre os sexos, mesmo com a
grande desvantagem masculina observada, por meio das razões, nas idades jovens.
A contribuição elevada das idades avançadas nos anos mais recentes certamente
está associada aos processos de transição da mortalidade e epidemiológica no
município, visto que, quando o nível geral de mortalidade é baixo, os óbitos
tendem a se concentrar nas idades mais avançadas. Ademais, no Estado de São
Paulo, a variabilidade da idade à morte das mulheres é significativamente menor
do que a dos homens (GONZAGA, 2008) e é provável que tal comportamento também
seja observado no município de São Paulo. Este também é um fator que pode estar
contribuindo para aumentar a mortalidade diferencial entre os sexos nas idades
mais avançadas.
É importante destacar, entretanto, que a contribuição de determinado grupo
etário para o hiato na expectativa de vida ao nascer entre os sexos não depende
apenas da distribuição de óbitos por idade. Ela é determinada pela diferença
entre as taxas específicas de mortalidade feminina e masculina (quanto maior a
diferença, maior a contribuição), pela posição do grupo etário (quanto mais
jovem, maior é a contribuição de uma dada diferença entre taxas específicas
para a diferença na esperança de vida) e pela mortalidade nos grupos etários
anteriores, visto que dela depende o número de sobreviventes do grupo etário em
questão (UNITED NATIONS, 1988).
Assim, embora a concentração dos óbitos nas idades mais avançadas favoreça a
contribuição desses grupos etários para o diferencial na esperança de vida por
sexo, a posição deles desfavorece, visto que o impacto na esperança de vida ao
nascer é maior, quanto mais jovem for o grupo etário. Em contrapartida, a
contribuição dos jovens, que é menor do ponto de vista da distribuição dos
óbitos por idade, tem a vantagem da posição do grupo etário.
Os resultados da variação do diferencial na esperança de vida ao nascer por
sexo, ao longo do tempo, sugerem mais algumas considerações. Em primeiro lugar,
no início do processo de transição da mortalidade, as idades mais avançadas já
contribuíam para o aumento do diferencial na esperança de vida ao nascer. A
distribuição dos óbitos nessa época provavelmente desfavorecia a contribuição
desses grupos para o diferencial, uma vez que boa parte dos óbitos ainda estava
concentrada nas primeiras idades, especialmente entre os menores de um ano.
Mesmo assim, a contribuição dos óbitos de pessoas idosas já era relativamente
alta.
A despeito de algumas especificidades, essa tendência se manteve até 1980,
quando o aumento progressivo da mortalidade masculina dos jovens adultos
alterou o padrão da mortalidade entre os sexos. Nesse período, os óbitos
ocorridos entre os grupos etários constituídos por jovens responderam pela
maior parte do aumento do diferencial, embora a contribuição dos idosos ainda
tenha sido considerável.
Os dois períodos seguintes foram marcados pela redução da mortalidade
diferencial entre homens e mulheres. Entre 1990 e 2000, os adultos (35 a 59
anos) foram os que mais contribuíram para essa redução e, no quinquênio
seguinte, quando se observou a maior diminuição da mortalidade diferencial
entre homens e mulheres, o grupo 15 a 34 anos respondeu por uma parcela
significativa da redução, embora a contribuição das idades mais avançadas
também tenha sido considerável. Nesse período, com o avanço da transição da
mortalidade, a distribuição dos óbitos por idade favoreceu a contribuição das
idades mais avançadas, que passaram a concentrar a maior parte dos óbitos.
No Brasil e em suas localidades, especialmente na Região Sudeste, tem se dado
muita importância ao papel das causas externas no diferencial na mortalidade
entre os sexos, que está diretamente associada ao pico observado nos adultos
jovens. A presente análise mostrou que a contribuição de tais grupos etários
para o diferencial é pronunciada, mas as idades avançadas também são
responsáveis por uma parcela significativa. De fato, o aumento e a subsequente
redução do diferencial na esperança de vida por sexo, entre 1980 e 2005, são
explicados, em grande parte, pelos grupos etários associados às causas
externas, mas, entre 1990 e 2000, o declínio foi explicado pelo grupo 35 a 59
anos. Com o controle das causas externas, é provável que a contribuição das
idades mais avançadas para explicar reduções nos diferenciais de mortalidade
por sexo aumente ainda mais. Neste sentido, é preciso dar importância também
para os grupos em que a contribuição para o diferencial tem se mantido
sistematicamente ao longo do tempo: adultos e idosos.
O forte aumento da mortalidade masculina nas idades jovens em São Paulo
distorceu o padrão de mortalidade dos homens, o que teve impacto nas tendências
do hiato na esperança de vida entre os sexos. Este comportamento também tem
sido observado em vários países, mas com intensidade inferior à de São Paulo.
Certamente, este é um fator que contribui para as diferenças observadas entre
os padrões e tendências do diferencial em São Paulo e daqueles descritos na
literatura internacional para as nações desenvolvidas nos anos mais recentes.
Neste sentido, seria interessante realizar as mesmas análises desconsiderando
as causas externas em São Paulo. Acredita-se que as tendências ficariam mais
próximas daquelas descritas para os países desenvolvidos.
Para entender os determinantes das tendências observadas neste trabalho, são
necessárias análises que considerem o padrão de contribuição das causas de
óbito para o hiato na esperança de vida ao nascer entre os sexos. Esta é uma
dimensão muito importante para explicar as tendências e os padrões da
mortalidade diferencial entre homens e mulheres e consiste em uma possibilidade
de ampliação do escopo do presente trabalho. Verificar a mudança da
contribuição das causas de óbito, ao longo do tempo, associada às tendências
aqui observadas, poderá contribuir para lançar luz sobre o entendimento dos
fatores associados ao diferencial, em cada momento do tempo. Assim, podem ser
vislumbradas políticas mais adequadas à redução da diferença entre as
esperanças de vida masculina e feminina.