O impacto da reforma da previdência social rural brasileira nos arranjos
familiares: uma análise para entender a composição dos domicílios dado o
aumento da renda dos idosos
Introdução
Esta pesquisa explorou o efeito de uma variação exógena na renda, devido à
reforma da previdência social brasileira de 1992 para os trabalhadores rurais,
nos arranjos domiciliares rurais no Brasil.
Foi realizada uma avaliação do impacto do aumento da renda dos idosos sobre a
composição dos domicílios, nos termos de mudanças possíveis nos arranjos
familiares. Especificamente, esta pesquisa tratou os arranjos familiares (ou a
composição dos domicílios) como uma variável endógena em contraste com a
literatura sobre o tema, a qual costuma abordar a composição do domicílio como
uma variável exógena ao ambiente econômico do domicílio.
A reforma da previdência brasileira de 1992 instituiu uma redução na idade
mínima de elegibilidade para receber benefícios para os trabalhadores rurais
(de 65 para 60 anos, entre os homens, e de 60 para 55 anos, entre as mulheres),
o fim da determinação de que não mais de uma pessoa por domicílio poderia
receber os benefícios e também um aumento no tamanho dos benefícios, que
passaram de metade do salário mínimo para um salário mínimo inteiro. Como esta
reforma não contém incentivos externos para o rearranjo dos domicílios a fim de
receber o tratamento (no caso a aposentadoria), esta situação fornece um
ambiente apropriado para se analisar o efeito de recursos adicionais nos
arranjos familiares.
Os objetivos deste estudo foram: estimar as diferenças, em termos de arranjos
familiares, entre domicílios com presença de idosos aptos a receberem o
benefício da reforma e domicílios que não possuíam idosos, antes da reforma
(1989) e após (1998); estimar em que medida as diferenças em termos de arranjos
familiares podem ser explicadas pela mudança causada pela reforma da
previdência rural; e verificar se os efeitos da presença de pessoas elegíveis
para receberem a aposentadoria nos arranjos domiciliares variam em função do
sexo da pessoa que recebe o benefício. Espera-se que o aumento dos rendimentos
tenda a atrair parentes, posto que poderão também usufruir do acréscimo da
renda obtido pelo idoso (SAAD, 2000).
Quanto à relevância da pesquisa, a mesma está centrada no fato de que os
resultados poderão ser úteis para a compreensão dos impactos primários e
secundários de uma política que visa incrementar a renda de um segmento da
população que vem crescendo aceleradamente no Brasil: os idosos.
Destaca-se que o envelhecimento populacional ou demográfico é uma das
consequências da transição demográfica, na qual passamos de um estágio de
elevados níveis de fecundidade e mortalidade para outro de níveis baixos. Ao
longo desse processo, a proporção de pessoas idosas aumenta.
Dois tipos de mudanças podem estar acontecendo numa população para explicar o
aumento da proporção de pessoas idosas e eles estão associados à atuação de
diferentes variáveis demográficas e a estágios distintos da transição
demográfica em que a população se encontre.
No primeiro tipo de mudança, Moreira (1997) explica que a fração da população
jovem diminui sem que haja variação igual ou concomitante no segmento de
idosos. Trata-se do envelhecimento pela base, como é conhecido, em que a
fecundidade é variável demográfica responsável pelo envelhecimento. Ele ocorre
no 2º ou 3º estágio da transição demográfica, em que as taxas de fecundidade e
de mortalidade são altas e começam a diminuir; é o estágio atual das populações
de países em desenvolvimento. Embora neste momento o efeito da queda da
mortalidade tenda a rejuvenescer a população, ele é suplantado pela redução da
fecundidade, a qual é a grande definidora da estrutura etária.
O outro tipo de mudança que determina o aumento da proporção da população idosa
é a queda dos níveis de mortalidade das pessoas que se encontram nessa faixa
etária. Esse processo, chamado de envelhecimento pelo topo, ocorre em
populações cujos níveis de fecundidade e mortalidade já são muito baixos e a
possibilidade de variação destes componentes restringe-se à mortalidade dos
grupos etários mais velhos. À medida que ocorrem ganhos de anos de expectativa
de vida para a população idosa, sua proporção, obviamente, aumenta (MOREIRA,
1997).
O Brasil tem um dos processos de envelhecimento populacional mais rápido no
conjunto dos países mais populosos do mundo, relacionado à velocidade com que a
fecundidade no Brasil reduziu-se. Em 1960, a taxa de fecundidade total do
Brasil era de 6 filhos por mulher e em 1991 já era de 2,5, o que corresponde a
uma redução de quase 60% em apenas 30 anos (MOREIRA, 2000).
Camarano (1999) comenta que no Brasil, desde os anos 1970, as mulheres têm sido
as responsáveis pelo aumento da concentração de idosos nas áreas urbanas, sendo
que neste segmento populacional os ganhos na longevidade foram ligeiramente
maiores para as mulheres (2,8 anos) do que para os homens (2,1 anos). Em termos
relativos, os ganhos na esperança de vida dos idosos foram maiores do que os
obtidos pela população total.
De acordo com as projeções realizadas por Moreira (2000), caracterizando como
idosos as pessoas com 65 anos ou mais (referência usada pela OMS nos países
desenvolvidos, enquanto naqueles em desenvolvimento a referência é 60 anos ou
mais, a qual usamos neste estudo), esta população, composta por 7,7 milhões de
pessoas em 1995 e respondendo por menos de 5% do total do país, chegará a 2050
com mais de 38 milhões de pessoas, perfazendo nada menos do que 18,4% da
população brasileira.
Na interpretação de Decol (apud MOREIRA, 2000), em termos relativos, o grupo
etário de 15 a 65 anos não sofrerá grandes mudanças no período analisado, pois
a redução dos jovens será compensada pelo crescimento do grupo etário mais
velho, que chegará a mais de 18% do total por volta de 2050.
Assim, a população até 15 anos sofrerá uma diminuição em números absolutos e
relativos, passando de quase 50 milhões, em 1995, para 35,9 milhões, em 2050.
Consequentemente, os jovens, que eram quase 32% da população brasileira em
1995, chegarão a 2050 com um contingente relativo de apenas 17% do total.
Há razões puramente demográficas que podem explicar parte do decréscimo da
mortalidade no Brasil. O declínio da fecundidade, tendência evidente no último
quartel do século XX, tem impacto na mortalidade, por meio da diminuição do
tamanho da família e do espaçamento entre gestações (PEREIRA, 1995).
A presente pesquisa contribui no sentido de complementar as análises que apenas
estudam os impactos diretos de um aumento de renda causado por uma variável
exógena (mudança da política de aposentadorias) nos sujeitos atingidos,
analisando também os resultados indiretos de tais políticas (impacto na
composição familiar). Estes resultados indiretos, ou não previstos, são
essenciais para a formulação e/ou reformulação das referidas políticas.
Salienta-se que mesmo que a base de dados refira-se a informações de mais de
uma década atrás, isso não deve ser visto como um problema, uma vez que o tema
continua sendo atual e os impactos da referida reforma na previdência social
brasileira podem ser replicados para o momento atual, em que, dada a crise no
sistema de aposentadorias, novas reformas vêm sendo discutidas.
A reforma no sistema brasileiro de seguridade social
A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu as diretrizes para uma reforma do
sistema da seguridade social a ser regulado por uma lei ordinária. Aquelas
diretrizes requeriam, entre outras coisas, que os benefícios dos trabalhadores
rurais estivessem ampliados para as mulheres que não eram chefes da casa; que
nenhum benefício fosse inferior a um salário mínimo; e que a idade mínima da
elegibilidade para receber o beneficio, entre trabalhadores rurais, fosse
reduzida. Para os homens trabalhadores rurais houve redução na idade mínima da
elegibilidade de 65 para 60 anos de idade e aumento nos benefícios de 50% para
100% de um salário mínimo. As mulheres trabalhadoras rurais foram beneficiadas
pela redução na idade mínima da elegibilidade, de 60 para 55 anos, e pelo fim
da limitação de um aposentado por domicílio, o que permitiu geralmente mulheres
casadas terem acesso aos benefícios.
Especificamente, a Constituição de 1988 (art. 195, § 8º), complementada pelas
Leis n. 8.212 (Plano de Custeio) e 8.213 (Planos de Benefícios), de 1991,
passou a prever o acesso universal de idosos e inválidos de ambos os sexos do
setor rural à previdência social, em regime especial, no valor de um salário
mínimo nacional, desde que comprovem a situação de produtor, parceiro, meeiro e
os arrendatários rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como
respectivos cônjuges que exerçam suas atividades em regime de economia
familiar, sem empregados permanentes.
Logo depois de julho de 1991, quando a lei ordinária (Lei n. 8212/8213) foi
aprovada, os pagamentos de benefícios aos beneficiários rurais foram aumentados
automaticamente, no geral de 50% para 100% do salário mínimo, e imediatamente
os trabalhadores rurais elegíveis (por exemplo, homens entre 60 e 64 anos de
idade) começaram a aplicar para receber os benefícios. A partir de setembro de
1993, quase todo o processo de busca pelo benefício já havia terminado e todos
os trabalhadores elegíveis já estavam recebendo seus benefícios. Os dados
administrativos do Anuário Estatístico da Previdência (1997) confirmam esta
tendência: ao final de 1992, 129.953 homens elegíveis entre 60 e 64 anos
recebiam os benefícios rurais; ao final de 1993, já eram 326.158 e, ao final de
1994, o total correspondia a 358.761.
Com a reforma, os benefícios passaram a ser função da contribuição feita
através dos salários ou passaram a ser iguais ao salário mínimo, sempre tendo
como referência qual dos dois fosse o maior. Como a maioria dos trabalhadores
rurais não tem uma história longa de salário documentado - ou nem teve salário
documentado ao longo de sua vida -, o total de benefícios passou a ser em geral
igual ao salário mínimo. Com base nesta reforma, pode-se questionar como a
mesma afetou a vida dos beneficiários em termos não somente de sua renda, mas
também de seus relacionamentos no espaço doméstico, ou seja, na composição de
suas famílias. Esta questão nos faz procurar uma compreensão melhor sobre a
conexão entre a renda, como uma variável exógena, gerada pela reforma da
aposentadoria, e os arranjos familiares no domicílio da pessoa idosa. A seção
seguinte discutirá algumas conexões teóricas entre a renda e os arranjos
familiares, juntamente com algumas evidências empíricas.
Renda e arranjos familiares
De acordo com Saad (2000), arranjos familiares dependem de um jogo de fatores
fortemente integrados, em que a autonomia financeira das pessoas idosas tem
papel crucial. Afetando as condições da renda das pessoas idosas com o
pagamento de benefícios de aposentadoria sob regulamentos novos, espera-se que
as reformas da aposentadoria na América Latina tenham um impacto importante na
estrutura dos domicílios com presença de pessoa(s) idosa(s).
Para diversos autores (DA VANZO; CHAN, 1994; CASTERLINE et al., 1991; KNODEL et
al., 1991; MARTIN, 1989), o arranjo de vida de um indivíduo idoso é o resultado
de uma série de decisões feitas por um número de pessoas sobre um período de
tempo considerável, que é influenciado pesadamente por fatores tais como
mudanças no estado civil, a história de emprego, as poupanças e os
investimentos, a migração e o comportamento relacionado com a saúde. Em
determinado momento no tempo, um indivíduo é sujeito a várias restrições com
respeito a um leque de opções em termos de arranjos de vida disponíveis. A
pessoa então tem um conjunto de preferências a respeito de quais arranjos são
melhores do que outros e estes, por sua vez, se interligam com as restrições,
os recursos e as preferências dos membros da rede da família da pessoa idosa.
Saad (2000) argumenta que essa preferência para arranjos de vida diferentes
resulta do contrapeso entre custos e benefícios da co-habitação e pode ser
influenciada por padrões e valores culturais. Os benefícios da coabitação para
as pessoas idosas e os outros membros da casa podem variar em função da
companhia e do suporte emocional, da sustentação física e financeira. Entre os
custos, a literatura enfatiza a perda da privacidade, o declínio no status
social das pessoas idosas após perderem o controle sobre os recursos
financeiros e a carga que os idosos, física e mentalmente dependentes,
representam para os seus cuidadores, os quais são tipicamente a(s) filha(s).
De acordo com Edmonds (2001), a corresidência pode influenciar na tomada de
decisão dentro de um domicílio. Há duas classes gerais dos modelos da tomada de
decisão no domicílio. Primeiramente, o modelo unitário de domicílio, o qual
trata o mesmo como tendo um único responsável pelas decisões (BECKER, 1981). A
composição do domicílio pode influenciar o responsável pelas decisões. Um
subconjunto dos modelos unitários permite que o altruísmo incorpore as
preferências do responsável pelas decisões da unidade familiar. Foster (1999)
argumenta que as unidades na família do corresidente se comportam
diferentemente com a alocação de recursos quando vivem juntos, em comparação
com a situação quando vivem em domicílios separados. Nesse caso, a composição
do domicílio pode influenciar o peso que um responsável pelas decisões põe
sobre preferências ou bem-estar de um membro da casa (ou membro potencial).
Segundo, temos os modelos coletivos de domicílio, os quais permitem múltiplos
responsáveis pelas decisões dentro da casa (CHIAPPORI, 1988). Se a tomada de
decisão coletiva está modelada como uma cooperativa ou um processo não
cooperativo, o resultado do modelo (as decisões da produção e do investimento
da casa) pode depender de quem está envolvido na tomada de decisão. Se os
corresidentes tiverem uma influência maior em decisões da casa do que os não
residentes, então a composição do domicílio afetará a alocação de recursos.
Especificamente, estudos em países desenvolvidos demonstram que pessoas com
rendas mais elevadas são mais propensas em viverem à parte de seus filhos. Por
exemplo, em um estudo entre diferentes países europeus, com base em dados sobre
indivíduos, Pampel (1992) verificou que aqueles sujeitos com rendas mais
elevadas eram mais propensos a viverem sozinhos. De acordo com a literatura
sobre os arranjos familiares, em países com rendas elevadas o idoso prefere
residir sozinho para ter privacidade, independência ou liberdade maior em suas
escolhas. A renda adicional ou a riqueza material permite ao idoso continuar
sua independência.
Já em países em desenvolvimento são observados resultados diferentes. Por
exemplo, Da Vanzo e Chan (1994) observaram que, na Malásia, as pessoas mais
velhas sem companheiros que tinham condições econômicas mais elevadas eram mais
propensas a viverem com seus filhos, controlando-se pela saúde, pelo número de
filhos e pela etnicidade. Também Ramos (1992) mostra que, em São Paulo, os
idosos sem companheiros mais propensos a viverem em uma casa multigeracional
eram aqueles com algum grau de incapacidade. Já aqueles sem ou com incapacidade
baixa tendiam a viver em casas com uma geração apenas ou sozinhos. Outro estudo
para o Brasil, feito por Saad (1998), encontrou o oposto: em regiões mais
ricas, os adultos mais velhos eram mais propensos a viverem em casas
intergeracionais.
Apesar de alguns indícios de que a dimensão econômica afeta os arranjos de
vida, alguns autores indicam que há uma evidência de que as casas
multigeracionais são mais comuns entre adultos mais velhos na América do Sul e
na Central, assim como em países europeus e orientais, do que na Europa
ocidental ou na América do Norte (DE VOS, 1990; MARTIN, 1988; WILMOTH, 2000). A
prevalência de casas multigeracionais nestes países pode ser atribuída a uma
tendência cultural referente à reciprocidade dentro da família, às normas sobre
os arranjos de vida que são considerados apropriados e à disponibilidade do
domicílio. Por exemplo, a estrutura dos domicílios na parte noroeste da Europa,
bem como na América do Norte, é focalizada historicamente na família nuclear.
As normas culturais naqueles países, que advogam a autodeterminação, a
independência e o individualismo, incentivam a privacidade residencial, a qual
é maior em casas com famílias nucleares. Em consequência, os países
escandinavos têm uma porcentagem mais elevada de idosos que vivem sozinhos,
seguidos por outros países europeus do noroeste e norte-americanos. Pelo
contrário, casas multigeracionais são mais comuns na Europa Oriental, Central e
do Sul, onde as normas e respeito ao individualismo não são prevalentes. Os
países nestas regiões europeias tendem a ter uma porcentagem relativamente
baixa de idosos que vivem sozinhos (PAREDE, 1989; LOBO, 1995).
A cultura latino-americana é caracterizada por ligações fortes de parentesco,
pela interação intergeracional frequente, por trocas mútuas entre membros da
família extensa e por relacionamentos hierárquicos na família (BECERRA, 1988).
Estes valores orientados na família criam obrigações normativas a outros
membros da família, particularmente com relação aos idosos (MARKIDES; MINDEL,
1987), o que aumenta a probabilidade de arranjos de vida em formato de família
extensa. De fato, as pesquisas precedentes sugerem que a maioria dos idosos na
América Latina vive em casas com família extensa (DE VOS, 1990). A situação é
similar nos países asiáticos, onde aproximadamente 75% dos idosos vivem com
seus filhos (MARTIN, 1988). Entretanto, os valores culturais que dirigem
arranjos de vida da família extensa naquela região são diferentes daqueles
prevalentes na América Latina. O budismo e o confucionismo, conjuntamente com
religiões populares rurais, tendem a aumentar o status dos idosos em muitos
países asiáticos. As práticas da adoração ao antepassado, compaixão filial e
primogenitude incentivam a juventude asiática a reverenciar e respeitar os
idosos (KIEFER, 1990). Os indivíduos são incentivados a subverterem as
necessidades pessoais e os desejos pelos interesses de grupos maiores,
incluindo a família, num contexto em que as normas de reciprocidade são muito
fortes (AKIYAMA; ANTONUCCI; CAMPBELL, 1990; KIEFER, 1990).
A reforma previdenciária social brasileira e os arranjos familiares
O efeito mais direto da reforma previdenciária na estrutura da casa das pessoas
idosas refere-se à influência que ela pode exercer em sua autonomia financeira.
Se o valor dos benefícios aumentasse, assim como a população idosa elegível em
números relativos, uma parte maior de indivíduos idosos teria condições
melhores para exercer suas preferências relacionadas à estrutura do domicílio,
o que provavelmente aumentaria a tendência para arranjos independentes (vivendo
sozinho ou com esposo somente) entre as pessoas idosas. Por outro lado, se a
situação dos benefícios não melhorar significativamente, a maioria das pessoas
idosas permanecerá dependente financeiramente de sua família e a coabitação com
parentes persistirá ou tornar-se-á mesmo mais prevalente.
Um estudo de De Carvalho Filho (2000) sobre arranjos de vida entre mulheres
rurais no Brasil mostra que um incremento na renda, via aumento dos benefícios,
eleva a pró-aposentadoria para viverem sozinhas.
Existe uma variedade de formas pela qual o benefício recebido pelos idosos pode
influenciar a composição dos domicílios: quando a composição do domicílio é
vista como o consumo, o benefício recebido pelo idoso pode aumentar o consumo
do receptor ou alterar os arranjos de vida (dependendo da estrutura da decisão
dentro da casa). Com uma renda monetária adicional, os emigrantes que haviam
deixado a casa para trabalhar noutras regiões podem retornar. Alternativamente,
os filhos adultos podem levar seus pais para morar com eles, posto que o idoso
agora teria uma renda para contribuir. Se o receptor do benefício preferir
viver com seus filhos e/ou netos, uma compensação (dinheiro) pode ser oferecida
para manter estes membros da família na casa.
No lado da produção, uma renda adicional pode permitir superar os limites de
crédito que impedem que os integrantes do domicílio façam mudanças eficientes
na estrutura do domicílio. A renda adicional pode possibilitar a contratação de
trabalho adicional dentro do domicílio ou na produção rural. Na África do Sul,
bem como em outros países africanos, muitas crianças negras são tiradas de casa
para viverem temporária ou permanentemente na casa de um parente. A renda
oriunda de um aumento nos benefícios pode permitir o retorno dessas crianças,
bem como melhorias na educação das mesmas. Assim, aquelas que vivem com avós
que recebem aumento da renda, via benefícios de aposentadorias, podem ficar
livres de ter de trabalhar. Com o programa de aposentadoria, as pessoas idosas
podem induzir mudanças no portfólio da casa. Finalmente, a renda adicional das
pessoas idosas pode mudar a forma como as decisões são tomadas no interior do
domicílio. Dentro de um modelo unitário de domicílio, a renda oriunda da
aposentadoria pode fazer as pessoas idosas tornarem-se as responsáveis pelas
decisões. Em um modelo coletivo, a influência que o receptor da aposentadoria
tem na alocação de recursos pode aumentar. Isto pode conduzir a um deslocamento
para o arranjo de vida preferido pelo aposentado. Uma variante predatória no
modelo coletivo pode ocorrer quando as pessoas idosas (talvez por causa da
idade) têm uma posição fragilizada dentro do domicílio. Neste caso, a mudança
nos arranjos de vida se daria somente por interesses econômicos, em que a
autonomia do idoso não conta.
De acordo com Edmonds, Mammen e Miller (2001), o efeito teórico da renda
adicional oriunda do aumento de um incremento nos benefícios de aposentadoria
sobre os arranjos de vida das pessoas idosas depende da natureza da tomada de
decisão no domicílio, das preferências dos responsáveis pelas decisões, da
existência ou não dos mercados de bens de consumo utilizados pelos responsáveis
pelas decisões e da presença de restrições financeiras. Em sua maior parte, os
mecanismos por meio dos quais a renda adicional pode influenciar arranjos de
vida são praticamente idênticos. Segundo esses autores citados, observando a
mudança de um homem com 30 anos para viver na casa de um aposentado, não se
pode dizer se isto reflete as preferências do aposentado ou é um comportamento
predatório por parte daquele adulto que se mudou. A evidência de Duflo (2000)
em estudo na África sugere que as aposentadorias recebidas por mulheres tiveram
um impacto grande no status de saúde das meninas corresidentes e um efeito
menor, insignificante, nos meninos corresidentes. Seguindo o que prevê a teoria
econômica, a evidência empírica na África do Sul demonstra que a resposta do
domicílio ao aumento na renda envolve mudanças nos arranjos de vida.
Avaliação de políticas públicas
Nas políticas públicas, uma maneira de medir a eficiência de um programa é
mensurar qual foi seu resultado sobre um aspecto populacional de interesse, ou
seja, qual o impacto da política sobre determinada variável de interesse. Na
literatura de avaliação de políticas públicas, este impacto é definido como a
comparação entre a situação com e sem o programa. Para um dado programa
governamental, dois estados são possíveis: ou o indivíduo faz parte do programa
(recebe um benefício, foi vacinado, recebeu treinamento, etc.); ou não é
participante direto da política. Seguindo a terminologia de estudos da área, o
indivíduo que participa do programa governamental é classificado como
tratamento e aquele que não está participando é qualificado como controle.
Dessa forma, tomando-se uma variável de interesse Y (como anos de estudo,
renda, estado nutricional, ou outra), cada indivíduo poderia apresentar dois
resultados possíveis: Y1, se recebe o tratamento, ou Y0, se não recebe.
Em um programa público de capacitação profissional, Y1i poderia ser a renda do
indivíduo iapós participar de um programa de treinamento e Y0i a renda deste
mesmo indivíduo, no mesmo instante no tempo, caso ele não tivesse sido
contemplado com a política. Para o indivíduo tratamento, o valor Y0i é
conhecido como valor contrafactual.
Devemos identificar duas possíveis fontes de viés A primeira refere-se ao fato
de os grupos não serem comparáveis (diferirem muito em termos de certas
características observáveis). Neste caso, a seleção cuidadosa do grupo
comparativo (que não participou do programa) pode eliminar aquele viés e esta
seleção pressupõe a escolha do grupo comparativo (contrafactual) com a mesma
distribuição de características observáveis que o grupo tratado (atingido pelo
programa).
A outra fonte reside nas diferenças entre grupo tratado e de controle em termos
de características não observáveis (viés de seleção). Esta fonte de viés surge
quando, para dados valores de algumas características dos grupos, existe uma
relação sistemática entre participação no programa e os resultados na ausência
do mesmo. Em outras palavras, há variáveis não observadas que, conjuntamente,
influenciam os resultados que estamos tentando checar e a probabilidade de
participar do programa, condicional com outras características verificadas.
Vários métodos existem para resolver estes vieses. O problema essencial que
tais métodos enfatizam é o fato de não podermos observar os resultados nos
participantes, caso eles não tivessem participado do programa. Um grupo
comparativo deve então ser utilizado para se identificar o que teria acontecido
sem o programa.
Uma alternativa para lidar com este problema seria o processo de aleatoriedade
na distribuição dos grupos, o que garante a comparabilidade dos mesmos, mas
quase sempre não é isto o que acontece na formulação e aplicação de políticas e
programas sociais. Normalmente, eles têm grupos-alvo, isto é, grupos mais
necessitados num primeiro momento e isto geralmente parece mais ético
(priorizar aqueles realmente mais carentes).
Entre os métodos para lidar com o viés da falta de comparabilidade dos grupos,
destaca-se a técnica da diferença na diferença. Neste procedimento o avaliador
compara o resultado a ser avaliado no grupo tratamento (que recebeu o programa)
e naquele de controle, antes do programa ter ocorrido (primeira diferença) e
depois (segunda diferença), controlando-se por características (variáveis de
controle) que possam diferenciar os grupos. Para isso, ambos os grupos devem
ter sido submetidos à aplicação de questionários idênticos (exatamente as
mesmas variáveis, antes e depois) ou devemos ter exatamente as mesmas
informações antes e depois.
No caso da pesquisa de avaliação aqui apresentada, tínhamos exatamente as
mesmas variáveis (arranjos domiciliares, idade, sexo, zona de moradia, etc.)
antes (1989) e após (1998) a reforma. Porém, no nosso caso não usamos uma
variável"participou ou não" do programa, mas sim, segundo a estratégia de
Carvalho Filho (2001), características de elegibilidade (idade, sexo e meio
rural). Especificamente: mulher, rural, idade 55-64 anos; homem, rural, idade
60-64 anos; homem, rural, 65 anos ou mais; mulher, rural, 65 anos ou mais;
mulher 65 anos e mais; homem 65 anos e mais. As variáveis de controle ou as
outras determinantes de arranjos de vida foram: idade; escolaridade; sexo
feminino do chefe da família; e localização do domicílio no meio rural.
O modelo para estimar a variável dependente (os arranjos domiciliares=Y) foi o
seguinte:
Y= homem, rural, 60-64 anos * 1998; mulher, rural 55-64 anos * 1998;
mulher, rural, 65 anos e mais * 1998; homem, rural 65 anos e mais *
1998 + controles + erro
Procedimentos metodológicos utilizados
O banco de dados da PNAD de 1998, disponível no software SPSS, foi obtido no
site do Consórcio de Informações da USP. É importante lembrar que em 1998
haviam decorrido cinco anos da implantação da reforma, tempo suficientemente
longo para que todos os indivíduos que passaram a ser elegíveis tenham
solicitado a aposentadoria. No que diz respeito ao ano anterior à reforma,
obtivemos um banco igualmente já disponível em SPSS para a PNAD de 1989,
organizado pela Fundação de Economia e Estatística.
As primeiras análises de relação causal foram obtidas a partir de cruzamentos
com Análise de Variância (Anova), cujos resultados são apresentados e
analisados adiante. Especificamente, foram cruzadas as variáveis"média de total
de pessoas por categoria","se aposentado" e"se residente no rural ou no
urbano". E outra Anova com a média de total de pessoas por idade de
elegibilidade para receber aposentadoria, por sexo e ano da informação
Quanto à análise multivariada para determinação de impacto, foi utilizada a
técnica de análise de regressão linear para estimar os impactos das variáveis
independentes no número de residentes do domicílio. Porém, antes disso,
conforme mencionado na introdução deste estudo, obteve-se a variável
instrumental que substituiu o uso direto da variável renda em função do já
citado viés de seleção.
A estratégia empírica desta pesquisa supera os problemas comuns à literatura
corrente: o termo de erro na equação de regressão para se medir o impacto,
existente devido a problemas de mensuração da variável renda. Os estudos de
caráter transversal que relacionam arranjos domiciliares e renda não têm podido
identificar e separar o efeito puro da renda dos efeitos gerados por
características não observadas, as quais podem ser correlacionadas com a renda.
Por exemplo, os tipos de arranjos domiciliares e o número dos residentes no
domicílio podem estar correlacionados com a renda do domicílio, porque é
possível que domicílios com renda mais elevada tenham um alto número de
residentes e tipos específicos de arranjos, ou pode ser o contrário, isto é, a
direção de causalidade pode ser outra e é, por isso, difícil de ser
identificada.
Assim, considerou-se que a relação transversal entre a renda domiciliar e
arranjos familiares não é informativa do efeito provável das políticas de
transferência de renda às famílias por meio do benefício da aposentadoria. Por
outro lado, o problema clássico do erro de medida pode gerar viés no efeito
estimado da renda nos arranjos domiciliares - e este problema pode ser
particularmente relevante quando as variáveis correlacionadas com a renda não
são incluídas na regressão (são omitidas). Devido a estes problemas, utilizou-
se uma variável instrumental na execução desta pesquisa. Especificamente, não
empregou-se a renda diretamente como variável independente, mas sim uma
variável instrumental que a prediz.
Tendo em vista que a elegibilidade para receber os benefícios de seguridade
social rural é um instrumento plausível e válido para que os arranjos
familiares mudem no domicílio, o efeito da renda, a partir de uma variável
instrumental e não da renda em si, nas decisões de como e com quem morar, pode
ser estimado consistentemente e o parâmetro estimado será causal no sentido
utilizado por Angrist, Imbens e Rubin (1996). Esta estratégia da pesquisa é
semelhante àquela usada por Carvalho Filho (2001).
Com base naquele autor, estimou-se uma variável instrumental para predizer os
benefícios no domicílio. Este procedimento foi necessário, como mencionado
antes, porque os benefícios da casa estão correlacionados com as outras
variáveis independentes não usadas no modelo para explicar os arranjos de vida
(cujos efeitos são representados pelo termo de erro na equação de regressão) e
também porque o relacionamento entre arranjos de vida e renda pode ser
recíproco. Isto é, o aumento da renda afeta arranjos de vida no sentido de que,
para o exemplo, uma renda extra causada pela reforma previdenciária pode atrair
filhos para viverem com seus pais idosos na mesma casa e, ao mesmo tempo, isto
pode causar um aumento na renda daqueles domicílios se esses filhos tiverem
também uma renda. Para resolver este problema, não foi utilizada a variável
renda diretamente, mas sim uma predição para os benefícios no domicílio
(variável Z), os quais foram estimados como segue:
Z= (XE*pós)βE + XEγE + XHγH + (ano*rural)θjr ++ (estado*rural)θir + u
Na equação, Z corresponde ao total dos benefícios de segurança social recebidos
no domicílio; XH é um vetor com características pessoais, tais como número de
membros no domicílio por grupos de idade diferentes, variáveis dicotômicas para
a presença de mulheres entre 55 e 60 anos, presença de homens de 60 a 65 anos;
XE são características do domicílio que capturam a exposição da casa aos
efeitos da reforma da seguridade social. XE é incorporada na equação como um
efeito principal em interação com uma variável dicotômica"ano" (1989 ou 1998).
A variável dicotômica para o ano interage com a dicotômica para área rural
(rural=1 e urbano=0), para controlar por tendências nos arranjos de vida,
através do tempo, as quais não são devidas aos aumentos nas rendas nos
domicílios com presença de pessoas elegíveis para receberem a aposentadoria. A
variável dicotômica para Estado interage com a dicotômica para área rural, o
que reflete as diferenças históricas nos arranjos de vida dentro dos Estados
através das áreas rurais e urbanas.
As variáveis usadas para predizer Z são baseadas em características da reforma
da previdência e devem ser preditores fortes dos benefícios no domicílio.
Especificamente, estas variáveis são interações entre o tempo após a reforma
(1998) e os indicadores de pertencimento aos grupos afetados pela reforma (ter
a idade para receber a aposentadoria, sexo e local de residência no meio
rural). As interações são: homem, rural, 60-64 anos * 1998; mulher, rural, 55-
64 anos * 1998; mulher, rural, 65 anos ou mais * 1998; homem, rural, 65 anos ou
mais * 1998 (o sinal * significa que as variáveis dicotômicas estão sendo
multiplicadas umas pelas outras, caracterizando uma interação estatística entre
elas).
Os resultados da análise de regressão que serviu para predizer a renda mostram
que todas as variáveis se manifestaram de forma significativa. Apesar de R2 ter
se apresentado de forma pouco expressiva (R2=0,065), considerou-se que isso não
seja um problema, já que as variáveis independentes foram significativas. Além
disso, seguindo os resultados de Carvalho Filho, verificou-se que no modelo
usado por ele para criação da variável instrumental o R2 também foi pouco
expressivo.
Antes de realizar as análises de regressão para mensurar o nível de dependência
entre o total de residentes no domicílio e as demais variáveis explicativas,
foi gerada a matriz de correlação entre estas variáveis, com o objetivo de
determinar o grau de dependência entre as variáveis analisadas, a partir do
nível de significância, e também verificar se não existe alta correlação entre
as variáveis independentes, o que, se ocorrer, gera o problema da
multicolinearidade.
Convém destacar que, para as regressões, foi empregado o modelo stepwise- ou
regressão passo-a-passo -, pelo qual o próprio software entra com as variáveis
independentes, uma a uma, de acordo com o grau de significância de seu efeito
na dependente.
Para alcançar o objetivo geral, que era estimar o impacto da reforma da
previdência nos arranjos domiciliares, trabalhou-se com a variável dependente
categórica "tipos de arranjos domiciliares". A variável inicial tinha 38
categorias de resposta, o que tornaria a análise pouco clara. Assim, foram
analisadas as frequências das categorias e agregadas algumas, passando a ter
uma variável com 12 categorias de resposta.1
Cabe esclarecer o que cada categoria do arranjo domiciliar significa, de acordo
com os critérios utilizados nas PNADs:
PR =Pessoa de referência ou chefe da família -pessoa responsável
pela família ou que assim fosse considerada pelos demais membros;
cônjuge - pessoa que vivia conjugalmente com a pessoa de referência
da família, existindo ou não o vínculo matrimonial;
filho - pessoa que era filho, enteado, filho adotivo ou de criação
da pessoa de referência da família ou do seu cônjuge;
outro parente - pessoa que tinha qualquer outro grau de parentesco
com a pessoa de referência da família ou com o seu cônjuge.
Cabe esclarecer que, de acordo com o IBGE, um mesmo domicílio pode abrigar mais
de uma família.
A partir da criação da variável dependente categórica, decidiu-se por não usar
a técnica estatística de regressão multinomial, mesmo tendo, nessa segunda
etapa da pesquisa, uma variável dependente e uma variável categórica com mais
de duas categorias (tipos de arranjos familiares). Em vez de utilizar um modelo
de regressão multinomial, foram estimados 12 modelos de regressão logística
bivariada.
Apesar de parecer que a técnica de regressão logística multinomial fosse a mais
adequada para o caso aqui analisado, em que se pretende predizer as chances de
ocorrência de 12 diferentes arranjos domiciliares, a partir das leituras feitas
sobre o uso de regressões logísticas binárias e multinomiais (MADDALA, 2006;
POWER; XIE, 2000; LONG; FREESE, 2006), chegou-se à conclusão que se podem obter
resultados de mais fácil interpretação a partir de 12 modelos de regressões
logísticas binárias, em vez de um modelo multinomial.
Ao menos dois motivos justificam esta escolha:
na regressão logística multinomial, a variabilidade muda em cada
par comparado e isto pode gerar viés nos resultados. Por exemplo,
numa regressão multinomial, cada categoria é comparada com outra e
assim por diante, mas dessa forma não teremos o mesmo número de casos
em cada análise (ex: chance de viver sozinho x chance de viver com
cônjuge). Isso é resolvido numa série de logísticas, posto que cada
categoria é comparada com as demais em conjunto (ex: chance de viver
sozinho x chance para os demais arranjos juntos);
a regressão multinomial força todas as categorias da variável
dependente a terem os mesmos parâmetros.
As seções seguintes apresentam os resultados obtidos a partir dos recursos
metodológicos explicados anteriormente.
O impacto da reforma da previdência no número de residentes dos domicílios.
Observou-se, a partir das Anovas realizadas, uma redução do número médio de
residentes no domicílio (p<=0,05), entre grupos antes e após a reforma, meio
rural e urbano e entre pessoas com idade elegível para receberem os benefícios
da reforma e aquelas fora da referida idade, o que contraria a hipótese
inicialmente esperada.
Especificamente no meio rural, verificou-se um decréscimo menor em relação à
redução observada no meio urbano, o que, de certa forma, vai ao encontro da
hipótese esperada.
Com relação às correlações bivariadas, observou-se que a variável
dependente"total de pessoas no domicílio" apresentouse significativamente
associada com a interação entre sexo com idade e ano após a reforma, o que vai
ao encontro dos resultados esperados. Além disso, as correlações entre as
variáveis independentes não registraram grandes magnitudes, o que eliminou o
possível problema de multicolinearidade já mencionado anteriormente. Tais
resultados nos autorizaram a realizar as análises de regressão previamente
programadas.
Com relação à análise de regressão, observou-se, no modelo completo (com todas
as variáveis colocadas uma a uma de acordo com seu impacto na variável
dependente), que muito pouco (3,6%)2 da variância de variável dependente (total
de pessoas no domicílio) é explicado pelo conjunto das variáveis independentes
incluídas no modelo. Isto pode ser visto pelo valor do Coeficiente de
Correlação Múltipla ajustado (o R2), o qual foi igual a 0,036. Cabe destacar
que isso não deve ser motivo para já de imediato descartar a hipótese
principal, uma vez que ainda não estamos trabalhando com os arranjos
domiciliares propriamente ditos ("tipos de arranjo", variável categórica a ser
criada), em função das dificuldades para criar esta variável conforme já
mencionado previamente.
Quanto aos resultados dos coeficientes de regressão padronizados (betas),
aquele de maior magnitude foi o da variável dicotômica"chefe da família mulher"
(=1). Como ele se apresentou negativo, concluise que domicílios com chefe de
família mulher tendem a ter número menor de pessoas do que aqueles que não têm
chefe de família mulher.
Todas as variáveis apresentaram-se estatisticamente significativas, mas isso
não deve ser uma surpresa, já que estamos trabalhando com banco de dados que
envolvem um número bastante elevado de casos.
O impacto da reforma da previdência nos tipos de arranjos domiciliares
Apresentam-se, aqui, os resultados das regressões logísticas feitas para cinco
arranjos domiciliares, os de maior ocorrência entre 12 arranjos domiciliares
trabalhados neste estudo, que são os seguintes:
pessoa de referência + cônjuge + filho;
pessoa de referência + cônjuge + filho + outro parente + (outros
não parentes);
vive sozinho;
pessoa de referência + filho;
pessoa de referência + filho + outro parente + (outro não parente).
![](/img/revistas/rbepop/v29n1/a05tab01.jpg)
Inicialmente cabe relembrar que o coeficiente exp(b) consiste na razão entre as
probabilidades de ocorrência das categorias, sendo que seus valores serão
sempre positivos. Quando a chance for superior a 1, tem-se que é maior a
probabilidade de ocorrência da categoria codificada como 1. Para o primeiro
arranjo (pessoa de referência + cônjuge + filho), que perfaz um total de 55,3%
da amostra, a regressão logística mostra que a chance de viver nesse arranjo é
menor após a reforma do que antes da reforma. Além disso, há menor chance de
uma pessoa em idade de elegibilidade viver nesse arranjo.
Em relação às variáveis de controle, quanto maior for a idade, menor é a chance
de viver com cônjuge e filho; quanto maior for o número de anos de estudo,
menor é a chance de viver nesse mesmo arranjo. Além disso, quando o chefe de
domicílio é mulher, também há uma chance menor de viver nesse arranjo.
O segundo arranjo analisado (pessoa de referência + cônjuge + filho + outro
parente + outros não parentes) é o mais complexo e perfaz um total de 16,2% da
amostra.
A regressão logística, ilustrada na Tabela_2, demonstrou que os homens do meio
rural, em idade de elegibilidade e após a reforma, tem menor chance de viver
nesse arranjo, em comparação com mulher, que não está na idade de
elegibilidade, mora no meio urbano e antes da reforma.
[/img/revistas/rbepop/v29n1/a05tab02.jpg]
Aqui é importante fazer uma ressalva: para homens com idade de 60 a 64 anos,
tal conclusão não se apresentou estatisticamente significativa, ao contrário do
resultado para homens com 65 anos ou mais.
Já mulheres rurais, em idade de elegibilidade e após a reforma têm chance maior
de viverem nesse arranjo mais complexo, se comparadas ao seu oposto.
No que se refere às variáveis de controle, quanto maior for a idade, há uma
chance levemente maior de viver nesse arranjo, ao contrário da relação com os
anos de estudo: quanto maior for o número de anos de estudo, a chance de viver
nesse arranjo é levemente menor.
O terceiro arranjo (pessoa de referência + filho) corresponde a 7,7% da
amostra. A regressão logística, ilustrada na Tabela_3, mostrou que a única
relação significativa é de que homens, do meio rural, com 65 anos ou mais, após
a reforma, têm chance 2,2 vezes maior de viverem nesse arranjo, em relação ao
seu oposto, ou seja, mulheres, do meio urbano, fora dessa faixa etária e antes
da reforma.
Para as variáveis de controle, notou-se que, quanto maior for a idade, menor é
a chance de viver só com filho. Já quanto maior for o número de anos de estudo,
maior é a chance de viver só com filho.
O quarto arranjo (pessoa de referência + filho + outro parente + outro não
parente) perfaz um total de 6,7% da amostra. A regressão logística demonstrou
que o homem, no meio rural, de 60 a 64 anos, após a reforma, tem chance menor
de viver nesse arranjo do que o seu oposto.
Quanto às variáveis de controle, verificou-se que, quanto maior for a idade, há
chance levemente menor de viver nesse arranjo. Da mesma forma, quanto maior for
o número de anos de estudo, há chance levemente menor de viver nesse arranjo,
conforme pode ser visto na Tabela_4.
Quanto à chance de viver sozinho, situação que corresponde a 2% da amostra,
homens, em condição de elegibilidade, vivendo no meio rural e após a reforma
têm chance duas vezes maior de viverem sozinhos. Já para as mulheres do meio
rural, em condição de elegibilidade e após a reforma acontece o contrário, ou
seja, a chance de viverem sozinhas é menor do que para os homens com
características de elegibilidade.
Com relação às variáveis de controle, quanto maior for a idade, há chance
levemente maior de viver sozinho. O mesmo acontece com relação ao número de
anos de estudo, tanto para homens quanto para mulheres. A Tabela_5 ilustra
estes dados.
Considerações finais
A hipótese inicialmente esperada quanto ao número de residentes no domicílio
não foi comprovada, uma vez que todos os domicílios, tanto rurais como urbanos,
apresentaram diminuição no número de membros. Entretanto, os domicílios rurais
registraram decréscimo menor do número médio de pessoas do que os urbanos. Isto
foi verificado nos dados das PNADs de 1989 e 1998, período antes e após a
reforma previdenciária, respectivamente.
De certa forma, é possível considerar que esse menor decréscimo vá ao encontro
da hipótese esperada. A análise descritiva ilustra uma maior diminuição no
número médio de residentes no meio urbano em relação ao rural. Em 1989, na área
urbana, em média, 3,97 pessoas moravam com uma pessoa que recebia
aposentadoria, enquanto na zona rural essa média era de 3,86. Em 1998, tais
valores correspondiam a 3,60 e 3,70 pessoas, respectivamente. Verifica-se,
então, um decréscimo de 0,37 pessoa por domicílio em média no meio urbano e de
0,16 pessoa em média por domicílio na área rural.
Os dados das PNADs seguem a tendência nacional da taxa de urbanização, ou seja,
a cada ano, mais pessoas passam a viver nas cidades. Há uma redução no número
de residentes no meio rural de 1989 para 1998, pois, para este primeiro ano,
22,25% da amostra pertencia ao meio rural, ou seja, 67.044 pessoas, enquanto
para 1998 apenas 18,34% da amostra localizava-se nessa área (63.280 pessoas), o
que significa uma redução de quase 4 pontos percentuais.
A partir dos resultados obtidos pelas regressões logísticas, pode-se inferir
que há um forte componente de sexo no impacto da reforma da previdência na
composição dos arranjos domiciliares.
Existe maior chance de uma mulher idosa, em idade de elegibilidade, do meio
rural e após a reforma viver no arranjo mais complexo em comparação com o seu
oposto; ao mesmo tempo, um homem idoso, em idade de elegibilidade, do meio
rural e após a reforma tem menor chance de viver no arranjo mais complexo do
que seu oposto.
No que diz respeito à situação de viver sozinho, há chance duas vezes maior de
um homem, em idade de elegibilidade, no meio rural e após a reforma viver
sozinho do que seu oposto; para as mulheres acontece o contrário: aquelas em
idade de elegibilidade, no meio rural e após a reforma têm menor chance de
viverem sozinhas do que seu oposto. Verifica-se aqui um resultado não esperado:
o impacto da reforma da previdência nos arranjos domiciliares é significativo,
porém, diferente quando o grupo em elegibilidade é composto por homens em
comparação com as mulheres.
Na literatura existem alguns indicadores que podem levar a pensar essa
diferença de sexo no que diz respeito à composição dos arranjos domiciliares.
Conforme Camarano (2003), há mais mulheres idosas do que homens idosos no
Brasil; os homens idosos têm maior probabilidade de viverem com cônjuge do que
a mulher idosa; as mulheres idosas têm maior probabilidade de viverem em
arranjos extensos (com filhos, netos, outros parentes, etc.).
Dessa forma, é possível inferir que, tendo a mulher idosa uma expectativa de
vida maior do que os homens, além de tradicionalmente o casamento ocorrer com
homens mais velhos, as mulheres tendem a perder seus companheiros, o que pode
levá-las a coabitar com outros parentes. De acordo com Camarano (2003, p.
39),"a proporção de viúvas cresce com a idade, ao mesmo tempo em que decresce a
de casadas. Esta mesma tendência é verificada para os homens, mas a idade tem
um efeito maior sobre o estado conjugal das mulheres".
Além disso, se pensarmos que as mulheres passam por um período de debilitação
maior, fazendo com que necessitem de cuidados de outras pessoas, reforça-se a
explicação do fato de as mulheres viverem em arranjos mais complexos. Conforme
Nogales (1998), embora as mulheres vivam mais do que os homens, elas passam por
um período maior de debilitação biológica antes da morte do que eles.
Podemos apontar ainda como outra possível hipótese para explicar essas
diferenças de sexo o fato de o papel social desempenhado pela mulher na
sociedade brasileira estar fortemente associado ao papel de"cuidadora"
(CAMARANO, 2003).
Assim, como consideração final, pode-se afirmar a existência de um impacto
estatisticamente significativo da reforma da previdência rural em 1992 nos
arranjos domiciliares em termos de diferenças da sua composição entre o grupo
dos elegíveis para receberem os benefícios da reforma e o daqueles não
elegíveis. E mais, tal impacto, em termos do tipo de arranjo mais
preponderante, apresenta um componente relacionado com o sexo da pessoa
elegível, em que as mulheres que recebem os benefícios da reforma (com
características elegíveis) tendem a viver em arranjos mais complexos do que o
seu oposto (homens ou mulheres fora do critério de elegibilidade).