Privacidade intradomiciliar: um estudo sobre as necessidades de ampliações em
residências
Introdução
É inquestionável que uma habitação adequada deve ter espaço protegido das
intempéries, com condições favoráveis de salubridade, privacidade e segurança.
É consenso também que o crescimento acelerado das cidades produziu espaços
urbanos onde se observam ambientes de pobreza, degradação ambiental, carência
de serviços urbanos essenciais e residências insalubres. Esse processo reflete,
entre outros aspectos, a dificuldade de acesso ao solo urbano e também o fato
de ser a moradia o bem mais caro entre as necessidades básicas e essenciais de
uma família.
Mas a habitação envolve ainda dimensões subjetivas e diferenças culturais que
podem ser muito diferentes entre países ou classes sociais. No Brasil, a
demanda por residências, para as classes média e alta, é dependente das etapas
de ciclo de vida, enquanto, para as classes menos privilegiadas, está
relacionada à privação total desse bem ou à adequação da moradia existente a
condições mínimas de habitabilidade. Para quantificar essas questões, várias
metodologias foram desenvolvidas para a estimativa de necessidades
habitacionais, o que se convencionou a chamar de déficit habitacional. Vale
ressaltar que as metodologias são distintas e se prestam a diferentes
aplicações, dependendo do tipo de utilização e da base de dados disponível
(VASCONCELOS; CÂNDIDO Jr., 1996; GENEVOIS; COSTA, 2001; FJP, 2001; INDEC, 2003,
entre outros).
Contudo, a concepção estática dos critérios de estimativa das necessidades
habitacionais pode tornar essas metodologias obsoletas. À medida que a situação
econômica de um país ou região melhora, características novas e imprevisíveis
ganham importância, e o que se observa na estimativa das necessidades
habitacionais é a progressiva transição de uma fase quantitativa para uma fase
qualitativa e de estimação mais complexa (GIVISIEZ; RIOS-NETO; SAWYER, 2006).
Nesse sentido, entende-se que as metodologias para a categorização de
domicílios em adequados ou deficitários devem ser continuamente revisadas para
adequá-las às demandas da sociedade. Nesse contexto, um ponto relevante refere-
se ao tamanho das residências e à capacidade de abrigar adequadamente famílias
de composições variadas com critérios mínimos de privacidade e conforto e, por
isso, além da construção de casas, as ações governamentais, direcionadas à
população de baixa renda, devem envolver reformas, ampliações, requalificação
de imóveis e prestação de assistência técnica. Assim, o desenvolvimento de
critérios e técnicas que estimem o estoque de residências em que essas ações
governamentais devem ser priorizadas é uma lacuna que merece consideração.
A proposta deste artigo é aprofundar a discussão sobre a privacidade das
moradias, estimada, no caso do déficit habitacional adotado pelo governo
brasileiro (FJP, 2006), por meio da densidade excessiva de moradores por
dormitório. É fato que a densidade excessiva das moradias identifica
satisfatoriamente moradias pequenas com famílias grandes, entretanto, esse
critério não avalia o tamanho físico das moradias e também ignora o sexo e a
idade dos moradores. Suspeita-se de que uma parte do estoque de residências
estaria com tamanho inadequado para abrigar diferentes arranjos domiciliares e
que essa dimensão não é captada pelo indicador de déficit adotado pela política
habitacional brasileira (FJP, 2006). O trabalho ora apresentado inspira-se em
original proposto por Ricci (1973) que, baseando-se em índices regionais de
adensamento domiciliar, observa que é legítimo questionar se os indicadores de
superpopulação dos domicílios correspondem a iguais graus de inadequação
domiciliar.
Assim, usando como fonte as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios - PNAD, será sugerido um indicador de necessidades de ampliações que
parte de uma estimativa do número necessário de salas, cozinhas, dormitórios e
banheiros para acomodar os distintos domicílios, baseando-se na idade, status
conjugal e sexo dos membros. O total de cômodos necessários é contraposto com o
total de cômodos existentes para estimar a demanda potencial por ampliações. O
material usado na construção de paredes e tetos também é acrescentado ao
indicador, de forma a qualificar se a necessidade é apenas de ampliações
(construção de cômodos) ou também de reformas (substituição de paredes e
coberturas). Ainda que exista uma correlação entre o adensamento excessivo e o
indicador proposto neste trabalho, entende-se que a qualificação da adequação
das famílias às suas moradias tem aplicabilidade direta nas políticas de
habitação do país, uma vez que analisa de forma mais aprofundada a questão da
privacidade, sendo esse um indicador útil no desenho de políticas públicas
voltadas à reforma e ampliação de residências, assim como para estimativa de
demandas para prestação de serviços públicos de assistência técnica em
engenharia e arquitetura.
Antecedentes
O estudo científico da habitação humana, bem como suas relações com as diversas
áreas do conhecimento, sugere que a abordagem do tema deve ser sempre
multidisciplinar. Belo (2010), em um breve estudo filosófico sobre os temas
"habitar" e "habitação", aborda as famílias, os núcleos sociais mais próximos
aos indivíduos, e as suas normas:
Ora, é óbvio que não se habita na rua: uma sociedade não é, como se
crê muitas vezes, um conjunto de indivíduos, a população dum
território, mas a rede organizada de unidades sociais de habitação, o
sistema complexo dos usos que nessa terra se transmitem de geração em
geração. "Terra" aliás é melhor do que "território", porque tem em
conta a agricultura e o gado, tem em conta que ao nível biológico
também vimos de inúmeras doações, e justamente a refeição - festas
são almoços - é um dos momentos fortes das unidades sociais de
habitação a que chamamos família, em que os seus vários membros se
encontram como unidade social que se apropria do "comum". Uma família
é uma unidade social em propriedade privada: é o "comum" que é
privado duma potência sua para que a unidade social - sistemas
regrados de usos - se possa reproduzir. (BELO, 2010, p. 22).
Sob a ótica da construção física, a bibliografia nacional apresenta estudos
sobre as técnicas das construções de moradias, referenciando, entre outros, a
tecnologia aplicada nas obras (PICANÇO; GHAVAMI, 2008), os projetos (PANDOLFO
et al., 2007), a eficiência térmica (FRANSOZO; SOUZA; FREITAS, 2005; KRÜGER;
LAROCA, 2009) e a logística dos materiais (AGUIRRE; HENNIES, 2010).
De um ponto de vista próximo às Ciências Sociais Aplicadas, referências datadas
do fim do século XIX e citadas em estudos contemporâneos, frequentemente,
associam as características da moradia à saúde dos seus moradores (GONÇALVEZ;
SIMÕES; FREIRE, 2010). Sob essa ótica, a literatura nacional apresenta uma
quantidade expressiva de trabalhos sobre a qualidade das habitações e a saúde
pública (VALADARES, 2000; COHEN et al., 2004; AZEREDO et al., 2007), por vezes
associando-as a doenças como a tuberculose (GONÇALVES, 2000), dengue (TAUIL,
2011), doença de Chagas (DIAS, 2011), entre outros exemplos. Destacam-se,
ainda, os trabalhos que avaliam e discutem as políticas habitacionais
nacionais, a exemplo de Maricato (2011), Barreto, Paula e Gontijo (2010),
Morais, Cruz e Oliveira (2003) e Santos (1999).
A demografia, por sua vez, tem expressiva aderência ao tema "habitação", em
especial na abordagem da composição das famílias e na descrição das
características dos domicílios. Nas palavras de Oliveira, Vieira e Barros
(2010, p. 3):
Os domicílios encontram-se profundamente marcados pela maneira como
as famílias são estruturadas e pelas estratégias que elas utilizam
para atender às necessidades mínimas de moradia e sobrevivência.
Mulder e Lauster (2010), em editorial para edição especial sobre housing and
family, da revista acadêmica Housing Studies, descrevem diversas associações
entre os denominados families events e os housing events. Nesse contexto, podem
ser citados os trabalhos de: Mulder e Billari (2010), que apresentam avaliações
sobre as práticas de homeownership e a baixa fecundidade de países ocidentais;
de Ström (2010), que explora as características das residências (propriedade,
tamanho e tipo) e o evento do primeiro filho; de Feijten e Van Ham (2010),
abordando divórcios e separações e eventos associados à habitação; e de South,
Pais e Crowder (2011), que analisam a migração de grupos sociais distintos,
dentro de regiões metropolitanas estadunidenses.
Outro ponto, que reforça a importância da demografia nos estudos sobre
habitação, refere-se aos próprios censos demográficos e pesquisas domiciliares
que, embora não exclusivamente desenhados para estimar as características das
habitações, são úteis na quantificação do total de moradias inadequadas e,
nesse sentido, têm sido continuamente aperfeiçoados na forma de investigação
sobre os arranjos familiares e as características dos domicílios.
A demografia também é, principalmente na bibliografia internacional,
referenciada quando da elaboração de estimativas de demanda por habitações e,
dessa forma, grande parte da dinâmica de formação e dissolução de domicílios
associa-se a fenômenos que compõem o universo de estudo da demografia. Nesse
sentido, as principais metodologias de projeção de demanda por habitação fazem
uso intensivo de referências e fontes demográficas, como, por exemplo, as
projeções por meio das taxas de chefia de domicílio (UNITED NATIONS, 1973;
KING, 1999; OLIVEIRA; GIVISIEZ; RIOS-NETO, 2009), ou os métodos baseados em
estimativas das taxas de transições entres os "eventos familiares" (YI et al.,
2003; O'NEILL; JIANG, 2007; FIORAVANTE, 2009).
As abordagens das necessidades habitacionais, por fim, são, no contexto
acadêmico brasileiro, as mais comumente referenciadas. As dimensionalidades
exploradas nessas estimativas dependem de conceitos subjetivos e da
aplicabilidade pretendida pela pesquisa, mas, grosso modo, o que se
convencionou a denominar de déficit e carências habitacionais é baseado em
normas sociais de inadequação, adensamento e carência de infraestrutura. O
déficit habitacional é, nesse caso, operacionalizado por meio de um número que
representa as necessidades habitacionais em um momento e que é comparado com o
estoque de moradias em condições de atender, satisfatoriamente, à população.
De forma simplificada, para a estimativa de qualquer indicador de necessidades
habitacionais, deve ser elencado um conjunto de características que conferem o
caráter de moradias habitáveis às construções, devendo apresentar requisitos
mínimos de construção e conservação (RODRIGUEZ, 2000). Em termos mais
específicos, uma moradia adequada deve: ser capaz de proteger seus moradores do
ambiente externo; dispor de um espaço de privacidade; e oferecer um ambiente
sadio. Outras questões ainda são frequentemente acrescentadas a essas
estimativas, como, por exemplo, a cobertura legal para ocupar uma moradia, seja
pela posse, contrato de locação ou valores aceitáveis de aluguel (FJP; BRASIL,
2009; INDEC, 2001), a vulnerabilidade econômica do domicílio (INDEC, 2001) e a
vulnerabilidade social das famílias (INDEC, 2001).
No caso da operacionalização do critério sobre proteção às intempéries e do
ambiente externo, as variáveis mais frequentemente utilizadas são os materiais
de construção de pisos, paredes e tetos. Entretanto, o tipo de material depende
de critérios culturais, econômicos e sociais de cada região. Em locais sujeitos
a desastres naturais, tais como enchentes, inundações, deslizamentos e
terremotos, pode ser necessário o levantamento de outras variáveis. Em locais
onde a segurança pública seja relevante, a exemplo de grandes cidades,
critérios associados a segurança pública, iluminação pública, muros e
arruamento podem também ser importantes. No caso do indicador de necessidades
habitacionais, elaborado pela Fundação João Pinheiro - FJP (FJP; BRASIL,
2009),1 a estimativa dessa dimensão aborda a proporção de moradias com tetos e
paredes construídos com materiais não duráveis.
O critério referente à salubridade da residência, por sua vez, é, geralmente,
estimado com base em variáveis sobre a disponibilidade e qualidade de serviços
públicos, como água, esgoto e energia elétrica. Estudos específicos podem ser
desenvolvidos para abordar outros aspectos de salubridade, como ventilação e
iluminação de cômodos, mas, obviamente, os critérios dependerão também de
questões culturais, ambientais e sociais. No Brasil, o maior problema
relaciona-se a salubridade, ocupação desordenada do solo urbano e ocupação
precária em áreas sem infraestrutura adequada e, nesses termos, nos critérios
da FJP (FJP; BRASIL, 2009), a inadequação das residências considera também o
atendimento por sistemas adequados de abastecimento de água, esgoto e energia
elétrica.
Por fim, a privacidade dos moradores, que é o ponto central do presente artigo,
é comumente explorada pela presença de duas ou mais famílias na residência,
pelo total de residentes no domicílio e pelo total de dormitórios. Quesitos
adicionais podem ser analisados ou explorados que, não raro, consideram o
tamanho físico das moradias e cômodos, a exemplo de quesitos incluídos no
suplemento da PNAD de 2005, e a composição das famílias, a serem explorados no
presente artigo e já abordados por Ricci (1973). As estimativas da FJP (FJP;
BRASIL, 2009) abordam a privacidade interna dos moradores por meio de dois
indicadores: a presença de duas ou mais famílias no domicílio, calculada pelo
total de famílias conviventes; e a média de moradores por dormitório.
Os critérios para a identificação da existência de duas ou mais famílias no
domicílio foi ponto de intensas discussões acadêmicas, por vezes acaloradas,
que envolveram, principalmente, o critério de identificação de uma família pelo
IBGE, que, concebido para caracterizar as relações de parentesco entre os
membros de um mesmo domicílio, não tinha por proposta estimar a demanda por
residências (FJP, 2006; ALVES; CAVENAGHI, 2006). Essas questões foram, até o
momento, contornadas com a inclusão de três novos quesitos nos questionários da
PNAD que exploram o desejo das famílias secundárias em constituir uma nova
moradia. Nas estimativas mais recentes verificou-se que entre 55% e 83% das
famílias conviventes desejam constituir novos domicílios, o que diminuiu o
déficit habitacional por incremento em aproximadamente 1,7 milhão de moradias
(FJP; BRASIL, 2009). Nesses termos, até o Censo Demográfico de 2010, a
qualificação do déficit no quesito coabitação estava momentaneamente contornado
com os três novos quesitos da PNAD. Entretanto, o quesito sobre a relação de
parentesco entre os membros das famílias foi suprimido dos questionários do
Censo, mantendo-se apenas as relações com o chefe do domicílio, significando
que a identificação dos domicílios estendidos demandará revisões futuras.
No caso da densidade domiciliar, segundo os critérios comumente utilizados na
construção de indicadores de necessidades habitacionais, os domicílios
superlotados seriam aqueles em que a razão entre ocupantes e dormitórios excede
determinado limite (INDEC, 2003; RICCI, 1973; FJP; BRASIL, 2009). No critério
adotado pelas políticas de habitação do governo federal, aqueles domicílios com
mais de três moradores por dormitório seriam considerados superlotados. Esses
índices, calculados em diferentes áreas e regiões, poderiam revelar distorções
regionais e o planejamento de Estado poderia então ser priorizado.
Ricci (1973) descreve um indicador análogo frequentemente utilizado em
comparações internacionais na Europa, durante a segunda metade do século XX,
que é dado pela razão entre dormitórios e moradores de uma dada região e de um
mesmo domicílio (equação 1). Os indicadores Ii e I expressam, respectivamente,
a densidade domiciliar doi-ésimodomicílio e do total de n domicílios de uma
coletividade. Obviamente o indicador regional (I) não atesta se a i-ésima
família está adequadamente atendida por sua moradia, mas compara as regiões
dentro de um Estado ou nação. Para contornar essa lacuna, o autor sugere que se
compare o número de moradores com o número de dormitórios necessários para
determinada família e com o número de dormitórios existentes na residência.
Para a definição de critérios de dormitórios necessários, Ricci (1973) sugere
os adotados na Holanda pelo Nederlandse Economische Institut (JONGE, 1963, apud
RICCI, 19732) e na França pelo Institut National de la Statistique el des
Études Économiques (1965, apud RICCI, 19733).
Considerando que:
di Número de dormitórios no domicílio i
ni Número de moradores no domicílio i
Pelos critérios holandeses, o número de cômodos desejados para uma residência
considera o pressuposto de famílias nucleares e analisa o sexo dos filhos,
atribuindo um dormitório para cada dois filhos do mesmo sexo. Nesse sentido,
famílias compostas por um casal sem filhos demandariam residências com apenas
um dormitório e aquelas formadas por um casal com um filho demandariam
residências com apenas dois dormitório. No caso das famílias maiores, o total
de dormitórios desejados é calculado combinando o número e o sexo dos filhos:
famílias com dois filhos de sexos diferentes demandariam residências com três
dormitórios; famílias com dois filhos de mesmo sexo demandariam apenas dois
dormitórios; famílias com três ou quatro filhos demandariam pelo menos três
dormitórios; e as famílias com cinco ou mais filhos demandariam, pelo menos,
quatro dormitórios. Ao total de dormitórios são acrescentados dois outros
cômodos de apoio, que serviriam como cozinha e sala. Nota-se, entretanto, que
as questões sobre idade e composições familiares não nucleares não são
captadas. Entende-se que a saída precoce da casa dos pais, no caso holandês,
justificaria o pressuposto de um dormitório para cada dois filhos e também a
abordagem da idade dos membros da família nuclear. Mas, no Brasil, em
consequência da frequente coabitação familiar e da postergação da saída da casa
dos pais, será necessário considerar um maior número de dormitórios para as
famílias grandes, bem como a análise da idade dos membros.
No caso francês, o número de cômodos desejados é estimado considerando uma
combinação de critérios: um cômodo para cada casal residente no domicílio; um
cômodo para indivíduo solteiro, viúvo ou divorciado com mais de 19 anos, desde
que não resida com seu parceiro; um cômodo para cada agregado ao domicílio,
independente do sexo; um cômodo para cada duas crianças com menos de seis anos,
independente do sexo; um cômodo para cada dois moradores entre sete e 18 anos,
desde que sejam do mesmo sexo.
Os critérios de identificação de cômodos necessários adotados, em 1962, pela
França e, em 1963, pela Holanda, aplicam-se aos objetivos deste estudo e podem
ser úteis na quantificação da demanda por ampliações de moradias no Brasil.
Entretanto, para a operacionalização de critérios similares para o Brasil, são
necessárias adaptações às bases de dados existentes e também às atuais
políticas de concessão de subsídios destinados às famílias de baixa renda.
Vale esclarecer que, pela legislação atual (BRASIL, 2010; CEF, 2010; CEF
2010a), as famílias com renda de até três salários mínimos têm direito ao
subsídio na aquisição de casas com, no mínimo, 32 m2 de área útil, descontando
paredes, área de serviço e varandas. Para o caso dos apartamentos, a área
mínima sobe para 37m2 de área útil - mas sem o desconto dado às áreas de
serviço e varandas - distribuídos em, pelo menos, um dormitório para um casal e
outro dormitório para duas pessoas, além de sala, cozinha, circulação e
banheiro. Essas residências deveriam ainda ter o custo máximo de R$ 41 mil a R$
52 mil, em 2009, dependendo da região e unidade da federação da construção. Em
síntese, nota-se que tais residências seriam consideradas pequenas e
desconfortáveis para grande parte das famílias pertencentes às classes sociais
mais abastadas e, nesses termos, os indicadores aqui propostos devem, dentro do
possível, se contextualizar a essas políticas.
Ressalta-se ainda que as metodologias francesa e holandesa, citadas
anteriormente, não abordam a existência de banheiros nas residências e os
domicílios rústicos, provavelmente por se tratar de conceitos distantes do
adensamento, da privacidade interna e da composição das famílias. Entretanto,
para o caso brasileiro, o desenho de políticas de governo voltadas para
melhoria, reforma e ampliação de moradias é concebido sob um mesmo conjunto de
ações governamentais e, dessa forma, seria desejável que o indicador também
detectasse o material construtivo e a existência ou não de banheiros.
Critérios para a necessidade de reforma ou ampliação
O desenvolvimento de um critério que avaliasse a quantidade de cômodos
desejados para uma moradia considerou, prioritariamente, a idade e o sexo dos
moradores. Como fonte de dados, utilizaram-se os valores relativos dos
domicílios permanentes contabilizados pelas PNADs brasileiras de 2006, 2007 e
2008. Na apresentação de números absolutos, por outro lado, optou-se por não
utilizar diretamente os valores expandidos da amostra da PNAD, pois entende-se
que esses valores apresentam inflexões nas séries dos períodos estudados.
Ademais, o uso dos números absolutos da PNAD, de forma comparativa, é
desaconselhável, como relatado em Martine et al. (1988, p. 308):
O processo de expansão por estimativas de razão, que usa estatísticas
populacionais independentes, poderia acarretar distorções nos
quantitativos absolutos expandidos sem obrigatoriamente alterar as
estruturas relativas da amostra nas diferentes características
investigadas.
Por esses motivos, o total de domicílios, quando apresentado em números
absolutos, baseia-se na multiplicação matricial dos valores relativos da PNAD e
dos absolutos da projeção da demanda por domicílios, realizada por Oliveira,
Givisiez e Rios-Neto (2009).
Para a construção de um indicador que detectasse a demanda de reforma ou
ampliação, foram considerados quatro pontos: necessidade de construção de
dormitórios adicionais à moradia; necessidade de construção de cozinha e sala,
entendidas como essenciais à residência; necessidade da construção de banheiro;
e necessidade de reforma e substituição do material construtivo ou acabamento
utilizado na moradia. O indicador proposto opta por não identificar a relação
de parentesco dos membros dos domicílios, ou seja, não se aplica exclusivamente
às famílias nucleares: embora essa seja uma abordagem distinta das metodologias
francesa e holandesa, a não inclusão dessa relação procura captar todos os
arranjos domiciliares, independente da relação de parentesco.
A primeira etapa do desenvolvimento do indicador consistiu em categorizar
indivíduos segundo sexo e idade: adulto do sexo masculino (21 anos completos ou
mais); adulto do sexo feminino (21 anos completos ou mais); criança com dez
anos completos ou menos; adolescente do sexo masculino (entre 11 e 20 anos
completos); e adolescente do sexo feminino (entre 11 e 20 anos completos). Para
simplificar a denominação diferenciada por sexo e idade dada a adolescentes e
adultos, adotou-se a terminologia resumida: homem e mulher (1ª e 2ª
categorias); criança (3ª categoria); e menino e menina (4ª e 5ª categorias).
Para a categorização dos adolescentes, levou-se em conta a idade média em que
meninas e meninos entram na puberdade no Brasil, que varia entre nove e 15
anos. Considerou-se, então, a idade de 11 anos o limite inferior, por entender
que, ambos, já apresentem sinais de amadurecimento e desenvolvimento dos órgãos
sexuais, bem como já pode ocorrer a menarca nas meninas.
Para estimar o total de dormitórios desejados assume-se que: cada casal demanda
um dormitório; cada adulto, não casado, independente do sexo, demanda um
dormitório; cada três crianças ou fração, independente do sexo, demandam um
dormitório; e três adolescentes, ou fração, do mesmo sexo, demandam um
dormitório. Para operacionalização desses critérios, estimou-se a necessidade
de dormitórios para cada uma das categorias de morador e para cada casal, sendo
que o total de dormitórios necessários é dado pela equação (3).
[/img/revistas/rbepop/v30n1/a10for03.jpg]
Considerando que:
d'(1) Número de dormitórios necessários para abrigar os homens do domicílio
d'(2) Número de dormitórios necessários para abrigar as mulheres do domicílio
d'(3) Número de dormitórios necessários para abrigar as crianças do domicílio
d'(4) Número de dormitórios necessários para abrigar os meninos do domicílio
d'(5) Número de dormitórios necessários para abrigar as meninas do domicílio
d'(c) Número de dormitórios necessários para abrigar os casais do domicílio
d' Número de dormitórios necessários para abrigar a família domiciliar
Em relação ao critério de idade adotado na identificação de crianças (dez anos
ou menos), um ponto a ser destacado é o sexo, pois, em curto prazo, a criança
pertencerá a um grupo etário para o qual a informação sobre o sexo é
importante, fator que poderia limitar a aplicação do indicador. Reconhece-se
que os critérios descritos por Ricci (1973) sugerem residências mais
confortáveis ao considerar crianças, independente do sexo (Holanda), ou ao
identificar adolescentes em idades mais jovens (França). Entretanto, o presente
trabalho procurou ser coerente com as características das habitações
brasileiras, que possuem, em relação aos critérios aqui adotados, uma elevada
proporção de moradias inadequadas. Outro ponto considerado refere-se às atuais
políticas habitacionais, que pressupõem que residências com quatro cômodos são
suficientes para as famílias de baixa renda e o uso de critérios generosos
inviabilizaria a aplicação dos indicadores nas políticas públicas de habitação.
Dessa forma, ressalta-se que a dinâmica e o ciclo de vida das famílias não
devem ser ignorados e que o presente indicador deverá ser continuamente
estimado de forma a captar esse ciclo. Da mesma forma, a necessidade de
dormitórios para adolescentes e crianças, imputada neste trabalho como um
dormitório para cada três indivíduos, pode precisar de revisões futuras,
dependendo da formação do pesquisador e dos objetivos do estudo.
Outra dificuldade que poderia ser levantada, e que é inerente aos critérios
para identificação de casais que vivem juntos, é a inexistência, nas PNADs, de
uma variável sobre estado civil. O critério adotado pelos franceses utiliza
quesitos sobre estado civil e local de moradia dos dois membros do casal. Para
contornar a ausência deste quesito, fez-se uso da identificação das famílias
conviventes residentes no domicílio, o que ocorre quando quaisquer dois ou mais
membros são ligados por laços de parentesco de primeiro grau ou por um
casamento. Por esses critérios, em um domicílio onde residam pai, mãe, filho e
nora, por exemplo, identificam-se duas famílias e, nesse caso, a relação de
parentesco da segunda família (chefe e cônjuge) mostra a necessidade de, pelo
menos, dois dormitórios. Outro exemplo são os domicílios formados por quatro
pessoas, sendo pai, mãe, filha e neto, o que, pelos critérios aqui adotados,
indica a necessidade de três quartos. Assim, segundo os critérios assumidos,
todo adulto demanda um dormitório exclusivo, exceto se esse adulto for
identificado como cônjuge da pessoa de referência de uma família. Essa solução
revelou-se robusta e capaz de identificar todos os casais, de sexos distintos,
residentes em um mesmo domicílio. Por fim, outra lacuna que vale comentários
refere-se à impossibilidade de identificação de casais homoafetivos por meio
dos dados da PNADs, sendo, por este motivo, imputado um dormitório para cada
adulto do mesmo sexo, independente da relação com a pessoa de referência.
A Tabela_1 apresenta os 20 tipos defamílias domiciliaresmais comuns no Brasil e
a estimativa do total de dormitórios desejados, calculada segundo a equação
(3), que será comparada com o número existente nos domicílios. Identificaram-
se, na PNAD de 2008, mais de 2.000 tipos de famílias categorizadas pelos
critérios aqui definidos. Os tipos mais frequentes foram de famílias formadas
por um casal (12,6%) e por um casal e um filho (8,0%), seguidos por estruturas
unipessoais uma mulher (6,1%) e um homem (5,8%).
[/img/revistas/rbepop/v30n1/a10tab01.jpg]
A Tabela_2 apresenta, para 2008, uma situação de contingência, contendo o
número de dormitórios necessários e o número de dormitórios existentes. Segundo
a aplicação direta dos resultados da equação (3) e a comparação com o total de
dormitórios necessários, 35% dos domicílios brasileiros seriam categorizados
como necessidade de ampliação. A estimativa de que aproximadamente a terça
parte das moradias brasileiras precisa de, pelos menos, um dormitório adicional
pode ser considerada muito alta. Nesse sentido, poder-se-ia argumentar que
existam domicílios com cômodos disponíveis para utilização como dormitórios de
forma permanente, mas que, por motivos particulares de cada família, não são.
Nesses casos, tais domicílios não deveriam ser contabilizados como necessidade
de ampliação, o que diminuiria a estimativa de demanda de dormitórios. Mas essa
suposição é improvável, além de difícil constatação com base apenas nos
quesitos das pesquisas domiciliares. Dito de outra forma, é improvável que haja
cômodos ociosos e que a família prefira viver em situações mais desconfortáveis
relativamente àquelas apresentadas como critérios mínimos neste trabalho. Por
outro lado, é mais provável que esses cômodos, supostamente ociosos, sejam
insalubres ou que estejam destinados a atividades distintas daquelas
diretamente associadas às funções mínimas de uma moradia, ou seja, descanso,
alimentação e higiene. Entre essas utilizações alternativas prováveis, citam-
se: atividades econômicas, de lazer, escritórios domésticos, jardins internos,
despensas, oficinas domésticas, entre outros usos.
[/img/revistas/rbepop/v30n1/a10tab02.jpg]
Para a definição do total de cômodos de apoio (sala e cozinha) necessários,
parte-se da definição de que cômodos são todos os compartimentos cobertos "por
um teto e limitado por paredes, que fossem parte integrante do domicílio
particular permanente, com exceção de corredor, alpendre, varanda aberta,
garagem, depósito e outros compartimentos utilizados para fins não
residenciais" (IBGE, 2008, p. 16). Dessa forma, as áreas de serviço são
contabilizadas, pelos critérios das pesquisas brasileiras, como cômodos quando
essas estão "limitadas por paredes e cobertas por um teto". Ou seja, na maioria
das casas, áreas de serviço não são cômodos e, na maioria dos apartamentos,
áreas de serviço são cômodos. Entretanto, essa observação não deve ser
generalizada, uma vez que algumas casas podem ter cômodos fechados para uso de
área de serviço e alguns apartamentos podem ter áreas de serviços no formato de
alpendres. Ademais, tanto em casas quanto em apartamentos, podem-se encontrar
áreas de serviços compartilhando espaços de cozinhas e banheiros. Suposições
similares podem ser desenvolvidas para vários outros espaços de uso nas
moradias que poderiam ser categorizados ou não como cômodos e que, no limite,
inviabilizariam a construção de um indicador de necessidades de ampliações. Mas
entende-se que essas suposições estariam ausentes de certezas e, por esse
motivo, o número mínimo de cômodos de apoio necessários será fixado em dois,
que corresponderiam, teoricamente, a uma sala e uma cozinha.
Dessa forma, domicílios com menos de dois cômodos, desconsiderando aqueles
usados como dormitórios e banheiros, serão categorizados como demandantes de
ampliação. Ou seja, o total de cômodos de apoio necessários (sala e cozinha)
foi fixado em dois, e o total existente de cômodos de apoio é dado pela
diferença entre o total de cômodos e a soma de dormitórios, sanitários e
banheiros.
A Tabela_3 apresenta a distribuição de domicílios de acordo com o número de
cômodos de apoio existentes. Por esses dados, nota-se que a proporção de
domicílios que demandam a construção de cômodos adicionais é de 17,8% do total
de domicílios brasileiros, sendo que em 4% e 14% seria necessária a construção
de um ou dois cômodos de apoio, respectivamente, entre cozinha e sala.
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Com relação ao número mínimo de banheiros, considerou-se imprescindível a
existência de pelo menos um banheiro em cada domicílio. Reconhece-se que apenas
um banheiro seria insuficiente para famílias muito grandes, entretanto, devido
à ausência de critérios de referências para esse quesito, assume-se um banheiro
como a necessidade mínima das moradias. A Tabela_3 apresenta a proporção de
domicílios sem banheiros, estimada em 5% do total de domicílios do país.
Por fim, é também pertinente a avaliação dos materiais predominantes na
execução de paredes e tetos. Nesse caso, foram consideradas inadequadas as
paredes não construídas em madeira aparelhada ou alvenaria. Da mesma forma,
foram incluídos como inadequados os domicílios com coberturas que não fossem de
laje, cerâmica ou madeira aparelhada. Entretanto, como já observado
anteriormente, os critérios de rusticidade dos domicílios são conceitualmente
distintos do total e tipo de cômodos necessários para abrigar determinada
família. Assim, para distinguir conceitos, o indicador final para a necessidade
de reforma e ampliações será desagregado em necessidade de ampliação e
necessidade de reforma ou ampliação. Dessa forma, o primeiro indicador
considera a composição da família e o total de salas, cozinhas, banheiros e
dormitórios da residência e, ao segundo indicador, acrescenta-se a necessidade
de reforma, ou seja, a substituição de material de execução de paredes e
coberturas. Em termos relativos, esses critérios são menos expressivos do que
aqueles analisados até então, e nota-se que, no Brasil, 1,8% dos domicílios
demandariam substituição do material de acabamento das paredes ou coberturas.
A Tabela_4 apresenta as necessidades parciais e totais utilizadas na construção
do indicador sintético, segundo as unidades da federação. Por essa tabela, é
possível entender que a necessidade de reforma ou ampliação é construída pela
união dos diversos conjuntos de domicílios, categorizados pelos critérios
anteriormente apresentados. Nota-se que a necessidade de dormitórios é a que
mais impacta na totalização do indicador de reforma ou ampliação. A análise
isolada da necessidade de reforma indica, para a maioria dos Estados
brasileiros, uma pequena proporção de domicílios categorizados como precários
e, dessa forma, tal necessidade tem pequeno impacto relativo na estimativa do
indicador final. Entretanto, os níveis de precariedade das moradias não são
desprezíveis em algumas unidades da federação, destacando-se, nesse caso, a
maioria dos Estados da Região Norte, em especial o Amazonas e o Acre, alguns
Estados do Nordeste, em especial Maranhão, Piauí e Ceará, e os Estados do Sul.
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Resultados
A Tabela_5 apresenta a proporção de domicílios com necessidade de reforma ou
ampliações. Por esses resultados, em 2008, 46% dos domicílios brasileiros (26,5
milhões) demandavam reformas ou ampliações. As maiores proporções são
observadas no Norte do país, com 65% ou 2,6 milhões dos domicílios da região
apresentando esse tipo de necessidade. A tabela indica, ainda, que a proporção
de domicílios que necessitam de ampliações ou reformas diminuiu de 50%, em
2006, para 46%, em 2008. Essa queda é consistente em todas as regiões do país,
mas a alta proporção estimada sugere que o indicador esteja rigoroso em excesso
na suposição das demandas das famílias. Nesses termos, entende-se que propor um
indicador que identifica necessidade de reformas para a metade dos domicílios
brasileiros inviabiliza o desenho de políticas públicas focalizadas e a criação
de linhas de financiamentos para reformas e ampliações. Dessa forma, há que se
qualificar com maior detalhe o tipo de ampliação necessária em cada domicílio e
identificar aqueles que demandam reformas mais prioritárias entre os 26,5
milhões de domicílios que, em 2008, precisavam, teoricamente, de reformas.
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Para melhor qualificar o indicador proposto, inicialmente parte-se da
constatação de que a necessidade de ampliação é a que mais contribui na
categorização final de um domicílio como inadequado (Tabela_4). Uma forma de
melhor qualificar essa demanda seria pelo cruzamento das informações sobre a
quantidade demandada de cômodos, dormitórios e banheiros. A Tabela_6 apresenta
o cruzamento entre as necessidades para os três tipos de cômodos usados como
referência nesses critérios, contabilizando apenas a necessidade de ampliação.
Para estimar a necessidade de reforma seria necessário unir o conjunto de
domicílios que necessitam de ampliação com o daqueles que precisam de reformas.
Ou seja, a necessidade de reforma corresponde a uma quarta dimensão a ser
acrescentada à tabela. As células dessa matriz de três dimensões revelam
questões capazes de qualificar em níveis o indicador de ampliações. Por
exemplo, os domicílios que não demandam a construção de banheiros, dormitórios
e cômodos, que representam 54,5% do total, são aqueles considerados adequados
pelos critérios definidos neste estudo. No extremo oposto, os domicílios que
precisam da construção de sala, cozinha, mais de três dormitórios e ainda um
banheiro, concomitantemente, representam 0,0% do total dos domicílios
brasileiros e podem ser considerados aqueles em situação mais graves.
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Como sugestão foram identificados, com base na matriz apresentada na Tabela_6,
níveis numerados em uma escala de zero a sete, sendo que zero identifica os
domicílios sem demanda de ampliações e sete aqueles que necessitam as maiores
reformas. Nesses termos, o nível 1 (30,0%) corresponde à soma dos domicílios
que demandam a construção de um dormitório e nenhum cômodo de apoio (18,6%), ou
de um cômodo de apoio e nenhum dormitório (6,8%), ou de um cômodo de apoio e um
dormitório (4,6%). Ou seja, o nível 1 corresponderia à necessidade mais branda
de ampliação entre os sete apresentados. Assim, uma política pública que
disponibilizasse recursos para reformas poderia ser focalizada, por exemplo,
entre os níveis 2 e 7, que totalizam 15,6% dos domicílios (8,9 milhões). Note-
se que os níveis 5, 6 e 7 correspondem a todos os domicílios que demandam
banheiros, sendo que o nível 5 (1,8%), por exemplo, representa aqueles
domicílios que necessitam da construção de um banheiro, mas possuem cômodos e
dormitórios suficientes para abrigar a família.
Nessa linha de raciocínio, as famílias conviventes poderiam ser analisadas sob
outra ótica, conforme apresentado na Tabela_7. Existiriam, em 2008, cerca 2,4
milhões de domicílios (4,3%) com necessidade de ampliação e com mais de uma
família convivendo, ou seja, o número é superior aos 1,7 milhão de moradias
estimadas para 2008 pelo déficit habitacional (FJP, 2009). Entretanto, o
cruzamento do número de famílias em cada domicílio com os níveis de
necessidades sugeridos neste trabalho mostra que, mesmo entre os domicílios sem
necessidade de intervenção, encontram-se situações de coabitação familiar
(0,9%). Observa-se também que o maior percentual é verificado na situação de
duas famílias conviventes e o nível 1 de necessidade.
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A Tabela_7 também apresenta a relação entre o indicador de densidade excessiva
de moradores por dormitório, segundo os critérios utilizados pela FJP (2006), e
o indicador de necessidade de ampliações, em seus sete níveis. Observa-se que
54,5% dos domicílios não são considerados adensados ou com necessidade de
ampliação e 45,5% são classificados como inadequados nos dois critérios
analisados. Entretanto, o resultado mais expressivo relaciona-se aos 30,0% de
domicílios categorizados no nível 1, mas com apenas 1,4% apresentando densidade
excessiva.
Finalmente, a Tabela_8 sugere a distribuição dos domicílios, em cada nível de
necessidade de ampliação, segundo os Estados brasileiros. A melhor situação é
verificada na Região Sul (67%), seguida pelo Centro-Oeste (59%), Sudeste (57%),
Nordeste (47%) e, por último, o Norte, onde apenas 37% dos domicílios são
adequados. Entre os Estados, a melhor situação é identificada em Santa
Catarina, com 70% dos domicílios em condições adequadas. Na outra ponta
encontra-se Roraima, onde somente 26% dos domicílios situam-se no nível zero de
necessidade de reforma ou ampliação.
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Considerações finais
Entre os achados do trabalho, destaca-se que, em um primeira análise, 46,8% dos
domicílios brasileiros demandariam reformas ou ampliações, representando 26,5
milhões de domicílios. A pior situação seria verificada na Região Norte, onde
65% dos domicílios necessitariam de reformas ou ampliações. Contudo, em
consonância com os resultados do déficit habitacional estimado pela Fundação
João Pinheiro, entre 2006 e 2008, a proporção de domicílios com demanda por
reformas e ampliações diminuiu de forma consistente em todas as regiões
brasileiras.
Uma classificação de sete níveis de necessidades, em que zero indica nenhuma
demanda de ampliação e sete identifica aqueles domicílios que precisam das
maiores ampliações, evidenciou que 54,5% dos domicílios encontram-se no nível
zero. Entre os que demandam algum tipo de ampliações, a maior parte (30%)
encontra-se no nível 1, o mais brando em termos de necessidade. No extremo mais
grave, apenas 0,6% se enquadram no nível sete.
Ressalta-se, porém, que determinadas culturas, dentro do território nacional,
podem demandar estruturas de moradias distintas do padrão aqui proposto de
quarto, sala, cozinha e banheiro. Na região amazônica, por exemplo, não é rara
a existência de residências abertas construídas em madeira, como grandes
galpões, onde são distribuídos redes e os outros espaços. Nessa estrutura
residencial, o banheiro, quando existente, situa-se em área externa da casa. Ou
seja, esse tipo de moradia teria apenas um cômodo e, pelos critérios aqui
desenvolvidos, seria categorizado como necessidade de ampliações e,
provavelmente, de reformas. Sob determinadas óticas acadêmicas, a categorização
de que essa residência é inadequada seria, por si só, uma visão distorcida por
um padrão de arquitetura comum em cidades ocidentais típicas. Entretanto, vale
ressaltar que a avaliação dos níveis de habitabilidade dessas moradias, ou se
elas são adequadas ou não à cultura que as utiliza, não está em discussão neste
artigo. Entende-se que esse tema deveria ser objeto de aprofundamentos em
outros campos de estudos acadêmicos, como, por exemplo, arquitetura,
antropologia, sociologia e saúde pública. Estudos futuros nessa temática podem
focalizar nas distintas realidades do país, seja por meio da avaliação de dados
de pesquisas amostrais, seja a partir de um sonhado censo predial.
Adicionalmente, apesar de o limite de três moradores por dormitório ser adotado
pelos critérios do déficit habitacional da FJP (2009), acredita-se que ele seja
próximo do desconforto. O trabalho de Neufert e a Planungs Ag-Neufert Mittmann
Graf (1998), por exemplo, ao apresentar exemplos de projetos arquitetônicos,
não sugere a existência de dormitórios com mais de duas pessoas, exceto
naqueles destinados a alojamentos temporários. Mas cumpre destacar que os
critérios adotados neste trabalho pretendiam ser coerentes, mesmo que
parcialmente, com as prioridades definidas nas políticas habitacionais
brasileiras e com os conceitos adotados para o déficit habitacional (CEF, 2010,
2010a; FJP; BRASIL, 2010). Nesse contexto, embora o indicador de necessidade de
ampliação não aborde exclusivamente famílias nucleares, em estudos futuros, a
identificação das relações de parentesco entre os membros dos domicílios pode
aprofundar as dimensões estudadas ao, por exemplo, qualificar as famílias
nucleares e identificar filhos e parentes próximos.
Nas palavras de Furtado (2003, p. 19), "no mundo inteiro houve e há problemas
de déficit habitacional. Mas todos os países, em que houve e há políticas de
financiamento da construção, resolveram parcialmente, ou pelo menos evitaram, o
agravamento do problema". Nesses termos, é fato que os programas governamentais
brasileiros, nas três esferas de governo, têm, recentemente, se esforçado na
produção de imóveis de baixo custo nas mais distintas regiões do país. Mas, se
as políticas governamentais consideram que o padrão de casa destinado às
famílias de baixa renda é suficiente para abrigar um casal e mais duas pessoas,
seria incoerente exigir critérios de conforto e privacidade muito generosos
para a avaliação das necessidades habitacionais brasileiras. No caso do limite
de adensamento por dormitório adotado pelo déficit habitacional, de três
moradores, uma casa no padrão mínimo nas diretrizes de governo seria suficiente
para abrigar até seis moradores. Ou seja, seguindo esses critérios e
considerando a improbabilidade de todas as famílias terem, no máximo, seis
componentes, é provável que esse padrão mínimo de moradia esteja, de fato,
dando continuidade a padrões de desconforto. No caso dos critérios adotados
neste trabalho, essa mesma casa só seria considerada adequada para abrigar seis
moradores em composições familiares muito específicas e raras, como, por
exemplo, com seis crianças ou seis adolescentes de mesmo sexo, ou ainda seis
adolescentes, sendo dois grupos de três indivíduos de sexos distintos.
Outro ponto importante a ser considerado é que a permanência de filhos
adolescentes e adultos no ambiente familiar justifica o maior número de
cômodos, independentemente de qual critério para privacidade seja adotado.
Porém, incentivar reformas das moradias, por meio de linhas de financiamento,
por exemplo, poderia, indiretamente, incentivar a coabitação familiar. De outro
ponto de vista, poder-se-ia incentivar a saída desses filhos da casa dos pais,
por meio de linhas de financiamentos de imóveis para adultos jovens ou por
alterações no mercado de aluguel. Entretanto, essa segunda alternativa levanta
outras questões, já que pressupõe mudança de comportamento cultural de grande
parte das famílias brasileiras.
Portanto, é notório que o indicador proposto incorpora a dimensão demográfica à
identificação das necessidades habitacionais, parcialmente ignorada nos
indicadores atualmente em uso no Brasil. Entende-se que as políticas
habitacionais devam abordar não só a construção de novas residências, mas
também, de forma mais focalizada, a composição familiar e as etapas do ciclo de
vida das famílias. Para isso, as ações governamentais, além da construção de
casas, devem também se direcionar à reformas, ampliações, requalificação de
imóveis e prestação de assistência técnica. Nesses termos, o indicador
apresentado pode aumentar a eficiência da alocação de recursos públicos.
Finalmente, é fato que, pelas constatações aqui apresentadas, novas questões
foram abordadas no que tange às necessidades de melhoria das moradias
brasileiras, mas a inclusão das estimativas do indicador de necessidades por
reformas e ampliações na construção do déficit habitacional aumentaria o
montante do déficit para níveis alarmantes. Ademais, tendo em vista a
dificuldade de se incorporarem mudanças metodológicas em indicadores já
existentes e consolidados, essa não seria uma estratégia prudente. Além disso,
a série histórica do déficit habitacional, que, guardadas poucas alterações
conceituais, possui quase 20 anos de história, já é uma referência entre os
diversos indicadores brasileiros. Assim, entende-se que o indicador aqui
proposto trata-se de uma nova abordagem para exploração das questões atinentes
à qualidade das moradias.