Transição demográfica e transição do consumo urbano de água no Brasil
Introdução
A relação entre população e ambiente tem sido marcada historicamente pela
abordagem que salienta a relação entre volume populacional e disponibilidade de
recursos ambientais. Essa discussão teve seu início com Malthus, em 1798, ao
destacar que o crescimento populacional não poderia ser sustentado pela
capacidade de produção de alimentos (SZMRECSÁNYI, 1982). O argumento
malthusiano, todavia, tem sido sistematicamente negado pela realidade, seja por
meio do desenvolvimento tecnológico, que expandiu a capacidade produtiva e
diversificou a base de produção, seja pelas mudanças e adaptações sociais, com
a criação de instrumentos de regulação dos usos dos recursos ambientais. À
medida que os problemas ambientais recrudescem, ressurgem os ecos malthusianos,
trazendo o controle do crescimento populacional como principal proposta para
solução das problemáticas ambientais (LAM, 2011).
O recente aumento da preocupação com as questões relativas às mudanças
climáticas novamente reacende a discussão sobre a necessidade de se controlar o
crescimento populacional enquanto mais elementar - e muitas vezes única - ação
necessária para enfrentar as decorrências do "novo" conjunto de perigos
ambientais em nível global. Todavia, há autores que questionam esta análise
simplista acerca da relação entre as dinâmicas populacional e ambiental, como é
o caso de Stern (1997), Kates (2000), Sawyer (2002) e Dalton et al. (2008).
Suas abordagens serão discutidas neste artigo, na seção que trata das relações
dinâmicas entre população, ambiente e consumo de água.
Não se pretende negar aqui que a questão do volume populacional seja
importante, pois um número maior de pessoas exige mais investimentos em termos
de infraestrutura e serviços básicos, que são necessários inclusive para
diminuir a vulnerabilidade social diante das mudanças climáticas. Entretanto,
existem outros aspectos a serem considerados na relação entre população e
ambiente, como o consumo da população. Dois dos mais importantes aspectos do
consumo são o padrão (como se consome) e o nível (quanto se consome). Assim,
uma população reduzida, mas com um nível de consumo elevado, pode gerar
problemas ambientais significativos.
Dessa forma, o objetivo do presente texto é apresentar as tendências recentes
de transição do consumo da água no Brasil, com o aumento da utilização desse
recurso proporcionado tanto pela expansão do sistema de abastecimento em áreas
urbanas quanto pela tendência de crescimento do consumo per capita. Procura-se
demonstrar que o nível de consumo, condicionado pela capacidade econômica, pode
ser o fator decisivo no aumento da demanda sobre recursos.
Para tanto, considera-se especificamente o consumo de água encanada nas
economias residenciais urbanas. Justifica-se essa opção metodológica pela
elevada concentração populacional no meio urbano, com quase 85% da população
brasileira residindo nestas áreas, segundo dados do Censo 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e também pelo fato de o estilo de
vida urbano, por meio do processo de "urbanização extensiva" descrito por
Monte-Mór (2005), ser decisivo em termos de configuração do padrão do consumo
de recursos ambientais. Soma-se a esses aspectos centrais a disponibilidade de
dados em uma série histórica sistematizada sobre o consumo de água em áreas
urbanas. Este trabalho está inserido em uma agenda iniciada em Carmo (2001) e
retomada em Carmo et al. (2007, 2011, 2013).
Nesse contexto, em que se torna cada vez mais necessário entender a relação
entre dinâmica demográfica e seus desdobramentos para a demanda e uso da água,
revelam-se questões bastante complexas, especialmente em termos teóricos e
metodológicos. A abordagem utilizada neste texto foi construída no âmbito dos
estudos da relação entre população e ambiente, desenvolvida principalmente no
campo dos estudos demográficos.
A análise da relação entre população e ambiente envolve duas esferas da
realidade que, embora estejam estreitamente interligadas, geralmente são
abordadas de maneira estanque, como chamam a atenção Lutz et al. (2002). Outro
grande problema metodológico nos estudos de população e ambiente, identificado
por Hogan (2001, p. 457), refere-se à unidade de análise, pois raramente os
dados populacionais são comparáveis a dados ambientais, em termos da unidade
geográfica empregada. Assim, os dados sobre a dinâmica demográfica estão
relacionados a escalas espaciais e temporais circunscritas pela administração
pública, obedecendo a limites político-administrativos, como municípios,
estados, países. Já os processos ambientais não obedecem a esses limites, sendo
caracterizados por dinâmicas que interagem em escalas espaciais e temporais
específicas.
Um dos maiores desafios é encontrar bases de dados que sejam capazes de
fornecer informações compatíveis entre as escalas dos processos. As informações
demográficas, por exemplo, são obtidas, principalmente, por meio dos Censos
Demográficos do IBGE, que reúnem os dados mais confiáveis para todos os
municípios do país, com periodicidade decenal. As informações ambientais, por
seu turno, são setoriais, dependendo do elemento "natural" a ser considerado
(água, ar, solo, entre outros). Como a proposta aqui é trabalhar com a questão
do consumo de água, optou-se por utilizar uma base de dados ainda pouco
consultada (GAMA, 2009), que é o Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. As informações sobre consumo de
água do SNIS são apresentadas por divisão política (estadual e municipal), o
que permite relacioná-las com os dados de população do IBGE disponibilizados a
partir da mesma escala espacial de análise.
Salienta-se que o consumo industrial e o agropecuário não serão abordados
diretamente, embora representem de longe o maior volume demandado e consumido,
considerando o total do país. Cerca de 20% do consumo de água no Brasil é
destinado à atividade industrial, enquanto 62% são direcionados à produção
agrícola. O uso doméstico, por sua vez, representa apenas 18% do consumo total
de água no país, segundo dados de 1998-2002 provenientes do AquaStat e citados
por Carmo et al. (2007). Existe uma demanda crescente de água destinada à
produção de commodities, especialmente soja e carne, conforme discutido por
Carmo et al. (2007). Embora o consumo seja relativamente menor em termos de
volume, é no ambiente urbano que são tomadas as decisões que afetam diretamente
o consumo de água. Ou seja, na atualidade, são as demandas provenientes das
áreas urbanas que estabelecem as diretrizes gerais para as atividades
produtivas agropecuárias e industriais, constituídas por padrões de produção e
de consumo específicos. Nesse sentido, entender como a água é consumida no
ambiente urbano pode ajudar a compreender o contexto mais geral do consumo de
água.
Destaca-se, ainda, que existem situações bastante diferenciadas no conjunto do
país em termos de consumo, sendo que em algumas bacias hidrográficas grande
parte da água é destinada ao consumo urbano, como é o caso da bacia do Alto
Tietê, onde se localiza a Região Metropolitana de São Paulo (CARMO, 2002). É
preciso citar, também, a presença de uma grande quantidade de aspectos
relacionados com os recursos hídricos urbanos, como drenagem urbana e
contaminação de mananciais (TUCCI, 2006), que, embora influenciem a
disponibilidade de água para consumo, não serão abordados nesse trabalho.
Considerando o consumo de água nas áreas urbanas, a tendência tem sido de
crescimento da demanda em termos de volume. Esse aumento ocorre pela conjunção
de dois fatores: ampliação do número de domicílios a serem atendidos, o que é
extremamente relevante em termos de extensão do serviço de abastecimento para
toda a população, garantindo melhores condições de vida e de saúde; e aumento
do consumo per capita, que está relacionado principalmente com a maior
capacidade econômica das famílias. É este ponto que o presente texto focaliza.
As mudanças na dinâmica demográfica podem trazer novas situações e
possibilidades em termos da configuração da demanda por água no Brasil.
Vislumbram-se, para as próximas décadas, a continuidade da diminuição
significativa do crescimento populacional e até mesmo o início do declínio em
termos de volume em meados do século XXI (IBGE, 2013). Nessa perspectiva, é
fundamental pensar, principalmente considerando-se as mudanças que deverão
ocorrer em termos da estrutura etária da população nas próximas décadas, quais
são os elementos que certamente afetarão a demanda por água e as possibilidades
em termos de políticas públicas eficazes para a gestão da água.
Transições no Brasil ao longo do século XX
O Brasil passou por mudanças importantes ao longo do século XX. A queda da
mortalidade seguida pela redução da natalidade da população brasileira
compreendeu o processo denominado transição demográfica, que resultou em e foi
resultado de alterações significativas em termos sociais, políticos e
econômicos no país. Do mesmo modo, houve transformações não menos importantes
na redistribuição espacial da população, com a concentração populacional nos
centros urbanos, correspondendo à chamada transição urbana, processo que se
deflagrou durante a segunda metade do século passado. Tais mudanças ou
transições precisam ser mais bem compreendidas com vistas a elucidar a dinâmica
dos processos demográficos em curso atualmente no país. À análise dessas
transições - a demográfica e a urbana - dedicam-se os breves comentários
apresentados a seguir.
Transição demográfica
A princípio, é fundamental destacar que a dinâmica demográfica é resultado de
processos históricos socialmente construídos, característicos de determinado
tempo e espaço, o que explica as grandes diferenciações existentes entre
países, entre regiões dentro de um mesmo país e entre grupos sociais dentro de
uma mesma região.
Um aspecto básico para a compreensão das mudanças demográficas em curso é o
entendimento dos componentes da dinâmica demográfica e da relação que se
estabelece entre esses componentes. De maneira simplificada, pode-se dizer que
a variação bruta do número de indivíduos de determinado grupo populacional,
considerando-se um momento específico no tempo e um certo espaço geográfico,
decorre do balanço entre os nascimentos, os óbitos e os movimentos migratórios.
No contexto histórico recente, um dos processos mais marcantes da dinâmica
demográfica é a chamada transição demográfica (DYSON, 2011), que corresponde a
um processo decorrente da diminuição das taxas de mortalidade e natalidade, que
ao longo do tempo declinam e tendem a se equilibrar em patamares mais baixos,
conforme discutem autores como Kirk (1996), Lee (2003), Lesthaeghe (2010),
Galor (2011) e Reher (2011). Considerando-se uma situação em que a migração não
seja significativa em termos de volume, essas mudanças na natalidade e
mortalidade levam a uma transformação na estrutura etária da população,
provocando o "envelhecimento demográfico", que é o aumento do peso relativo dos
idosos no conjunto da população, conforme apontam Carvalho e Garcia (2003),
Wong e Carvalho (2006) e Carvalho e Wong (2008).
O acentuado crescimento populacional brasileiro verificado no início do século
XX deveu-se, principalmente, à chegada de imigrantes internacionais. De acordo
com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2006), a
taxa bruta de mortalidade no Brasil era da ordem de 27,8 óbitos por mil
habitantes, em 1900, chegando a 6,5 por mil na década de 2000.1 Nesse mesmo
período, a taxa bruta de natalidade passou de 46 nascimentos por mil habitantes
para 21,5 por mil. O declínio da mortalidade foi mais acentuado durante as
décadas de 1940 e 1970, quando se verificaram as maiores taxas de crescimento
populacional em decorrência do crescimento vegetativo.
Um dos principais elementos desse processo é a evolução das taxas de
fecundidade total (TFT), que dizem respeito ao número de filhos por mulher em
idade reprodutiva (entre 15 e 49 anos). Segundo Berquó (2001), no Brasil, a TFT
era de 7,7 filhos por mulher em 1903. De acordo com os dados da Ripsa (2009),
esse número declinou lentamente até atingir 5,8 em 1970, sendo que daí em
diante a queda foi brusca, chegando a 2,5 em 1991 e ficando abaixo do nível de
reposição (2,1 filhos por mulher) a partir de 2003. Apesar dos diferenciais
existentes entre regiões, grupos de renda e faixas de idade, a TFT apresentou
tendência de declínio generalizada ao longo das décadas mais recentes, conforme
descrevem Berquó e Cavenaghi (2006).
Nesse sentido, a acentuada diminuição das taxas de crescimento populacional
está diretamente relacionada à redução da fecundidade durante a segunda metade
do século XX. Esse processo está associado a transformações sociais e
econômicas, tais como industrialização, urbanização, mudanças no papel social
da mulher e na família, disponibilidade e difusão do uso de métodos
anticoncepcionais, entre outros (GOLDANI, 2001; BRYANT, 2007). Conforme
salientam Potter et al. (2010), a queda da fecundidade ocorreu primeiramente e
de maneira mais intensa nas regiões onde os indicadores de nível de
escolaridade das mulheres eram maiores.
De acordo com Brito (2008), a transição demográfica é um processo único, por
atingir toda a sociedade brasileira, mas é também múltiplo, tendo em vista que
se manifesta conforme as diversidades regionais e sociais. As decorrências
também serão diversas. Por exemplo, se o crescimento da população em idade
ativa (15 a 59 anos), por um lado, representa um potencial considerável em
termos econômicos, o chamado "bônus demográfico", por outro, caso não seja
adequadamente aproveitado, pode significar uma fonte de pressão sobre o mercado
de trabalho. O envelhecimento relativo da população, principalmente
considerando-se as taxas significativas de crescimento da população idosa,
exigirá adaptações em termos de políticas sociais, especialmente nas áreas de
saúde e de previdência social.
O declínio significativo da mortalidade, entre 1940 e 1960, e a permanência da
fecundidade em níveis elevados resultaram em uma população brasileira jovem e
em rápido crescimento (CARVALHO; WONG, 2008, p. 598). Em 1991 evidencia-se,
pela primeira vez, o impacto da queda da fecundidade, com diminuição do peso
relativo do segmento de 0 a 4 anos. Essa tendência acentuou-se no tempo, com a
forte redução da base da pirâmide etária. A queda da fecundidade faz com que o
peso relativo das crianças (0 a 14 anos), no conjunto da população, seja cada
vez menor ao longo dos anos. Por outro lado, o aumento da esperança de vida,
decorrente da diminuição da mortalidade infantil e da ampliação da longevidade,
também contribui para que o segmento de idosos, acima de 60 anos, ganhe
participação cada vez maior no conjunto da população brasileira.
Como resultado da dinâmica demográfica apresentada, a população do Brasil
cresceu de maneira significativa durante o século XX. O primeiro Censo
Demográfico do país registrou, em 1872, um total de 9,9 milhões de pessoas. Em
1900, a população chegou a 17,4 milhões, alcançando 51,9 milhões em 1950 e
totalizando 190,7 milhões de habitantes segundo o Censo Demográfico 2010, com
um acréscimo de 21 milhões de habitantes durante a primeira década do século
XXI.
Embora o aumento tenha sido expressivo em valores absolutos, devido à inércia
demográfica, verificou-se diminuição das taxas geométricas anuais de
crescimento da população brasileira, que atingiram seu ápice na década de 1950
(3,17% ao ano) e, desde então, apresentaram declínio constante, registrando um
aumento da população total do país da ordem de 1,17% ao ano na década de 2000.
Destaca-se que o incremento populacional é mais acentuado nas áreas definidas
como urbanas, enquanto as áreas rurais tendem a perder população em grande
parte dos municípios brasileiros. O declínio acentuado das taxas de crescimento
e as mudanças na estrutura etária evidenciam que o Brasil já se encontra em uma
fase adiantada da transição demográfica.
Em síntese, o processo da transição demográfica mostra que a chamada "explosão
demográfica", tão em voga nas décadas de١٩٦٠e 1970, faz parte do passado para o
Brasil, muito embora essa discussão ainda seja retomada no país de tempos em
tempos, em função de situações específicas. O volume máximo de população a ser
atingido pelo país ficará bem abaixo até mesmo das projeções realizadas no
início dos anos 2000, que apontavam para um máximo de 246 milhões na década de
2050, começando a diminuir depois desse momento (CARVALHO, 2004).
As conclusões dos dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios
(PNADs) da década de 2000, corroboradas pelas informações obtidas pelo Censo
2010 do IBGE, confirmaram que as taxas de fecundidade continuaram diminuindo
durante os anos 2000, indicando que a população brasileira deverá atingir um
volume populacional máximo de cerca de 228,4 milhões de habitantes na década de
2040, tendendo a diminuir o volume populacional na década seguinte (IBGE,
2013). Em 2010, nas áreas definidas como urbanas, residiam 160,9 milhões de
pessoas (84% da população total). Mantida essa proporção, de acordo com as
projeções do IBGE (2013), na década de 2040, haverá um volume próximo de 192
milhões de habitantes nas áreas urbanas. Caso aumente para 90% a concentração
da população urbana, serão 205 milhões os residentes nessas áreas. Isso
significa que, nas próximas décadas, poderá ocorrer um aumento de 30 a 45
milhões de habitantes nas áreas urbanas, o que corresponde a um volume bastante
relevante e que precisa ser considerado.
Entretanto, é necessário ir além dessa discussão sobre o volume de população e
levar em conta outros elementos que estão envolvidos na dinâmica demográfica,
como a redistribuição espacial da população - especialmente por meio da
concentração em áreas urbanas ao longo da segunda metade do Século XX - e as
mudanças no nível de consumo da população brasileira, com a ampliação do uso e
acesso à água tratada nessas áreas urbanas.
Transição urbana no Brasil
Concomitantemente à transição demográfica, e em interação complexa com esta,
uma característica marcante do crescimento populacional brasileiro é a sua
concentração em áreas definidas como urbanas, o que pode ser chamado de
transição urbana.
A transição urbana aconteceu de maneira rápida. Em 1950, cerca de 36,2% da
população (18,8 milhões de pessoas) vivia nas áreas definidas como urbanas. Já
em 2010, esse percentual passou para 84,4% do total, correspondendo a 160,9
milhões de pessoas (IBGE, 1950; 2010), ou seja, um acréscimo de 142,1 milhões
de pessoas, nesse período. A velocidade do processo e o volume da população
envolvida explicam, pelo menos em parte, os problemas de infraestrutura que
persistem nas cidades brasileiras, que estão amplamente discutidos na
literatura (OJIMA, 2007; SILVA; MONTE-MÓR, 2010).
Outro problema desse processo rápido de crescimento urbano foi a configuração
de um déficit habitacional histórico. Nota-se que, para suprir esse déficit -
apesar de entre 1970 e 2010 as taxas de crescimento, tanto da população urbana
quanto do número de domicílios urbanos, terem diminuído de maneira constante e
significativa - , a taxa de crescimento do número de domicílios tem sido
superior às taxas de crescimento populacional, especialmente nas áreas urbanas.
A taxa geométrica anual de crescimento da população urbana brasileira passou de
4,5% ao ano, em 1970, para 1,6%, em 2010. No mesmo período, a taxa de
crescimento dos domicílios urbanos brasileiros passou de 5,6% para 2,8% ao ano.
Ou seja, no período mais recente, a velocidade de aumento do número de
domicílios urbanos ainda continua expressiva.
Essa acentuada ampliação do número de domicílios pode ser explicada também
pelas mudanças recentes na estrutura dos arranjos familiares, com o aumento
relativo de famílias de tamanho reduzido e de pessoas residindo sozinhas
(TOMÁS, 2013), acarretando uma densidade domiciliar cada vez menor na ocupação
dos domicílios. De acordo com o Censo Demográfico, entre 2000 e 2010, houve um
declínio da ordem de 13,2% no número médio de moradores por domicílio, passando
de 3,8 para 3,3 pessoas, nesse período. No contexto estadual, as médias
oscilaram entre 3,0, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, e 4,3 habitantes
por domicílio, no Amazonas e Amapá. MacKellar et al. (1995) já haviam destacado
a importância dessa questão da composição dos domicílios tanto para as
discussões relativas aos padrões de consumo, especificamente no caso de
energia, quanto no que diz respeito às emissões de poluentes.
Sawyer (2002) estabelece interações entre o tamanho, a distribuição e a
composição da população brasileira com os níveis e padrões de consumo, mediados
pela estrutura de classes, pelo mercado e pelas políticas públicas. O autor
aponta que o crescimento do número de domicílios pode implicar o maior consumo
de bens duráveis (geladeiras, fogões, por exemplo), assim como de água e
energia. Da mesma forma, o envelhecimento populacional é capaz de contribuir
para o crescimento do consumo de bens duráveis, como resultado da acumulação ao
longo do ciclo de vida.
A seguir discute-se como esses processos, que caracterizaram a dinâmica
demográfica ao longo do século XX, afetam a dinâmica ambiental, considerando
especificamente a água.
População, ambiente e consumo de água
O debate público acerca das relações entre as dinâmicas social e ambiental
manteve-se restrito, por vezes, a duas visões distintas e contrapostas. De um
lado havia aqueles que apontavam os países pobres como causadores do "desastre
ambiental", à medida que a depleção dos recursos naturais, seguida pelas
mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, era resultado do rápido
crescimento da população daqueles países. Assim, para preservar o ambiente para
as futuras gerações, seria necessário concentrar esforços nos países mais
pobres, ao passo que neles estaria ocorrendo a vasta maioria do volume de
crescimento populacional (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1999). De outro lado, em
abordagem desenvolvida em resposta à primeira, afirmava-se que os países ricos
eram os responsáveis pela degradação ambiental, argumentando que estes
utilizariam mais recursos e energia. De acordo com essa perspectiva, julgava-se
necessário o corte do excesso de consumo nos países ricos para preservar o
ambiente e possibilitar que os mais pobres pudessem alcançar condições de vida
aceitáveis (STERN et al., 1997).
De acordo com Kates (2000), ao contrário da população, cujos fenômenos
(nascimentos e mortes) são relativamente bem definidos como fenômenos
biológicos, não há consenso similar sobre o que a noção de consumo compreende.
Para os físicos, o consumo abrange transformações de matéria em energia com
crescente entropia. Os economistas afirmam que o consumo trata de gastos do
consumidor com bens e serviços, diferenciando-se, por consequência, da sua
produção e distribuição. Para os ecologistas, o consumo denota a obtenção de
energia e nutrientes ao se alimentar de algo, em geral vegetais ou outros
consumidores de vegetais. Os sociólogos, por sua vez, distinguem o consumo como
um status simbólico, especificamente quando indivíduos e unidades domésticas
utilizam suas rendas para implementar seu status social por meio de certos
tipos de compra. Kates (2000) aponta, então, a existência de três grandes
grupos de elementos definidores do consumo: energia, materiais e informação.
Existem dificuldades para se trabalhar a questão do consumo, principalmente em
sua relação com a dinâmica da população. Se, de um lado, os dados populacionais
são amplamente coletados e acessíveis, de outro, as informações sobre
transformação de energia, materiais e informação são limitadas e não há dados
agregados em unidades comuns a nível global, apenas para alguns tipos
específicos de classes de materiais. Kates (2000) sugere que existe uma
interessante similaridade entre a transição demográfica e uma transição no que
diz respeito à utilização de energia, materiais e informação. Nessa transição,
as sociedades usarão crescentes montantes de energia e materiais à medida que o
consumo cresce.
Dalton et al. (2008), por sua vez, afirmam a necessidade de se verificarem os
efeitos que as mudanças composicionais da população realizam sobre a demanda de
energia e as emissões de gases como o dióxido de carbono (CO2). Os autores
sustentam que diferenças nos padrões específicos de renda, entre outras
variáveis, implicam, direta e indiretamente, distintos níveis de consumo e
demanda de energia.
O debate sobre a relação entre produção e consumo é abordado por Sawyer (2002),
que distingue a tradição marxista como aquela que dá prioridade à produção como
determinante último da vida social, enquanto os economistas neoclássicos
afirmam que a produção responde ao mercado e às próprias decisões do
consumidor, que são, supostamente, soberanas. O autor presume a existência de
uma interação em forma de "via de mão dupla" entre produção e consumo e que
este, embora amplamente determinado pela produção, não é dela um simples
reflexo. Assim, consumidores finais, empresas e governos adquirem bens e
serviços levando em conta um amplo leque de critérios econômicos, políticos e
culturais, proporcionando respostas às estruturas produtivas.
Sawyer (2002) assevera ainda que, para explicar o crescimento do consumo no
Brasil, é preciso salientar o papel central desempenhado pela estabilização
econômica mantida a partir década de 1990. Em termos gerais, houve um
crescimento do consumo dos estratos de baixa renda depois do Plano Real de
1994, em decorrência da redistribuição resultante da eliminação das altas taxas
de inflação. Em seguida, observou-se o acesso ao crédito facilitado pela
estabilização econômica, estimulando o consumo dos bens duráveis.
Seria possível relacionar esse cenário recente de estabilização econômica com
mudanças no nível de consumo de água no Brasil? Certamente buscar estabelecer
relações mecânicas e simplificadoras entre conjuntura macroeconômica e consumo
de água não é condizente com a complexidade e dinâmica da realidade. Todavia, é
sim possível identificar tendências que apontam, por exemplo, para mudanças no
nível de consumo de água no Brasil. Essa problemática, central na discussão
aqui proposta, é desenvolvida lançando-se mão da base de dados do Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), disponibilizada pelo
Ministério das Cidades. Sobre essa fonte de dados, são apresentadas mais
informações a seguir, destacando suas principais características, especialmente
suas potencialidades e limites.
O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
Segundo informações da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (2010), em
1996 foi criado pelo governo federal o Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS), por meio do Programa de Modernização do Setor Saneamento
(PMSS). Na estrutura atual do governo federal, o SNIS é responsabilidade do
Ministério das Cidades, especificamente da Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental.
O SNIS apoia-se em uma base de dados coletados em pesquisa realizada junto às
prefeituras municipais e às prestadoras de serviços de água e saneamento. Esta
base contém informações de caráter operacional, gerencial, financeiro e de
qualidade, sobre a prestação de serviços de água, esgotos e manejo de resíduos
sólidos urbanos. No caso dos serviços de água e esgotos, os dados são
atualizados anualmente para uma amostra de prestadores de serviços do Brasil,
desde o ano-base de 1995. As informações são coletadas junto aos prestadores de
serviços de água e esgotos, de forma agregada para cada prestador e de forma
desagregada por município. Em se tratando de resíduos sólidos, os dados são
auferidos diretamente junto às prefeituras municipais.
No que se refere aos serviços de água e esgotos, desde a concepção original do
SNIS optou-se por incluir todas as companhias estaduais que, na época da
criação do sistema, respondiam pelo atendimento com serviços de água a cerca
de٧٠٪da população urbana brasileira. Em relação aos prestadores locais, por
razões financeiras e estruturais, decidiu-se adotar no SNIS uma amostra
representativa do universo, a qual foi composta, no primeiro ano, pelos 27
prestadores de serviços de maior porte do país, operados em cidades com
população superior a 100 mil habitantes. A escolha dos maiores serviços
justificou-se pelo seu potencial de organização e, consequentemente, pela maior
possibilidade de retorno das informações solicitadas.
É relevante destacar que, desde o início, a participação dos prestadores de
serviços de água e esgoto, e mais recentemente dos municípios que enviam os
dados sobre resíduos sólidos, é voluntária, não havendo nenhuma obrigatoriedade
que os leve a fornecer os dados ao SNIS.
Desde 1996, momento da sua implantação, o SNIS sistematicamente coleta
informações atualizadas de cada ano, amplia a amostra e efetua revisões na
metodologia de coleta e tratamento dos dados, no glossário de termos e na
relação de indicadores, além de incluir novas informações e indicadores e
aprimorar o banco de dados.
Neste trabalho emprega-se principalmente um indicador do SNIS: o consumo urbano
médio per capita de água (litro/habitante/dia), que na base de dados
disponibilizada tem o código In022. Esse indicador permite estabelecer
parâmetro de referência que, evidentemente, deve ser utilizado com cautela,
pois situações específicas decorrentes da realidade local de cada sistema,
especificamente justificadas, podem recomendar adequações nos valores médios.
Entretanto, fica clara a evolução na cobertura ao longo do período de
consolidação do banco de dados, o que pode ser notado pela expansão das
informações municipais para o In022 entre 1995, 2000 e 2008 (Figura_1).
![](/img/revistas/rbepop/v31n1/10f01.jpg)
Cabe chamar a atenção para a questão da qualidade das informações sobre
população, no banco de dados do SNIS, com casos de inconsistência nas relações
entre população total, urbana e atendida. As informações da população atendida
- total e urbana - são fornecidas pelos próprios prestadores de serviços. Como
regra do SNIS, a população total dos municípios corresponde à estimativa
publicada pelo IBGE para o ano de referência da amostra. Para obter a população
urbana, utiliza-se o grau de urbanização de cada município calculado nas datas
censitárias de referência. Assim, para os diagnósticos realizados entre 1995 e
1999, foi utilizado o Censo 1991 e, para os anos seguintes, o Censo 2000 - pela
população total estimada pelo IBGE para cada município no ano de referência.
Deve-se notar que a falta de exatidão das informações populacionais pode
implicar a ocorrência de erros significativos, especialmente nos períodos
intercensitários.
Entretanto, conclui-se que, mesmo passível de imprecisões, a representatividade
dos dados fornecidos pelo SNIS possibilita uma boa segurança nas análises de
desempenho e evolução da prestação dos serviços por agrupamentos dinâmicos no
nível dos estados, bacias hidrográficas, macrorregiões e país, seja no ano de
referência ou na série histórica de dados.
Transição no consumo urbano de água no Brasil
Em termos da extensão dos serviços de saneamento básico, um dos avanços mais
notáveis das décadas recentes é o aumento do número de domicílios atendidos
pelo sistema de água tratada. Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico
(PNSB-IBGE, 2000, 2008) indicam que o volume de água tratada distribuída por
dia no Brasil passou de 44 milhões de metros cúbicos, em 2000, para 61 milhões
de metros cúbicos, em 2008, o que corresponde a um aumento de 4,2% ao ano.
Nota-se que o crescimento foi diferenciado para as distintas regiões do país.
Dessa forma, se, por um lado, a Região Sul apresentou uma ampliação do volume
total de água tratada na ordem de 2,2%, por outro, o Norte destacou-se com um
crescimento de 9,5%, entre 2000 e 2008 (Tabela_1).
lém do acesso ao serviço de água tratada, outro tipo de consumo de água que
cresceu de maneira expressiva nas décadas recentes foi o de água mineral. De
acordo com o Estudo Nacional da Despesa Familiar (IBGE, 1974-1975) e a Pesquisa
de Orçamentos Familiares (IBGE, 1987-2008), o consumo anual per capita de água
mineral no Brasil, que era de 0,32 litro em 1974, passou para 0,60 litro em
1995 e, então, saltou para 10,95 litros em 2002 e cerca de 14 litros em 2008.
Em outras palavras, houve um crescimento de mais de 4.000% no consumo de água
mineral per capita no Brasil, entre 1974 e 2008.
Em termos de cobertura municipal das informações do SNIS, do total de
municípios do Brasil em 2008 (5.564), nesse sistema não havia dados para 1.202
municípios (ou 22% do total). Todavia, é preciso considerar que a informação de
consumo per capita de água em 2008 permite apenas uma descrição de como se
encontra a situação atual em temos de consumo de água nas áreas urbanas do
país. Assim, para pensar a sustentabilidade no uso, é preciso incorporar uma
dimensão histórica, que pode permitir pensar em temos de tendências de consumo.
Nesse sentido de uma análise longitudinal, os relatórios do SNIS podem
contribuir pouco, considerando uma escala espacial ampliada, pois a adesão ao
sistema foi se consolidando ao longo do tempo, conforme pode ser observado na
Figura_1.
No caso do consumo de água, os diferenciais regionais existem e são
importantes, como mostra a Tabela_2, com os municípios distribuídos de acordo
com faixas de consumo de água per capita. A referência adotada para a
construção das faixas foi o limite de 40 litros/pessoa/dia, estabelecido na
Agenda 21 como mínimo necessário de água para o atendimento das necessidades de
uma pessoa. É preciso levar em conta que há grandes diferenças de consumo entre
regiões e estados no Brasil, assim como no interior dos próprios estados,
microrregiões e municípios. Geralmente, o consumo elevado é mais concentrado
nas capitais e no seu redor (SAWYER, 2002).
A partir da Tabela_2 também é possível perceber que a região com maior
cobertura municipal pelo SNIS, em 2008, foi o Centro-Oeste, com informações
para 84% dos seus municípios, enquanto a menor cobertura ficou com o Norte,
onde 71% dos municípios apresentaram seus dados.
Em termos de consumo, a Tabela_2 mostra que, dos 4.362 municípios que
apresentaram informação, 39 estão abaixo do consumo per capita sugerido pela
Agenda 21 (40 l/hab./dia), 457 encontram-se na faixa de 40 a 80 l/hab./dia,
2.057 na de 80 a 119 e 1.809 na de 120 l/hab./dia e mais.
Analisando as faixas de consumo e a distribuição percentual das regiões dentro
de cada faixa, percebe-se que naquela abaixo do padrão da Agenda 21 (ou seja,
menos de 40 l/hab./dia) predominam municípios das Regiões Nordeste e Norte. Nas
duas de maior consumo - 80 a 119 l/hab./dia e 120 l/hab./dia e mais -
concentram-se os municípios do Sul e Sudeste, conforme pode ser observado no
Gráfico_1 e na Figura_2.
[/img/revistas/rbepop/v31n1/10g01.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v31n1/10f02.jpg]
A Figura_2 foi elaborada pelo método de krigagem (kriging), a partir dos
centroides dos municípios brasileiros com os valores de consumo de água
(litros/habitante/dia) em 2008, baseado no indicador In022 do SNIS (2011).
Entre as várias possibilidades metodológicas, optou-se pelo método de krigagem
porque, de acordo com Isaaks e Srivastava (apud JAKOB, 2002), este método
permite apresentar a informação em forma de superfície contínua de dados mais
suavizados, minimizando os contrastes entre os polígonos. Assim, se, de um
lado, perde-se a localização exata do evento (consumo de água na área urbana do
município), de outro, ganha-se a capacidade de analisá-lo em relação aos
municípios vizinhos.
Cabe notar que os valores nulos - que podem significar tanto a ausência de dado
quanto o consumo realmente zero em 2008 - estão agrupados na categoria "0 a
39". Optou-se por fazer dessa forma visando facilitar a visualização do dado e
por entender que municípios com consumo nulo são os que não prestam informação
porque não dependem tanto da água coletada e distribuída no meio urbano quanto
outros municípios. Finalmente, o mapa permite notar que existem "ilhas" de alto
consumo de água, quer dizer, áreas que fogem do padrão geral brasileiro,
principalmente no norte do Amapá, no Acre, no Mato Grosso, no extremo oeste do
Rio Grande do Sul e em pequenas áreas da Região Sudeste.
As informações para todo o período histórico da base estão restritas a 14
municípios, que disponibilizaram seus dados entre 1996 e 2008 para o SNIS. São
eles: Araraquara (SP), Campinas (SP), Jacareí (SP), Mogi Guaçu (SP), São
Caetano do Sul (SP), São Carlos (SP), Sorocaba (SP), Juiz de Fora (MG), Poços
de Caldas (MG), Uberlândia (MG), Barra Mansa (RJ), Blumenau (SC), Itabuna (BA)
e Juazeiro (BA). A análise das informações sobre estes municípios, entretanto,
não permite identificar tendências que sejam comuns a todos.
Com o objetivo de observar possíveis relações existentes entre nível de renda
per capita e consumo de água per capita, apresenta-se, no Gráfico_2, a renda
domiciliar per capita mensal das capitais estaduais, para 2000 e 2010, auferida
a partir dos dados do IBGE, comparada ao consumo per capita de água para as
mesmas capitais, neste caso utilizando como fonte de dados o SNIS.
[/img/revistas/rbepop/v31n1/10g02.jpg]
Para 2000 há lacunas nas informações de consumo de água no SNIS. Assim,
realizou-se a média aritmética do consumo de água entre 1998 e 2002. Já o
consumo de água per capita para 2010 é disponibilizado, nesse sistema, para
todas as capitais, por isso o valor referente ao consumo é do próprio ano de
referência.
É preciso indicar ainda que, como não há dados para o consumo de água per
capita para as capitais Manaus (AM), Fortaleza (CE), Curitiba (PR) e Belo
Horizonte (MG) de 1998 a 2002, período a partir do qual se realizou a média
aritmética do consumo de água, essas capitais foram retiradas da análise para
2000.
Conforme se verifica no Gráfico_2, a relação entre alta renda e elevado consumo
de água não é homogênea para todas as capitais. Como exemplo cita-se, para
2000, Macapá, capital do Estado do Amapá, que possui um dos mais altos níveis
de consumo de água per capita naquele ano (184 l/hab./dia), mas segue em
paralelo às menores rendas per capita entre as capitais brasileiras para o
mesmo ano. Em contrapartida, a configuração dos dados permite observar que a
renda per capita segue tendência de crescimento concomitantemente ao consumo de
água tanto em 2000 quanto em 2010. Como exemplo, pode-se propor a comparação
entre Rio Branco (AC) e Florianópolis (SC), em 2010. Enquanto Rio Branco
possuía o consumo de água per capita naquele ano equivalente a 107 l/hab./dia,
Florianópolis registrava 211 l/hab./dia. Por outro lado, ao mesmo tempo que a
renda per capita mensal na capital do Estado do Acre era de R$ 616,22 em 2010,
na capital de Santa Catarina correspondia a R$ 1.542,37.
Assim, tem-se na categoria "renda" uma das possíveis variáveis - mas certamente
não a única, como evidencia o R² da reta de tendência, a partir do qual cerca
de 50% da variabilidade é explicada nesta relação bivariada - capazes de ajudar
a compreender o crescimento do consumo de água no Brasil atualmente. Todavia, é
importante considerar que este é um estudo inicial, uma primeira aproximação,
sendo as informações passíveis de um tratamento mais aprofundado no futuro,
principalmente tendo em vista a evolução patente na qualidade dos dados sobre
consumo de água no Brasil, assim como a ampliação do número de municípios que
disponibilizam tal informação para análise.
Conclusões
O Brasil passou por um processo intenso de mudança de sua dinâmica demográfica
ao longo do século XX, por meio das transições demográfica e urbana. O volume
populacional e a concentração da população residindo nas cidades ainda tendem a
crescer nas próximas décadas, conforme apresentado ao longo deste texto.
Entretanto, além da questão da pressão dos números, existe uma grande
complexidade de fatores intervenientes na demanda por recursos hídricos, entre
os quais se destaca a questão das características do consumo e dos diferentes
aspectos que estão envolvidos no seu padrão e crescimento.
O que se procurou mostrar neste trabalho é que, mesmo com o decréscimo
significativo nas taxas de crescimento populacional, o nível de consumo seguiu
pressionando no sentido de aumentar a demanda por água. Por um lado, isso pode
ter ocorrido devido ao aumento do poder aquisitivo de alguns grupos da
população, o que implica elevação da demanda. Por outro, contou-se com a
necessidade de expansão do sistema de abastecimento, com o objetivo de alcançar
100% da população residente em áreas urbanas.
Os dados apresentados sustentam essas afirmações, mesmo tendo em vista as
limitações metodológicas decorrentes das características da obtenção das
informações, cuja fonte principal, o Sistema Nacional de Informação sobre
Saneamento, ainda se encontra em consolidação. Um aspecto fundamental dessa
discussão é que, no novo contexto inscrito pela transição demográfica, existe
uma série de outros elementos a serem considerados quando se aborda a relação
entre população e ambiente, além de simplesmente o volume populacional.
É fato que a transição demográfica modifica a estrutura etária da população,
que passa a ter um peso proporcional cada vez maior dos grupos idosos. Em
estudos futuros, ainda será preciso conhecer melhor os possíveis impactos dessa
nova configuração social em termos de demanda por serviços, especialmente no
que tange ao consumo de água. São necessárias, portanto, pesquisas para
aprofundar a compreensão dessa relação, principalmente tendo em vista que a
transição demográfica disseminou-se pelo mundo ocidental ao longo de todo o
século XX e deixou como resultado o envelhecimento da população.
Esse é o cenário complexo com o qual as políticas públicas no Brasil terão de
lidar, principalmente no médio e longo prazos. O desafio será garantir, no que
diz respeito ao fornecimento de água, que a significativa ampliação da
cobertura do sistema de abastecimento possa ser sustentada e ampliada, de modo
a permitir que toda a população do país tenha acesso à água tratada, sem,
entretanto, exaurir os mananciais existentes.