Distribuição da população e cobertura da terra: o lugar das Áreas Protegidas no
Pará, Brasil em 2010
Introdução
A emergência do campo de População e Ambiente, desde as últimas décadas do
século XX, explicitou a necessidade de integrar, aos estudos, elementos sobre
população, meio ambiente e desenvolvimento sustentável (MARTINE,_2007; HOGAN,
2007), bem como buscar novas teorias para lidar com a complexidade dos temas
estudados e novos métodos para trabalhar com as extensões espacial e temporal
envolvidas (LUTZ;_PRSKAWETZ;_SANDERSON,_2002). Apesar dos avanços conceituais e
metodológicos desde então, detecta-se ainda a necessidade de incorporação mais
sistemática do espaço nos estudos de população, tanto da perspectiva
instrumental quanto da conceitual, desenvolvimento de abordagens
multiescalares, incluindo modelos multiníveis (BARBIERI,_2007; GARDNER_et_al.,
2013), diálogo interdisciplinar mais amplo (CÔRTES;_D'ANTONA,_2014).
O artigo busca contribuir para o desejável diálogo pela aproximação dos estudos
das mudanças no uso e cobertura da terra com aqueles voltados para a
distribuição e dispersão urbana na Amazônia. Especificamente, verifica-se o
papel, ou lugar, das Áreas Protegidas (AP) do Estado do Pará - Terras Indígenas
(TI) e Unidades de Conservação (UC) - no gradiente rural-urbano, levando em
conta medidas de concentração da população e o uso e cobertura da terra. Ao
definirem regras de ocupação e de uso de recursos, as APs afetam a distribuição
da população. Cabe avançar na compreensão das relações de tais unidades no
quadro regional, tendo em vista seus potenciais impactos sobre a rede urbana
(SATHLER_et_al.,_2009) e os possíveis impactos da rede urbana sobre os
ecossistemas protegidos (GUEDES;_COSTA;_BRONDÍZIO,_2009).
Nesse sentido, o Estado do Pará chama a atenção: é a unidade da Federação da
Amazônia Legal com o menor percentual de população residente em áreas urbanas -
68,5%, contra 72% nos estados da Amazônia (IBGE,_2011a) -; tem um dos maiores
percentuais de território coberto por Áreas Protegidas; e suas taxas de
desmatamento estão entre as mais elevadas da Amazônia.
Além disso, busca-se contribuir para o desenvolvimento dos estudos sobre
população e ambiente em Áreas Protegidas, por meio do enfrentamento da
limitação gerada pelo uso de dados demográficos agregados em unidades político-
administrativas e operacionais. Sabe-se que a grade com células regulares
melhora a resolução espacial dos dados e permite abstrair os limites de setores
censitários e municípios, proporcionando uma melhor aderência às Unidades de
Conservação (D'ANTONA;_BUENO;_DAGNINO,_2013). Aqui, o emprego prioritário de
técnicas de agregação de dados do Universo do Censo Demográfico 2010 (IBGE,
2011a) possibilita que a localização dos domicílios não dependa de camadas
auxiliares, como a cobertura da terra e estradas, constituindo um avanço em
estudos no Brasil, somente possível a partir do último Censo Demográfico.
Dinâmicas de ocupação, uso e cobertura da terra
Não se pode ignorar as mais contemporâneas transformações do rural, as quais
não deveriam ser vistas de forma desconectada das cidades, onde a população se
concentra, demanda e, geralmente, legisla para além do urbano. As fronteiras
rural-urbano estão cada vez mais difusas e imbricadas (MONTE-MÓR,_2006) também
pelo caráter não agrícola das áreas rurais - incluindo as atividades como o
turismo e a conservação da natureza (SILVA,_1997, p. 47).
As dinâmicas populacionais e as mudanças nos usos e coberturas da terra devem
ser relacionadas de uma perspectiva analítica mais ampla e integrativa,
buscando superar a classificação dicotômica de rural e de urbano (CHAMPION;
HUGO,_2003; MONTEIRO;_CARDOSO,_2012). Na Região Norte, a ocupação da "fronteira
agrícola", nos anos 1960 e 1970, está ligada à urbanização (BECKER,_1985,
1995). Quatro décadas depois, esta "floresta urbanizada" (BECKER,_1995) parece
se aproximar da "urbe amazônida" (BECKER,_2013), constituindo-se por uma rede
urbana que conecta áreas consideradas rurais, pequenas, médias e grandes
cidades (GUEDES;_COSTA;_BRONDIZIO,_2009), com destaque para as médias (SATHLER;
MONTE-MÓR;_CARVALHO,_2009).1
Na rede de cidades da Amazônia se combinam antigos aglomerados, geralmente
distribuídos ao longo dos rios, centros próximos às estradas e aos projetos de
colonização criados durante o regime militar e cidades mais recentes. Muitos
dos lugares onde hoje se observam cidades aparecem como floresta nas imagens de
satélite do início dos anos 1970. Diferentes municípios apresentam processos
distintos de conversão de usos e coberturas florestais e de pasto em uso urbano
(RAMOS,_2014, p. 122-123).
No Pará, com o estímulo do governo federal, essa transição de usos-coberturas
da terra se deu pela urbanização associada aos projetos de colonização, como no
caso da Transamazônica: núcleos urbanos hierárquicos (agrovilas) que orientavam
a ocupação e se articulavam com o uso do meio rural (BECKER,_1995). Outras
cidades se estruturam a partir de lotes rurais que, progressivamente, perderam
seus usos agropecuários e passaram a concentrar pessoas, infraestruturas e
serviços. Mais "espontâneas", ou, pelo menos, não planejadas pelo Estado, tais
concentrações aproximam-se do que se poderia definir como uma forma de
urbanização in situ (in situ urbanization), em que assentamentos rurais se
transformam em urbanos sem depender, necessariamente, do deslocamento da
população em longas distâncias (ZHU,_2004).2
Dispostas espacialmente nessa rede, as Unidades de Conservação e as Terras
Indígenas constituem um componente importante no quadro amplo das configurações
de rurais e de urbanos que se articulam. Por um lado, a crescente conectividade
da rede pode causar impactos como a fragmentação de unidades de conservação e
de ecossistemas (GUEDES;_COSTA;_BRONDIZIO,_2009). Por outro, os limites de tais
unidades podem funcionar como barreiras à conectividade. Sathler,_Monte-Mór_e
Carvalho_(2009) argumentam que a rede urbana na Amazônia apresenta dificuldades
(fragilidades) que restringem ou impedem os fluxos de pessoas, tais como as
grandes distâncias entre os centros menores e as capitais e a carência de
infraestrutura de transporte, entre outros aspectos. Pelos possíveis impactos
tanto das APs na rede quanto da rede nas APs, a bibliografia aponta para a
necessidade de incluir estudos de populações em Áreas Protegidas na discussão
mais abrangente sobre distribuição da população e urbanização.
Para os estudos populacionais, particularmente os de população e ambiente, o
interesse em Áreas Protegidas se dá a partir dos seus significados para a
redistribuição da população. De uma perspectiva regional, em tais unidades
estão as porções que se pretende apartar das dinâmicas de ocupação
predominantes. Do ponto de vista local, as APs definem regras de ocupação e de
usos que impactam as dinâmicas e a distribuição da população em cada unidade e
entorno. No caso das Terras Indígenas e de determinadas Unidades de Conservação
de Uso Sustentável, como as Reservas Extrativistas, acrescenta-se que as
unidades são sinal de reconhecimento de formas de ocupação (e de usos) que
precedem e/ou se colocam alternativamente.
População em Áreas Protegidas
Os espaços reservados à conservação ambiental e/ou destinados à ocupação de
populações tradicionais, indígenas ou quilombolas podem ser chamados de Áreas
Protegidas (MEDEIROS,_2006). Essas áreas estão enquadradas nos Espaços
Territoriais Especialmente Protegidos (PEREIRA;_SCARDUA,_2008, p. 90-91), que
abrigam: as Unidades de Conservação; as áreas destinadas às comunidades
tradicionais (Terras Indígenas e Territórios Quilombolas); as áreas tombadas;
os monumentos arqueológicos e pré-históricos; as áreas especiais e locais de
interesse turístico; as reservas da biosfera; os corredores ecológicos; e as
zonas de amortecimento. Por sua dimensão e número de unidades, optamos por
considerar aqui as Áreas Protegidas conhecidas como Unidades de Conservação
(UC) e as Terras Indígenas (TI).
As Unidades de Conservação, sejam municipais, estaduais ou federais, estão
enquadradas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza do
Brasil - SNUC (BRASIL,_2000), em dois grupos: Proteção Integral (PI) - unidades
onde a presença de população humana, seja para residência ou mesmo para
visitação, é expressamente desencorajada, restringida e até proibida; e Uso
Sustentável (US) - espaços onde a existência de moradores é permitida e em
alguns casos torna-se uma condição.
Existem duas vertentes que polarizam a ideia de população humana em Áreas
Protegidas: uma entende que a população é uma ameaça e não deve entrar em
contato com recursos dessas áreas; e outra encara a população como uma
potencialidade, como uma das ferramentas da gestão ambiental. De acordo com
Carneiro_da_Cunha_e_Almeida_(2009,_p._285-6), a primeira vertente prevalece no
modelo norte-americano de Yellowstone, que criava ambientes intocados sem
população humana. No Brasil, tanto nas TIs quanto nas UCs - sobretudo as de uso
sustentável -, prevalece a ideia de que as populações devem proteger o ambiente
e os recursos podem ser utilizados para sustentar seus modos de vida, o que
reflete a noção de que as populações não são vítimas e sim parceiras das
preocupações ambientais.
As Terras Indígenas são aquelas tradicionalmente ocupadas pelos povos
indígenas, habitadas em caráter permanente ou utilizadas para suas atividades
produtivas ou para garantir seu bem-estar e sua reprodução física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições. Tais áreas estão sob responsabilidade
da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão subordinado ao Ministério da
Justiça do Brasil. Anteriormente chamadas de Reservas Indígenas, estas áreas
implicam a presença da população indígena que habita ou utiliza as terras
(BRASIL,_1988, artigo 231).
Segundo Diegues_(2004), existe certo consenso em torno da expressão "população
indígena", indicando etnia e agregando os povos que guardam uma continuidade
histórica e cultural desde antes da conquista europeia da América. O consenso
parece não existir em relação à definição de populações tradicionais. Aquelas
residentes ou que utilizam as Unidades de Conservação podem ser chamadas de
"populações tradicionais", embora também possam ser denominadas, sobretudo em
documentos de organismos internacionais, como é o caso da OIT_(1989), como
povos nativos ou tribais. A Lei n. 9.985, que cria o SNUC (BRASIL,_2000), não
define o que são populações tradicionais, embora seu artigo 5º permita entender
que se trata de pessoas que dependem da utilização de recursos que estão no
interior das UCs e que, com a delimitação de uma unidade, terão que ser
indenizadas ou abastecidas por recursos alternativos.
Para fins deste trabalho, as pessoas situadas em UC e TI são denominadas
população residente. O caráter de residência parece ser apropriado por diversos
motivos: em termos de estatísticas oficiais, o termo é útil, pois as pesquisas
domiciliares, como o Censo Demográfico, são baseadas no conceito de população
residente; em termos jurídicos, o Decreto n, 4.340 (BRASIL,_2002), que
regulamenta o SNUC (BRASIL,_2000), já admite a denominação populações
residentes; em termos antropológicos, população residente tem um sentido mais
genérico e de conteúdo menos denso do que o termo tradicional (WEST; BRECHIN,
1991 apud BARRETTO_FILHO,_2006, p. 138) - aplicando-se melhor à existência de
outros residentes permanentes ou eventuais que não se identificam como
indígenas e nem se consideram tradicionais. Cabe destacar que, pela própria
forma de uso e de ocupação da população em APs, sabe-se que dentro delas
existem várias áreas desabitadas que não são utilizadas para residência, mas
sim como área de trânsito ou como fonte de recursos - inclusive para pessoas de
fora das unidades.
População, ambiente e espaço
O interesse em relacionar a distribuição da população com usos e coberturas da
terra em Áreas Protegidas, no quadro mais amplo do Pará, remete aos desafios
das análises espaciais nos estudos populacionais.
Para alguns autores, a demografia tem uma longa tradição espacial (VOSS,_2007),
a qual significa, de fato, apenas uma consciência do espaço (WEEKS,_2004). Tal
consciência se observa, por exemplo, em estudos comparativos de características
demográficas entre contextos diferentes, em estudos de migração e nas
explicações que circunscrevem espacialmente o declínio da fecundidade e as
diferenças nas taxas de mortalidade (CASTRO,_2007). Tradicionalmente, os
estudos populacionais exploram a dimensão temporal em suas análises, colocando
o tempo em termos de idade, período e coorte,3 mas não fazem o mesmo, com igual
intensidade, em relação ao espaço (MOUW,_2000).
As análises se sofisticaram nas últimas décadas pela incorporação de dados
digitais e espaciais, assim como pelo uso de ferramentas como os Sistemas de
Informações Geográficas (SIG). Mapas contendo variáveis demográficas se
tornaram potentes instrumentos que revelam padrões imperceptíveis nas tabelas
convencionais. Contudo, para que o espaço seja analiticamente incorporado aos
estudos de população, faz-se necessária a criação de modelos que explicitem as
relações entre o espaço e os fenômenos demográficos, o que ainda se revela como
uma das maiores dificuldades (NICHD,_2002).
Associada a esta dificuldade analítica, existe a limitação relativa ao modo
como as variáveis de população são apresentadas. Os dados censitários são
geralmente disseminados em unidades de área (polígonos), que expressam unidades
operacionais ou estatísticas, como os setores censitários e as áreas de
ponderação, ou administrativas, como os municípios. Além dos problemas
inerentes a qualquer análise baseada em unidades de área, como MAUP e Falácia
Ecológica,4 o uso de limites administrativos e/ou operacionais traz uma série
de restrições, tais como: baixa resolução espacial; falta de aderência aos
limites de outras camadas de informação; e alterações nos seus limites ao longo
do tempo (BUENO,_2014). O uso de tais unidades não favorece a realização de
análises espaciais, restringindo a articulação dos dados demográficos a outros
conjuntos de informações (GRASLAND;_MADELIN,_2006; DE_SHERBININ_et_al.,_2002).
A grade estatística, um sistema de células regulares que servem como
repositório para dados estatísticos georreferenciados (TRAINOR, 2010), oferece
algumas vantagens em relação às formas de disseminação de dados agregados
baseadas em setores censitários ou municípios. Pequenas em comparação às outras
unidades, as células oferecem melhor resolução espacial e, consequentemente,
melhor adaptação a outras camadas de informação (GUZMÁN;_SCHENSUL;_ZHANG,
2013). A grade permite abstrair limites político-administrativos, o que lhes
atribui estabilidade temporal, uma vez que as células não variam ao longo do
tempo. O sistema é mais adequado à interpretação cartográfica temática e
possibilita transitar desde recortes intraurbanos até unidades da federação ou
país. As células facilitam a execução de modelagens e, de acordo com vários
autores, seu uso pode minimizar os efeitos do MAUP (GOODCHILD,_1992; SCHUURMAN
et_al.,_2006; CARVALHO_et_al.,_2004).5
Apesar de o uso de grades estatísticas contribuir para uma melhor percepção das
relações recíprocas entre as variáveis sociodemográficas e as ambientais em
estudos das dinâmicas de uso e cobertura da terra, as técnicas de desagregação
normalmente utilizadas para transferir os dados censitários para as células
requerem dados auxiliares com resolução alta (TATEM_et_al.,_2007) - sejam eles
classificações utilizando imagens de satélite ou mapeamento de vias ou
edificações - e modelos de distribuição dos dados adequados e calibrados com a
realidade local. Optou-se, neste trabalho, por uma abordagem híbrida (BUENO,
2014) que prioriza técnicas de agregação de dados, conforme descrição a seguir.
Montagem da grade
Em um Sistema de Informações Geográficas (SIG) foi montada a grade estatística
utilizada neste trabalho para integrar as variáveis do Censo Demográfico
àquelas relativas aos usos e coberturas da terra e às Áreas Protegidas
consideradas.
A grade estatística contém células com 37,5 arcos segundos de medida lateral, o
equivalente no Equador a 1.152 metros (BUENO,_2014). A dimensão das células foi
definida de acordo com o Sistema Cartográfico Nacional estendido ao Mapeamento
Cadastral, de forma que as células pudessem coincidir com mapas na escala 1:
2000. Considerando-se todo o Estado do Pará, a grade possui 941.850 células, o
que oferece uma resolução espacial média de 1,15 km, bastante superior àquela
da malha de setores censitários, que é de 11,82 km.6
A transferência dos dados do Universo do Censo Demográfico 2010 (população
residente, domicílios ocupados e situação do domicílio) para a grade
estatística se deu por uma abordagem híbrida definida por Bueno_(2014), que
combina técnicas de agregação e de desagregação.
A abordagem de agregação se deu por incorporação direta de pontos (coordenadas
dos domicílios), incorporação de faces de quadra e incorporação direta de setor
censitário (BUENO,_2014). Tal abordagem foi priorizada por sua simplicidade e
por ser supostamente mais precisa, uma vez que se dá pela transferência direta
dos dados. Contudo, sua implementação depende da existência de informações
georreferenciadas (coordenadas geográficas dos domicílios) e das condições de
acesso a tais dados, geralmente restritos às agências oficiais responsáveis
pela execução dos censos. No Brasil, a adoção de geotecnologias na operação
censitária, como a utilização de dispositivos de coleta dos dados com GPS e a
associação do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) com
a geometria das vias, possibilitou o uso da abordagem de agregação para boa
parte dos dados coletados no Censo 2010, mas não para todo o seu conjunto.7
Utilizada nas situações em que a agregação não foi possível, a abordagem de
desagregação engloba técnicas que transferem os dados existentes em uma unidade
espacial para outra, por meio da criação de um denominador espacial comum entre
essas unidades (PLUMEJEAUD_et_al.,_2010). Algumas das técnicas pertencentes a
este tipo de abordagem são conhecidas e utilizadas há bastante tempo e
surgiram, principalmente, para resolver o problema de incompatibilidade entre
áreas para as quais as estatísticas oficiais são publicadas e aquelas para as
quais se deseja ter essas informações.
A Tabela_1 sintetiza a abordagem híbrida utilizada para a incorporação de dados
censitários à grade estatística do Estado do Pará. As técnicas de agregação
foram empregadas em 81,72% dos setores censitários, enquanto as de desagregação
foram utilizadas nos casos em que a agregação não foi possível (18,28% do total
de setores censitários). As operações efetuadas geraram uma perda de 3,8% dos
domicílios ocupados e da população residente no Pará, comparativamente aos
dados oficiais divulgados pelo IBGE_(2011b). A perda pode ser considerada como
distribuída em todo o estado e entendida como aceitável, tendo em vista a maior
acurácia e a melhor resolução espacial que a grade estatística oferece
comparativamente ao que se obtém com a utilização dos setores censitários.
TABELA 1 Setores censitários, segundo abordagem híbrida de agregação e
desagregação de dados Estado do Pará – 2010
Setores
Abordagens censitários
N %
Total 8.769 100,00
Abordagem de agregação 7.166 81,72
(abordagem prioritária, executada pela incorporação direta dos dados)
Técnica 1 – Incorporação direta de pontos Aplicada em áreas estritamente rurais,
para as quais existem as coordenadas geográficas dos domicílios visitados pelo 2.154 24,56
censo. Os dados estatísticos foram associados aos pontos dos domicílios e estes
foram agregados às células (BUENO,_2014).
Técnica 2 – Incorporação de faces de quadra Aplicada em áreas urbanas, utilizando os
códigos presentes tanto no cadastro de endereços como no mapeamento censitário par4.843 55,23
localizar os domicílios nas faces de quadra. A distribuição dos domicílios foi
considerada uniforme na extensão da face (BUENO,_2014).
Técnica 3 – Incorporação direta de setor censitário Aplicada aos setores censitários
com dimensões menores que as células da grade e que estão totalmente contidos em u 169 1,93
única célula ou que possuem pelo menos 90% da superfície dentro da célula (BUENO,
2014).
Abordagem de desagregação 1.603 18,28
(abordagem complementar adotada em situações em que a agregação não foi possível)
Técnica 4 – Método dasimétrico com malha viária A malha viária foi utilizada como
uma aproximação para a distribuição de domicílios e para realizar a transformação da
população agregada por setor censitário em células (XIE,_1995; MROZINSKI;_CROMLEY1.100 12,54
1999; REIBEL;_BUFALINO,_2005; BRINEGAR;_POPICK,_2010). Esta técnica foi utilizada em
áreas urbanizadas com disponibilidade de malha viária detalhada.
Técnica 5 – Método dasimétrico com classificação de uso/cobertura da terra Os dados
de classificação de uso/cobertura das terras com base em imagens orbitais foram 450 5,13
utilizados como uma aproximação para a distribuição dos domicílios em áreas não
urbanizadas (EICHER;_BREWER,_2001; LANGFORD;_UNWIN,_1994; HOLT_et_al.,_2004).
Técnica 6 – Ponderação zonal A ponderação zonal simples foi aplicada para
transformar os dados de setores censitários para dados em células, conforme a área 53 0,60
de cada setor censitário (RASE,_2001; REIBEL;_AGRAWAL,_2007).
Fonte: Adaptado de Bueno (2014).
Os dados de uso e cobertura da terra de 2010 incorporados às células da grade
são provenientes do projeto TerraClass (INPE,_2011). De acordo com a
classificação adotada pelo Inpe, cada polígono corresponde a uma das 16
categorias de uso e cobertura, as quais foram agrupadas em oito categorias para
o presente estudo: área urbana; mosaico (uma classe mista, originalmente
definida pelo Inpe, em que não se pode definir uma cobertura/uso dominante);
agricultura; hidrografia; regeneração; pasto; vegetação; e outros. Realizou-se
a interseção espacial da grade estatística com a camada contendo as oito
classes de uso e cobertura da terra e, então, foi calculado o percentual de
área de cada classe em relação à área total de cada célula.
Por fim, por meio de uma junção espacial, os atributos de cada uma das Áreas
Protegidas do Pará foram transferidos para as células correspondentes: nome;
tipo (UC ou TI); grupo (PI ou US); categoria (tais como Reserva Extrativista,
Parque, etc.) e ano de criação.
O Plano de Informação das Áreas Protegidas, com os limites e as características
em formato shapefile, foi adquirido por meio da base de dados do Ministério do
Meio Ambiente (BRASIL, s/d). Foram selecionadas as APs do Estado do Pará
criadas até 2010, as quais somam um conjunto de 113 unidades (Tabela_2): 46
Terras Indígenas; 16 Unidades de Conservação (UC) de Proteção Integral, mais
restritas à presença humana, divididas entre as categorias Estação Ecológica
(Esec), Parque Estadual (PE), Parque Nacional (Parna), Refúgio da Vida
Silvestre (RVS), Reserva Biológica (Rebio); e 51 UC de Uso Sustentável, menos
restritas à presença humana, divididas em Área de Proteção Ambiental (APA),
Floresta Estadual (FE), Floresta Nacional (Flona), Reserva de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) e Reserva Extrativista (Resex).
TABELA 2 Esfera de poder, áreas oficial e recalculada e quantidade de unidades,
segundo tipos de Áreas Protegidas Estado do Pará – 2010
Áreas ProtegidasCategoria Esfera Área (km2) Área recalculada (km2) Unidades
(1) (2)
Total 688.411,42 684.893,50 113
Terra Indígena - Federal 283.383,08 283.383,08 46
(3)
UC Estação Ecológica (Esec) Estadual 42.025,30 42.025,30 1
Proteção Federal 35.368,53 35.368,53 2
Integral
Parque Estadual (PE) Estadual 972,17 322,45 4
Parque Nacional (Parna) Federal 29.374,05 28.457,94 4
Refúgio da Vida Silvestre (RVS) Estadual 63,69 63,69 1
Reserva Biológica (Rebio) Estadual 11.697,19 11.471,19 1
Federal 8.492,26 8.492,26 3
UC Área de Proteção Ambiental (APEstadual 68.550,42 68.550,42 8
Uso Sustentável Federal 20.836,35 20.836,35 2
Floresta Estadual (FE) Estadual 78.197,37 78.197,37 4
Floresta Nacional (Flona) Federal 64.686,17 63.476,38 14
Reserva de Desenv. Sustentável Estadual 516,30 - 2
(RDS) Federal 644,42 644,42 1
Reserva Extrativista (Resex) Federal 43.604,12 43.604,12 20
Fonte: Brasil (s/d). Dados processados pelos autores.
(1)Área conforme consta em Brasil (s/d).
(2)Área resultante da subtração de porções de Unidades de Conservação
sobrepostas a TI: TI Andirá-Marau e Parna da Amazônia (-916 km2 do Parna);
Flona Tapajós sobreposta às TIs Bragança-Marituba e Munduruku-Taquara (-388 km2
da Flona); TI Rio Paru d'Este e Rebio de Maicuru (-226 km2 da Rebio); TI
Trocará – Doação (0,14 km2) englobada nas células da TI Trocará; PE Charapucu
integrada à APA do Arquipélago do Marajó; RDS Pucuruí-Ararão e RDS Alcobaça
incorporadas como parte da APA do Lago de Tucuruí; Flona Itacaiunas possui
sobreposição com a Flona Tapirapé-Aquiri (-821,6 km2 desta última).
(3)Incluem-se três TIs criadas antes do Censo 2010, mas não consideradas pelo
IBGE: Bragança-Marituba, Munduruku-Taquara e Praia do Mangue.
A seleção das TIs no Pará incluiu as unidades regularizadas até 31 de dezembro
de 2010, em conformidade com os critérios adotados pelo IBGE_(2012,_p._16-17),
e que possuíam informação de limites territoriais fornecidos pela Funai. Em
sete casos de sobreposição de partes de Terras Indígenas e Unidades de
conservação, as partes duplicadas foram atribuídas a apenas uma das unidades.8
Distribuição da população no Pará - o papel das Áreas Protegidas
A Tabela_3 contém uma síntese dos resultados da interseção da grade estatística
com os limites das áreas protegidas e os dados censitários. Aproximadamente 56%
das células de todo o Pará estão em Áreas Protegidas (cerca de 23% em TI, 23%
em US e 10% em PI). Entre as US, predominam as do grupo Florestas (Nacionais e
Estaduais) e, entre as PI, as Esec. A participação das Áreas Protegidas na
população do estado é relativamente pequena, abrigando apenas 11,5% dos
habitantes do Pará. Porém, trata-se de mais de 800 mil pessoas, a maioria
residindo em Áreas de Proteção Ambiental (APA), a categoria que menos restringe
a presença humana. As TIs respondem por 0,6% da população do estado e as
unidades de Proteção Integral, geralmente as mais restritivas quanto ao uso e
ocupação, por 0,06%.
TABELA 3 Quantidade e percentual de células com domicílios, participação da
população e das células no total do estado e coeficiente de Gini, segundo
localização das células em relação às Áreas Protegidas Estado do Pará – 2010
Células Gini (3)
Com População População (2) Células (2)
Localização Total domicílios Todas as (%) (%) Células com domicílios
N (1) % células (1)
Pará exceto AP 415.074 77.767 18,736 6.455.936 88,470 44,070 0,981 0,901
Pará somente AP (UC e 526.776 15.099 2,866 841.416 11,530 55,930 0,996 0,848
TI)
Terras Indígenas 218.353 1.469 0,673 44.653 0,612 23,183 0,998 0,732
UC de Proteção 95.389 210 0,220 4.388 0,06 10,128 0,999 0,687
Integral
Estação Ecológica 58.304 22 0,038 105 0,001 6,190 1,000 0,409
Parques (4) 21.789 68 0,312 855 0,012 2,313 0,999 0,574
Refúgio da Vida 72 19 26,389 707 0,010 0,008 0,894 0,597
Silvestre
Reserva Biológica 15.224 101 0,663 2.721 0,037 1,616 0,998 0,710
UC de Uso Sustentável 213.034 13.420 6,299 792.375 10,858 22,619 0,991 0,855
Área de Preservação 70.162 10.581 15,081 635.702 8,711 7,449 0,979 0,86
Ambiental
Florestas (5) 108.359 629 0,580 46.634 0,639 11,505 0,999 0,903
Reserva de Desenv. 547 54 9,872 1.303 0,018 0,058 0,948 0,472
Sustentável
Reservas Extrativistas 33.966 2.156 6,348 108.736 1,490 3,606 0,987 0,798
Total do Pará 941.850 92.866 9,86 7.297.352 100,000 100,000 0,990 0,895
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010; Bueno (2014).
(1)Domicílios ocupados.
(2)Em relação ao total do Estado do Pará.
(3)Coeficiente de Gini da quantidade de domicílios ocupados por célula.
(4)Parques Nacionais e Estaduais.
(5)Florestas Nacionais e Estaduais.
Nota: Dados integrados à grade estatística com 941.850 células de 37,5 arcos
segundo em todo o Estado do Pará.
Ainda na Tabela_3, o coeficiente de Gini da quantidade de domicílios ocupados
por célula sintetiza a considerável concentração da população no Pará. Quando
são computadas todas as células (inclusive as sem domicílios), os coeficientes
são próximos ou superiores a 0,9 em todas as APs, no total do Pará e no
subconjunto de células rurais, refletindo a já mencionada presença de população
residente em um pequeno número de células. Excluindo-se as células sem
domicílios, percebe-se melhor a distribuição da população nas células com
domicílios: os coeficientes se reduzem expressivamente nas APs, especialmente
nas de Proteção Integral, indicando uma distribuição menos desigual.
Fazendo uma aproximação do que se pode classificar como urbano, conforme
tipologia do IBGE incorporada à grade, observa-se na Tabela_4 que as células
urbanas têm pequena participação no conjunto do estado (0,33%), mas grande
participação em sua população total (71,6%). Excluindo-se as células urbanas em
APs, percebe-se redução de cerca de 10% no total de células (2.793 em 3.109
células) e de habitantes - o que indica que as Áreas Protegidas não se resumem
a ocupações não urbanas. O coeficiente de Gini da quantidade de domicílios
ocupados por célula indica que a concentração se dá dentro e fora das APs.
TABELA 4 Quantidade e percentual de células com domicílios, participação da
população e das células no total do estado e coeficiente de Gini, segundo
localização das células em relação à situação do domicílio Estado do Pará –
2010
Células
Com População População (2) Células (2) Gini (3)
LocalizaçãTotal domicílios (hab.) (%) (%)
(N) N (1) % Todas as Células com domicílios
células (1)
Pará urbano 3.109 2.398 77,131 5.193.051 71,163 0,330 0,784 0,720
Exceto AP 2.793 2.162 77,408 4.688.448 64,249 0,297 0,784 0,721
Pará rural 938.741 90.468 9,637 2.104.301 28,837 99,670 0,970 0,686
Exceto AP 412.281 75.605 18,338 1.767.488 24,221 43,774 0,944 0,693
Total do 941.850 92.866 9,860 7.297.352 100,000 100,000 0,990 0,895
estado
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010; Bueno (2014).
(1)Domicílios ocupados.
(2)Em relação ao total do Estado do Pará.
(3)Coeficiente de Gini da quantidade de domicílios ocupados por célula.
Nota: Dados integrados à grade estatística com 941.850 células de 37,5 arcos
segundo em todo o estado do Pará.
A constatação de que pouco mais de 90% da área do estado não contém domicílios
ocupados, o que se justifica em larga medida pelas Áreas Protegidas, merece uma
ressalva, sobretudo em relação às TIs e UCs de Uso Sustentável. A ausência de
domicílios ocupados em uma célula não significa necessariamente ausência de
usos, ocupações e sentidos, dimensões não abordadas no artigo, não devendo ser
tomada como expressão de um "vazio demográfico". Assim como ocorre com outros
tipos de unidade de análise, uma célula não revela possíveis relações da área
que representa com áreas e populações representadas em outras células. Por
exemplo, uma célula sem domicílios ocupados e com cobertura de floresta, em uma
Resex, pode ser utilizada por uma população residente distante dali para
extração de recursos florestais não madeireiros.
Voltando-se para os 9,8% de células com domicílios e separando-as conforme o
volume da população residente, tem-se que 50% da população do Pará está em
9,815% das células da grade e 50% da população está no 0,045% restante. A
distribuição desigual se reproduz em outros recortes: 10% da população do
estado está em 0,003% das células.
O Gráfico_1, em escala logarítmica, revela que, mesmo que os números de
residentes sejam diferentes entre as APs em função de suas regras de uso, o
padrão de ocupação das células é semelhante ao que se verifica para o restante
do estado - onde as regras de restrição ao uso e ocupação das APs não vigoram.
Em linhas gerais, observam-se um grande número de células com poucos residentes
e a tendência de diminuição do número de células conforme aumenta o número de
residentes em cada uma delas. Os volumes populacionais envolvidos podem ser
diferentes, mas os padrões de distribuição se assemelham.
Fonte: IBGE.
Censo Demográfico 2010; Bueno (2014).Nota: Dados processados pelos autores a
partir da grade estatística. Cada ponto representa uma ocorrência. Foram
consideradas apenas as células com população residente: A – 77.767 células
ocupadas em um total de 415.074; B – 210 em 95.389; C – 1.469 em 218.353; D –
13.420 em 213.034.
GRÁFICO 1 População residente por células, segundo localização Estado do Pará –
2010
Quanto às relações da população com usos e coberturas da terra, segundo dados
do TerraClass (INPE, 2011), deve-se levar em conta que os maiores percentuais
das classes de uso e cobertura incidem sobre as células sem domicílios
ocupados, uma vez que a população se concentra em poucas células (Tabela_5).
Por outro lado, as classes mais associadas às formas de ocupação humana são as
que possuem os menores percentuais de células sem domicílios: 81% das células
com "área urbana" e 45,3% das com "mosaico" apresentam população residente. A
classe vegetação é a que possui menor percentual de células com domicílios
(9,7%).
TABELA 5 Distribuição das células, por classe de uso e cobertura da terra,
segundo situação de ocupação Estado do Pará – 2010
Situação Classes de uso e cobertura da terra (células)
de Agricultura Área Hidrografia Mosaico Outros Pasto RegeneraçãVegetação
ocupação urbana
Vazias (%) 70,9 19,0 77,9 54,7 79,1 72,9 74,2 90,3
Ocupadas 29,1 81,0 22,1 45,3 20,9 27,1 25,8 9,7
(%)
Total (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total (N) 7.278 4.139 73.938 51.797 194.815 213.888 152.009 878.648
Fonte: IBGE (2011a); Inpe (2011); Bueno (2014).
Nota: Uma mesma célula pode conter mais de uma classe de uso e cobertura da
terra.
Verifica-se uma relação positiva e forte entre volume de população e elevado
percentual de área urbana. O coeficiente de correlação de Pearson mostra que,
quanto maior for a área da célula coberta por área urbana, maior será a
população na célula (ρ > 0,711). As demais correlações não são significativas,
embora mostrem uma tendência que se verá com mais força adiante: uma correlação
positiva entre volume de população e percentual de "mosaico" e uma correlação
negativa entre volume de população e o percentual de "vegetação".
As Áreas Protegidas detêm 57,2% das células com vegetação, sendo que a maior
parte se localiza em TIs; e uma porção significativa (26%) das células com
hidrografia está em TI. Estes dados reforçam a importância das APs para a
conservação da natureza. Por outro lado, nas áreas externas às APs, são
elevados os percentuais de células com área urbana (86,4%), agricultura
(99,5%), pasto (90,3%), regeneração e mosaico (ambas com 88,4%). Tais valores
são esperados devido aos usos mais intensivos que ocorrem fora das APs (Tabela
6).
TABELA 6 Distribuição das células, por classe de uso e cobertura da terra,
segundo localização em relação às Áreas Protegidas Estado do Pará – 2010
Classes de uso e cobertura da terra (células)
LocalizaçãAgricultura Área Hidrografia Mosaico Outros Pasto RegeneraçãVegetação
urbana
TI (%) 0,1 1,0 7,1 2,8 16,0 2,3 2,9 24,0
PI (%) 0,1 0,5 2,9 0,7 4,2 0,9 1,4 10,7
US (%) 0,4 12,1 26,0 8,0 21,2 6,6 7,3 22,6
Fora de AP 99,5 86,4 64,0 88,4 58,6 90,3 88,4 42,8
(%)
Total (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total (N) 7.278 4.139 73.938 51.797 194.815 213.888 152.009 878.648
Fonte: IBGE (2011a); Inpe (2011); Bueno (2014).
Nota: Uma mesma célula pode conter mais de uma classe de uso e cobertura da
terra.
Existe uma correlação positiva e forte entre volume de população e percentual
de área urbana nas células em todos os recortes espaciais (ρ > 0,6), mas ela é
mais elevada fora de APs (ρ > 0,72) do que dentro delas. Nas APs a correlação
entre população e área urbana é mais elevada em TIs (ρ > 0,68) e em US (ρ >
0,66) do que nas UCs de Proteção Integral (ρ > 0,61), o que era esperado devido
às maiores restrições impostas à presença de população nestas UCs. Com relação
à presença de vegetação, o coeficiente negativo dentro e fora de AP confirma o
que foi verificado antes quando se analisou o conjunto das células ocupadas, ou
seja, o volume de população decresce com o aumento do percentual de vegetação.
Na Figura_1, apresenta-se um painel de mapas que se complementam e permitem
verificar que: (A) a maior concentração de células ocupadas ocorre no leste,
desde a porção nordeste até o sudeste paraense, reduzindo-se em direção ao
oeste; (B) a concentração da ocupação coincide com o entorno das sedes
municipais e da Região Metropolitana de Belém, mas também ao longo das rodovias
que cortam o estado horizontalmente (BR-230) e verticalmente (BR-163); (C) a
grande porção do território destinada às Áreas Protegidas está mais concentrada
no centro-oeste do estado; e (D) as classes de uso e cobertura da terra com
predomínio de vegetação estão, sobretudo, nas Áreas Protegidas, enquanto as
áreas urbanas distribuem-se ao longo das principais rodovias e nas margens dos
Rios Tapajós e Amazonas. Grandes mosaicos de conservação como as APs da Terra
do Meio, entre os Rios Xingu e Iriri, na porção centro-sul do estado, e muitas
áreas classificadas como hidrografia, algumas delas dentro de AP, respondem por
expressiva porção dos 90% do território do estado que não contém domicílios
ocupados.
[/img/revistas/rbepop/v32n3//0102-3098-rbepop-32-03-0563-gf02.jpg]Fonte: IBGE.
Censo Demográfico 2010; Brasil (s/d); Inpe (2011); Bueno (2014).
FIGURA 1 Distribuição dos domicílios (A), sedes municipais e rodovias (B),
Áreas Protegidas (C) e principais classes de uso e cobertura da terra (D)
Estado do Pará – 2010
De modo geral, a maior concentração da ocupação do leste para o oeste, a baixa
densidade de população em APs e a contiguidade de células sem domicílios
ocupados ajudam a visualizar padrões e os significados dos valores
anteriormente mencionados.
Considerações finais
A aplicação de uma grade estatística ao caso do Estado do Pará, com o propósito
de estudar a distribuição de sua população, potencializa o entendimento da
ocupação de Áreas Protegidas (AP) e de como tal ocupação se situa no quadro
mais geral. Menos populosas e mais florestadas em comparação ao conjunto do
Estado do Pará, as APs apresentam concentração de domicílios ocupados em um
número diminuto de células. Os dados permitem identificar nas Áreas Protegidas
ocupações urbanas - densidades de domicílios relativamente altas (IBGE,_2011a)
conjugadas a células classificadas como "área urbana", pelo TerraClass (INPE,
2011) - que se associam a outros usos e coberturas da terra.
Uma das principais constatações decorrentes da sobreposição de dados de
cobertura da terra aos dados de domicílios é a existência de arranjos distintos
entre quantidade de domicílios ocupados e tipos de cobertura da terra. Tais
arranjos incluem a esperada coincidência de maiores densidades populacionais e
a classe "urbana", mas também incluem outras combinações de domicílios ocupados
e coberturas associáveis a usos agropecuários e agroflorestais.
As APs caracterizam-se como o lugar das reservas florestais, mas também parecem
ter lugar na rede urbana dada a identificada concentração da população em
conjuntos de células classificadas como rurais ou urbanas. A expansão das
cidades não está necessariamente evitando os espaços protegidos, como se estes
fossem barreiras. Os resultados apontam para a necessidade de estudos que
aprofundem o entendimento das articulações entre cidade e floresta nas APs, das
APs e a rede urbana e dos aglomerados identificados. Cabe realizar estudos de
caso que permitam verificar, principalmente em unidades de uso sustentável,
como (e se) a criação dessas unidades estimula a redistribuição com
concentração da população.
O caso aqui considerado utilizando uma abordagem híbrida de técnicas de
agregação e desagregação de dados, de metodologias de álgebra de mapas e
sobreposição de planos de informação, bem como cálculo dos coeficientes de Gini
e de Pearson, enseja o desenvolvimento de outras análises pertinentes ao campo
de população e ambiente, incluindo as demográficas e estatísticas espaciais, as
de ecologia da paisagem (como o cálculo de fragmentação florestal) e as
baseadas em trabalhos de campo que permitam perceber localmente as dinâmicas
que afetam a mobilidade e a redistribuição daqueles indivíduos nas (ou junto
das) Áreas Protegidas da Amazônia.
*Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico pelo apoio (MCTI/CNPq/ Universal 456096/2014-0).
1Segundo Becker_(2013), os núcleos urbanos constituíram a base logística para a
expansão das fronteiras na Amazônia, formando uma fronteira urbanizada, e
atualmente a proliferação de núcleos urbanos com reduzido tamanho funciona como
local de refúgio e resistência de populações expropriadas da terra; porém
trata-se de núcleos urbanos com diversas carências e com dificuldade de criar e
manter uma estrutura econômica que possa garantir o desenvolvimento local e a
aliança entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental.
2O termo é geralmente aplicado àquele processo de urbanização na China que se
dá pela conversão de assentamentos rurais e não pela intensa migração do rural
ao urbano. Sobre o caso chinês, ver ZHU_et_al._(2009).
3O efeito de idade corresponde aos processos biológicos, psicológicos e sociais
ao longo da evolução humana ou a cada faixa etária; o efeito de período reflete
mudanças que atingem toda a população, como as ambientais, econômicas e
sociais; os efeitos de coorte podem refletir mudanças entre um grupo de
indivíduos com a mesma idade (GUIMARÃES;_RIOS-NETO,_2011).
4No Modifiable Area Unit Problem ou MAUP (OPENSHAW,_1984), ocorrem, pelos
efeitos de escala e de zoneamento, a diminuição da variância dos resultados
obtidos e a consequente perda de heterogeneidade, conforme variam as unidades
de análise (GEHLKE; BIEHL, 1934; OPENSHAW; TAYLOR, 1979, 1981; WONG, 1996). A
Falácia Ecológica é um erro inferencial, que faz com que uma análise baseada em
dados agregados leve a conclusões diferentes daquelas que seriam obtidas com a
análise dos dados individuais (ROBINSON, 1950).
5Qualquer análise espacial está sujeita ao MAUP, mas os efeitos de escala e de
zoneamento ficam mais críticos à medida que a quantidade de unidades diminui e
a dimensão das unidades aumenta (WRIGLEY,_1995). Ainda que não seja unânime a
afirmação de que a agregação de dados em níveis geográficos menores minimize os
impactos do MAUP (OPENSHAW;_RAO,_1995), a estratégia é defendida por Goodchild_
(1992) e Schuurman_et_al._(2006), entre outros. Como um sistema de grade
estatística apresenta uma grande quantidade de células pequenas, ao contrário
de um sistema de unidades administrativas com poucas unidades de grande
extensão, infere-se que o MAUP é menos crítico no primeiro caso.
6A resolução espacial média pode ser calculada pela extração da raiz quadrada
do quociente entre a área de uma região e o número de unidades que compõem esta
região (TOBLER,_1997, p. 206-207). No Estado do Pará, de acordo com o Censo
Demográfico 2010, existiam 8.933 setores censitários. Considerando-se uma área
total de 1.247.995 km2, obtém-se a resolução espacial média de 11,82 km.
7A partir do trabalho desenvolvido por Bueno_(2014), com dados cedidos pelo
IBGE, o uso de grades para disseminação de dados oficiais está em estudo por
parte do Instituto.
8Existem diversos casos documentados de sobreposição de Áreas Protegidas que
ocorrem, segundo Rolla_e_Ricardo_(2004), pela falta de conhecimento das
condições locais e pelo desrespeito ao direito das populações.