A prática arquivística: os métodos da disciplina e os documentos tradicionais e
contemporâneos
1 Introdução
A transformação histórica da arquivologia é, evidentemente, marcada pelo
pragmatismo. A disciplina formou-se a partir de soluções de problemas práticos
que a teoria se encarregou, mais tarde, de explicar, analisar e compreender.
Primeiro, porque documentos de arquivo são fruto das atividades humanas e,
inevitavelmente, produzidos; depois, porque a arquivologia esteve sempre a
reboque de outras disciplinas como a diplomática, o direito, a administração e
a história.
O arquivo foi visto, primeiramente, como um local onde se armazenavam os
documentos produzidos pela administração e que possuíam valor jurídico. Mais
tarde, os documentos arquivísticos foram reconhecidos como instrumentos de
poder, e seu significado histórico também percebido, voltando-se olhares mais
atentos para a massa documental acumulada (MORENO, 2004). Esta, por sua vez,
crescia juntamente com os avanços tecnológicos e com a necessidade
informacional, ocasionando um avanço na teoria arquivística ' o nascimento da
gestão de documentos arquivísticos ' e um desafio: a organização dos documentos
arquivísticos. Os arquivos passaram a ser vistos, então, como sistemas e as
tecnologias da informação tornaram-se ferramentas essenciais para a sua gestão.
O surgimento de documentos produzidos em meio eletrônico veio tornar ainda mais
complexo esse cenário de produção, utilização e armazenamento de documentos
arquivísticos.
A concepção de "documento de arquivo", até então proposta, adequou-se bem a uma
cultura que aceitava o papel como suporte primordial e capaz de, com auxílio de
outros instrumentos legais, conferir autenticidade e fidedignidade aos
documentos. Mas o aparecimento de documentos produzidos em meio eletrônico
apresentou novos desafios, principalmente na tarefa de se conferir valores
probatórios e jurídicos aos mesmos.
O National Archives and Records Administration (NARA) define o documento
arquivístico eletrônico como "any information that is recorded in a form that
only a computer can process and that satisfies the definition of a record"1
(NARA, 2005). O Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ, 2004), através de seu
"Glossário de documentos digitais", desenvolvido pela Câmara Técnica de
Documentos Eletrônicos, define documento arquivístico digital como um
"documento arquivístico codificado em dígitos binários, produzido, tramitado e
armazenado por sistema computacional".
Dessas definições, é possível depreender que o suporte é eletrônico e a
informação, ou seja, o conteúdo do documento, somente é acessível através do
auxílio de um computador. Por isso, pode-se entendê-la também como uma
informação que só existe em meio eletrônico e, mesmo assim, deve ainda conter
as características dos documentos arquivísticos tradicionais. Sendo assim,
independente de ser ou não um documento eletrônico, para ser um documento
arquivístico o mesmo precisa respeitar os princípios e as características dos
documentos arquivísticos ditos convencionais. Dollar (1994, p.20) afirma que a
"preservação de documentos eletrônicos exige que se mude a ênfase da
preservação dos registros ou dos meios de armazenagem física para o acesso à
informação eletronicamente apreendida, armazenada e recuperada".
A prática em arquivos ' evidenciada pelas atividades de identificação,
classificação, avaliação, arranjo, descrição, preservação, transferência e
recolhimento, arquivamento e disseminação da informação ' tem seus
questionamentos diante da sobreposição de uma realidade consolidada (com os
documentos tradicionais) e de um novo cenário apresentado: o dos documentos
arquivísticos produzidos, utilizados e armazenados em ambiente eletrônico.
O objetivo do presente artigo é o de apresentar os métodos e procedimentos
realizados em arquivos, procurando mostrar as diferenças entre o trabalho de
organização realizado com documentos arquivísticos tradicionais e com
documentos eletrônicos.
Tal empenho justifica-se, primeiramente, para que a prática seja um reflexo de
uma teoria consolidada que se preocupa em analisar os impactos causados pelas
tecnologias da informação e o aparecimento e proliferação de documentos
produzidos em meio eletrônico nos princípios e técnicas arquivísticas. Depois,
para "desmistificar" o documento eletrônico como um documento incapaz de manter
as características que fariam dele um documento arquivístico, quais sejam:
autenticidade, fidedignidade, naturalidade, inter-relacionamento e unicidade
(RONDINELLI, 2005)2.
2 As prioridades da arquivologia: o quadrilátero em que se assenta a prática da
disciplina
Todo e qualquer método arquivístico é realizado tendo como base algumas
premissas. Estas premissas diferenciam, por exemplo, um documento de
biblioteca, museu ou centro de documentação, de um documento de arquivo, e
refletem as preocupações evidentes da disciplina com relação à produção, ao uso
e ao armazenamento de documentos. São quatro as prioridades da arquivologia, a
saber:
1 O documento como prova de um ato ou fato:
Para a arquivologia, é fundamental compreender um documento arquivístico pela
evidência que este comprova. Diferente da biblioteconomia, o foco não está na
informação, mas no documento como figurante da existência de um ato e de suas
repercussões administrativas, fiscais e legais. A questão informacional é uma
conseqüência, mas não uma prioridade. O Arquivo Nacional (2005) atribui
diversos valores aos documentos arquivísticos que estão conectados ou que
conferem aos mesmos sua especificação como prova documental:
Valor administrativo: valor que um documento possui para a atividade
administrativa de uma entidade produtora, na medida em que informa,
fundamenta ou prova seus atos.
Valor fiscal: valor atribuído a documentos ou arquivos para
comprovação de operações financeiras ou fiscais.
Valor legal: valor que um documento possui perante a lei para
comprovar um fato ou constituir um direito.
Valor probatório: valor intrínseco que permite a um documento de
arquivo servir de prova legal.
Duranti (1994, p. 50) afirma:
Essa capacidade dos registros documentais de capturar os fatos, suas
causas e conseqüências, e de preservar e estender no tempo a memória
e a evidência desses fatos, deriva da relação especial entre os
documentos e a atividade da qual eles resultam, relação essa que é
plenamente explorada no nível teórico pela diplomática e no nível
prático por numerosas leis nacionais.
2 Comunidade ou público-alvo:
Se, em bibliotecas e museus, a gama de usuários é extremamente variada e de
difícil determinação (usuários de uma biblioteca pública estadual podem ser
tanto aqueles residentes na cidade onde está localizada, quanto os que habitam
o estado que a abrange, ou até mesmo toda a população do país, por exemplo), em
arquivos, fala-se mais de comunidade ou público-alvo. Isto se deve ao fato de
que a organização que produz, recebe, utiliza e preserva documentos
arquivísticos tem um número reduzido ou limitado de pessoas que poderão fazer
uso desses documentos. Aqueles produzidos ou recebidos por essa organização
estarão intimamente ligados às atividades e funções desenvolvidas por seus
utilizadores. O conjunto desses usuários pode-se chamar de comunidade, que
poderá ser formada por membros de uma família, quando se tratar de um arquivo
pessoal; membros de uma organização, quando se tratar de um arquivo particular
ou de uma empresa ou, ainda, membros da sociedade, quando se tratar de um
arquivo público. Mesmo nesse último caso, apesar de pouco específica, esta
comunidade terá que manter relações com a produção ou a utilização dos
documentos custodiados por esse arquivo público, ou seja, os cidadãos terão
acesso aos documentos em que são uma das partes relacionadas e envolvidas nos
fatos que esses itens atestam.
3 Preservação:
A prioridade para a arquivologia é a preservação dos documentos. Isto
compreende, em um primeiro momento, que haja precaução contra a deterioração e
danos aos documentos e, em um segundo momento ' e talvez seja esse o maior
desafio nesse contexto eletrônico de produção de documentos ' que haja
preservação das características dos documentos arquivísticos. O acesso aos
documentos, sua identificação e sua localização, ou seja, a recuperação da
informação, é importante, mas a partir do momento em que a preservação ' física
e intelectual ' foi assegurada.
4 Sigilo e segurança:
Se, em bibliotecas, prima-se pela manutenção, preservação e validação do
direito autoral, em arquivos as prioridades estão lançadas em favor do sigilo
da informação contida no documento e na segurança, ou seja, na proteção para a
não violação desses documentos considerados, de acordo com a função ou a
atividade que os geraram, sigilosos. Documentos sigilosos são aqueles a que,
pela natureza de seus conteúdos, são atribuídos graus de sigilo, com o objetivo
de limitar ou restringir o acesso a eles. O ato de atribuir a documentos, ou às
informações neles contidas, graus de sigilo, é também chamado de classificação
de segurança (ARQUIVO NACIONAL, 2005). Em cada uma das fases do ciclo vital, os
documentos podem ter seus graus de sigilo modificados, de acordo com os fatos e
atos que atestam.
Essas premissas devem ser consideradas ao se pensar e realizar os métodos e
procedimentos próprios da arquivologia. São essas prioridades que indicarão as
diferenças substanciais entre um processo de descrição arquivístico e um
processo de descrição bibliográfica, por exemplo. Nesse caso, a tarefa de se
descrever um documento arquivístico se baseará: a) nas suas características de
elemento de prova, que confere evidência a um ato ou a um fato; b) no público-
alvo que fará uso desse documento e, conseqüentemente, nos graus de sigilo e
nas medidas de segurança que deverão ser tomadas de acordo com seus usuários e
suas necessidades/possibilidades de acesso; e c) na sua preservação, para que
seja acessado futuramente, ou para que seja utilizado em decorrência de outras
necessidades diferentes das que o geraram.
3 A prática arquivística: o fazer arquivístico e as especificidades do
documento tradicional e contemporâneo
Os procedimentos arquivísticos aqui apresentados serão discutidos relacionando-
se as definições das atividades e suas nuances no tratamento de documentos
tradicionais e eletrônicos.
3.1 Identificação
Tal atividade ocorre na primeira fase da idade documentária, definida como
corrente, e a ela cabe a identificação da tipologia e das funções a que se
referem os documentos. Ou seja, nesta fase é preciso definir a que vieram os
documentos, "a quem ou a que órgãos cabem o trâmite, que legislação regula sua
vida ativa, que informação essencial contém e qual seu papel na teia orgânica
da administração a qual o arquivo serve" (BELLOTO, 1991, p. 10).
Cabe à identificação conferir unicidade ao documento. Ou seja, mesmo que haja
cópias, o documento é único no conjunto (fundo, série, dossiê) ao qual
pertence. Os instrumentos utilizados nesse processo são: os organogramas, os
quadros de fluxos de informação, as normas que estabeleçam as atividades de
cada setor ou órgão (quando se tratar de organizações públicas), enfim,
instrumentos que têm suas origens, assim como os documentos, dentro da própria
organização.
Tanto para documentos produzidos em meio eletrônico quanto para os
tradicionais, a identificação objetiva a determinação de quais atividades e
funções originaram, de quem são seus autores e a que se destinam. Esse processo
está intimamente ligado à classificação e independe do formato do documento,
mas sim do contexto de sua produção e acumulação. Nos sistemas informatizados
de gerenciamento de documentos (SIGAD) os documentos eletrônicos recebem
identificadores únicos, que distinguem um documento eletrônico de outros e que
se reportam a todo o sistema ou à hierarquia a qual pertencem (EUROPEAN
COMMISSION, 2002).
3.2 Classificação
No âmbito da arquivologia, a classificação pode atingir três níveis diferentes
de significado:
organização dos documentos de um arquivo ou coleção, de acordo com um
plano de classificação, código de classificação ou quadro de arranjo.
2- Ato ou efeito de analisar e identificar o conteúdo dos documentos,
selecionar a categoria de assunto, sob a qual sejam recuperados,
podendo-lhes atribuir códigos. 3- Ato pelo qual se atribui a
documentos, ou às informações neles contidas, graus de sigilo,
conforme a legislação específica. Também chamado de classificação de
segurança (ARQUIVO NACIONAL, 2005).
O primeiro e o segundo significados se aproximam da definição de classificação
em bibliotecas, ou seja, correspondem à organização dos itens informacionais no
que tange ao acondicionamento e à localização temática. Fique claro que a
disposição dos documentos de arquivos numa estante, por exemplo, deve seguir as
funções e as atividades que os geraram dentro da organização, naquilo que na
definição do Arquivo Nacional (2005) ficou determinado por "plano de
classificação", "código de classificação" e "quadro de arranjo". Na terceira
acepção, classificação passa a se apresentar como fator relevante para a
determinação do acesso aos itens informacionais; não relacionada apenas ao
suporte físico, mas, principalmente, ao conteúdo. O segundo significado
atribuído à classificação denota certa ambigüidade, podendo ser interpretado ou
confundido com o processo de indexação realizado em bibliotecas. Para Bellotto
(1991), "a fase que em bibliotecas e em arquivos correntes se denomina
classificação corresponde, nos arquivos de segunda e terceira idades, ao que se
chama arranjo ou ordenação" (p.17).
A classificação pode ocorrer tanto na fase corrente ' como uma conseqüência da
identificação ', quanto na fase permanente, com a constituição do fundo. O
plano de classificação, mesmo que configurado para funcionar automaticamente
dentro de um SIGAD, parte de uma concepção subjetiva, em que a presença do
arquivista é indispensável. O plano de classificação define a organização do
arquivo, tendo como base a estrutura, as funções, as atividades, as tipologias
documentais e a complexidade da instituição que o configurou.
Em um SIGAD, o funcionamento do plano de classificação, o da tabela de
temporalidade e a atribuição de categorias de segurança devem funcionar
conjuntamente para que se cumpram as três funções da classificação em arquivos:
determinar a posição do documento na estrutura organizacional e,
conseqüentemente, sua localização física ou lógica; identificar o conteúdo do
documento, de acordo com o assunto a que se refere (função e atividade); e
atribuir graus de sigilo. São, na grande maioria dos sistemas existentes, os
metadados (veja a definição adiante) os responsáveis pela gestão da estrutura,
da organicidade dos documentos e dos prazos de guarda e destinação.
Percebe-se, portanto, que a classificação independe do formato do documento
arquivístico. Está, pois, intimamente ligada ao contexto, à estrutura e ao
conteúdo do documento.
3.3 Avaliação
O acúmulo de documentos levou ao desenvolvimento de técnicas e instrumentos que
permitem a eliminação de documentos arquivísticos para que haja uma
sistematização do arquivamento daqueles considerados de valor permanente,
diminuindo custos com espaço, armazenamento e pessoal. Tais atividades, que
ocorrem nas fases corrente e intermediária, estão relacionadas à subjetividade
humana de análise e decisão:
De modo geral, a eficácia de um programa de redução de documentos
pode ser avaliada de acordo com a correção de suas determinações. Num
programa dessa natureza não há substituto para o cuidadoso trabalho
de análise. Não há possibilidade de serem inventadas técnicas que
reduzam o trabalho de decidir sobre os valores dos documentos a uma
operação mecânica (SCHELLENBERG, 2002, p. 180).
Sendo assim, a avaliação compreende, segundo o Arquivo Nacional (2005), um
"processo de análise de documentos de arquivo, que estabelece os prazos de
guarda e a destinação, de acordo com os valores que lhes são atribuídos". O
Arquivo Nacional (1995) afirma que tal processo objetiva a redução da massa
documental, o aumento do índice de recuperação da informação, a qualidade de
conservação dos documentos permanentes, o controle do processo de produção
documental, a melhor utilização do espaço físico de armazenamento, o
aproveitamento de recursos humanos e materiais, e a garantia de constituição do
patrimônio arquivístico da organização.
A seleção compreende a separação dos documentos de valor permanente daqueles
passíveis de eliminação, respeitando critérios previamente estabelecidos
(ARQUIVO NACIONAL, 2005). Esses critérios determinam os períodos que os
documentos devem ser mantidos em cada uma de suas fases de seu ciclo vital e
sua possível eliminação. A freqüência de uso das informações contidas nos
documentos, a legislação que regula os prazos prescricionais, a existência de
documentos recapitulativos e os prazos precaucionais serão fatores
condicionantes da determinação dos prazos de guarda.
Com documentos eletrônicos, é comum que as atividades de avaliação e seleção se
iniciem juntamente com o ciclo de vida desses documentos, ainda no estágio de
produção. Isto porque os requisitos de retenção e destino devem ser
configurados ainda na implementação do SIGAD. O potencial de se avaliar e
selecionar os documentos arquivísticos depois de cessado o valor primário de
utilização dos mesmos inexiste no ambiente eletrônico (INTERNATIONAL COUNCIL ON
ARCHIVES - ICA,1997).
Peterson (1984) aponta que a avaliação e a seleção dos novos formatos de
documentos têm dois aspectos, a saber: o intelectual e o prático. O intelectual
responsabiliza-se pelas questões relacionadas à informação: valores de prova e
valores informacionais e é idêntico para qualquer documento e em qualquer
formato. O lado prático da avaliação e da seleção cuida das preocupações
oriundas de como armazenar os documentos arquivísticos, o quanto isto custará,
com qual freqüência eles terão que ser transferidos, se a amostragem arquivada
representa a verdade dos fatos que os originaram e se o pesquisador os utiliza
sempre.
As determinações dos processos de avaliação e seleção são dispostas em
instrumento apropriado para uso nessas atividades: a tabela de temporalidade.
3.4 Tabela de Temporalidade
A tabela de temporalidade é o instrumento que define o ciclo de vida do
documento, visando reduzir ao máximo a interferência da subjetividade humana no
processo de decisão de retenção ou eliminação. Tal instrumento define ainda os
prazos e as condições de guarda, preocupando-se em determinar os períodos de
transferência, recolhimento e eliminação.
Elaborada a partir da análise dos documentos existentes na instituição e de sua
utilização, a tabela de temporalidade pretende a separação dos documentos de
guarda temporária daqueles permanentes; a eliminação dos documentos cuja guarda
não seja necessária; a racionalização das atividades de transferência e
recolhimento e a implementação de uma política de destinação de documentos
(ARQUIVO NACIONAL, 1995). É utilizada, portanto, nas fases corrente e
intermediária.
Com o surgimento dos documentos arquivísticos produzidos em meio eletrônico, a
tabela de temporalidade ganhou, além de seus dados básicos (órgão, setor,
espécie e assunto do documento, prazos de guarda, destinação etc.), outros
complementares, que dizem respeito à obsolescência tecnológica, ou seja,
algumas observações a respeito da migração de suportes e transferência de
mídias. A grande facilidade apresentada pelos sistemas informatizados é a
possibilidade de se ter várias tabelas de temporalidade gerenciando os
documentos contidos no sistema. Dessa maneira, é possível obter automaticamente
relatórios de documentos tradicionais e eletrônicos a serem eliminados,
transferidos ou recolhidos para a guarda permanente. Entretanto, cuidado deverá
ser tomado com os documentos eletrônicos, cuja eliminação poderá ser fatal.
Assim, a tabela de temporalidade "anunciará" os documentos com prazo de guarda
vencido, e só com a aprovação do administrador do sistema se deverá proceder à
eliminação.
3.5 Arranjo
Entende-se por arranjo a "seqüência de operações intelectuais e físicas que
visam à organização dos documentos de um arquivo ou coleção, utilizando-se
diferentes métodos, de acordo com um plano ou quadro previamente estabelecido"
(ARQUIVO NACIONAL, 2005). Paes (2005) afirma que as operações intelectuais
compreendem a análise dos documentos quanto a sua origem funcional, forma e
conteúdo; e as operações físicas referem-se ao acondicionamento dos suportes
documentais em locais apropriados e àidentificação dos mesmos para definir sua
disposição. O estudo das funções, das atividades e da estrutura da organização
produzirá um esquema chamado quadro de arranjo que auxiliará nas atividades
intelectuais e físicas de arranjo, realizadas na fase permanente.
O arranjo de documentos eletrônicos, assim como no contexto tradicional, estará
intimamente ligado a manutenção da proveniência. Mesmo que o documento não
esteja agora disposto em estantes ou gavetas, mas em inventários ou
repositórios da memória de um computador, arranjá-lo significa ainda ordená-lo
de acordo com as atividades e funções que o geraram. Bearman (1993) afirma que,
no arranjo físico, remover um documento de seu local de acondicionamento
representa sério risco para o bom cumprimento do princípio de proveniência. Com
os documentos eletrônicos ocorre o mesmo. Peterson (1984) chega a afirmar que a
disposição do documento eletrônico num repositório depende da conveniência
administrativa e não do formato, garantindo-se assim que a estrutura e a
informação do contexto que gerou a documentação possam ser preservadas.
3.6 Descrição
Na arquivologia, ocorre uma discussão que envolve dois termos diferentes para
designar a mesma atividade: catalogação e descrição. "A catalogação, via pela
qual o usuário chega a uma publicação [...] na biblioteca [...], tem seu
similar, quando se trata de arquivos permanentes, na descrição" (BELLOTTO,
1991, p. 17).No Brasil, o Arquivo Nacional (2005) define descrição como sendo
um...
"...conjunto de procedimentos que leva em conta os elementos formais
e de conteúdo dos documentos para a elaboração de instrumentos de
pesquisa", e, em sua definição de catálogo, define-o da seguinte
maneira: "instrumento de pesquisa organizado segundo critérios
temáticos, cronológicos, onomásticos ou toponímicos, reunindo a
descrição individualizada de documentos pertencentes a um ou mais
fundos, de forma sumária ou analítica".
Sendo assim, pode-se concluir que, preferencialmente, utiliza-se o termo
descrição para o processo de representação do documento em arquivos
permanentes. É mais comum, no entanto, utilizar-se em arquivos o termo
"catálogo", como sendo um instrumento de pesquisa mais elaborado do que um
simples conjunto de representações dos documentos encontrados no fundo. E, por
se tratar de documentos com valor histórico, o catálogo transforma-se em "vias
de acesso do historiador ao documento, sendo a chave da utilização dos arquivos
como fontes primárias da história" (BELLOTTO, 1991, p. 17).
Bearman (1993, p. 24) cita o SAA Ad Hoc Committee on Description Practices
(1989)3 para definir a descrição arquivística como:
"the process of capturing, collating, analyzing, and organizing any
information that serves to identify, manage, locate, and interpret
the holdings of archival institutions and explain the contexts and
record systems from which those holdings were selected4".
No ambiente eletrônico, a descrição ganha ainda maior destaque nas funções de
preservação e acesso aos documentos. Como o acesso ao conteúdo dos documentos
eletrônicos está condicionado à sua exibição através da ajuda de um aplicativo
de software, faz-se uso da descrição do documento eletrônico para recuperá-lo
previamente. A descrição se encarrega também de determinar como foram
concebidos os documentos (aplicativo, fonte, tipo de documento etc.), através
dos elementos de metadados; e é também através desses mesmos elementos que se
reconstitui a proveniência do documento eletrônico. Observa-se que a descrição
terá, portanto, três funções: representar o documento; caracterizá-lo (segundo
o suporte e a tecnologia utilizada) para posterior conservação e preservação; e
localizá-lo dentro da estrutura organizacional. Todo esse processo será
possível por meio dos metadados.
Ikematu (2005, p. 1), discutindo sobre gestão de metadados, os define, entre
outras acepções, das seguintes maneiras:
* Metadados são dados que descrevem atributos de um recurso. Eles suportam
um número de funções: localização, descoberta, documentação, avaliação,
seleção etc.;
* Metadados fornecem o contexto para entender os dados através do tempo.
Percebe-se que os metadados são elementos utilizados para a descrição, que
servirão tanto ao suporte, ou seja, o meio pelo qual o documento é disposto,
quanto ao conteúdo. MacNeil (2000)5, citado por Rondinelli (2005, p. 61),
distingue duas categorias de metadados:
A primeira categoria, metadados do sistema eletrônico, consiste em
dados que descrevem o sistema operacional, o programa que gera os
documentos, a localização física dos documentos no sistema eletrônico
(...) A segunda categoria, metadados dos documentos, por outro lado,
consiste em dados que colocam o documento dentro do seu contexto
documentário e administrativo no momento da sua criação (...) Em
alguns sistemas eletrônicos, tais dados são armazenados no dicionário
de dados; em outros são reunidos num perfil do documento anexado ao
documento arquivístico.
Bearman, em 1993, já se preocupava com a descrição de documentos eletrônicos e
a manutenção do princípio de proveniência através dos metadados. Sendo assim,
suas palavras preconizam aquilo que MacNeil destaca como a segunda categoria de
metadados: "metadata documenting a record system needs to link organizational
structure and function, business and archival processes, software procedures,
and documentary forms66§".
Cabe aos metadados, portanto, preservar a proveniência do documento eletrônico;
resguardar as características da forma e do suporte da tipologia dos
documentos; recuperar a sua relação orgânica e seu contexto de produção;
definir os responsáveis (pessoas físicas ou jurídicas) pela produção do item; e
descrever sinteticamente o conteúdo.
Bearman (1996?), em trabalho realizado na University of Pittsburgh, denominado
"Metadata requirements for evidence"7, afirma que algumas exigências funcionais
ditam que os documentos sejam detalhados, identificados, completos (no que se
refere à estrutura e ao contexto) e com autoridade de produção reconhecida.
Essas exigências permitiriam especificar quais metadados seriam necessários
para garantir que os documentos sejam preservados ao longo do tempo e que sua
utilidade seja viável por meio de sucessivas gerações de software, enquanto
mantidos em um SIGAD.
3.7 Preservação
Quando se discute guarda permanente de documentos, não se espera que os
documentos sejam mantidos intactos por toda a eternidade, mas que sejam
guardados e protegidos de tal maneira que se estenderá seu uso e acesso ao
máximo, até que seu valor primário seja superado e seu valor secundário seja
utilizado em pesquisas ou em outras atividades de tomada de decisão.
Conway (2001, p. 14) afirma que preservação é "a aquisição, organização e
distribuição de recursos a fim de que venham a impedir posterior deterioração
ou renovar possibilidade de utilização de um seleto grupo de materiais". Para o
autor, a preocupação está com o objeto propriamente e com a noção de evidência
que este carrega, independente da fase do ciclo vital em que se encontra o
documento arquivístico. Portanto, administrar a preservação "compreende todas
as políticas, procedimentos e processos que evitam a deterioração ulterior do
material de que são compostos os objetos, prorrogam a informação que contêm e
intensificam sua importância funcional" (CONWAY, 2001p. 14).
A vida relativamente curta do hardware e do software tem implicações
importantes para a preservação em longo prazo dos documentos eletrônicos. As
organizações, por exemplo, substituem seus sistemas quando estes se tornam
obsoletos ou quando novos produtos superam as vantagens do antigo software.
Preservação, nesse sentido, assume uma nova conotação, ou seja, significa
assegurar que os documentos criados e mantidos no antigo sistema de
gerenciamento permaneçam compreensíveis e usáveis no novo sistema a partir da
migração dos registros.
Essa migração implica incompatibilidade de configurações, mesmo que os sistemas
possuam o chamado mecanismo de "compatibilidade inversa"8. Sistemas complexos,
que foram desenvolvidos de acordo com requisitos não-funcionais9 específicos
para uma organização, são mais difíceis de migrar e se compatibilizar com os
novos sistemas. Além de dispendioso financeiramente, esse processo de migração
requer mudanças substanciais para que a estrutura e o formato dos documentos
não sejam prejudicados e não comprometam sua integridade como evidência.
Considerar um documento eletrônico como preservado significa que este documento
pode ser acessado e, quando feito, permita evidenciar a atividade que o
produziu com confiabilidade e autenticidade (ICA, 1997). Como afirma Conway
(2001, p. 15), "a preservação no universo digital descarta toda e qualquer
noção dúbia que entenda preservação e acesso como sendo atividades distintas".
Por mais que estejam preservados os meios físicos (disquetes, discos ópticos,
fitas magnéticas etc.), isso não significa que o documento eletrônico esteja
preservado (ICA, 1997).
3.8 Transferência e recolhimento
Reconhece-se como transferência a passagem dos documentos do arquivo corrente
para o arquivo intermediário, e, como recolhimento, o deslocamento dos
documentos do arquivo intermediário para o arquivo permanente (ARQUIVO
NACIONAL, 2005; CONARQ, 2004; PAES, 2005). Tais processos ocorrem de acordo com
a freqüência de uso e o valor do documento, objetivando o aproveitamento dos
espaços físicos, economizando recursos materiais e pessoais e facilitando o
acesso e a preservação dos documentos (PAES, 2005).
Talvez numa concepção "jenkinsoniana" de arquivos ' que expressa continuidade
no ciclo dos documentos e não separa os produzidos nas organizações daqueles de
arquivo permanente; ou a mudança de ênfase que se verifica da preservação de
documentos para o acesso à informação (DOLLAR, 1994) ' com documentos
eletrônicos tem-se adotado um tratamento mais uniforme, que se inicia no
momento em que o próprio item é produzido. Assim, por meio da "arquivística
integrada", preconizada por Couture e Rousseau (1998), estes documentos, ainda
na fase denominada corrente, são identificados, classificados e descritos para
que, quando deslocados, sejam-no de forma organizada, prontos para o acesso
tanto ao documento quanto ao seu conteúdo. Esse deslocamento poderá ser físico,
quando se tratar de deslocamento de mídia visando ao combate à obsolescência
tecnológica, ou um deslocamento de servidor, devido principalmente à freqüência
de uso, para que documentos eletrônicos de arquivo que tiveram sua utilidade
diminuída, não ocupem espaço na memória de sistemas informatizados que poderiam
ser utilizados por outros.
3.9 Arquivamento
O CONARQ (2004) define arquivamento como uma "seqüência de operações que visam
à guarda ordenada de documentos" nas fases corrente, intermediária e
permanente. Essa acepção está relacionada ao acesso físico do documento, seu
arranjo e disposição nas estantes, fichários, gavetas etc. Nesse contexto, a
guarda ordenada a que se refere a citação obedece a um método de arquivamento,
que compreende uma série de "operações que determina a disposição dos
documentos de um arquivo ou coleção, uns em relação aos outros, e a
identificação de cada unidade" (ARQUIVO NACIONAL, 2005). Esse método de
arquivamento poderá ser básico (alfabético, geográfico, numérico etc.) ou
padronizado (automático, mnemônico, etc.) (PAES, 2005).
Outra acepção é a que entende o arquivamento como uma ação "pela qual uma
autoridade determina a guarda de um documento, cessada a sua tramitação"
(ARQUIVO NACIONAL, 2005; CONARQ, 2004).
No caso dos documentos eletrônicos, de acordo com Bearman (1996), para ser
evidência eles devem estar intrinsecamente ligados aos seus metadados e serem
inviolados. Onde estão acondicionados fisicamente não importa, contanto que
estejam devidamente protegidos e controlados. O conteúdo do documento (ou o
documento em si) não precisa estar arquivado juntamente com os metadados que a
ele fazem referência.
3.10 Atividades de referência ou disseminação da informação
Muitas vezes descritas como atividades desenvolvidas somente nos arquivos
permanentes (PAES, 2005), as atividades de referência compreendem todos os
processos de acesso e uso dos documentos. Nas fases iniciais do ciclo vital dos
documentos, essas atividades ficam a cargo dos produtores dos próprios
documentos arquivísticos, mas, na fase permanente, políticas de uso e acesso
podem ser sistematizadas com o intuito de: determinar o que deve e o que pode
ser consultado; estabelecer como devem ser consultados e manipulados os
documentos; e analisar o direito de terceiros sobre os documentos e
determinações legais dos responsáveis pela produção dos documentos
arquivísticos (PAES, 2005). As atividades mais freqüentes são as de reprodução,
que pode ser entendida como o "processo de produção de cópia de um documento no
conteúdo e na forma, mas não necessariamente em suas dimensões" (ARQUIVO
NACIONAL, 2005); e de utilização, que é o efetivo uso do documento como
evidência de uma atividade ou função, ou ainda para fins informacionais, quando
da tomada de decisão ou pesquisa.
Será o ambiente eletrônico o responsável por oportunidades e desafios,
realizando as funções arquivísticas que relacionam o acesso e o uso dos
documentos. Sendo assim, não necessariamente o pesquisador e o arquivista
precisam estar no mesmo local para que haja troca, acesso e utilização de
documentos arquivísticos10. Será o SIGAD a tecnologia mediadora desse acesso e
utilização. Para que ambos os processos ocorram nos moldes e dentro dos
princípios arquivísticos, é preciso garantir que a configuração desse sistema
esteja voltada para a teoria da arquivologia e esteja, principalmente, engajada
em resguardar as características do documento arquivístico eletrônico, através
de um plano de classificação bem estruturado, de um processo de captura e
descrição seguro e relacionado às normas internacionais, nacionais e às
necessidades internas da organização; através de um controle de acesso e de
segurança em que se atente tanto aos documentos como aos usuários do sistema.
4 Considerações finais
O presente artigo objetivou a apresentação dos métodos e procedimentos
realizados em arquivos, relacionando as diferenças do tratamento de documentos
arquivísticos tradicionais e eletrônicos. Percebeu-se que, com a utilização das
novas tecnologias e dos documentos produzidos em meio eletrônico, esses
processos não sofreram grandes modificações.
Algumas preocupações, como com as atividades de avaliação e seleção e,
conseqüentemente, a aplicação da tabela de temporalidade, foram antecipadas
para a fase inicial do ciclo vital dos documentos arquivísticos.
Questão crucial continua sendo a manutenção da proveniência, que a atribuição
sistematizada de metadados no processo de captura e descrição de documentos
arquivísticos e a classificação se encarregam, mesmo em ambiente eletrônico, de
manter. A preservação ganha outras acepções. Preservar não significa, em
arquivos, somente deixar acessíveis para gerações futuras os documentos
arquivísticos, mas garantir que as características arquivísticas dos documentos
sejam mantidas e que ohardware e o software não venham a se tornar obstáculo à
acessibilidade, ou seja, que os documentos possam continuar sendo acessados e
visualizados, independente dos aplicativos que os geraram.
As atividades de referência, também chamadas de disseminação da informação, são
as mais beneficiadas pelo aparecimento das novas tecnologias da informação.
Novas possibilidades de acessar documentos e obter informações são
disponibilizadas pela Internet à comunidade a que se refere ou a que dizem
respeito os documentos arquivísticos.
A arquivologia, nesse sentido, torna-se mais ampla ' tomando as devidas
precauções com o sigilo e o acesso aos documentos ', preocupando-se, além da
estrutura formal do documento e sua organicidade, também com o conteúdo e suas
possibilidades para a tomada de decisão.
Fica a certeza de que a arquivologia, embora tradicionalmente ligada aos
documentos produzidos em papel, está preparada para gerenciar a produção, o
acesso e a preservação de documentos em ambiente eletrônico, por meio de suas
práticas. Os sistemas informatizados de gerenciamento arquivístico de
documentos vêm, não só para reunir a gestão da diversidade documental que a
contemporaneidade apresentou, mas para permitir que a produção, a utilização e
o armazenamento de documentos sejam dinâmicos, eficientes e eficazes.