Francisco José Gomes de Santa Rosa: experiências de um mestre pedreiro pardo e
pernambucano no Oitocentos
Entre os anos de 1830 e 1870, o Recife testemunhou expressivas mudanças
conjunturais. Duas interessam ao meu artigo. A primeira delas foi a
modernização espacial da cidade sob inspiração de elementos da cultura
burguesa, projeto europeizante das elites letradas e proprietárias locais.
Entre outros objetivos, essa classe social pernambucana queria dotar a capital
da província com equipamentos urbanos considerados civilizados e "moralizar"
seus canteiros de obras por meio da contratação de operários estrangeiros
pretensamente disciplinados, civilizados e morigerados.1 A outra mudança foi o
aumento da mão de obra livre em seu contingente populacional. O quadro
demográfico pode ser justificado, entre outros fatores, pela constante
desagregação do escravismo, pelos movimentos migratórios que se dirigiam do
interior para a capital pernambucana e pelo tráfico interno, que transferiu
muitos cativos para as províncias do sul.2 Ambas as mudanças conjunturais
tinham potencial para ferir a empregabilidade dos mestres de obras recifenses
que eram livres. Especialmente os que eram descendentes de africanos, foram
formados nos canteiros locais e dominavam o mercado de edificações por conta de
sua perícia. As mais antigas e consolidadas equipes da cidade que se destacavam
nesse setor produtivo passaram a conviver em uma acirrada arena de disputas por
trabalho e pela sobrevivência cotidiana.
Naqueles anos, as tensões entre monopólio e liberdade profissional, nos
canteiros de obras da capital pernambucana, também fomentaram uma das mais
curiosas batalhas contra a concorrência. Para os mestres de obras recifenses,
que eram homens de cor pressionados pelas novidades, defender uma ou outra
política de mercado dependia das conveniências políticas e econômicas. Em
alguns momentos, eles eram favoráveis ao livre mercado, principalmente quando
algum capitalista solicitava ao governo provincial o controle de sua indústria.
Em outros, os mesmos profissionais defendiam o protecionismo de sua atividade,
especialmente quando as próprias autoridades públicas autorizavam obras de
edificação e reparo sob a supervisão de algum indivíduo sem a costumeira
formação artesanal. Não bastassem tais vicissitudes, a contratação de novos
serviços ainda exigia daqueles mestres de obras uma sólida rede de relações
pessoais com patronos poderosos. Afinal, em uma sociedade alicerçada na
economia do favor, levava vantagem o artesão que dispunha de bons fiadores,
contava com a confiança dos credores, era apoiado por influentes políticos e
recebia informações privilegiadas sobre os orçamentos públicos.3
No Recife, a competição por serviços em nova conjuntura também exigiu que
muitos dos velhos mestres de obras de pele escura reforçassem solidariedades
baseadas em costumes comuns.4 No período em quadro, poderiam conseguir melhores
níveis de proteção e de empregabilidade os trabalhadores que foram formados nas
tradicionais culturas corporativas, conquistaram algum grau de instrução,
estavam organizados em grupos de auxílio mútuo e conviviam em irmandades de
ofícios - espaços que, antes da outorga da Constituição de 1824, desfrutaram do
privilégio de diplomar artesãos, taxar preços e dizer quem poderia exercer as
artes mecânicas que representavam.5 Reunidos por afinidades profissionais,
familiares, religiosas, educacionais, culturais e étnicas, os mestres de obras
recifenses, homens livres e descendentes de africanos, ainda combateram dois
estigmas que rondavam suas vidas cotidianas. O da escravidão, que inferiorizava
a mão de obra dos ex-cativos e de seus descendentes, classificando-a, por conta
dos processos de racialização, como indisciplinada e inepta, e o do defeito
mecânico, que era uma concepção coletiva que menosprezava todos aqueles que
trabalhavam com as mãos - e, pretensamente, sem o auxílio do intelecto em suas
atividades.6
Nas primeiras duas décadas recortadas por este texto, pelos menos duas
importantes organizações recifenses estiveram atentas aos problemas e às
questões que mobilizavam os mestres de obras recifenses, livres e de pele
escura. Ambas operavam conjuntamente, apesar de autônomas. Além de
compartilharem certos objetivos para a proteção daqueles profissionais, também
eram compostas por membros comuns. Por vezes, encontramos, simultaneamente, um
mesmo artesão ocupando importantes cargos deliberativos nas duas organizações.
Uma delas era a Sociedade das Artes Mecânicas, uma associação mutualista muito
parecida com suas congêneres europeias, onde os artífices especializados
defendiam seus mais diversos interesses.7 A entidade recifense foi elaborada na
década de 1830 e fundada em 1841, com a proposta de garantir auxílio financeiro
aos sócios, de captar novos serviços no mercado e de promover sua instrução
mais geral por meio de aulas noturnas. Em sua maior parte, os idealizadores do
grupo de auxílio mútuo eram irmãos de São José do Ribamar, confraria que havia
sido fundada em meados do século XVIII - e que ganhou o privilégio real de ser
uma corporação de ofício nas últimas décadas da colonização portuguesa. Não por
acaso, as duas entidades que congregavam mestres de obras estiveram instaladas
no templo em homenagem ao santo carpinteiro.8
Entre as décadas de 1850 e 1870, Sociedade e Irmandade disputaram poder e
romperam relações. A primeira se instalou em nova sede e trouxe gente
importante da política pernambucana para seu quadro de sócios honorários e
beneméritos. Essas significativas mudanças aumentaram sua projeção pública.
Contudo, é importante destacar que os artífices especializados de pele escura
continuaram a controlar seus principais postos de poder. Naquele momento de
transformação institucional, as aulas noturnas que a associação oferecia
ganharam uma organização de caráter escolar e passaram a responder diretamente
à Diretoria da Instrução Pública de Pernambuco. Apesar disso, os professores da
casa também continuaram sendo os artífices descendentes de africanos,
especialmente os que conseguiram frequentar estudos primários e secundários. No
bojo desse processo, alguns sócios pretos e pardos, mestres qualificados pelos
estudos teóricos e pelo tirocínio dos canteiros de obras, foram contratados
para executar obras públicas - uma antiga reivindicação. O auge das conquistas
da associação foi o direito de fundar e administrar o Liceu de Artes e Ofícios
do Recife, além de criar uma empresa de edificações com o aval financeiro de
grandes empreiteiros do setor.9
Atento às tensões e às complexidades que envolveram o mercado de edificações da
capital pernambucana, aos desafios que precisavam ser enfrentados por
determinados artífices nacionais de pele escura e àquelas duas organizações
artesanais recifenses entre os anos de 1830 e 1870, o artigo que ofereço aos
leitores faz parte de um esforço mais específico para rastrear as trajetórias
de alguns sujeitos que se destacaram na vida da Sociedade e/ou da Irmandade,
precisaram encontrar meios para consolidar sua cidadania e trabalharam para
viver com mais prosperidade material.10 Francisco José Gomes de Santa Rosa foi
um dos artífices pernambucanos que lutou para conquistar respeitabilidade
pública, reconhecimento profissional e bons serviços nos canteiros de obras do
Recife - mercado que preferencialmente oferecia os melhores contratos para
aqueles que tinham reputação e contavam com substanciais redes clientelares.
Junto disso, o mestre pedreiro pardo precisava superar muitos concorrentes
estrangeiros e torcer para que os trabalhadores migrantes mais ou menos
especializados fossem proletarizados. Por tudo isso, assim como propõe Edward
Palmer Thompson, a vida de Francisco José Gomes de Santa Rosa e de seus
companheiros esteve enredada por conflituosas relações entre contingências e
vontade pessoal.11
O destaque de Francisco José Gomes de Santa Rosa nas organizações dos mestres
de obras pernambucanos
Atento às conjunturas do período, e pressionado por elas, o mestre pedreiro
Francisco José Gomes de Santa Rosa foi um dos protagonistas na luta em favor do
artesão brasileiro, homem de cor qualificado no mercado de edificações
pernambucano. Por meio de sua inserção social, ele ganhou destaque por exigir o
reconhecimento público daquele trabalhador, sempre perseguido pelos estigmas da
escravização e do defeito mecânico. Podemos acompanhar a atuação de Francisco
José Gomes de Santa Rosa em dois importantes espaços de sociabilidades
recifenses, que viabilizaram sua liderança junto aos artesãos. O primeiro deles
é a Irmandade de São José do Ribamar, que reunia pedreiros, carpinteiros,
tanoeiros e calafates. Não consigo precisar o ano de sua matrícula na entidade
leiga, mas, por exemplo, em 1845, encontramo-lo no cargo de tesoureiro. Na
mesma década, sabemos que havia ocupado o posto de juiz, o mais alto nível
hierárquico da confraria. Segundo o Compromisso da Irmandade de São José do
Ribamar, de 1840, podemos afirmar que Francisco José Gomes de Santa Rosa era
perito em seu ofício. Somente os mestres daquelas quatro profissões que fossem
brasileiros poderiam ocupar as cadeiras da mesa regedora, principal instância
deliberativa da organização devotada ao santo carpinteiro.12
Na Sociedade das Artes Mecânicas, por sua vez, Francisco José Gomes de Santa
Rosa matriculou-se em 1844. O Estatuto da sociedade mutualista informa que
somente os mestres pedreiros e carpinas nascidos no país seriam aceitos como
sócios. Tal informação confirma a reconhecida perícia do trabalhador
pernambucano, que, no mesmo período, viabilizou a conquista de importantes
cargos reservados aos mestres de ofício da Irmandade de São José do Ribamar. No
Livro de Matrículas do grupo de auxílio mútuo, Francisco José Gomes de Santa
Rosa surge como um pedreiro de 34 anos, homem pardo, casado, pernambucano e
residente na Rua da Glória, que estava localizada na freguesia da Boa Vista.
Vale destacar que, desde as reformas urbanas iniciadas pelo governo provincial,
em finais da década de 1830, essa localidade recifense era conhecida como lugar
de recreio e de moradia das camadas médias urbanas locais. Na sociedade de
auxílio mútuo, por fim, o mestre pedreiro atingiu o mesmo destaque
institucional que desfrutou na entidade religiosa devotada ao santo
carpinteiro. Em 1845 e 1851, por exemplo, encontramos Francisco José Gomes de
Santa Rosa ocupando a função de vice-secretário ou segundo secretário, que
somente devia satisfações ao diretor e ao primeiro secretário.13
A importância de Francisco José Gomes de Santa Rosa em ambas as organizações,
que possuíam semelhantes e restritivos critérios para a escolha de seus
dirigentes, dialogou com suas vivências mais cotidianas, ligadas a sua vida
privada. Não é possível entender o sucesso institucional do mestre pedreiro sem
observar seu status pessoal. Da mesma forma, não podemos entender sua bem
sucedida vida individual sem considerar o apoio de suas redes sociais. Afinal,
ele conviveu em uma sociedade paternalista, que exigia um profundo envolvimento
dos sujeitos em complexas relações coletivas, tecidas pelas conveniências
cotidianas e pela economia do favor.14 Nesse sentido, é muito importante
sublinhar que o perito era casado, condição fundamental para quem almejava
respeitabilidade pública e a continuidade da tradição artesanal. O trabalhador
era esposo de Engrancia do Amparo Santa Rosa, que gerou duas meninas: Amélia e
Digna Santa Rosa. Os dados disponíveis não permitem afirmar que o patriarca
tenha prometido a mão de suas filhas para artífices, que usufruiriam de seu
legado. Entretanto, as relações construídas nos canteiros de obras foram
fundamentais para proteger sua família. Na ocasião de sua morte, em fevereiro
de 1861, Amélia e Digna foram tuteladas pelo mestre Francisco Martins dos Anjos
Paula, companheiro de sociedade mutualista e de irmandade.15
É bastante interessante o fato de Francisco José Gomes de Santa Rosa surgir
como pardo no Livro de Matrículas da sociedade mutualista. Não acredito que o
registro significasse que o mestre de obras fosse um mestiço de pele mais
clara. Ele representava sua posição social, tendo em vista o local de sua
moradia, a constituição de uma família legítima, o exercício de um ofício
especializado e o protagonismo em organizações artesanais. Até mesmo suas
posses entravam na equação, já que o perito acumulou cabedais.16 Na própria
sociedade mutualista, é possível encontrar exemplos que sustentam minha
hipótese sobre a cor preta de Francisco José Gomes de Santa Rosa. José Vicente
Ferreira Barros era um mestre carpina preto. O trabalhador matriculou seus três
filhos na associação, e todos surgiram como homens pardos, apesar de não serem
mestiços. Isso permite afirmar que, na diacronia, a família alterou sua cor
porque experimentou mobilidade social ascendente. Não por acaso, os jovens
completaram o ensino secundário. Além de se tornar mestre de ofício, o filho
mais velho, José Vicente Ferreira Barros Junior, foi professor público
provincial. O mesmo ocorreu com o mais jovem, Antonio Basílio Ferreira Barros,
que ainda cursou a Faculdade de Direito do Recife. João dos Santos Ferreira
Barros foi um dos mestres de obras mais requisitados da cidade, além de
presidir o Gabinete Artístico, órgão governamental para o fomento da indústria,
e dirigir o Liceu de Artes e Ofícios.17
No período em que Francisco José Gomes de Santa Rosa foi gestor da Sociedade
das Artes Mecânicas, uma de suas principais ações foi exigir que o governo
provincial pagasse as subvenções que financiavam as aulas noturnas oferecidas
pela sociedade mutualista - a Lei nº 130 foi aprovada em 2 de maio de 1844 para
que servisse de estímulo à indústria pernambucana, mas também ajudava os sócios
a dissociarem suas imagens dos estigmas da escravidão e do defeito mecânico. Em
uma petição de 21 de março de 1845, observamos que aquela ajuda, que havia sido
aprovada por um ex-presidente conservador, estava sendo desconsiderada pelo
governo dos Praieiros, que, curiosamente, defendia a nacionalização do comércio
a retalho e o emprego do trabalhador local.18 Sem dúvida, a picuinha política
pode ser apontada como um dos fatores para o bloqueio da subvenção, mas não era
o único. Segundo Izabel Marson, os Praieiros procuraram instituir políticas que
proletarizassem a mão de obra dos trabalhadores urbanos. Eles queriam
transformá-los em "simples vendedores de força de trabalho e consumidores de
mercadorias, absolutamente sem autonomia".19 Sem dúvida, isso era inaceitável
para os artífices associados, que lutavam pela progressão de sua autonomia
política e laborativa.
Além do pronto pagamento da subvenção anual regulada por lei, os gestores da
Sociedade das Artes Mecânicas também exigiam o pronto aumento de seu valor,
pois, segundo os peticionários, os governantes deveriam compreender melhor a
função do Estado. Na ótica da sociedade mutualista, ele não deveria servir
somente "às Armas, às Academias, à Magistratura e às grandes classes". Aquela
instância de poder público deveria zelar pelo bem-estar de todos os cidadãos
que tinham méritos. Por essa razão, ainda segundo o documento de 1845, a
sociedade de auxílio mútuo exigia medidas "por igual proteção", voltadas aos
trabalhadores especializados que estavam nas camadas intermediárias da pirâmide
social. Para pressionar os governantes pernambucanos, os artífices associados
diziam que a justeza dessa medida evitaria "mais eficazmente a imoralidade e,
com isso, a dissolução do Estado".20 De forma muito inteligente, o documento
atribuiu ao Estado o papel de promotor da justiça social. Incluir os artesãos
especializados na cidadania, reconhecendo seus talentos e virtudes, seria,
portanto, uma boa forma de as elites letradas e proprietárias evitarem
descontentamentos públicos.
Um ano depois, de forma mais suave e conciliatória, a sociedade de auxílio
mútuo voltou a solicitar seu benefício pecuniário aos legisladores Praieiros e
ao presidente da Província Antonio Pinto Chichorro da Gama - que era da mesma
facção partidária. Mais uma vez, a subvenção anual surgia como lenitivo para
que os sócios pudessem manter suas aulas noturnas e, assim, "suportar a
concorrência estrangeira". O tom da petição de 1846 é mais diplomático,
comparado com aquele do ano anterior. Em vez de acusarem o Estado de
negligenciar os pagamentos da subvenção e a observância de sua função pública,
os sócios disseram que "talvez por fatalidade [...] ficaram os pobres artistas
esquecidos". Finalmente, os componentes da mesa diretora assinaram o documento
apresentando "seus sinceros e respeitosos protestos de dedicação" aos
governantes. Contudo, devo salientar que a mudança de atitude da sociedade
mutualista não foi fruto de uma virada institucional de mesa, como se existisse
uma nova gestão mais afeita aos políticos Praieiros. Prova disso é que, nas
petições de 1845 e 1846, encontramos algumas assinaturas comuns, como, por
exemplo, a de Francisco José Gomes de Santa Rosa.21
No final da década de 1840, quando os conservadores voltaram ao poder local, a
sociedade mutualista ganhou maior projeção pública, por causa da aliança
forjada desde a aprovação da subvenção. O grupo de artífices era uma das poucas
referências para os governantes pensarem em políticas de "moralização" da mão
de obra livre. Não por acaso, o projeto da Escola Industrial acabou dialogando
com a experiência dos sócios. Por mais que esse estabelecimento tenha ficado no
papel, o grupo de auxílio mútuo conseguiu conquistar, nos anos 1850, a função
de seu mantenedor. Concorrentemente, ao comemorar seu décimo aniversário, a
associação reformou seu Estatuto e mudou de nome: Sociedade das Artes Mecânicas
e Liberais. Com isso, os artífices construíram ligações mais efetivas com
membros das elites letradas e proprietárias, abriram suas matrículas para toda
a classe artística e reafirmaram com mais ênfase sua qualificação teórica no
exercício de seus ofícios. Por todas essas razões, encontramos muitos de seus
mestres em obras governamentais e em escolas públicas. Na construção dessas
estratégias institucionais, Francisco José Gomes de Santa Rosa foi um dos mais
importantes idealizadores. Em 1856, por conta de seu protagonismo associativo,
o pedreiro chegou à principal função da mesa diretora.22
Na década de 1850, Francisco José Gomes de Santa Rosa também ajudou a
reorganizar a Irmandade de São José do Ribamar, pois compôs a comissão revisora
do Compromisso de 1840. O sucesso institucional da Sociedade das Artes
Mecânicas e Liberais - fruto da defesa de estudos teóricos para melhor execução
dos ofícios, da construção de alianças com outras categorias da classe
artística, da proximidade com as elites letradas e proprietárias e da montagem
de um perfil organizacional mais afinado com a ideologia do progresso - criou
novas demandas na tradicional entidade leiga. Alguns irmãos queriam se
apropriar da experiência e do sucesso institucional da sociedade mutualista
para reformar seu conjunto de regras, que ainda reproduzia aspectos mais
familiares às velhas corporações de ofício - extintas legalmente pela
Constituição de 1824. Além daquele mestre pedreiro, João dos Santos Ferreira
Barros e José Vicente Ferreira Barros Junior, citados mais acima, artífices
profundamente identificados com o grupo de auxílio mútuo, participaram da
equipe revisora.23 No processo de revisão do Compromisso de 1840, a experiência
associativa desses peritos foi determinante para reorientar a trajetória da
Irmandade de São José do Ribamar, que perdia sua histórica hegemonia na
condução das demandas de pedreiros e de carpinas.
Em 1856, mesmo ano em que foi eleito diretor da Sociedade das Artes Mecânicas e
Liberais, Francisco José Gomes de Santa Rosa também conquistou o maior número
de votos para o posto de juiz da Irmandade de São José do Ribamar.24 Parece
evidente que o mestre pedreiro havia sido premiado por seus pares pela condução
do processo de revisão do Compromisso. Além disso, podemos constatar que o
artesão pernambucano, homem pardo, centralizou decisões em ambas as
organizações artísticas, algo muito importante para quem desejava visibilidade
pública e respeitabilidade em sua classe. Contudo, a construção dessa hegemonia
não foi algo tranquilo. Na confraria, muitos irmãos que não eram sócios ficaram
insatisfeitos com a crescente influência da sociedade mutualista no templo
dedicado ao patriarca São José. Após a morte de Francisco José Gomes de Santa
Rosa, seu aliado, João dos Santos Ferreira Barros, também acumulou,
simultaneamente, os cargos de diretor e juiz. O que este último artesão chamou
de "política de harmonia infinita" entre Sociedade e Irmandade gerou tantas
insatisfações que, em 1866, o filho de José Vicente Ferreira Barros foi riscado
da entidade leiga. Não satisfeitos, os irmãos contrários àquela política ainda
despejaram a sociedade mutualista do Consistório Leste da Igreja de São José do
Ribamar.25
Francisco José Gomes de Santa Rosa: perícia artesanal, penetração profissional
e prestígio social
Nas últimas décadas da Europa setecentista, a extinção das corporações de
ofício foi uma política liberal que acabou com os privilégios dos mestres
artesãos. O capitalismo promoveu a eliminação dos monopólios que eram
desfrutados pelas oficinas. Na França, por exemplo, o Conservatoire des Arts et
Métiers surgiu para ensinar ofícios para o maior número possível de pessoas,
fazendo com que existisse mão de obra mais barata, disponível e com rápida
formação.26 No Recife, por conta da falta de escolas do gênero, alguns irmãos
de São José do Ribamar criaram a Sociedade das Artes Mecânicas, para que, por
meio de suas aulas noturnas, conseguissem a mercê de diplomar seus membros em
disciplinas como aritmética, arquitetura, primeiras letras e francês. A oferta
de estudos teóricos seria uma forma de reinventar o monopólio das oficinas
sobre novas bases e de demonstrar a civilização e o progresso de seus sócios,
algo que garantiria algum capital simbólico para que se impusessem enquanto
profissionais qualificados e cidadãos. Como apontei oportunamente, isso
viabilizaria a relativização dos estigmas da escravidão e do defeito mecânico.
Atento às conjunturas e procurando construir sua própria história apesar das
condições de seu tempo-espaço, Francisco José Gomes de Santa Rosa era um mestre
pedreiro que tinha tenda aberta e trabalhava com risco próprio. Ou seja, o
pernambucano possuía autorização pública para manter seu próprio negócio e a
devida habilidade para planejar suas obras de edificação e de reparo. Sabemos
disso porque, no Compromisso da Irmandade de São José do Ribamar, de 1840, o
título de perito conferia, ao artífice especializado, a prerrogativa de ser um
patrão que desenhava seus próprios projetos. Apesar desta última competência,
Francisco José Gomes de Santa Rosa foi aprofundar seus conhecimentos teóricos
em arquitetura no grupo de auxílio mútuo, pois pretendia coordenar sua prática
acumulada nos canteiros de obras com conceitos mais sistemáticos, algo que
legitimaria sua maestria em bases consideradas mais modernas. Em 1851,
encontramo-lo realizando os exames daquela disciplina, sendo aprovado
plenamente pela banca. Em seguida, por causa de seu desempenho, um prêmio lhe
foi oferecido pelas mãos do presidente da Província. No ano seguinte e
devidamente diplomado, o ex-aluno foi contratado por seus consócios para a vaga
de lente de arquitetura da Sociedade das Artes Mecânicas e Liberais.27
As aulas noturnas ministradas no Consistório Leste da Igreja de São José do
Ribamar eram remuneradas, o que garantia alguma renda suplementar para
Francisco José Gomes de Santa Rosa e seus colegas que eram lentes - exceto o
professor de francês, todos os outros eram artífices de cor. Não é possível
determinar o valor do salário que era pago ao corpo docente contratado pelo
grupo de auxílio mútuo. Sabemos, entretanto, que a verba consignada pelo
governo provincial era quase totalmente consumida pelas atividades pedagógicas.
Na década de 1850, o valor do crédito concedido anualmente pelas autoridades
públicas montava a soma de 1:500$000rs. Supondo, na pior das hipóteses, que
pelo menos 60% desse total fosse distribuído entre as seis disciplinas
oferecidas (primeiras letras, francês, geometria aplicada às artes, desenho
linear, aritmética e arquitetura), cada funcionário receberia, aproximadamente,
150$000rs, valor suficiente para qualificar o votante, cidadão ativo. A
documentação ainda permite deduzir que Francisco José Gomes de Santa Rosa
continuou ensinando aos artesãos até adoecer. A associação de artífices somente
escolheu um novo titular para a disciplina pouco tempo depois de sua morte. Em
1862, João dos Santos Ferreira Barros, referido mais acima, filho do
idealizador do grupo de auxílio mútuo, passou a regê-la.28
Ainda na primeira metade da década de 1850, Francisco José Gomes de Santa Rosa
avaliou seus primeiros alunos (artífices associados), que foram plenamente
aprovados nos exames. Em 1855, o mestre pedreiro ainda fez parte da comissão
organizadora dos festejos que abrilhantariam as provas. Entre suas atribuições,
os comissários deveriam convidar, para o evento, algumas pessoas que
desfrutassem de prestígio no campo educacional pernambucano - para que se
tornassem, inclusive, patronos da sociedade mutualista. No dia dos exames,
participaram das festividades os professores Antonio Higídio da Silva, do
Ginásio Provincial Pernambucano, e João Vicente Franco, do Colégio das Artes
Preparatórias do Curso Jurídico.29 Ambos os estabelecimentos eram importantes
escolas públicas secundárias. Naquele mesmo ano, o Ginásio Provincial
Pernambucano havia sido inaugurado e substituiu o Liceu Provincial. Criado em
1832, o Colégio das Artes Preparatórias do Curso Jurídico foi produto do fim do
Seminário de Olinda. Ainda em 1855, o estabelecimento de ensino havia sido
transferido para o Recife. Não por acaso, todas essas mudanças foram fruto da
reorganização da Diretoria da Instrução Pública de Pernambuco - processo
iniciado no bojo da Reforma Couto Ferraz, que ocorreu na corte.30
Até aqui, podemos notar que Francisco José Gomes de Santa Rosa acumulou muito
poder e visibilidade na cidade do Recife, pois era destacado gestor da
Sociedade e da Irmandade, cidadão respeitado e mestre de ofício com reconhecida
perícia - tanto no tirocínio artesanal, quanto no domínio técnico e teórico de
sua arte mecânica. Tais qualificações foram fundamentais para sua sobrevivência
cotidiana, de sua família, de seus empregados e de seus protegidos. Do ponto de
vista da empregabilidade em canteiros de obras, seu prestígio pessoal, seu
conhecimento profissional e sua penetração naquelas duas organizações
artísticas permitiram que o perito controlasse duas comissões que orçavam e
distribuíam serviços para seus consócios e seus irmãos. Sem dúvida, isso era
algo muito importante para garantir o pão diário de quem sobrevivia com o suor
do próprio rosto, precisava de trabalho constante e de remuneração regular. Na
sociedade mutualista, em 1852, observamos Francisco José Gomes de Santa Rosa
compondo a Comissão de Obra de Pedreiro - ainda havia a de carpina e a de
marcenaria. Na confraria recifense, também existiram organismos semelhantes,
pois os irmãos que eram artífices também se preocupavam com a promoção de
auxílios mútuos em sua igreja, mesmo que isso não fosse regulado pelo
compromisso.31 Em 1855, por sua vez, nossa personagem foi nomeada para fazer
parte da Oficina de Pedreiro - existia outra sob o controle da mesa regedora: a
de carpinteiro.32
O domínio daquelas comissões, o reconhecimento público de sua perícia e as
relações que foram construídas com as elites letradas e proprietárias
pernambucanas permitiram que Francisco José Gomes de Santa Rosa abocanhasse uma
série de empreitadas, que garantiam sua principal fonte de renda - as aulas
noturnas que ministrava na associação apenas suplementavam-na, como comentei
oportunamente. Posso oferecer ao leitor alguns exemplos de obras que foram
executadas pelo mestre pedreiro. Em janeiro de 1857, a Câmara Municipal do
Recife contratou o trabalhador especializado para escorar um sobrado demolido
na Rua do Livramento. Meses antes, em setembro de 1856, a vistoria desse imóvel
havia sido feita por Francisco Martins dos Anjos Paula, que, anos depois, como
vimos, seria o tutor das filhas de Francisco José Gomes de Santa Rosa.33 É
importante destacar que a contratação de ambos os artífices foi feita pela
administração recifense. Antes da outorga da Constituição de 1824, era a
municipalidade que ratificava as decisões corporativas da Irmandade de São José
do Ribamar. Portanto, por mais que as corporações de ofício estivessem extintas
na década de 1850, os antigos costumes mantiveram próximos vereadores e mestres
de obras que eram irmãos.
As relações costumeiras também foram muito importantes para que Francisco José
Gomes de Santa Rosa, irmão de São José do Ribamar, fosse contratado para
realizar empreitadas em irmandades recifenses. Situações desse tipo não foi
fato incomum. Como demonstrei em meu último livro, Artífices da cidadania, as
simpatias confraternais e a proximidade pela fé permitiram que muitos serviços
de construção e de reparo, feitos no patrimônio das mais diversas entidades
leigas pernambucanas, contassem com equipes compostas por devotos do santo
carpinteiro - mas que também faziam parte da sociedade mutualista fundada por
José Vicente Ferreira Barros. Nos anos de 1845 e 1846, por exemplo, a Irmandade
de Santana contratou a mão de obra de Francisco José Gomes de Santa Rosa para
ladrilhar a capela, os corredores e o adro da Igreja da Madre de Deus, onde
estava sediada. Na mesma oportunidade, o trabalhador especializado ainda
instalou canos e assentou uma grade de ferro no edifício sagrado - levantado
pelos Oratorianos no século XVIII. Pelos serviços, foi cobrado aos contratantes
o valor de 157$980rs. Em 1848, o perito retornou ao mesmo templo para realizar
vários consertos, que foram orçados em 49$620rs.
.34
A proximidade de Francisco José Gomes de Santa Rosa com os leigos e com os
vereadores recifenses também permitiu que laços fossem construídos com outras
autoridades municipais. Em especial, os juízes de resíduos e de capelas, que,
nas hierarquias judiciárias, julgavam casos de primeira instância e tinham
autonomia para contratar artífices para vistoriar igrejas e demais propriedades
das irmandades - fossem móveis ou imóveis. Aos 13 de março de 1860, o doutor
Francisco de Araújo Barros solicitou os serviços de três peritos para fazer uma
vistoria na Igreja dos Prazeres, que enfrentava problemas no cumprimento de
legados e demais obrigações. Dentre os mestres de obras que realizaram o
serviço e receberam seus respectivos jornais, encontramos Francisco José Gomes
de Santa Rosa e Francisco Martins dos Anjos Paula, que, como vimos mais acima,
construíram alianças que extrapolavam os espaços de trabalho. Alguns anos
depois, em 1863, a proximidade entre o juiz de resíduos e de capelas Francisco
de Araújo Barros, Francisco José Gomes de Santa Rosa e Francisco Martins dos
Anjos Paula possibilitou que o primeiro recebesse o título de sócio honorário
da sociedade mutualista, mercê que somente era concedida àqueles pernambucanos
que haviam colaborado com ela ou com seus membros.35
As compras de insumos é outro caminho para observarmos a movimentação de
Francisco José Gomes de Santa Rosa pelos canteiros de obras da cidade do
Recife. Vejamos dois exemplos mais pontuais, mas bastante representativos. No
mês de dezembro de 1859 e no início do ano seguinte, o artífice realizou
algumas compras na loja de Sebastião José da Silva. Pelo valor de 78$249rs,
adquiriu, entre outros materiais de construção, fechaduras para armário, pregos
franceses, dobradiças chatas, ferrolhos, dúzias de parafusos, pregos para
assoalho e fechaduras comuns. Nesse caso, podemos inferir que Francisco José
Gomes de Santa Rosa coordenaria serviços de carpina, pois instalaria portas,
janelas, móveis e assoalho de madeira em alguma casa, sobrado ou prédio
comercial. Por sua vez, nos meses de janeiro, março e abril de 1860, o artista
mecânico de pele escura foi ao estabelecimento comercial de José Carneiro da
Cunha. Em suas listas de compras, que contabilizaram o montante de 29$315rs,
constavam duas carroças carregadas com barro, 116 telhas, 500 tijolos de
tapamento, 25 tijolos quadrados, 125 tijolos de ladrilho e dois alqueires de
cal.36 Aqui, o perito preparava a edificação de algum tipo de cômodo
residencial ou um simples depósito.
O prestígio social de Francisco José Gomes de Santa Rosa também pode ser medido
nessas duas compras de material de construção, que foram realizadas em 1859 e
1860. Nesse sentido, é preciso destacar que ambas foram feitas a crédito. As
fontes indicam que Sebastião José da Silva e José Carneiro da Cunha eram
estranhos aos quadros da Sociedade das Artes Mecânicas e Liberais.
Provavelmente, também fossem aos da Irmandade de São José do Ribamar.
Entretanto, apesar disso, ambos os comerciantes recifenses confiavam em um
mestre pedreiro que era reconhecido por sua honorabilidade junto à classe
artística e ao mercado de edificações. Sabemos que a concessão de créditos era
algo muito significativo em uma sociedade marcada por relações pessoais, já que
era de difícil acesso e dependia de uma série de fatores extraeconômicos - como
relações de vizinhança, de amizade, de parentesco e de consanguinidade, por
exemplo. Os poucos bancos existentes no Império do Brasil não atendiam às
demandas financeiras e comerciais do grande público que buscava crédito, o que
permitia aos particulares oferecerem dinheiro, serviços e produtos a juros. Em
1850, entre outros objetivos, o Código Comercial foi promulgado para regular
tais práticas, muito comuns em sociedades patrimonialistas.37
O padrão de vida e o legado de um mestre pedreiro que sobreviveu do seu
trabalho
As fontes que compulsei demonstram que Francisco José Gomes de Santa Rosa foi
proprietário de quatro imóveis na freguesia da Boa Vista - avaliados em 15:
500$000rs. Um deles era uma casa térrea localizada na Rua dos Prazeres, 20. Em
terreno próprio com 39 palmos de frente e 61,5 de fundo, a edificação tinha
duas salas, dois quartos, duas gavetas, quintal murado (com portão para a Rua
do Jasmim), dois cômodos (um para dispensa e outro para banho, cacimba, tanque
e depósito de água), telheiro com estribaria e canteiro para flores. Outras
três casas térreas estavam na Rua do Jasmim, 13, 15 e 17. Todas foram
levantadas em terreno próprio com a mesma medida: 21 palmos de frente e 42,5 de
fundo. Em comum, possuíam duas salas, dois quartos, cozinha externa, cacimba e
pequeno quintal murado.38 Em 26 de outubro de 1857, no Diario de Pernambuco,
lemos uma crônica afirmando que a freguesia da Boa Vista era "uma residência
deliciosa". Aquelas duas ruas, "mui novas", seriam ocupadas por boas casas
térreas. Segundo a principal folha da província, notamos que os imóveis de
Francisco José Gomes de Santa Rosa estavam em logradouros com vista agradável,
voltados para "o lado poente, descobrindo uma parte do rio [Capibaribe] e
outros pontos".39
Descrito o patrimônio imóvel de Francisco José Gomes de Santa Rosa, faremos um
breve parêntese. Recordemos que, em 1844, quando o mestre pedreiro iniciou sua
vida associativa, havia informado que residia na Rua da Glória - localizada em
mesmo bairro dos dois logradouros acima arrolados. Contudo, não é possível
saber se o imóvel declarado à sociedade mutualista era alugado ou de sua
propriedade, sendo posteriormente vendido. Além disso, não encontrei dados que
permitam afirmar que o perito e sua família continuaram instalados no endereço
revelado pelo Livro de Matrículas da Sociedade das Artes Mecânicas. De qualquer
forma, podemos afirmar que a rua em questão era uma importante via da cidade,
onde, inclusive, estava instalado o Convento da Glória. Na referida crônica
publicada no Diario de Pernambuco, em 26 de outubro de 1857, observamos que a
Rua da Glória contava com 114 imóveis, sendo cinco de um andar, dois de dois
andares e 107 casas térreas. Fechado o parêntese, podemos concluir que,
residindo em qualquer uma das edificações até aqui citadas, a personagem que
conduz este artigo habitou e organizou sua vida cotidiana em um bairro dedicado
às camadas médias urbanas.
Nas fontes pesquisadas, encontramos alguns indícios de que a família Santa Rosa
possuía um bom nível de consumo doméstico, o que ajuda a reforçar a percepção
de seu status social. Em dezembro de 1859 e nos meses de março, abril e maio do
ano seguinte, por exemplo, os membros da família compraram vários pares de
borzeguins masculinos e femininos, que são botinas cujo cano se fecha por meio
de cordões, e dois frascos de água de colônia. Os produtos custaram ao mestre
pedreiro o total de 66$000rs. As lojas de fazendas também eram frequentadas por
Francisco José Gomes de Santa Rosa, esposa e filhas. Nos meses de abril e junho
de 1859, foram por eles adquiridos 94$660rs em peças de chita francesa, lenços
para homem e chales de flores. A alimentação também exigia recursos,
obviamente. Nos meses entre junho e outubro de 1860, encontramos gastos
parciais de 110$000rs em gêneros de primeira necessidade. No transcorrer dos
anos de 1859 e 1860, o pão que era consumido mensalmente por Francisco José
Gomes de Santa Rosa, Engrancia, Amélia e Digna exigia mais um gasto médio de
12$000rs. Vez ou outra, eles também compravam biscoitos sortidos, o que exigia
um dispêndio de 1$600rs em cada visita ao comércio.40
Os trabalhadores pobres que viviam no Recife estavam impossibilitados de
sustentar tal nível de consumo doméstico. No Diario de Pernambuco de 25 de
janeiro de 1858, encontramos um artigo intitulado "O futuro dos nossos artistas
mecânicos. A Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de Marinha". O texto
aplaudia os poderes imperiais pela organização do ensino profissional nesse
tipo de estabelecimento militar. Especial menção mereceu o Arsenal de Marinha
de Pernambuco, que teria sido o primeiro do gênero "que tomou a iniciativa
nesta circunstância". Por causa disso, segundo o articulista, muitas famílias
pernambucanas, sem recursos, começaram a amenizar parte de suas dificuldades
cotidianas mais básicas. Além de as oficinas militares proporcionarem aos
meninos aprendizes "uma diária de 300rs para o seu sustento", também ofereciam
"casa asseada", "comida abundante", "boa cama" e quatro "criados livres para os
servir".41 Comparativamente, no Arsenal de Guerra de Pernambuco, em 1856, o
custo diário da ração dos menores que aprendiam ofícios era de $400rs. De
segunda a domingo, eles almoçavam, jantavam e ceavam em suas dependências.42
A partir desses dados concernentes à realidade de certos pernambucanos mais
pobres, inferimos que uma criança das classes subalternas consumia, em víveres,
na melhor das hipóteses, uma média mensal de 12$000rs - valor que Francisco
José Gomes de Santa Rosa e sua família gastavam somente com a compra do pão.
Caso ela aprendesse um ofício especializado e levasse para sua casa algum
dinheiro ao final da jornada de trabalho, poderia oferecer, também na melhor
das hipóteses, uma ajuda mensal de 9$000rs aos seus responsáveis. Ainda assim,
caberia a estes últimos complementarem as necessidades nutricionais mais
básicas do menor, caso tivessem condições para fazê-lo. Isso sem contar outras
importantes demandas cotidianas. Caso fosse esse o padrão de vida médio das
famílias pobres recifenses que utilizavam a força de trabalho de suas crianças,
parece evidente que podemos sublinhar, mais uma vez, o fato de a família Santa
Rosa viver com algum conforto. Reforça minha afirmativa o fato de as filhas do
trabalhador especializado serem solteiras, menores e estarem somente ocupadas
com os afazeres de seu lar - em atividades domésticas que aliviavam as
responsabilidades cotidianas de Engrancia.43
Apesar das evidências que ofereço ao leitor sobre a trajetória bem sucedida de
Francisco José Gomes de Santa Rosa, outras significativas questões precisam ser
consideradas. Estruturalmente, a vida profissional de um mestre de ofício era
difícil e instável. Em alguns momentos, faltavam serviços no mercado de
edificações. Em outros, as doenças e os acidentes de trabalho poderiam
imobilizá-lo por longos períodos. Para diminuir os possíveis riscos advindos
com o desemprego, vimos que o perito pernambucano, homem pardo, construiu boa
reputação pública, teceu importantes redes de compromisso e ocupou espaços de
poder e de privilégio em destacadas organizações da classe artística recifense.
Compor os quadros do grupo de auxílio mútuo idealizado por José Vicente
Ferreira Barros também oferecia a alternativa de pleitear apoios financeiros em
prováveis momentos de vulnerabilidade, uma vez que nem sempre era possível
fazer uma poupança pessoal para se prevenir de eventuais contratempos.44 Além
disso, o perito viveu em uma sociedade em que os súditos de d. Pedro II
precisavam ostentar publicamente suas posses, para que pudessem conquistar (e
até mesmo manter) respeito e prestígio junto à coletividade.
Nos dois últimos anos de sua vida, por conta de uma doença crônica e das
turbulências financeiras dela advindas, Francisco José Gomes de Santa Rosa
precisou acionar suas redes sociais (compostas por artífices e por
comerciantes) e seu prestígio pessoal para manter o padrão de vida de sua
família. Para sustentar minha afirmativa, a primeira prova que ofereço ao
leitor são as compras que foram realizadas pelo mestre pedreiro nos anos de
1859 e de 1860. Recordemos que ele tomou fiado todos os materiais de construção
arrolados mais acima. As outras compras (tecidos, roupas, sapatos, perfumes e
mantimentos), realizadas na mesma época, também foram feitas da mesma forma.45
Sabemos que as referidas aquisições foram feitas a crédito porque a cobrança
somente ocorreu quando da morte do mestre pedreiro, em fevereiro de 1861, como
consta em seu inventário. Nesse documento, contudo, existem poucas dívidas que
foram contraídas, junto ao comércio a retalho, antes do abalo da saúde do
trabalhador especializado. É possível concluir, portanto, que nossa personagem
conseguia honrar seus compromissos enquanto esbanjou vitalidade e permaneceu
economicamente mais ativo na prática de seu ofício mecânico.
Ainda no transcorrer daqueles anos de saúde instável, Francisco José Gomes de
Santa Rosa utilizou sua influência para conseguir dois empréstimos junto à
Sociedade das Artes Mecânicas e Liberais. Somados, eles totalizaram 1:
120$000rs. A liberação de recursos mais vultosos era algo absolutamente
extraordinário na sociedade mutualista, pois esse tipo de retirada exauria seus
combalidos cofres - além da subvenção governamental, a tesouraria recebia
mensalidades e joias pagas pelos sócios. Apesar dos apertos orçamentários, o
grupo de auxílio mútuo ainda cometeu outro excesso quando da morte de seu ex-
diretor. Ao oferecer pouco mais de 161$000rs para colaborar com seu enterro, os
gestores extrapolaram os limites estabelecidos para esse socorro. Pouco tempo
após as exéquias de Francisco José Gomes de Santa Rosa, por fim, outro favor
incomum foi concedido a Engrancia, Amélia e Digna. No dia 21 de março de 1861,
a viúva do mestre pedreiro pediu aos seus ex-consócios, reunidos em sessão
ordinária, que perdoassem os juros daqueles empréstimos que haviam sido
contraídos recentemente. A solicitação foi deferida.46 É provável que tais
mercês levassem em conta os serviços que o perito prestou ao sucesso
institucional da entidade artística.
Francisco José Gomes de Santa Rosa ainda recorreu a José Alves Barbosa para
socorrê-lo. Com esse indivíduo, as dívidas do mestre pedreiro alçaram a
considerável soma de 5:156$000rs. Desse numerário, 4:500$000rs correspondiam a
uma hipoteca, 396$000rs a compras fiadas e 260$000rs a um pequeno empréstimo.
Como podemos observar, o mestre pedreiro precisou comprometer parte do
patrimônio imóvel de sua família, medida extrema que permitiu algum fôlego
financeiro em momento de crise. Outro empréstimo menos substancial, mas
representativo, no valor de 1:127$088rs, foi pedido a Altino da Silva Leal. Nas
fontes disponíveis, não foi possível identificar a relação de ambos os credores
com o artífice especializado. De resto, percebemos uma infinidade de dívidas
pulverizadas, de menor valor. No auto da partilha, computados os juros, os
compromissos financeiros que foram herdados pela inventariante, Engrancia,
chegaram ao impressionante total de 11:533$989rs. Tendo em vista que o montante
da fazenda foi de 16:255$000rs, restaram apenas 4:721$011rs para a viúva e suas
duas filhas. Respectivamente, segundo as fontes, considerado este último valor,
cada uma delas deveria receber 50%, 25% e 25%.47
Conclusão
As herdeiras de Francisco José Gomes de Santa Rosa encontraram muitas
dificuldades para pagar todas as suas dívidas. Além dos imóveis da freguesia da
Boa Vista, o que foi deixado pelo mestre pedreiro era materialmente
insignificante. Em seu inventário, nenhum dinheiro, ouro, prata ou escravos
foram deixados para Engrancia, Amélia e Digna - joias e cativos podem ter sido
negociados durante sua doença. Em abril de 1862, para piorar a situação, as
casas de propriedade do artífice de pele escura não receberam nenhuma proposta
mais significativa de compra, o que postergava tanto a quitação dos
compromissos financeiros da viúva, quanto o consequente usufruto do dinheiro
que restasse. Exatamente um ano depois, em abril de 1863, esgotada a paciência/
consideração de boa parte dos credores, foram expedidos mandatos de penhora das
casas da Rua do Jasmim e da Rua dos Prazeres, já que elas continuavam sem
compradores. O momento era tão crítico que, deferidas as solicitações, alguns
ex-consócios de Francisco José Gomes de Santa Rosa propuseram que a associação
de artistas mecânicos fosse mais condescendente com seus parentes, que estavam
a ponto de perder a única casa que lhes restara.48
Deduzimos, por meio das fontes disponíveis, que Engrancia, Amélia e Digna foram
obrigadas a experimentar muitas dificuldades financeiras e dissabores sociais
após a morte de Francisco José Gomes de Santa Rosa. Não há dúvidas de que essas
mulheres tiveram suas vidas absolutamente desestabilizadas, por conta da perda
do patrimônio familiar e do paulatino esgarçamento das redes de favor que foram
tecidas pelo mestre de obras - o que gerou, por exemplo, após dois anos de sua
morte, a execução das dívidas contraídas. Junto dessas perdas, o fato de serem
mulheres empobrecidas e de pele escura também deve ter acirrado, por sua vez, a
precarização de suas liberdades - aprioristicamente, parto do princípio de que
Engrancia também era descendente de africanos.49 Como observamos no início
deste artigo, os processos de racialização marcaram profundamente as relações
sociais no Império do Brasil, especialmente quando as várias modalidades de
exclusão procuravam abalar os corações e as mentes das pessoas com pele escura.
Não quero dizer com isso que aquelas três pernambucanas foram passivas e
aceitaram com tranquilidade os reveses do destino, mas, ao menos nos primeiros
anos, sem a proteção do mestre pedreiro Francisco José Gomes de Santa Rosa, as
conjunturas que envolveram suas vidas foram bastante desfavoráveis.
A trajetória do mestre pedreiro Francisco José Gomes de Santa Rosa, homem pardo
pernambucano, permite que cheguemos a outras duas importantes conclusões. A
primeira delas é que os artífices livres e qualificados, especialmente os
descendentes de africanos, precisavam construir engenhosas estratégias tanto
para garantir sua sobrevivência cotidiana quanto para conquistar prestígio
socioprofissional - tendo em vista as barreiras sociais que lhes eram impostas
por preconceitos étnicos, culturais, políticos e econômicos. Na cidade do
Recife oitocentista, como vimos, tais estratégias utilizaram como insumo o
associativismo e a instrução, elementos fundamentais para combater os estigmas
da escravidão e do defeito mecânico. A outra constatação é que tais estratégias
de inclusão e de mobilidade social ascendente eram constantemente ameaçadas
pelas mais variadas vicissitudes. Por mais que os trabalhadores especializados
desfrutassem de redes de favores, contassem com os socorros financeiros das
sociedades mutualistas e contraíssem créditos junto aos comerciantes, longos
períodos de convalescência, de desemprego crônico ou de poucos serviços
contratados poderiam exaurir patrimônios que foram duramente acumulados no
transcorrer de uma dura vida de labuta.
Texto recebido em 24 de janeiro de 2013
Aprovado em 24 de junho de 2013
1 Aqui, faço especial referência à contratação de uma companhia de operários na
Alemanha, que foi responsável pela construção de equipamentos urbanos para o
recreio das elites letradas e proprietárias pernambucanas. Ao mesmo tempo,
segundo a ótica dos contratantes, enquanto trabalhassem, os estrangeiros
ensinariam à mão de obra local tanto novas técnicas de construção quanto
valores vinculados à moral do trabalho burguês. O projeto ganhou efetivo
impulso durante o governo conservador do barão da Boa Vista, entre finais da
década de 1830 e princípios da seguinte. Para saber mais, consultar: Gilberto
Freyre, Um engenheiro francês no Brasil, Rio de Janeiro: José Olympio, 1940; Guilherme Auler, A companhia de operários, 1839-1843:
subsídios para o estudo da emigração germânica no Brasil, Recife: Arquivo
Público Estadual, 1959; Raimundo Arrais, O pântano e o
riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX, São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2004; Claudia Poncioni e Virgínia
Pontual (dir.), Um ingénier du progrès: Louis-Léger Vauthier entre la France et
le Brésil (Paris: Michel Houdiard, 2010). O projeto de "moralização" dos
canteiros de obras por meio da contratação de trabalhadores europeus persiste
nas décadas seguintes, com a chegada de artífices portugueses e belgas para as
diversas oficinas dos arsenais pernambucanos. Códice AM-19, fls. 116-88 e 227,
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (doravante APEJE), Recife, Setor de
Documentos Manuscritos, Série Arsenal de Marinha; AM-20, fls. 151 e 173, APEJE,
Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Série Arsenal de Marinha.
2 Para compreender as referidas mudanças demográficas, consultar: Marcus
Joaquim Maciel de Carvalho, Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo,
Recife, 1822-1850, Recife: Editora Universitária UFPE, 1998;
Peter Louis Eisenberg, Modernização sem mudança: a indústria açucareira em
Pernambuco, 1840-1910, Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Editora da
Unicamp, 1977; Robert Slenes, "The Demography and Economics
of Brazilian Slavery" (Tese de Doutorado, Stanford University, 1976). Ao compararmos os censos pernambucanos dos anos de 1828, 1856 e 1872,
percebemos que, nesse interregno, a população do Recife cresceu 248%. Em
contrapartida, observamos que, proporcionalmente, a população cativa da cidade
tendeu a diminuir sensivelmente. No censo de 1872, foi declarado que a capital
pernambucana tinha pouco mais de 10% de cativos em seu perímetro urbano.
Carvalho, Liberdade; José Antônio Gonsalves de Mello (org.), Diário de
Pernambuco e a história social do Nordeste (1840-1889), v. 2 (Recife: Diário de
Pernambuco, 1975, p. 643); Marcelo Mac Cord, O Rosário de d.
Antônio: irmandades negras, alianças e conflitos na história social do Recife,
1848-1872, Recife: FAPESP/Editora Universitária UFPE, 2005, pp. 29-30.
3 Para saber mais sobre os conflitos entre protecionismo e liberdade no mercado
das edificações recifenses, ver: Marcelo Mac Cord, Artífices da cidadania:
mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista, Campinas: Editora da
Unicamp, 2012. Para uma discussão mais ampliada sobre o
mercado de trabalho nos tempos do Império do Brasil, consultar: Alexandre de
Freitas Barbosa, A formação do mercado de trabalho no Brasil, São Paulo:
Alameda, 2008, pp. 91-160.
4 A categoria "costumes comuns" é fundamental para a reconstrução da trajetória
de artífices especializados como Francisco José Gomes de Santa Rosa, que
elaboraram suas identidades sociais por meio da convivência em associações de
ofício e do compartilhamento de regras de conduta experimentadas no tirocínio
artesanal - ou seja, nas oficinas, tendas e canteiros de obras. O trabalho
artesanal de cunho mais tradicional, portanto, é indissociável de uma economia
moral, nos moldes thompsonianos. Edward Palmer Thompson, Costumes em comum:
estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
5 No Recife, antes da outorga da Constituição de 1824, que extinguiu
oficialmente as corporações de ofício no país, a Irmandade de São José do
Ribamar tinha o privilégio de proteger os interesses e os mercados de
pedreiros, carpinteiros, tanoeiros e calafates. A Irmandade de São Crispim e
São Crispiniano regulava a vida profissional dos sapateiros. A Irmandade de São
Elói, Bispo, defendia os interesses e protegia os ourives de ouro e prata
matriculados em suas fileiras. Francisco Augusto Pereira da Costa, "Estudo
histórico-retrospectivo sobre as Artes em Pernambuco", Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, n. 54 (1900), pp. 33-4.
6 Atentos aos problemas que envolveram a emancipação dos cativos nas Antilhas,
a pretensa inépcia dos africanos para a liberdade e para o trabalho livre foi
muito bem explorada por Frederick Cooper, Thomas C. Holt e Rebecca J. Scott
(orgs.), Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em
sociedades pós-emancipação (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005). O defeito mecânico, por sua vez, ajudou a construir a
discutível inferioridade social do artesão. Ao hierarquizar e classificar as
especializações profissionais, Aristóteles distinguiu as artes mecânicas como
"menores" porque mercenárias. Nessa perspectiva, elas somente objetivavam a
especulação financeira e a desonestidade. Na Idade Média, por sua vez, o
defeito mecânico se associou ao tabu da impureza cristão. Os trabalhos que
exigiam esforços físicos foram entendidos como herança do pecado original.
Wilson de Oliveira Rios, "A lei e o estilo: a inserção dos ofícios mecânicos na
sociedade colonial brasileira (Salvador e Vila Rica, 1690-1750)" (Tese de
Doutorado, Universidade Federal Fluminense, 2000). Na
perspectiva cristã, portanto, o defeito mecânico nos remete à maldição de Adão,
que fez do trabalho manual um castigo de teor pedagógico. Ver Edward Palmer
Thompson, A formação da classe operária inglesa: a maldição de Adão, v. 2, Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
7 Na primeira metade do século XIX, na Europa, observamos um fenômeno muito
comum: a abertura de sociedades de auxílio-mútuo - ou de socorro mútuo ou
mutuais. Entre outros objetivos, elas foram "formadas voluntariamente [para]
promover auxílio financeiro a seus membros em caso de necessidade". Marcel van
der Linden (ed.), Social Security Mutualism: the Comparative History of Mutual
Benefit Societies (Bern: Lang), 1996, pp. 13-4.
8 A problemática da reelaboração do repertório cultural corporativo pelas
sociedades mutualistas foi muito bem analisada por Sewell Junior. Ao estudar o
caso francês, o autor percebeu que os temas e os sentimentos compartilhados nas
guildas fundamentaram a experiência organizativa de certos grupos de
trabalhadores na primeira metade do Oitocentos. William H. Sewell Junior, Work
& Revolution in France: the Language of Labor from the Old Regime to 1848,
Nova York, Cambridge University Press, 1982. Outros autores
chegam a conclusões semelhantes, reforçando a importância das irmandades de
ofícios na elaboração de sociedades mutualistas. Entre eles, podemos citar:
André Gueslin, L'invention de l'économie sociale: idées, pratiques et
imaginaires coopératifs et mutualistes dans la France du XIXe siécle, Paris:
Economica, 1998, p. 146 ; Michel Ralle, "A função da proteção
mutualista na construção de uma identidade operária na Espanha", Cadernos AEL:
sociedades operárias e mutualismo, v. 6, n. 10/11 (1999), pp. 20, 25 e 36.
9 Para saber mais, ver Mac Cord, Artífices da cidadania.
10 Ao finalizar minha tese, iniciei novas pesquisas para encontrar mais dados
sobre alguns destacados artífices que passaram pela Irmandade e/ou Sociedade. É
o caso, por exemplo, dos filhos do idealizador da Sociedade das Artes
Mecânicas. Ver Marcelo Mac Cord, "Uma família de artífices 'de cor': os
Ferreira Barros e sua mobilidade social no Recife oitocentista", Luso-Brazilian
Review, v. 47, n. 2 (2010), pp. 26-48. Atualmente, tenho dedicado mais tempo à
trajetória de um escultor pernambucano que havia sido escravo, conseguiu a
alforria por causa de seu talento e foi estudar na Academia de Belas Artes da
corte. Ver "Antonio Benvenuto Cellini: a trajetória de um escultor da
escravidão à liberdade. Recife/Rio de Janeiro, século XIX", Comunicação
apresentada no VI Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, UFSC,
15-18 de maio de 2013. Disponível em <http://labhstc.ufsc.br/files/2013/04/
Marcelo-Mac-Cord-texto.pdf>, acessado em 7/5/2013.
11 As tensões entre ação individual e condicionamento social são muito bem
trabalhadas pelo marxista inglês, especialmente quando analisou, baseado em
significativa pesquisa empírica, a formação da classe operária de seu país. Ver
Thompson, A formação da classe operária inglesa, Apesar de fazer parte de outra
tradição intelectual, sublinho a relevância da categoria "sociedade dos
indivíduos" para a compreensão da trajetória do mestre de obras Francisco José
Gomes de Santa Rosa. Forjada por Norbert Elias, ela faz um crítica aos
estudiosos que propõem "sociedades sem indivíduos", cara aos marxistas mais
ortodoxos, ou "indivíduos sem sociedade", bandeira dos liberais mais radicais.
Ver Norbert Elias, A sociedade dos indivíduos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1994.
12 Caixa 118P, maço religião, Assembleia Legislativa de Pernambuco (doravante
ALEPE), Recife, Divisão de Arquivo, Série Petições. Caixa Irmandade de São José
do Riba Mar - recibos, correspondências recebidas - anos 1850-1854, 1856-1859,
maço 1850, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (doravante
IPHAN), Recife, Arquivo, Série Irmandade de São José do Ribamar. Compromisso ou
Regulamento da Irmandade do Patriarcha o Senhor S. Jozé de Riba Mar, anno 1838,
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (doravante IAHGP),
Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Estante A, Gaveta 15. O referido
compromisso foi um documento elaborado em 1838, mas somente aprovado pelas
autoridades competentes dois anos depois. Francisco Augusto Pereira da Costa,
Anais Pernambucanos: 1740-1794, v. 6, Recife: Fundarpe, 1985, pp. 96-7 e 145-6.
13 Livro de Matrícula dos Sócios, 1841-1859, fls. 44-5, Universidade Católica
de Pernambuco (doravante UNICAP), Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série
Liceu de Artes e Ofícios. Caixa 118P, maço organização social e civil, ALEPE,
Recife, Divisão de Arquivo, Série Petições. Caixa 122P, maço educação, ALEPE,
Recife, Divisão de Arquivo, Série Petições. Sobre a freguesia da Boa Vista,
entre outros, consultar: Leonardo Dantas da Silva, Recife: uma história de
quatro séculos, Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Educação e
Cultura, 1975; Orlando Parahym, Traços do Recife: ontem e
hoje, Recife: Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, 1978; Flávio Guerra, "O Recife e o Conde da Boa Vista", in Arquivo Público
Estadual de Pernambuco (org.), Um tempo do Recife (Recife: Editora
Universitária UFPE, 1978); Vanildo Bezerra Cavalcanti, "O
Recife e a origem dos seus bairros centrais", in Arquivo Público Estadual de
Pernambuco (org.), Um tempo do Recife.
14 Sobre o paternalismo brasileiro, consultar as seguintes obras clássicas:
Richard Graham, Clientelismo e política no Brasil do século XIX, Rio de
Janeiro: Editora da UFRJ, 1997; Raymundo Faoro, Os donos do
poder: formação do patronato político brasileiro, São Paulo: Globo/Publifolha,
2000; José Murilo de Carvalho, A construção da ordem: a elite
política imperial; Teatro de sombras: a política imperial, Rio de Janeiro:
Editora UFRJ/Relume-Dumará, 1996.
15 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fl. 8, IAHGP, Recife, Setor de Documentos
Manuscritos. Assim como Francisco José Gomes de Santa Rosa, Francisco Martins
dos Anjos Paula também foi um destacado membro da associação e da irmandade,
ocupando, inclusive, postos de poder em ambas as organizações. Mac Cord,
Artífices da cidadania.
16 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fl. 8, IAHGP, Recife, Setor de Documentos
Manuscritos. No transcorrer do artigo, explorarei os dados desse documento.
17 Mac Cord, "Uma família de artífices 'de cor'". Respeitadas suas
especificidades constitutivas, algumas pesquisas reforçam a relação entre
mobilidade social ascendente, cor, liberdade, família e economia do favor nos
tempos do escravismo brasileiro. Entre eles, consultar: Roberto Guedes,
Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social, Rio de
Janeiro: Mauad, 2008; Zephyr L. Frank, Dutra's World: Wealth
and Family in Nineteenth-Century Rio de Janeiro, Albuquerque: University of New
Mexico Press, 2004. Podemos notar que tal relação foi
fundamental nas histórias de vida de Francisco José Gomes de Santa Rosa e dos
filhos de José Vicente Ferreira Barros. No Recife oitocentista, por fim, a
manipulação da cor e das identidades étnicas, de acordo com as conveniências
sociais, foi algo muito comum e bastante bem explorado por africanos e seus
descendentes nas hierarquias do Rei do Congo, vinculadas à Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário dos Homes Pretos da freguesia de Santo Antônio. Mac Cord, O
Rosário de d. Antônio.
18 Caixa 118P, maço organização social e civil, ALEPE, Recife, Divisão de
Arquivo, Série Petições.
19 Izabel Andrade Marson, O império do progresso: a Revolução Praieira em
Pernambuco (1842-1855), São Paulo: Brasiliense, 1987, pp. 279-80.
20 Até aqui, Caixa 118P, maço organização social e civil, ALEPE, Recife,
Divisão de Arquivo, Série Petições.
21 Até aqui, Caixa OR041, maço 1846, ALEPE, Recife, Divisão de Arquivo, Série
Ofícios Recebidos.
22 Para saber mais sobre as conjunturas que envolveram a sociedade mutualista
na década de 1850, ver, especialmente, o capítulo 2 de Mac Cord, Artífices da
cidadania. Francisco José Gomes de Santa Rosa foi eleito diretor da Sociedade
das Artes Mecânicas e Liberais em agosto de 1856. Livro de Atas do Conselho
Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e Liberais, 1855-1863, fl. 14,
UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios.
Na década de 1850, o mestre pedreiro ainda ocupou os cargos de vice-diretor, em
1855, e de primeiro secretário, em 1852. Livro de Atas do Conselho
Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e Liberais, 1855-1863, fl. 7,
UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios.
Livro de Atas do Conselho Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e
Liberais, 1852-1853, fl. 19, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais,
Série Liceu de Artes e Ofícios.
23 Livro dos Termos da Irmandade de S. José do Riba Mar, 1777-1854, fl. 78,
IPHAN, Recife, Arquivo, Série Irmandade de São José do Ribamar.
24 Livro dos Termos da Irmandade de S. José do Riba Mar, 1855-1869, fl. 10v,
IPHAN, Recife, Arquivo, Série Irmandade de São José do Ribamar.
25 Para saber mais sobre as conjunturas que envolveram o despejo da sociedade
mutualista do Consistório Leste da Igreja de São José do Ribamar, ver,
especialmente, o capítulo 4 de Mac Cord, Artífices da cidadania.
26 Antônio Santoni Rugiu, Nostalgia do mestre artesão, Campinas: Autores
Associados, 1998; João Tristão Vargas, "Qual é o liberalismo
da Lei Chapelier? Seu significado para os contemporâneos e para a
historiografia francesa dos séculos XIX e XX", Revista Mundos do Trabalho, v.
3, n. 5 (2011), pp. 213-32. Disponível em <http://
www.periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/viewFile/1984-
9222.2011v3n5p213/19013>, acessado em 3/4/2012. Richard Stott, "Artisans and
Capitalist Development", Journal of the Early Republic, v. 16, n. 2 (1996), pp.
257-71. Disponível em <http://www.jstor.org/discover/10.2307/
3124249?uid=3737664&uid=2&uid=4&sid=21102160253581>, acessado em 7/
6/2007.
27 Livro de Atas do Conselho Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e
Liberais, 1852-1853, fls. 3v-4v, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais,
Série Liceu de Artes e Ofícios.
28 Para saber mais, ver o capítulo 2 de Mac Cord, Artífices da cidadania.
29 Livro para Termo de Exames no Liceu de Artes e Ofícios, fls. 1-3, UNICAP,
Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios. Livro de
Atas do Conselho Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e Liberais,
1855-1863, fls. 4v e 12v, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série
Liceu de Artes e Ofícios.
30 Relatório que a Assemblea Legislativa Provincial de Pernambuco appresentou
no dia da abertura da sessão ordinária de 1855, Recife: Typographia de Manoel
Figueiroa de Faria, 1855, Fundação Joaquim Nabuco (doravante FUNDAJ), Recife,
Setor de Microfilmes. Adriana Maria Paulo da Silva, "Processos de construção
das práticas de escolarização em Pernambuco, em fins do século XVIII e primeira
metade do século XIX" (Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco,
2006), p. 228. Aprovada em 14 de maio de 1855, a Lei Provincial 369 reorganizou
a Diretoria da Instrução Pública. Collecção de leis, decretos e resoluções da
Província de Pernambuco, tomo XVIII, anno de 1855, Pernambuco: Typographia de
M. F. de Faria, 1855, APEJE, Recife, Setor de Documentos Impressos. Vinicius
Liode Pontes, "A Reforma Couto Ferraz e o estabelecimento de uma direção para a
instrução primária e secundária no Império do Brasil" (Dissertação de Mestrado,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009).
31 Alguns artigos dos compromissos que regulavam a vida institucional das
irmandades nem sempre eram respeitados pelo corpo confraternal. Geralmente,
eram imposições das autoridades competentes, sem muita relação com o cotidiano
organizacional das entidades leigas. Concorrentemente, muitas práticas
cotidianas consagradas pelo costume não eram previstas por esse tipo de
documento. Os processos de romanização da Igreja Católica expurgaram práticas
consideradas pouco piedosas dos compromissos, mas os costumes foram mantidos
apesar de formalmente silenciados. Ver João José Reis, "Identidade e
diversidade étnicas nas Irmandades negras no tempo da escravidão", Tempo, v. 2,
n. 3 (1996), pp. 7-33. Ver Mac Cord, O Rosário de d. Antônio.
32 Livro de Atas do Conselho Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e
Liberais, 1852-1853, fls. 3v-4, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais,
Série Liceu de Artes e Ofícios. Livro dos Termos da Irmandade de S. José do
Riba Mar, 1855-1869, fl. 3v, IPHAN, Recife, Arquivo, Série Irmandade de São
José do Ribamar.
33 Atas da Câmara Municipal do Recife, 1855-1858, fls. 61 e 84v, IAHGP, Recife,
Setor de Documentos Manuscritos, Série Atas da Câmara Municipal do Recife.
34 Vera Lúcia Costa Acioli, A identidade da beleza: dicionário de artistas e
artífices do século XVI ao XIX em Pernambuco, Recife: FUNDAJ/Massangana, 2008,
pp. 220-1.
35 Lino do Monte Carmello Luna, "Memória sobre os Montes Guararapes e a Igreja
de Nossa Senhora dos Prazeres, edificada em um delles, de que faz menção a acta
supra", Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, n. 17
(1867), p. 275. Fernando Pio, "Artistas dos séculos
passados", Revista da Escola de Belas Artes de Pernambuco, v. 3, n. 2 (1959),
p. 15. Livro de Atas do Conselho Administrativo da Sociedade
das Artes Mecânicas e Liberais, 1855-1863, fls. 74v, 75 e 77v, UNICAP, Recife,
Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios.
36 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fls. 14, 29-9v, IAHGP, Recife, Setor de
Documentos Manuscritos, TJR, caixa 144.
37 Entre outros autores que se debruçaram sobre o assunto, consultar: Carlos
Gabriel Guimarães, "Bancos, economia e poder no Segundo Reinado: o caso da Casa
Bancária Mauá, McGregor &Cia (1854-1866)" (Tese de Doutorado, USP, 1994); Francisco Iglésias, "Vida política, 1848-1866", in Sérgio
Buarque de Holanda (dir.), História geral da civilização brasileira: o Brasil
Monárquico, t. 2, v. 5 (São Paulo: Bertrand Brasil, 2004), pp. 17-139. Atenta ao Recife oitocentista, mas especificamente preocupada com a
comunidade portuguesa envolvida com as mais diversas atividades comerciais, uma
excelente pesquisa (com substancial base empírica) demonstra que a concessão de
créditos e de empréstimos dependia de fortes relações pessoais. Ver Bruno
Augusto Dornelas Câmara, "O 'retalho' do comércio: a política partidária, a
comunidade portuguesa e a nacionalização do comércio a retalho, Pernambuco
1830-1870" (Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, 2012).
38 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fls. 7-7v, IAHGP, Recife, Setor de
Documentos Manuscritos.
39 "O bairro da Boa Vista e algumas palavras sobre a organização de uma
correspondência predial nesta cidade", Diario de Pernambuco, 26 de outubro de
1857, FUNDAJ, Recife, Setor de Microfilmes.
40 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fls. 17, 20, 35 e 41, IAHGP, Recife,
Setor de Documentos Manuscritos.
41 "O futuro dos nossos artistas mecânicos. A Companhia de Aprendizes Menores
do Arsenal de Marinha", Diario de Pernambuco, 25 de janeiro de 1858, APEJE,
Recife, Hemeroteca. De fato, segundo o Regulamento da
Companhia de Artífices do Arsenal de Marinha da Província de Pernambuco,
aprovado aos 19 de abril de 1856, os menores matriculados tinham direito, entre
outros regalos, a ração diária, roupas e algum pecúlio. Códice AM-16, fl. 227v,
APEJE, Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Série Arsenal de Marinha.
42 Códice AG-12, fls. 291-2, APEJE, Recife, Setor de Documentos Manuscritos,
Série Arsenal de Marinha.
43 O fato de as filhas de Francisco José Gomes de Santa Rosa e Engrancia
viverem em ambiente familiar, realizando afazeres domésticos junto de sua mãe,
reforça também suas imagens de moças honestas, segundo os padrões culturais
recifenses do período. Para saber mais sobre a categoria "moças honestas" no
Recife oitocentista, consultar: Maria Emília Vasconcelos dos Santos, "'Moças
honestas' ou 'meninas perdidas': um estudo sobre a honra e os usos da justiça
pelas mulheres pobres em Pernambuco Imperial (1860-1888)" (Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, 2007).
44 Estratégias desse tipo foram muito comuns no Império do Brasil. Na corte,
por exemplo, as dificuldades securitárias e a instabilidade no mercado de
trabalho foram fatores que motivaram operários, artesãos e ex-escravos a buscar
apoio em associações de auxílio mútuo. Ver Ronaldo Pereira de Jesus e David
Patrício Lacerda, "Dinâmica associativa no século XIX: socorro mútuo e
solidariedade entre livres e libertos no Rio de Janeiro Imperial", Revista
Mundos do Trabalho, v. 2, n. 4 (2010), pp. 126-42. Disponível
em <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/1984-
9222.2010v2n4p126/17235>, acessado em 11/12/2010. Na Bahia, por sua vez, novos
estudos indicam quadro semelhante ao observado no Rio de Janeiro, onde as
sociedades mutualistas também foram formadas para a proteção dos subalternos.
Ver Aldrin A. S. Castellucci, "A luta contra a adversidade: notas de pesquisa
sobre o mutualismo na Bahia (1832-1930), Revista Mundos do Trabalho, v. 2, n. 4
(2010), pp. 40-77. Disponível em <http://
www.periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/1984-
9222.2010v2n4p40/17220>, acessado em 11/12/2010. A importância securitária das
sociedades de auxílio mútuo pode ser observada até as décadas de 1930 e 1940,
quando se consolidam as lutas por direitos sociais mais amplos e por sólida
legislação trabalhista. Ver Cláudia Maria Ribeiro Viscardi e Ronaldo Pereira de
Jesus, "A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no
Brasil", in Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis (orgs.), A formação das
tradições (1889-1945) (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007), pp. 21-
51.
45 A compra de roupas, por exemplo, era fundamental para a classe operária
francesa oitocentista. "A dignidade da classe operária passa pelo 'bom aspecto'
[...] uma roupa conveniente permite que [os operários] se misturem sem vergonha
à festa urbana". Ver Michelle Perrot, Os excluídos da História: operários,
mulheres e prisioneiros, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 104. Outros
exemplos reforçam essa questão. Na virada do século XIX para o XX, os caixeiros
fluminenses procuravam se distinguir dos operários a partir do zelo com suas
roupas. Ver Fabiane Popinigis, Proletários de casaca: trabalhadores do comércio
carioca (1850-1911), Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 46. Ainda na França
de finais do século XIX, os trabalhadores militantes, para se distinguir dos
demais, usavam la blouse et la casquette nas horas de lazer. Ver Eric J.
Hobsbawm, Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária, Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 285. Comparativamente, tendo
em vista o que sabemos sobre o mestre pedreiro Francisco José Gomes de Santa
Rosa, parece que o mesmo se aplica à sua vida e de sua família, sempre ciosos
de sua posição social e da manutenção de seu prestígio público. Reforça essa
afirmativa o fato de as filhas do trabalhador especializado surgirem na
sociedade recifense como meninas consideradas honradas, como vimos
anteriormente.
46 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fl. 51, IAHGP, Recife, Setor de
Documentos Manuscritos. Livro de Atas do Conselho Administrativo da Sociedade
das Artes Mecânicas e Liberais, 1855-1863, fls. 33v-4 e 35v-6, UNICAP, Recife,
Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios.
47 Inventariado: Francisco José Gomes de Santa Rosa, Inventariante: Engrancia
do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR, fls. 4v, 82v-3v, IAHGP, Recife, Setor de
Documentos Manuscritos.
48 Livro de Atas do Conselho Administrativo da Sociedade das Artes Mecânicas e
Liberais, 1855-1863, fl. 87v, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais,
Série Liceu de Artes e Ofícios. Inventariado: Francisco José Gomes de Santa
Rosa, Inventariante: Engrancia do Amparo Santa Rosa, caixa 144, TJR fls. 90,
92-5, IAHGP, Recife, Setor de Documentos Manuscritos.
49 Ao utilizar a categoria "precarização da liberdade" para compreender o que
pode ter ocorrido com a família de Francisco José Gomes de Santa Rosa, após sua
morte, não pensei na possibilidade de suspeição de suas liberdades (do ponto de
vista jurídico) ou de reescravização. Não pensei também na perda de certos
direitos conquistados. Em seus estudos de caso, essas formas de precarização da
liberdade foram muito bem analisadas por Sidney Chalhoub, "Precariedade
estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século XIX)",
História Social: Revista dos Pós-Graduandos em História da Unicamp, n. 19
(2010), pp. 33-62. Disponível em <http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/
article/view/315/271>, acessado em 15/6/2011. A precarização da liberdade que
proponho para Engrancia, Amélia e Digna vai ao encontro de formas de
preconceito social e de discriminação racial que provavelmente sofreram por
terem despencado na pirâmide social, o que certamente gerou várias formas de
interdição cotidiana.