Presidentes e Congresso Nacional no processo decisório da política de saúde no
Brasil democrático (1985-1998)
Este artigo focaliza a dinâmica da relação Executivo-Legislativo no processo
decisório da política de saúde no período entre a transição democrática (1985)
e o final do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1998).
Nosso objetivo é discutir, a partir de dados relativos à produção legislativa
na área de saúde, a proposição de que presidentes que têm primazia no processo
legislativo, porque dispõem de amplos poderes constitucionais para legislar
(como poder de decreto), são "fortes". Ao contrário do que indica a
literatura especializada no tema (Figueiredo, 1995; Figueiredo e Limongi, 1995,
1999; Power, 1998; Carey e Shugart, 1998), pretendemos demonstrar, primeiro,
que a "força" de um Executivo que governa praticamente à margem da
instituição representativa mais importante do regime democrático ' o Congresso
Nacional ' é, no mínimo, questionável. Segundo, que, a exemplo daquilo que vem
ocorrendo no âmbito da produção legislativa na área social (Rodrigues, 1998;
Santos, 1999), a preponderância do Executivo na produção de leis na área de
saúde pública é relativa, já que os parlamentares brasileiros têm recuperado,
de maneira significativa, sua capacidade "legiferante" nessa arena
política.
Partimos do princípio de que a "força" de que dispõem o Executivo e o
Legislativo para aprovar legislação social não está condicionada, apenas, à
capacidadede ambos de utilizar os dispositivos institucionais que lhes são
conferidos pela Constituição para introduzir, modificar e/ou regulamentar
legislação, nem ao conteúdo das propostas apresentadas. Apesar de estes
constituírem fatores não desprezíveis, acreditamos que a preponderância da
Presidência da República (ou do Congresso Nacional) na arena legislativa
depende, sobretudo, das estratégias adotadas pelos atores envolvidos no
processo de tomada de decisão para obter aprovação de proposições legislativas
e dos recursos políticospor eles utilizados.
Este trabalho está dividido em três partes. A primeira apresenta uma síntese da
evolução da agenda da política social no Brasil, com ênfase na área de saúde,
no período 1985-98. Nesta seção, busca-se situar de que maneira a transição
democrática, a crise econômica, a reforma do Estado e a revisão do federalismo
brasileiro condicionaram as mudanças no papel do Estado na área de saúde
pública.
A segunda parte trata de examinar a agenda decisória da política de saúde
pública no Brasil, a partir de uma análise sobre a utilização dos mecanismos
institucionais disponíveis para o Executivo e o Legislativo federais
introduzirem legislação na área social. O objetivo desta seção é contribuir, de
uma perspectiva institucional, para o esclarecimento da dinâmica entre os
Poderes no processo decisório na área da saúde pública. Para tanto, examinamos
o uso que presidentes e parlamentares fizeram de alguns instrumentos
constitucionais fundamentais ' como medida provisória (MP), poder de veto,
projeto de lei e proposta de emenda constitucional (PEC) ' durante o período
estudado.
A terceira parte analisa as estratégias de negociação e os recursos políticos
utilizados pelos dois Poderes para aprovar legislação no Congresso Nacional.
Procura-se aqui compreender como presidentes e parlamentares interagem, na
prática, para introduzir, modificar e regulamentar legislação na área da
política pública de saúde no Brasil.
Como presidentes e membros do Congresso Nacional interagem para produzir
legislação que visa alterar o conteúdo da política de saúde? De quais recursos
políticos o Executivo lança mão para formar coalizões e cumprir sua agenda
política na área da saúde? Que instrumentos legais são utilizados com maior
freqüência pelos Poderes Executivo e Legislativo para introduzir alterações na
legislação sobre saúde? Qual o impacto das decisões tomadas na área das
políticas de saúde sobre o funcionamento do regime democrático no Brasil? Estas
são algumas das questões que nortearam a elaboração deste artigo.
A EVOLUÇÃO RECENTE DA AGENDA DA POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Transição Democrática, Crise Econômica e Políticas Sociais
Durante o período de que nos ocupamos neste artigo (1985-98), em substituição à
estratégia reformista conservadora1 consubstanciada no II Plano Nacional de
Desenvolvimento implementado a partir do governo Geisel (1974-79), inaugura-se
uma fase caracterizada por um projeto reformador que orienta o processo de
redefinição das políticas públicas de corte social que, logo, se depara com um
quadro de fragmentação institucional e paralisia decisória derivado do colapso
da coalizão de poder que deu sustentação ao processo de transição.
Se, ao longo das cinco décadas anteriores, se constituiu no Brasil um conjunto
de políticas sociais que se aproxima do modelo de produtividade e desempenho
industrial (Titmuss, 1974) ou conservador (Esping-Andersen, 1990) de Estado de
Bem-Estar Social, durante os anos 80 e 90, a política social brasileira tornou-
se alvo de um conjunto de pressões e demandas pela sua alteração provenientes
tanto do processo de transição e consolidação democrática quanto dos
constrangimentos originários do quadro de crise econômica que o país enfrentava
(Draibe, 1995). Por um lado, observa-se uma tendência no sentido de a questão
social ganhar relevância na agenda pública da transição democrática. Trata-se
de um contexto em que adquirem expressão as propostas de descentralização e de
maior participação da sociedade na elaboração e implementação das políticas
públicas. De outro, o quadro de pronunciada crise econômica que se manifesta ao
longo dos anos 80, e que repercute de maneira pronunciada nos 90, ao mesmo
tempo que torna inadiável, em virtude da deterioração da situação social do
país (idem), a adoção de políticas sociais de caráter compensatório, faz com
que a ênfase na ação reformadora voltada para o equacionamento da questão
social seja minimizada em função da necessidade de o novo regime democrático e
os governos civis subseqüentes responderem aos imperativos da administração
macroeconômica do país (Torre, 1987; 1993). Nesse caso, as variáveis de
ajustamento econômico, ao mesmo tempo que são indutoras de ações de política
social de caráter emergencial e compensatório, constituem também importantes
fatores de constrangimento da ação reformadora nos anos 80 e 90.
Particularmente na década de 90, impõe-se uma nova agenda de reformas das
políticas sociais. De forma análoga ao que ocorre em outros países latino-
americanos, no Brasil, a perda das condições que viabilizaram historicamente a
estratégia de substituição de importações fez com que a agenda pública
evoluísse no sentido da discussão da reforma do Estado como pré-requisito para
a implementação de um novo modelo de desenvolvimento (Pinheiro, 1995).
A contrapelo do impulso reformista da Constituição de 1988, que indicava
claramente o sentido da evolução do sistema de proteção social brasileiro em
direção a um modelo redistributivo-institucional (Titmuss, 1974) ou social-
democrata (Esping-Andersen, 1990) de Estado de Bem-Estar Social a ser alcançado
por meio de políticas de perfil universal com oferta pública estatal de
serviços e bens na área social2, as características mais marcantes da evolução
das intervenções públicas na área social, durante os anos 90, relacionam-se com
os processos de descentralização e focalização dos programas de políticas
sociais em meio a um quadro de fortes restrições fiscais, o que faz com que o
padrão brasileiro de proteção social se afaste também das configurações
residuais (Titmuss, 1974) ou liberais (Esping-Andersen, 1990) do Estado de Bem-
Estar Social (Draibe, 1995; 1997; Draibe et alii, 1991).
Federalismo e Políticas Sociais
Desde o início do processo de redemocratização brasileiro, e ainda durante os
anos 90, a agenda pública nacional refletiu as demandas por descentralização
fiscal e das políticas sociais. Tendo como contraponto o padrão centralizado de
elaboração e implementação de políticas dos governos autoritários anteriores, a
bandeira da descentralização foi associada à construção da democracia e à
necessidade de maior eficiência das intervenções governamentais (Abrucio, 2001;
Arretche, 1996).
Em um contexto de pronunciada fragilidade política e econômica da União, a
dinâmica da evolução do sistema político e do federalismo brasileiro foi
profundamente afetada pela crescente afirmação dos governadores no cenário
político nacional ' como demonstraram os resultados das eleições estaduais de
1982. Em meio ao processo de transição política, a realização de eleições
diretas nos municípios e estados, antes da efetuação de um pleito de caráter
nacional (que só ocorrerá, por via indireta, em 1984, com a vitória de grupos
de oposição em importantes estados da federação), permitirá que a estrutura do
federalismo consagrada durante o ciclo de governos militares seja questionada
em nome da introdução de maiores níveis de autonomia dos governos subnacionais
diante do poder da União.
Na esteira da emergência e afirmação do que foi qualificado como um
"federalismo estadualista" (Abrucio, 1994; Abrucio e Samuels, 1997),
além de promover a criação de três novos estados (Amapá, Roraima e Tocantins),
a Constituição de 1988 consagrou um novo padrão de relações intergovernamentais
entre estados, municípios e União ao reconhecer os municípios e o Distrito
Federal como entes federados, assegurar maior autonomia e capacidade extrativa
fiscal aos estados e municípios e estabelecer um aumento das transferências
constitucionais da União em favor dos governos subnacionais (Kugelmas, 2001;
Kugelmas e Sola, 2000).
Entretanto, em que pese o viés "estadualista" presente na evolução
recente do federalismo brasileiro, a elevação dos municípios à condição de
entes federados e o crescimento, em termos absolutos e em relação ao Produto
Interno Bruto ' PIB, de sua receita disponível vis-à-vis os recursos fiscais em
mãos dos estados e da União foram interpretados como componentes de um
"federalismo municipal". Afinal, a criação desses novos municípios
não favoreceu uma situação de independência destes, quanto a suas receitas, das
transferências constitucionais e de convênios com os estados e com a União
(Gomes e MacDowell, 2000).
De fato, um aspecto saliente da dinâmica do federalismo brasileiro nas duas
últimas décadas aponta para um quadro de redistribuição vertical dos recursos
fiscais da União em favor dos estados e municípios, e dos estados em favor dos
municípios (Serra e Afonso, 1999). A propósito, entre 1989 e 1996, verifica-se
um quadro de crescimento negativo da receita tributária disponível da União (de
61,1% para 56,4%) e de crescimento positivo das receitas disponíveis de estados
(de 25% para 27%) e municípios (de 13,9% para 16,7%), ' para o ano de 1995,
enquanto a arrecadação direta de estados e municípios foi da ordem de 34% da
carga tributária global, depois de realizadas todas as transferências em seu
favor, estes passaram a dispor de 44% da receita tributária (Afonso e Lobo,
1996).
Tudo isso em meio a um sistema federativo cujos dispositivos institucionais
operam no sentido tanto da restrição do poder central quanto do poder do
demos.A propósito, Stepan (1999) elabora a idéia de que em um continuumde
federações democráticas mais ou menos restritivas do poder da maioria (demos
constraining) e federações que mais ou menos ampliam o poder do conjunto de
seus cidadãos (demos enabling), o Brasil ocupa uma posição extrema no continuum
demos constraining3.
Não tendo a Constituição de 1988 promovido uma revisão da distribuição dos
diferentes encargos governamentais coerente com o novo padrão de repartição dos
recursos fiscais entre os entes federativos (Serra e Afonso, 1999; Abrucio,
2001; Abrucio e Samuels, 1997), e diante do agravamento da situação fiscal da
União, verifica-se, durante os anos 90, que o governo central ' sob o impacto
da federalização e renegociação das dívidas de estados e municípios e em meio a
importantes restrições fiscais ' passa a atuar em duas frentes. Por um lado,
procede à recomposição de sua base de recursos através do Fundo Social de
Emergência ' FSE (depois Fundo de Estabilização Fiscal ' FEF) e do aumento da
arrecadação através de contribuições sociais ' cuja receita não é partilhada
com estados e municípios; por outro, procede à operacionalização de um amplo
conjunto de medidas de descentralização pela oferta4, com destaque para as
políticas públicas na área de saúde.
O Setor de Saúde
Até meados dos anos 60, as políticas para o setor de saúde foram fortemente
influenciadas por arranjos institucionais de tipo corporativista estatal
conjugados com um modelo de seguro-saúde de base contributiva com importantes
restrições de acesso em relação à população não-contribuinte5. Já durante o
ciclo de governos militares, a unificação dos diferentes regimes de previdência
social em 1966 ' com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social '
INPS e a incorporação dos trabalhadores rurais (1971), das empregadas
domésticas (1972) e dos trabalhadores autônomos (1973), entre outros segmentos
sociais, ao regime previdenciário vigente ', promove um avanço decisivo em
direção à universalização de determinados direitos sociais (Costa, 1996;
Draibe, 1994; Draibe et alli,1991; Malloy, 1986; Salm e Coutinho, 1986;
Schmitter, 1974).
Durante os anos 80, as significativas mudanças institucionais e na agenda
pública relativas à área de saúde no Brasil, na direção de níveis mais
abrangentes de universalização das políticas do setor, refletem as realizações
dos governos autoritários anteriores no sentido da superação da
institucionalidade fragmentária e excludente de um certo padrão de acesso aos
bens e serviços de saúde pelas diferentes camadas da população. Nesse período,
no âmbito das políticas sociais, o setor de saúde constitui-se na área de
políticas públicas que conheceu as maiores mudanças, particularmente com a
promulgação da Constituição de 1988. Reflexo dos deslocamentos observados no
eixo analítico de problematização das políticas sociais, as mudanças no setor
de saúde acompanham pari passu a dinâmica de evolução da agenda pública no
Brasil nas últimas décadas.
Embora as conseqüências das ações reformadoras/descentralizadoras no campo das
políticas sociais, por parte dos Executivos federais, desde os anos 80, estejam
longe de constituir um quadro homogêneo, com grande variação de resultados uma
vez que se trata de políticas sociais diferentes, assim como com importantes
distinções entre as unidades da federação brasileira no que se refere à
participação dos estados e municípios na gestão das políticas de saúde
(Almeida, 1995; Arretche, 1999)6, o fato é que, em meio ao processo de
transição democrática, a agenda pública na área de saúde termina por sofrer uma
nova inflexão com a incorporação de novos temas associados à emergência e à
afirmação de novos atores no quadro político nacional.
Nesse contexto, adquire particular relevância a agenda reformista proposta
pelos diferentes atores que integravam o movimento sanitarista, cujas
proposições no sentido da promoção da descentralização da gestão dos serviços
de saúde serão amplamente ratificadas no âmbito da VIII Conferência Nacional de
Saúde (1986).
De fato, as mais importantes inovações consubstanciadas na Constituição de 1988
são fruto do processo de interação de uma gama diversificada de atores sociais
que acaba por repercutir nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte em
um contexto de mudanças na agenda pública nacional. Observa-se, já a partir de
1984, uma reorientação na análise do modus operandi da política social
brasileira que submete à crítica seus aspectos centralizador, excludente e
ineficaz, dentre outros. Nesse diapasão, a ênfase na abertura das arenas
decisórias das políticas públicas à participação de atores até então excluídos
das mesmas, e na descentralização das intervenções públicas na área social,
constitui-se em leitmotivda ação reformadora nessa área de políticas públicas.
Com efeito, em meio a um ambiente de crítica ao padrão de intervenção estatal
perpetrado na área social durante o ciclo de governos militares, e diante do
momento fundacional propiciado pela elaboração de uma nova Constituição,
configura-se uma importante policy window7 (Kingdon, 1993), em torno da qual
diferentes atores se mobilizam no sentido de influenciar na reconfiguração do
perfil das políticas de saúde.
Ao longo desse período, a criação do Sistema Único de Saúde ' SUS configura-se
como a mais importante iniciativa de reforma na área social. Coroando um
processo que remonta ao início dos anos 80, a constituição do SUS foi precedida
pela implantação das Ações Integradas de Saúde (1984) e pela instituição do
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde ' SUDS (1987). Exemplo de um
processo de descentralização que contou com forte apoio institucional do
governo central e, ao mesmo tempo, expressou um amplo conjunto de demandas
vocalizadas por diferentes atores sociais, a implantação do SUS ocorre no
contexto da redemocratização e de fortalecimento das bases federativas do
sistema político brasileiro (Almeida, 1995; Arretche, 1998).
Após a aprovação da Lei Orgânica da Saúde ' LOS, tem início nos 90 um processo
de normatização e institucionalização da orientação descentralizadora do SUS.
Por intermédio das Normas Operacionais Básicas ' NOBs, o Ministério da Saúde
paulatinamente define as regras do seu funcionamento, explicitando as
diferentes modalidades de habilitação de estados e municípios na gestão dos
recursos do SUS (Arretche, 1998; Augusto e Costa, 2000).
Nesse período, em meio a uma severa crise fiscal em boa medida herdada dos
governos anteriores, abre-se uma nova policy window, com um novo deslocamento
da agenda pública nacional no sentido da discussão da reforma do Estado que
envolve a redefinição de seu papel no que diz respeito à configuração das
políticas sociais. Entre outros temas, assiste-se, então, à proliferação de
estudos voltados para alterações do mix público-privado e a adoção de políticas
seletivas e de focalização do gasto público (Melo, 1998; 1999). Ainda nessa
fase, em uma nova rodada de discussões sobre as bases de financiamento das
políticas de saúde e no decurso da implementação de uma série de reformas
setoriais, destaca-se a desvinculação do orçamento da Previdência Social do
Fundo da Seguridade Social tal qual definida pela Constituição de 1988.
A AGENDA DECISÓRIA DA POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
Dado o escopo deste artigo, a análise do conteúdo da política de saúde pública
que foi implementada no país e a caracterização do ambiente em que foram
formuladas diversas decisões políticas entre 1985 e 1998 requerem um exame dos
mecanismos institucionais passíveis de serem utilizados pelos membros do
Executivo e Legislativo tendo em vista a produção legislativa. Para tanto,
procede-se nesta seção a uma reconstituição dos processos decisório e de
estabelecimento das regras constitucionais, leis, decretos presidenciais,
normas operacionais e produção legislativa que vêm regulamentando a
institucionalização do sistema de prestação de serviços de saúde. A descrição
apresentada aqui se baseia nos fundamentos constitucionais da política
descentralizada de saúde, no conteúdo da LOS e em alguns atos normativos
editados pelo Poder Executivo8.
Arcabouço Institucional da Descentralização
Desde a transição democrática, em 1985, um conjunto de leis, decretos
presidenciais, normas operacionais e portarias ministeriais vem regulamentando
um longo processo de institucionalização de novas regras e procedimentos no
âmbito do sistema de prestação de serviços de saúde no país9. Entretanto, o
marco inaugural mais importante para a redefinição das prioridades das ações
estatais destinadas ao atendimento das necessidades da população na área da
saúde pública, assim como para a ampliação da autonomia de gestão das
autoridades públicas locais, foi a Constituição de 1988.
O texto final da Carta de 1988, no capítulo referente à saúde pública (artigos
196 a 200), reconhece a saúde como um direito social de todos os cidadãos '
garantido pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços para
promoção, proteção e prevenção de saúde ', e como um dever do Estado ' através
da elaboração de políticas e programas sociais que visam à redução do risco de
doenças. Contudo, o primeiro passo para a institucionalização do sistema
proposto no texto constitucional de 1988 só foi dado na administração do
presidente Fernando Collor de Mello (1990-92). Em 7 de agosto de 1990, Collor
edita o decreto presidencial nº 99.438, que organiza e define as atribuições do
Conselho Nacional de Saúde. Logo em seguida (19 de setembro de 1990), foi a vez
de o Congresso Nacional aprovar a Lei Orgânica da Saúde, que ratifica as
diretrizes constitucionais do sistema e amplia a responsabilidade municipal na
provisão dos serviços de saúde e nas atividades de negociação, alocação de
recursos e regulação de desempenho. Da aprovação da LOS (Lei nº 8.080)
resultaram dois aspectos fundamentais:
Em primeiro lugar, ao definir as atribuições de cada esfera de governo, no que
diz respeito à gestão e às competências, além de dispor sobre a organização dos
serviços e o funcionamento do SUS, a Lei nº 8.080 acabou criando mecanismos
institucionais importantes que passaram a vincular, de maneira definitiva, a
descentralização à municipalização. Um segundo aspecto, de outra ordem, refere-
se ao conteúdo da legislação e à dinâmica do processo decisório. A Lei nº 8.080
foi aprovada com veto parcial aos artigos referentes à participação popular e
ao financiamento do sistema e, apesar de o Congresso Nacional ter mantido o
veto presidencial, este fato acabou gerando um impasse político entre o
Executivo e o Legislativo, na medida em que questões importantes relativas ao
conteúdo da legislação foram deixadas sem solução. Nesse sentido, com o intuito
de facilitar a implementação do sistema em um cenário caracterizado por
dificuldades tanto no relacionamento entre o Executivo e o Congresso Nacional
quanto nas questões concernentes à participação popular e ao financiamento do
sistema, novos arranjos institucionais foram criados.
O mais importante desses arranjos foi a aprovação da Lei Complementar nº 8.142,
de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre as condições e as formas de
transferências de recursos e a participação da comunidade na gestão do SUS, a
partir da criação de duas instâncias colegiadas: o Conselho de Saúde e a
Conferência de Saúde10. Estabelecido com o objetivo de avaliar a situação da
saúde no país, o Conselho de Saúde constitui, até hoje, uma instância
privilegiada ' apesar de ainda mal aproveitada ' na discussão da política de
saúde, na formulação de estratégias e no controle da execução do Plano Nacional
de Saúde (Rodrigues, 1999). Retomaremos este ponto adiante.
A partir de 1991, as NOBs constituíram o arranjo que passou a regulamentar a
descentralização do sistema de saúde. Tendo como base o texto constitucional de
1988, a LOS e a Lei Complementar nº 8.142, ao longo do período em estudo, foram
editadas pelo Executivo, através do Ministério da Saúde, três NOBs: em 1991,
1993 e 1996.
A NOB 1/91 introduziu o conceito de habilitação dos municípios e estados ao
SUS, mediante comprometimento com a gestão direta de serviços, e previu a
formação de um fundo setorial e o funcionamento de conselhos comunitários. Dois
anos após sua edição, quando a inoperância desse arranjo institucional foi
detectada pelo Ministério da Saúde, o Executivo editou uma segunda NOB (1/93)
que representa, esta sim, um divisor de águas importante na política de saúde
dos anos 90.
A NOB 1/93 criou as Comissões Intergestores Tripartite (compostas por
representantes dos governos federal, estadual e municipal) e Bipartite (com
representação paritária entre estados e municípios), as regras de transferência
de recursos e os mecanismos de controle e avaliação. Ademais, adotando o modelo
de descentralização pactuada, a NOB 1/93 desenhou também três situações
transacionais para a gestão do sistema de saúde (Incipiente, Parcial e
Semiplena), que acabaram inaugurando o sistema de representação progressiva de
titularidade governativa. Segundo a NOB 1/93, para alcançar uma dessas
situações na gestão setorial, os governos locais deveriam atingir uma
capacidade estatal associada a variáveis de responsabilização e controle
externo das suas decisões.
O aumento da responsabilidade do governo local na gestão direta dos serviços de
saúde serviu como mecanismo de aceleração da adesão dos municípios às novas
funções propostas pelo SUS. Em 1996, dos 4.973 municípios brasileiros, 65,1%
passaram a se enquadrar em uma das modalidades de gestão proposta pelo SUS;
49,4% habilitaram-se na Gestão Incipiente; 12,8%, na Gestão Parcial; 2,9%, na
Gestão Semiplena (Silva et alii, 1999:40). Nesse mesmo ano, o Ministério da
Saúde editou uma terceira NOB (1/96), cujo objetivo foi não só ampliar a
responsabilidade dos gestores municipais e estaduais, mas também fortalecer a
atenção básica e primária nas ações de saúde coletiva.
Ao reduzir as condições de habilitação a duas modalidades (Gestão Plena da
Atenção Básica ' GPAB, e Gestão Plena do Sistema Municipal ' GPSM), a NOB 1/96
simplificou de maneira significativa o processo de responsabilização municipal
proposto na NOB anterior (1/93). O município habilitado na GPAB passou a se
responsabilizar pela atenção primária de alcance coletivo (como ações básicas
de vigilância sanitária) e por alguns procedimentos individuais de caráter
ambulatorial (clínica médica, ginecologia, obstetrícia, pediatria e pequenas
cirurgias ambulatoriais). Neste caso, a provisão das ações de saúde pode
ocorrer tanto por intermédio das unidades públicas próprias, quanto pela
contratação de serviços do setor privado. Por outro lado, a habilitação na GPSM
deu ao gestor local autonomia suficiente para editar normas de pagamento de
serviços em seu território, tendo como referência a tabela nacional do SUS. O
gestor passa então a ser responsável pela programação, controle e remuneração
dos serviços produzidos localmente, independentemente do tipo de provedor
(público ou privado).
Assim como ocorreu com a edição da NOB 1/93, da NOB 1/96 resultou também um
incremento significativo na adesão dos municípios brasileiros à
descentralização. Dados do Ministério da Saúde indicam que, até a metade de
1998, 4.664 municípios brasileiros estavam habilitados em uma das duas formas
de gestão descentralizada propostas pela NOB 1/96 (GPAB ou GPSM). Em
contrapartida, no mesmo período, o Ministério da Saúde já havia transferido
recursos correspondentes a cerca de 30% do dispêndio federal com assistência
médico-ambulatorial (Silva et alii, 1999:44). É a partir desse arcabouço
institucional que ocorre a consolidação da política de descentralização da
saúde no Brasil democrático (Augusto e Costa, 2000).
Produção Legislativa e Dispositivos Institucionais
Da perspectiva da produção legislativa, as iniciativas do Executivo e dos
membros do Congresso para introduzir propostas e/ou apresentar alterações na
legislação vigente na área da política social, em geral, e da saúde pública, em
particular, são condicionadas por uma série de dispositivos institucionais que
estruturam o espaço de interação entre o chefe do Executivo e os parlamentares.
No texto da Constituição de 1988 e nos regimentos internos do Senado e da
Câmara dos Deputados são definidos os dispositivos legais que organizam o
processo legislativo.
Com relação aos poderes conferidos pela Constituição de 1988 ao Executivo para
introduzir e/ou modificar legislação, diversos estudos têm comprovado que
Executivos com amplos poderes constitucionais de decreto são sempre muito
fortes (Carey e Shugart, 1998; Mainwaring e Shugart, 1997; Figueiredo et
alii,2000)11. No caso do Brasil, durante o período analisado, as prerrogativas
constitucionais da Presidência da República produziram de fato um Poder
Executivo preponderante, em termos legislativos, porque a possibilidade de o
presidente legislar através de medida provisória12 (art. 62), combinada com o
instituto do veto parcial ou total (art. 66), gerou uma situação em que, na
prática, boa parte da agenda do Congresso Nacional e do conteúdo das políticas
aprovadas é determinada pelo Executivo federal (Schmitt, 1995; Morgenstern,
1996)13. Ademais, os efeitos de tais dispositivos constitucionais, que
asseguram a preponderância do Executivo na produção legal, são reforçados ainda
por certos estatutos contidos nas normas sobre o processo legislativo que
operam como regras que organizam a tramitação de proposições no âmbito do
Congresso Nacional: as tramitações em regime de urgência e de urgência
urgentíssima14.
Apesar da "força" do Executivo brasileiro, nos termos descritos
acima, dados coletados em nossa pesquisa junto ao Serviço de Processamento de
Dados do Senado Federal ' PRODASEN mostram que, no período entre 1985 e 1998,
de um total de 82 MPs editadas (e reeditadas) pelo Executivo na área da saúde,
apenas seis foram transformadas em lei. Assim, no que se refere à capacidade
pró-ativa15 do Executivo brasileiro para introduzir legislação através de MP, a
Tabela_1 deixa claro que, na área da saúde, os presidentes são
"fortes" especialmente quando legislam à margemdo Congresso, já que
um número razoável de iniciativas legislativas do Executivo foi implementado
(temporariamente) com força de lei e deixou de ter efeito ' a partir da sua
não-reedição ' sem ao menos passar pela apreciação em plenário16.
Observa-se na Tabela_1 que o total de 166 peças legislativas que o Executivo
brasileiro apresentou ao Congresso na área da saúde pública inclui 15 medidas
provisórias originais, 67 reedições, 78 mensagens, 5 ofícios17 e uma proposta
de emenda à Constituição; 34 proposições foram aprovadas pelo Congresso.
A partir destes dados podemos inferir que os custos para o Executivo introduzir
legislação através de MPs são relativamente baixos, uma vez que, ao longo do
tempo, os presidentes utilizaram este expediente de maneira crescente e
sistemática18, ao passo que os custos para o Congresso apreciar MPs (tanto para
rejeitá-las, quanto para transformá-las em PLVs19 ou em lei) são bastante
altos. A Tabela_2 demonstra este ponto.
De fato, os dados da Tabela_2 evidenciam que no Brasil, durante o período
estudado, os presidentes foram capazes de legislar na área da saúde
praticamente à margem do Congresso ' através da reedição de MPs ', ao passo que
este foi relativamente incapaz de apreciar e lapidar o conteúdo das MPs
propostas pelo Executivo.
Diversos fatores explicam o enfraquecimento do poder reativo do Congresso20 e
da sua capacidade para determinar o output legislativo do sistema. O primeiro
tem a ver com as dificuldades que o Congresso tem demonstrado em organizar de
maneira eficiente as comissões especiais que devem ser formadas pelos membros
das duas Casas para apreciar e/ou modificar cada MP que o Executivo edita. Para
ilustrar este ponto, dados da Tabela_2 mostram que das 82 MPs apresentadas ao
Congresso entre 1988 e 1998 pelo Executivo na área de saúde pública, apenas
doze passaram pelo crivo do Poder Legislativo. Destas, seis foram aprovadas sem
modificação, uma foi aprovada com modificação, duas foram transformadas em
PLVs, mas não foram aprovadas, e três foram revogadas. Todo o restante, as
setenta MPs editadas/reeditadas com força de lei, simplesmente, perdeu
eficácia.
Além das dificuldades que o Congresso enfrenta para organizar comissões
especiais, sua capacidade reativa foi bastante limitada pelo trâmite do recurso
mais freqüentemente utilizado pelos congressistas, as proposições de leis
ordinárias, que envolve um processo deliberativo muito mais lento do que aquele
observado quando do envio pelo Executivo de mensagens ou de MPs. Dados
extraídos do PRODASEN sobre a produção legislativa na área da saúde entre 1985
e 1998 mostram que a tramitação das proposições aduzidas pelo Legislativo
demora, em média, quatro vezes mais tempo para ser aprovada do que aquelas
propostas pelo Executivo.
Um outro fator que pode ter debilitado a capacidade legislativa do Congresso se
refere ao poder reativo do Executivo21 para redesenhar a legislação que o
Congresso aprova, através do veto total ou parcial. Dados fornecidos pelo
PRODASEN mostram, por exemplo, que, das 55 proposições aprovadas pelo Congresso
na área e período em tela, 32 sofreram algum tipo de veto presidencial (onze
vetos totais e 21 parciais). Das onze peças legislativas que sofreram veto
total, três tiveram origem no Executivo e oito, no Legislativo. O Congresso
conseguiu derrubar dois vetos totais das proposições que tiveram início no
Legislativo e nenhum veto total das proposições provenientes do Executivo. Isto
significa que, das onze proposições que o Congresso aprovou e que sofreram veto
total, nove nunca foram transformadas em lei.
Com relação às 21 peças legislativas que sofreram veto parcial, doze tiveram
origem no Executivo e nove no Legislativo. Seguindo o padrão anterior, nenhum
veto parcial em peça legislativa introduzida pela Presidência foi derrubado,
enquanto um veto parcial (sobre peça com origem no Legislativo) foi derrubado
(Tabela_3).
Outra explicação para o sucesso dos presidentes em conseguir aprovar um número
maior de proposições do que o Congresso na área da saúde remete à natureza
diversa da atividade legislativa deste último vis-à-vis a da Presidência, que
constitui um corolário da literatura da escolha racional. Segundo este,
enquanto o Poder Executivo como uma instância institucional propõe leis que
tendem a implementar políticas de efeito "mais geral" ' uma vez que
as proposições legislativas introduzidas pelos presidentes contemplam
"questões nacionais" ', no caso do Legislativo, o poder de alvitrar
projetos de lei no Congresso é individual ' na medida em que os parlamentares
são movidos pelo interesse próprio de reeleição (Mayhew, 1974). De maneira que
o grande número de projetos propostos no Congresso Nacional pelos legisladores
e o baixo índice de aprovação destes pelo plenário do Congresso vão ao encontro
da tese de Mayhew (idem) de que os congressistas estão interessados em
apresentar o maior número possível de proposições, mas não em fazer o devido
esforço para que estas sejam efetivamente aprovadas.
Sobre este tema, Nelson Jobim, ministro da Justiça na administração Fernando
Henrique Cardoso, observou:
"A verdade é que os deputados oferecem projetos de lei que,
muitas vezes, não visam aprovação. Estes projetos visam apenas
impressionar o eleitorado do congressista que o apresenta. O projeto
é apresentado apenas para ser enviado ao município do parlamentar.
Estes são os chamados projetos de categorias regionais22. Como são
apresentados aos montes no Congresso Nacional, projetos deste tipo
acabam entulhando o processo legislativo"23.
Os dados da Tabela_4 comprovam esta tese mostrando que, apesar de os
presidentes brasileiros terem introduzido, no intervalo pesquisado, apenas 15%
das proposições na área da saúde no Congresso, eles foram responsáveis por 62%
das leis que o Legislativo aprovou no período. Dos 976 projetos de lei
introduzidos por parlamentares na área de saúde, apenas 21 foram transformados
em lei24, perfazendo um total de 38% das proposições que o Congresso aprovou.
Uma última explicação possível sobre a dificuldade dos parlamentares para
aprovarem seus próprios projetos reside na simultaneidade dos processos de
seleção e de apreciação de proposições com origem no Legislativo. Se, no caso
do Executivo, a negociação é feita antes de as proposições legislativas irem a
plenário ' assim como a seleção daquelas que deverão contar com maior empenho
dos congressistas para efeito de aprovação ', no caso das proposições dos
congressistas, a trajetória de negociação/seleção de uma peça legislativa é
feita em um único processo (Figueiredo e Limongi, 1999:55). Isto significa que
as proposições iniciadas pelo Legislativo, ao contrário do que acontece no
Executivo, são fruto de um processo decisório descentralizado. Nesse caso,
apenas a seleção das proposições iniciadas por parlamentares é tarefa coletiva.
Sobre este ponto, Novaes (1994:139) foi pioneiro ao sugerir que, quando uma
proposta do Executivo recebe tramitação de urgência, é porque foi alcançado
algum tipo de acordo entre lideranças. Presidentes apresentam um projeto de lei
após terem discutido seu conteúdo com os líderes partidários e presidentes de
comissão (Figueiredo e Limongi, 1999), enquanto os projetos encetados pelos
parlamentares devem passar por todo o trâmite seletivo do processo legislativo.
Dados apresentados na Tabela_4 deixam claro que o processo de seleção de
propostas iniciadas pelos congressistas representa, pela quantidade, enorme
obstáculo à eficiência do Legislativo no que diz respeito às próprias medidas
que este pretende adotar, principalmente porque o processo de seleção aumenta
significativamente o tempo de apreciação das propostas com origem nesse Poder.
Considerando todos os fatores apresentados aqui, que corroboram a tese da
primazia do Executivo no processo decisório, cabe colocar a seguinte questão:
será que os amplos poderes legislativos dos presidentes brasileiros significam,
na prática, que o Executivo detém, efetivamente, a última palavra no processo
decisório na área das políticas sociais?
Para responder a esta pergunta, voltamo-nos para uma pesquisa que apresenta
dados agregados sobre a produção legislativa dos parlamentares na área
social25, entre 1985 e 1996, que mostram que a capacidade do Congresso para
legislar nessa arena política é significativamente maior do que a do Poder
Executivo (Rodrigues, 1998). Para o período, tal estudo demonstra que 57% dos
projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional na área social foram de
iniciativa do Legislativo e 43%, do Executivo. Estas porcentagens se tornam
ainda mais significativas se considerarmos que 89% dos projetos de lei que
sofreram veto total nesse interregno ' e, por isso, nunca foram transformados
em lei ' foram principiados por membros do Congresso; quase a metade destes
(49%) eram projetos de lei relativos à área social.
A recuperação da capacidade "legiferante" do Congresso na produção
legal sobre os temas de cunho social é confirmada por outra pesquisa (Santos,
1999) que desagrega dados sobre a produção legislativa dos Poderes Executivo e
Legislativo, em duas áreas políticas (econômico-administrativa e social), em
dois períodos distintos: 1989-94 e 1995-97 (ver Tabela_5).
A partir dos dados contidos na Tabela_5, podemos inferir que, no período
analisado, as intervenções dos membros do Congresso concentraram-se,
principalmente, em temas de cunho social, e que os parlamentares têm sido
responsáveis por um número cada vez maior de proposições aprovadas na área
social. Isto, de certa forma, desqualifica a tese de Mayhew (de que as
proposições iniciadas pelo Executivo tendem a ser, em geral, institucionais;
enquanto aquelas introduzidas pelos congressistas, mais individuais), pelo
menos no que se refere à área social. Segundo o ministro da Educação do governo
FHC, Paulo Renato de Souza26, uma explicação para esse dado se encontra no fato
de que as iniciativas legislativas do Poder Executivo
"[...] são mais realistas [do que as dos parlamentares], porque
toda proposta do Executivo analisa necessariamente a questão do
recurso e o Congresso não se preocupa com o recurso. No Congresso não
há uma preocupação real com a questão da engenharia orçamentária,
fiscal, de ver de onde saem os recursos. Isso é muito típico do
Brasil, eu acho. A mentalidade brasileira e a mentalidade dos
congressistas são uma mentalidade deficitária. Como se o Estado
tivesse milhões de tetas... Por isso os parlamentares não se
preocupam com a questão fiscal para iniciar legislação".
Outra explicação é que
"[...] na medida em que a economia e a questão política
monopolizam a pauta legislativa do governo, não é fácil para nós [do
governo] aprovarmos legislação na área social. Todas as prioridades e
todo o empenho do Executivo concentram-se em outras áreas. Questões
econômicas e políticas acabam tirando o nosso espaço. Por isso, temos
uma dificuldade maior [de passar legislação na área social] do que em
outras áreas, porque além de ter as idéias, de propor, de convencer,
temos que torcer para que as coisas aconteçam, porque, naturalmente,
elas não saem, não acontecem".
Sobre a tendência cada vez mais marcante do papel do Congresso na produção
legislativa na área social, dois pontos importantes devem ser enfatizados aqui.
O primeiro diz respeito ao estatuto legislativo da emenda constitucional; o
segundo, à atuação das comissões permanentes no Congresso Nacional.
Com relação ao primeiro ponto, vale lembrar que, da perspectiva das
prerrogativas legislativas que a Constituição de 1988 confere aos dois Poderes
(Executivo e Legislativo), a PEC é o instrumento que apresenta o maior custo
para a sua aprovação. No Brasil, o quórum de votação (e aprovação) de uma
reforma constitucional é de três quintos dos votos; exige-se dois turnos de
votação em cada Casa congressual e processo de votação nominal (Constituição de
1988, art. 60). Apesar do alto custo para aprovação de uma PEC, que inclui a
formação de grandes coalizões e a criação de consenso político, em um contexto
que alguns denominam de "multipartidarismo exacerbado" (Sartori,
1994), o Congresso demonstrou uma capacidade pró-ativa muito maior do que a do
Executivo para introduzir e aprovar propostas de emenda constitucional na área
da saúde: das quatro PECs apresentadas ao Congresso entre 1985 e 1998, três são
de autoria de congressistas27. Isto significa que o Legislativo brasileiro tem
poder efetivo para formar coalizão, criar consenso e aprovar as proposições que
julga fundamentais e que, efetivamente, passam pelo trâmite legislativo normal,
além de demonstrar força suficiente para formar coalizão e criar consenso sobre
questões nacionais importantes (como é o caso daquelas tratadas pelas emendas
constitucionais28).
No que diz respeito ao segundo ponto (atuação das comissões permanentes no
Congresso Nacional), vale lembrar que, de acordo com o Regimento Interno da
Câmara dos Deputados, as comissões são organizadas em órgãos técnico-
legislativos, cuja finalidade é apreciar as proposições submetidas a seu
escrutínio. Comissões permanentes constituem a primeira instância deliberativa
dos projetos apresentados ao Congresso e, desde a promulgação da Carta de 1988,
uma comissão permanente pode aprovar, em caráter terminativo, os projetos sob
sua jurisdição ' o que significa que eles não precisam passar pelo crivo do
plenário para serem transformados em lei (a menos que seja aceito recurso
contra a decisão terminativa).
No caso da produção legislativa que nos interessa analisar aqui, é a Comissão
de Seguridade Social e Família ' CSSF que examina matérias relativas à
previdência e assistência social, instituições privadas de saúde, saúde pública
e saúde ambiental, além de seguros e previdência privada. Esta comissão é
precisamente a que apresenta o maior grau de especialização ocupacional
prévia29 (associada à área médica), caracterizando-se como uma das comissões
permanentes de maior atuação no âmbito congressual (Santos, 1999). Para o
período 1995-97, por exemplo, 92,3% de todos os projetos sancionados na CSSF o
foram através de poder terminativo (Silva, 1998 apudSantos, 1999).
O ponto importante a ser destacado é que as comissões permanentes, em geral, e
a da Seguridade Social e Família, em particular, têm demonstrado ser um
mecanismo importante por meio do qual nossos legisladores têm resgatado sua
capacidade "legiferante", aprovando inclusive um número maior de
proposições na área social do que os presidentes. Sobre a correlação entre a
atuação das comissões permanentes nos trabalhos legislativos e a tendência cada
vez mais marcante do papel do Congresso na produção legislativa na área social,
vale lembrar que de todo o conjunto de proposições legislativas transformado em
lei entre 1995 e 1997, por meio do poder terminativo das comissões, mais de
dois terços (66%) tiveram origem no Legislativo (Tabela_6). Com respeito à área
da saúde, um terço da legislação sancionada pelo Congresso, e que teve origem
no Poder Legislativo, foi aprovado no âmbito da CSSF.
Entretanto, apesar de alguns indicadores de institucionalização, é preciso
salientar que o padrão de atuação da CSSF está longe de se constituir em
argumento irrefutável sobre a primazia do sistema de comissões do Congresso
Nacional em relação às preferências do Poder Executivo. De fato, no Brasil, o
Executivo federal dispõe de um conjunto de instrumentos e prerrogativas
mediante o qual procede a uma série de limitações da autonomia das comissões
legislativas. Em primeiro lugar, juntamente com os líderes partidários, o Poder
Executivo desempenha um papel ativo importante no que diz respeito à nomeação
dos membros das diferentes comissões. Assim, por se tratar de um sistema
marcado pela alta rotatividade (nem sempre voluntária) de seus membros, o
Executivo atua visando impedir que a preferência mediana de uma determinada
comissão se afaste excessivamente de suas próprias preferências. Além disso,
por meio dos pedidos de urgência, o Executivo limita o tempo de apreciação
pelos membros das comissões de determinadas proposições, inibindo o trabalho
das comissões com preferência mediana muito distante das suas (Pereira e
Mueller, 2000)30.
Os dados apresentados nesta seção indicam que, apesar de as prerrogativas
constitucionais dos presidentes brasileiros garantirem a ascendência do Poder
Executivo na produção legal em termos quantitativos, dados agregados da
produção legislativa no período estudado comprovam a força relativa do
Congresso Nacional para produzir legislação na área social, em geral, e na da
saúde, em particular. Isso significa que, por um lado, enquanto a
"força" do Executivo pode ser avaliada pela capacidade que os
presidentes tiveram, no período de 1985 a 1998, não só de utilizar suas
prerrogativas legislativas constitucionais, mas principalmente de legislar à
margem do Congresso (através da reedição de MPs), a intervenção dos
legisladores concentrou-se, principalmente, na produção legal sobre os temas
gerais de cunho social e sobre aqueles relacionados à estruturação do texto
constitucional (projetos de emenda constitucional). De outro lado, os dados
exibidos aqui comprovam, também, que a tese de Mayhew é, no caso brasileiro,
verdadeira apenas em parte. Se, de fato, parlamentares submetem à apreciação um
alto número de proposições legislativas que visam à reeleição, a legislação que
eles aprovam contempla também "questões nacionais" importantes.
Ademais, no intervalo estudado, o Poder Legislativo no Brasil parece ter
demonstrado força suficiente para formar coalizões e criar consenso sobre
questões importantes de cunho nacional, especialmente sobre aquelas tratadas
nos projetos de emenda constitucional ' o que não é pouco, considerando que
essas coalizões estão acontecendo em um contexto de "multipartidarismo
exacerbado".
PRODUÇÃO LEGISLATIVA, ESTRATÉGIAS DE NEGOCIAÇÃO E RECURSOS POLÍTICOS
Estratégias de Formulação/Implementação da Lei Orgânica da Saúde
Esta seção avalia a dinâmica da relação entre presidentes e Congresso Nacional
no processo decisório, a partir dos recursos políticos e das estratégias de que
estes atores lançam mão para aprovar legislação. Trata da maneira pela qual
presidentes se inter-relacionam com o Congresso Nacional em meio ao processo
decisório de formulação, aprovação e regulamentação da política de saúde no
momento ex anteà sua implementação. Nossa análise tem por base alguns
depoimentos colhidos com representantes do Executivo sobre a produção legal no
período examinado.
Já vimos que a LOS, aprovada com veto parcial, constitui a matriz a partir da
qual se processou a orientação descentralizadora do SUS. De acordo com
depoimento do ex-ministro da Saúde do governo Collor, Alceni Guerra, o que se
temia no momento da aprovação da LOS era que, caso se abrissem as portas do
sistema para a participação popular, "o sistema fosse entregue para
setores da extrema-esquerda". Nas palavras de Alceni Guerra:
"[...] o acordo [que resultou na Lei Orgânica da Saúde] foi
político. Mas os vetos [sobre os artigos referentes à participação
social e ao financiamento do sistema] não foram de caráter político
ou de teor técnico-administrativo; foram vetos jurídicos, que foram
aconselhados pelo consultor-geral da República diretamente ao
presidente"31.
Ademais, ainda segundo Alceni Guerra, a Lei Complementar nº 8.142 (que tratou
de regulamentar as formas de transferência de recursos e a participação da
comunidade na gestão do SUS, a partir da criação do Conselho de Saúde32)
resultou de uma tentativa do Poder Executivo e do Congresso Nacional de
"redesenhar, numa forma jurídica adequada, a idéia de participação popular
que havia sido negociada durante a formulação da LOS", sem se chegar, no
entanto, a um consenso. O objetivo principal da Lei Complementar à LOS foi,
portanto, integrar a comunidade no Conselho de Saúde e transformar aquela
instância em um órgão representativo por excelência, a partir do qual a
comunidade deveria gerir o setor de saúde pública. Entretanto, na avaliação do
ex-ministro, não foi isso o que aconteceu. Segundo ele,
"O Conselho é um órgão útil, mas que não se aprimorou para o
passo seguinte que seria o da gestão comunitária. Na realidade, o
Conselho Municipal é útil e indispensável; o modelo continua moderno,
mas ele ainda encara a comunidade como apenas um ator a mais ' e não
como o ator mais importante do sistema. E não é isso. A comunidade é
a razão de ser do sistema público de saúde, e a gestão tem de passar
para a comunidade. Nós ' que ocupamos cargos no Executivo ' devemos
financiar, controlar e avaliar; a comunidade deve gerir o setor
saúde. Isso não se faz da noite para o dia; preparamos o terreno para
que, com o passar do tempo, isso aconteça"33.
Nessa ótica, não seria correto afirmar que a saída jurídica encontrada pelos
formuladores da Lei nº 8.142 tenha, de fato, conseguido redesenhar o sistema no
sentido do equacionamento da questão da participação popular que o veto parcial
ao texto original havia deixado sem solução. Na verdade, os atores responsáveis
pela descentralização da política de saúde não estavam preparados para assumir
o ingrediente da incerteza que qualquer processo de democratização
institucional acarreta (Przeworski, 1994; 1998). Isto porque a participação
popular na gerência do setor da saúde pública não só atemorizava o Executivo '
que receava ver o sistema nas mãos de "setores da extrema-esquerda"
', como também outros atores importantes ' que temiam que seus interesses
fossem prejudicados ao longo do processo. Nesse sentido, as disputas em que o
Executivo se envolveu com prestadores de serviço, corporações de servidores
públicos e governos estaduais marcaram, de antemão, o caráter das negociações
que se travavam fora do âmbito congressual. Com relação aos atores envolvidos
nessas negociações, o ex-ministro afirma:
"Confesso que a grande briga que nós travamos naquele momento
não foi com o Congresso, mas com o Estado de São Paulo, porque a
descentralização e o redesenho da política financeira e de
distribuição de valores prejudicavam muito o Estado de São Paulo, que
tinha uma força política grande. Daí o fato de termos optado pelo
caráter gradativo da descentralização".
"Refiro-me [aqui] não só aos prestadores de serviços, mas também
às corporações de servidores, que são muito fortes, por exemplo, no
Rio de Janeiro. Era muito difícil o diálogo com os servidores do Rio
de Janeiro, assim como era muito difícil o diálogo com os prestadores
[de serviços] privados do Estado de São Paulo. Eram dois tipos de
atores do sistema que nós tivemos de enfrentar sem estarmos
preparados e acho que nós o fizemos com sucesso, apesar de o processo
continuar, por assim dizer, com duas mazelas: o excesso de
corporativismo, de um lado, e o excesso de voracidade financeira de
alguns prestadores [de serviços], de outro".
"Nós nos deparávamos com atores que trabalhavam no cenário há
muito tempo e que contavam com todas a virtudes e vícios do
sistema"34.
Assim, fica claro que o locusde discussão que desenhou o conteúdo da Lei nº
8.142 não foi o Congresso Nacional. Essa disputa aconteceu entre representantes
do Poder Executivo federal e os prestadores de serviços nos estados da
federação, corporações de servidores públicos e representantes dos governos
estaduais fora do Congresso Nacional, em um contexto em que a principal
característica dos atores envolvidos era a "inexperiência
democrática".
"Sabemos que num regime democrático é preciso negociar. Mas nós, enquanto
agentes desta transformação, tivemos poucas oportunidades de participação
ativa, democrática, durante a nossa juventude, quando vivenciamos o período da
ditadura. Não fomos treinados para enfrentar as diferenças. Fomos aprendendo (a
negociar) na carne [ao longo do processo] ' e estamos ainda aprendendo até
hoje. Eu acho que o reparo e os defeitos do sistema sonhado, do sistema
perfeito, foram retardados porque havia atores com quem nós tínhamos de
negociar e nem sempre tínhamos a habilidade para fazê-lo"35.
Nesse sentido, a estratégia adotada pelos atores envolvidos na formulação/
implementação da LOS e da Lei Complementar foi pautada em uma postura que
pretendeu ditar (de cima para baixo) o tipo de participação social
"aceitável" e o tipo de financiamento "possível". Ademais,
a "inexperiência democrática" desses atores foi um ingrediente
importante que se tornou um obstáculo à participação social não apenas no
processo de discussão da Lei Complementar, mas principalmente no momento
posterior à sua aprovação, isto é, no âmbito de gerência do sistema. Não foi
por acaso, portanto, que os temas que geraram um impasse nas relações
Executivo-Legislativo, no que se refere à política de saúde pública no Brasil
democrático, sofreram veto do Executivo.
Recursos Políticos: Distribuição de Cargos, Conversas de Bastidores e Pedidos
de Urgência
Sabemos que a ausência de força partidária que tem caracterizado as diversas
administrações no Brasil democrático apresenta, em um contexto de
"multipartidarismo exacerbado", conseqüências deletérias para a
prática da democracia (Mainwaring, 2001). Uma delas refere-se a um dos
problemas enfrentados pelo governo Collor de Mello ' administração responsável
pela aprovação da LOS ', que foi ter de se defrontar com uma base parlamentar
"gelatinosa"36 para aprovar a legislação de interesse do Executivo no
Congresso Nacional. Sobre este tema, o ex-presidente Collor de Mello assim se
pronunciou:
"Fui um presidente que aprovou um pacote de medidas que nem o
regime militar com o AI-5 na mão, a caneta e o Congresso fechado
ousou fazer; e fiz sem maioria e com a aprovação do Congresso
Nacional. A partir dos primeiros projetos aprovados naquele início de
governo ' que é o período de lua-de-mel ', nós tínhamos que buscar os
votos em rincões do Congresso a quem a gente nunca esperava ter de
apelar. (Como também tivemos recusados votos que nós nunca teríamos
imaginado). Então, a conquista por votos se fazia no dia-a-dia. Isso
naturalmente não é uma prática que enobrece o jogo político nacional.
Mas a questão é saber por que isso acontece? Porque ainda não foi
preparada uma reforma política com a preocupação de fortalecer o
sistema partidário, de criar esse vínculo entre o filiado e seu
partido, e de se fazer no Congresso uma política ou um debate entre
ideários de partidos37 ' e não entre defesa de pontos de vista de
grupos, corporações ou de setores específicos da vida pública
nacional. Hoje não se negocia com partidos, mas sim com bancadas.
Existe a bancada ruralista, a bancada das comunicações, a bancada dos
bancos, a bancada das estatais, a bancada dos bancários, a bancada
dos sindicalistas e assim por diante. Fica muito difícil o Executivo
trabalhar num contexto onde a regra do jogo político é o
clientelismo."38
A exemplo de outros contextos onde o Executivo carece de poderes partidários
(Mainwaring e Shugart, 1997; Mainwaring, 2001), reputação profissional ou
capacidade de liderança (Neustadt, 1990; Edwards III, 1990), prestígio público
(Edwards III, 1976), popularidade ou habilidade política (Edwards III, 1983),
para convencer o Congresso a aprovar medidas congruentes com suas preferências,
no Brasil, o recurso político da distribuição de patronagem ' notadamente a
distribuição de posições no governo (Nicolau, 1993), favores pessoais ou
empregos (O'Donnell, 1992) ' parece ser, na prática, o fator determinante da
"força" que alguns estudiosos atribuem ao Executivo brasileiro no
processo legislativo (Rodrigues, 1998; 2002).
A esse respeito são ilustrativas algumas das considerações do ex-presidente
Fernando Collor quando perguntado a respeito do que faria diferente, caso
pudesse voltar atrás:
"Eu dedicaria maior atenção para o Congresso. Na verdade, eu me
dediquei muito à administração do país e me esqueci de determinadas
conversas [...] de cuidar mais do Congresso [...]. Cuidar mais
significa ouvir mais. Ouvir mais [...] significa também distribuir
mais cargos. Mas não é só isso. Significa, sobretudo, ter mais
disponibilidade de tempo para ouvir."39
Já quando perguntado sobre quais os recursos políticos disponíveis para o
presidente negociar a aprovação de proposição legislativa no Congresso
Nacional, Nelson Jobim respondeu que a distribuição de cargos políticos é um
deles, mas que este não é um recurso eficaz porque "quando você escolhe
alguém para ocupar um determinado cargo, você consegue um amigo e duzentos
inimigos". Ademais, segundo o ex-ministro, o presidente não usa esse
recurso no sentido de "você vota e eu te dou o cargo". Nas palavras
de Jobim: "A questão não é Eu só nomeio fulano se você votar na matéria'.
Não é isso. O que acontece é que, no momento em que eu nomear alguém que foi
indicado por um deputado, eu adquiro com isso um nível de simpatia com relação
ao deputado que vai votar."40
O curioso é que, dessa ótica, "simpatia" não implica uma situação de
toma-lá-dá-cá. Segundo o ex-ministro, "toma-lá-dá-cá não existe". O
que se verifica é que o Executivo, quando quer, acaba pautando a agenda do
Congresso, indiretamente, mediante a emissão de MPs e pedidos de urgência.
Com relação às medidas provisórias, já discutimos, neste artigo, que uma das
conseqüências da reedição sistemática destas é o fato de o Executivo acabar
governando e produzindo políticas públicas sem a autorização do Congresso ' o
que prejudica a transparência do processo legislativo, a relação de
reciprocidade entre os Poderes e a responsabilização política. Presidentes que
governam com o auxílio da edição/reedição de MPs promovem uma situação que
chamamos de accountability negativa,que é tanto produto quanto causa de uma das
mais graves fraquezas do sistema político hoje: a incapacidade do Congresso de
funcionar como instituição competente não só para modificar as proposições de
legislação apresentadas pelo presidente e/ou impor limites à ação legislativa
do Executivo, mas também para propor soluções minimamente eficazes para os
problemas do país (Rodrigues, 1998). Em conseqüência dessa situação em que o
Executivo legisla "sozinho", cria-se um ambiente fértil para práticas
clientelistas e particularistas que desafiam a construção de uma ordem política
mais responsável (DaMatta, 1990; Mainwaring, 2001; Nunes, 1997). A Tabela_7
apresenta dados contundentes a respeito do número de MPs reeditadas durante o
primeiro mandato de Fernando Henrique.
De acordo com Nelson Jobim:
"O que ocorre com a questão das MPs é o seguinte: o Executivo
edita uma medida provisória e o deputado foge de discuti-la porque,
apesar de ele saber que aquela medida (que pode ser dura) é
necessária, se ele votar favoravelmente, ele terá de ter uma
explicação para a sua base eleitoral. Então, o que é que ele faz? Ele
simplesmente deixa que a MP, ao se reeditar, ela se
consolide."41
Quanto aos pedidos de urgência, reconhece-se que tal instituto tem importantes
implicações para o esvaziamento do poder terminativo e de um suposto papel
informacional desempenhado pelo sistema de comissões no Congresso, já que por
meio desse procedimento, com base em algum tipo de articulação com as
lideranças partidárias, o Poder Executivo contorna as comissões congressuais de
maneira a impedir alterações e apressar a aprovação de proposições de seu
interesse. No período 1989-94, a maioria das proposições aprovadas na Câmara
dos Deputados tramitou em regime de urgência ou urgência urgentíssima
(Figueiredo e Limongi, 1995). Já no período 1995-98, das 805 proposições
legislativas promulgadas, 294 (36,5%) foram objeto de pedido de urgência.
Embora a maioria destes tenha incidido sobre proposições iniciadas pelo
Executivo ' 237 (80,6%) ', é significativo que a maior parte dos pedidos de
urgência (70,4%) tenha sido iniciativa do Legislativo (Pereira e Mueller,
2000).
A relativa centralização do processo de tomada de decisão no âmbito congressual
é outro elemento fundamental em uma análise das relações Executivo/Legislativo
para efeito da apresentação e aprovação de proposições legislativas no
Congresso brasileiro. Deve-se lembrar que entre os meios políticos de que o
Executivo pode lançar mão para aprovar legislação estão as "conversas de
bastidores". Normalmente, a Presidência utiliza-se deste recurso
previamente ao envio de projetos "prontos" (já negociados) ao
Congresso. Estas negociações ocorrem, segundo Nelson Jobim, com os líderes do
governo e os presidentes das Câmaras Alta e Baixa. Afinal, "quem faz a
pauta dentro do Congresso é o presidente da Câmara e o presidente do Senado.
Por isso é preciso que haja uma articulação muito forte entre o Executivo (o
presidente da República) e os presidentes das duas Casas"42.
Sobre o argumento de que, freqüentemente, representantes do Poder Executivo
lançam mão do expediente de "conversas de bastidores" como forma de
"negociar" determinada proposição legislativa antes que seja enviada
ao plenário, Nelson Jobim afirma:
"Quando eu mando um projeto para o Congresso que seja minha área
(de atuação), ou no caso de o presidente enviar um projeto em que eu
sou o responsável, primeiro eu tento montar uma articulação com os
líderes do governo. Algumas vezes, eu converso diretamente com o
presidente da comissão, para acertar com ele quem será o relator da
matéria. Quando a matéria é urgente e relevante, o nome do relator já
sai acertado do Executivo. E este relator servirá como ponte entre o
ministério e o plenário... [mas] este é o tipo de capital político
que não se pode usar sempre, senão você desgasta"43.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo focalizou a dinâmica da relação Executivo-Legislativo no processo
decisório da política de saúde no período entre 1985 e 1998. Nosso objetivo foi
relativizar a capacidade "legiferante" dos presidentes brasileiros na
área de saúde e demonstrar que o Executivo é "forte" não só porque
possui amplos poderes constitucionais e regimentais para produzir legislação e
acelerar o trâmite do processo legislativo, mas, principalmente, porque legisla
à margemdo Congresso. Ademais, no Brasil, os presidentes não têm demonstrado
força suficiente para aprimorar uma relação de reciprocidade entre os Poderes,
para governar como Congresso Nacional, para ampliar os benefícios sociais, nem
para dar a última palavra no processo decisório da política de saúde.
Demonstramos, também, que o uso que os presidentes fizeram do instrumento da
reedição de medidas provisórias facilitou o "atravessamento" da
instância representativa mais importante do regime democrático ' o Congresso
Nacional ', ao invés de contribuir para o aprimoramento das instituições
democráticas. Além disso, em um contexto de "multipartidarismo
exacerbado", a utilização de recursos políticos como distribuição de
patronagem para formar coalizões ad hoc e negociação de proposições
legislativas fora do âmbito congressual acabou, de fato, comprometendo a
capacidade política do Poder Executivo, que não demonstrou força suficiente
para realizar as reformas necessárias e que visam à ampliação dos benefícios
sociais. Se a construção de um Sistema Único de Saúde está entre as medidas de
reforma mais bem-sucedidas na área social no período pós-transição, do ponto de
vista de sua extensão não se pode dizer o mesmo com relação à correção de
algumas distorções herdadas de nosso passado ' como a exclusão social e a forte
centralização decisória na área das políticas sociais. O impacto negativo
desses fatores no regime democrático parece evidente.
Em uma palavra, a reformulação do conteúdo da política de saúde ' a partir de
uma efetiva participação social nos Conselhos de Saúde, por exemplo ' e a
redefinição das relações de poder cristalizadas no interior do sistema parecem
não ter avançado muito ao longo do período aqui analisado. As razões disso nos
remetem não só ao fato de a política de saúde esbarrar nas limitações de ordem
estrutural (leia-se escassez de recursos), mas também à falta de uma visão
democratizante dos atores políticos que têm a palavra no processo decisório.
Ademais, o artigo apontou o uso indiscriminado que os presidentes fizeram do
recurso da edição/reedição de MPs (antes de sua regulamentação pelo Congresso)
como um fator limitador importante do espaço de atuação dos congressistas para
lapidar a legislação que o Executivo iniciou na área da saúde entre 1985-98.
Disso resultou uma situação em que o Executivo parece ter produzido,
praticamente sozinho, parte significativa da legislação na área da saúde
durante o período em tela. Dados apresentados na Tabela_1, por exemplo, mostram
que das 82 MPs que o Executivo apresentou ao Congresso nessa área, apenas seis
foram transformadas em lei.
Outro elemento importante que acaba restringindo o papel do Legislativo no
processo de discussão/aprovação de leis é o recurso constitucional do veto
presidencial. Isso quer dizer que toda vez que os parlamentares modificam uma
proposição apresentada pelo Executivo no Congresso, o presidente pode aprovar
legislação desconsiderando as modificações, fazendo uso do veto parcial. Sobre
o tema da utilização do veto parcial para desfigurar propostas do Legislativo,
o exemplo discutido neste artigo foi o da Lei (nº 8.080) Orgânica da Saúde,
sancionada com veto presidencial em artigos fundamentais como o relativo à
participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e ao
financiamento do sistema.
Por fim, um terceiro fator importante que limitou o papel do Congresso no
desenho da legislação produzida na área da saúde refere-se às proposições
legislativas de autoria do Executivo que chegam "prontas" ao
Congresso Nacional. Essas peças legislativas vão a plenário após terem
alcançado um certo tipo de acordo ou passado por algum tipo de discussão,
ambos, de maneira geral, restritos às lideranças (Novaes, 1994). No caso da
saúde, em particular, o exemplo apontado aqui (Lei nº 8.142, complementar à
LOS, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e as
condições e formas de transferência de recursos) pretendeu demonstrar que a
discussão que desenhou o conteúdo da LOS não passou nem ao menos pelo crivo das
lideranças congressuais. Segundo o ex-ministro da Saúde Alceni Guerra, a
discussão sobre a Lei nº 8.142 aconteceu fora do Congresso Nacional e dela
participaram representantes do Poder Executivo federal, prestadores de serviços
nos estados, corporações de servidores públicos e representantes dos governos
estaduais.
Assim, nos três casos (uso indiscriminado de MPs, utilização do veto parcial
para desfigurar as modificações propostas pelo Poder Legislativo e envio de
peças legislativas para plenário que estão "prontas" para votação)
ocorre o fenômeno de "atravessamento" do Congresso Nacional por parte
do Poder Executivo.
De outro lado, este artigo salientou, igualmente, o fato de que o Congresso
brasileiro tem demonstrado força suficiente não apenas para organizar
discussões entre expertsna área de saúde pública no interior da Comissão de
Seguridade Social e Família, como também para aprovar um número crescente de
projetos de lei na área social (Tabela_5) e sancionar um número maior de
projetos de emenda constitucional do que o Executivo na área da saúde. Entre as
propostas de emenda à Constituição (PECs) que tiveram origem no Legislativo, no
período analisado aqui, estão: a PEC 40/1995 (transformada em EC 12/1996), que
dispõe sobre financiamento das ações e serviços de saúde; a PEC 34 /1998 (EC
21/1999), que altera o artigo 74 das disposições constitucionais e trata do
custeio da área da saúde; e a PEC 28/1996 (EC 26/2000), que altera o artigo 6º
da Constituição de 1988, colocando moradia, educação e saúde no rol dos
direitos sociais. O Poder Executivo foi autor de apenas uma proposta de emenda
constitucional na área social (PEC 33/1995, transformada em EC 20/1998), que
adota critério diferenciado para a concessão de aposentadoria nos casos de
atividades que prejudiquem a saúde.
Apesar dos dispositivos legais, dos recursos políticos e do poder de decreto
com força de lei (edição/reedição de MPs) de que os presidentes brasileiros
dispõem para legislar, o Congresso Nacional demonstrou no período examinado
(1985-98) força suficiente para dominar a produção legislativa na área social.
Assim, podemos concluir que os parlamentares brasileiros têm, de fato,
incrementado sua capacidade "legiferante" na área social, em geral, e
na da saúde, em particular, ao mesmo tempo que a preponderância do Executivo na
produção de leis nessa área deve ser relativizada. Da força que é atribuída ao
Executivo brasileiro pelo uso que os presidentes têm feito do poder
constitucional para legislar através de MPs (assim como a prática da reedição
sistemática de MPs) resulta uma situação que não contribui para o aprimoramento
da relação de reciprocidade entre os Poderes. Pelo contrário, no período em
questão, os presidentes demonstraram poder suficiente para baixar MPs com força
de lei, mas não tiveram força bastante para sancioná-las. Em função dos dados
apresentados neste artigo, não é exagero concluir que, dada a natureza das
relações Legislativo-Executivo no período analisado, o Legislativo brasileiro
tende a se afirmar como o principal legislador do país na área de saúde.
NOTAS
1. Melo (1990) qualifica o novo padrão de políticas públicas na área social
implementado a partir do governo Geisel como "reformista
conservador", em virtude de tratar-se de uma estratégia que buscava uma
reorientação do processo de crescimento econômico, no sentido da incorporação
controlada de novos atores sociais a alguns dos benefícios do desenvolvimento.
Sem qualquer alteração substancial nas políticas salarial e tributária,
procurava-se adotar medidas voltadas para a desconcentração da renda a partir
da oferta de bens e serviços sociais, ao mesmo tempo que se conservavam
inalteradas as posições ex antedos principais atores do conflito distributivo.
Tudo isso tendo como pressuposto a manutenção do crescimento da economia.
2. Sem que se tenha estabelecido constitucionalmente uma nítida divisão dos
encargos sociais entre municípios, estados e União.
3. A classificação das federações democráticas ao longo do continuum demos
constraining é feita por Stepan com base em quatro variáveis: 1) o grau de
sobre-representação do Senado; 2) a abrangência das políticas formuladas pelo
Senado; 3) a extensão das prerrogativas atribuídas pela Constituição às
unidades da federação para efeito de elaboração de políticas; 4) o grau de
nacionalização das orientações e sistemas de incentivos do sistema partidário.
4. Enquanto a noção de descentralização pela oferta envolve um processo de
implementação de medidas de cima para baixo, a noção de descentralização pela
demanda remete àqueles processos de descentralização impulsionados de baixo
para cima, em virtude de pressões de unidades subnacionais em busca de mais
recursos e de maior autonomia em face do poder central.
5. Para uma descrição do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários
' IAPI como uma self-directing agency,cujos quadros burocráticos estão
envolvidos em uma política de defesa institucional baseada em uma concepção de
seguro social dos benefícios previdenciários em bases atuariais, ver Hochman
(1992).
6. Segundo Arretche (1999), as diferenças observadas no processo de
descentralização das diferentes políticas sociais decorrem das respostas de
estados e municípios às estruturas de incentivos para que assumam
responsabilidades em cada área de política, e da forma pela qual as variáveis
estruturais e institucionais relevantes são processadas no âmbito da tomada de
decisões das administrações locais e intermediárias relativas à assunção de
determinadas responsabilidades.
7. A expressão policy windowdesigna uma "janela de oportunidades",
uma determinada conjuntura em que o equacionamento de certos problemas, a
formulação de propostas de resolução desses problemas e a ocorrência de
mudanças no ambiente político propiciam a introdução de mudanças na agenda
pública pela conjunção de fluxos de eventos independentes.
8. Além de documentação oficial ' Carta de 1988, NOBs (1/91, 1/93, 1/96), LOS
(Lei nº 8.080/90), Lei Complementar nº 8.142/90, decreto presidencial nº 99.438
e PECs (33/1995, 40/1995, 28/1996, 34/1998) ', outras fontes foram utilizadas
aqui: Szazi e Prado (1999) e Silva et alii (1999).
9. A legalidade e/ou constitucionalidade da atividade normativa autônoma ou
reguladora do Poder Executivo é controlada pelo Judiciário. Por isso, os
decretos da Presidência, portarias de ministérios e resoluções de órgãos
ligados ao Executivo, que mencionamos aqui, não passaram pelo crivo do
Congresso, mas do Supremo Tribunal Federal. Sobre este tema, ver Arantes e
Kerche (1999:37).
10. A Conferência de Saúde pode ser convocada pelo Executivo municipal ou pelo
Conselho de Saúde a cada quatro anos.
11. Acadêmicos que restringem a definição de "força" presidencial aos
poderes constitucionais do Executivo aventam a hipótese de que, no Brasil, os
presidentes são muito fortes não só porque contam com "a forma mais
austera de lawmaking presidencial do mundo" (Carey e Shugart, 1992:151),
que é o poder de baixar medidas provisórias, mas, principalmente, porque esta
ferramenta legislativa propicia uma situação na qual a Presidência acaba por
legislar quase que independentemente do Congresso Nacional (Figueiredo e
Limongi, 1995; 1999).
12. Sobre a emenda votada em segundo turno no Senado para regulamentar o
estatuto da MP que, entre outras medidas, proíbe a reedição irrestrita, ver
Folha de S.Paulo, 12/9/2001, "Emenda sobre MPs começa a vigorar
hoje", p. A-39.
13. Tudo isso sem mencionar aquelas policy-areas como matérias orçamentárias
(art. 165) e outras (art. 84) em que o Executivo brasileiro detém direito
exclusivo para legislar. Sobre este tema, ver Novaes (1994), Figueiredo (1995),
Samuels (1998). As regras de disputa estão explicitadas nos regimentos internos
da Câmara e do Senado, assim como na Carta de 1988. Sobre o estatuto do veto
parcial, ver também Mezey (1989), Watson (1993), Immergut (1996), Tsebelis
(1997).
14. Com relação ao pedido de urgência (garantido pelo art. 64 da Constituição
de 1988 e arts. 151, 157, 158 e 204 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados), estudos sobre a organização interna dos trabalhos legislativos da
Câmara indicam que um resultado dessa regra é a preponderância do Executivo na
função legislativa (Figueiredo et alii, 2000). Dados levantados pelo CEBRAP
junto ao PRODASEN mostram, por exemplo, que, no período entre 1989 e 1994, a
maioria dos projetos (55%) votados na Câmara dos Deputados tramitou em regime
de urgência urgentíssima.
15. Por capacidade pró-ativa entendemos a capacidade que os presidentes (ou
membros do Congresso) têm para iniciar legislação e/ou introduzir um novo
status quo através de legislação (Carey e Shugart, 1992).
16. Um exemplo desse tipo de ocorrência foi a MP editada no governo Fernando
Henrique Cardoso para regulamentar as Leis nº 8.019 e 8.212 sobre os repasses
do Fundo de Amparo ao Trabalhador ' FAT, que teve força de lei por um período
de quase três anos (foi reeditada 34 vezes) e perdeu eficácia, ou seja, deixou
de ser reeditada pelo Executivo ' sem nunca ter passado pelo plenário.
17. Ofícios referem-se àquelas medidas que autorizam os Executivos estaduais a
contrair financiamento na área da saúde. Quando aprovados, os ofícios são
transformados em projetos de resolução do Senado Federal.
18. Sobre este ponto, basta lembrar que, no dia anterior à promulgação da
emenda constitucional que regulamentou o instituto da medida provisória, o
Executivo editou, de uma só vez, um pacote composto por dez MPs com validade
indeterminada, isto é, o presidente nem precisará reeditá-las (Folha de S.
Paulo, 6/9/2001, p. A-8 e 12/9/2001, p. A-39).
19. Segundo os termos aprovados em fevereiro de 1989 pela Resolução nº 1, caso
o comitê especialmente formado por membros da Câmara e do Senado para discutir
o conteúdo de uma determinada medida provisória decida pela sua mudança, essa
modificação pressupõe que esta MP seja, automaticamente, transformada em um
projeto de lei de conversão ' PLV adquirindo, inclusive, um novo número. Um PLV
é considerado proposição legislativa de iniciativa do Congresso Nacional.
20. Por poder reativo do Congresso, entendemos a capacidade que os
parlamentares têm para bloquear e/ou modificar legislação que o Executivo
introduz via MP. O objetivo desta intervenção é manter o status quo contra a
tentativa do Executivo para mudá-lo por decreto (Carey e Shugart, 1992).
21. Entendemos por poder reativo do Executivo sua capacidade para intervir na
ponta do processo legislativo, vetando a legislação que o Congresso aprova. O
objetivo desta intervenção é manter o status quo contra a tentativa da maioria
do Congresso para mudá-lo (Carey e Shugart, 1992).
22. Em outro lugar, Jobim nomeou esses projetos como "projetos de
estatística" (Jobim, 1994).
23. Entrevista concedida à Marta M. Assumpção Rodrigues (Notre Dame, IN, 11/12/
1996).
24. A diferença entre o número de projetos de lei apresentados e o número de
leis aprovadas refere-se aos projetos arquivados (566), prejudicados (104),
tramitando nas comissões (85), anexados (75), retirados pelo autor (26),
devolvidos (14), além daqueles que foram rejeitados, remetidos para a Câmara ou
para o Senado, vetados totalmente (sem que estes vetos tenham sido derrubados),
ou que estão prontos para ordem do dia.
25. As leis sociais compreendem os programas sociais stricto sensuem áreas como
saúde, educação, previdência, habitação e trabalho, e aquelas que regulam uma
gama mais ampla de atividades sociais (como profissões, justiça, direitos
civis, meio ambiente etc.).
26. Entrevista concedida à Marta M. Assumpção Rodrigues (Notre Dame, IN, 1/10/
1995).
27. Senadores Antonio Carlos Valadares (PP-SE) ' PEC 40; Mauro Miranda (PMDB-
GO) ' PEC 28; Elcio Álvares (PFL-ES) ' PEC 34.
28. A PEC nº 40/1995 transformada em Emenda Constitucional ' EC nº 12/1996 (que
dispõe sobre financiamento das ações e serviços de saúde); a PEC nº 34/1998
transformada em EC nº 21/1999 (que altera o artigo 74 das Disposições
Constitucionais Transitórias e trata do custeio da área da saúde) e a PEC nº
28/1996 transformada em EC nº 26/2000 (que altera o artigo 6º da Constituição
de 1988, colocando moradia, educação e saúde no rol dos direitos sociais)
tiveram origem no Poder Legislativo. A PEC nº 33/1995 transformada em EC nº 20/
1998 (que modifica o sistema de previdência) é de autoria do Poder Executivo.
29. Ao lado da Comissão de Agricultura e Política Rural.
30. Segundo informações obtidas junto a Bernardo Mueller, as preferências
medianas dos membros da CSSF durante o período 1995-98 permitem-nos afirmar que
essa comissão é marcada por um alto nível de lealdade ao Executivo.
31. Entrevista concedida à Marta M. Assumpção Rodrigues (Pato Branco, SC, 1/10/
1999).
32. O Conselho de Saúde tem representação paritária (governo municipal,
prestadores de serviços e representantes da sociedade civil organizada).
33. Entrevista concedida à Marta M. Assumpção Rodrigues (Pato Branco, SC, 1/10/
1999).
34. Idem.
35. Idem.
36. Chamamos de base parlamentar "gelatinosa" aquelas coalizões ad
hocque se compõem no Congresso de acordo com o tema de cada proposição
legislativa a ser apreciada. Sobre o assunto, ver Rodrigues (1998).
37. Em entrevista concedida por Nelson Jobim à Marta M. Assumpção Rodrigues
(Notre Dame, IL, 16/11/1996) foi feito um comentário semelhante: "o
aprimoramento da nossa política vai depender de uma reforma política que mude
as regras do jogo eleitoral, para então fazer com que a fidelidade partidária e
o programa partidário sejam algo que produza votos".
38. Entrevista concedida à Marta M. Assumpção Rodrigues (Miami, FL, 14/10/
1996).
39. Idem.
40. Entrevista concedida à Marta M. Assumpção Rodrigues (Notre Dame, IL/11/12/
1996).
41. Idem.
42. Idem.
43. Idem.