Anatomia de uma reforma: descentralização da educação pública de Minas Gerais e
mudança institucional
Uma dimensão importante da recente democratização política no Brasil é o
redimensionamento do desenho institucional do Estado. Como contraponto à
centralização do aparato estatal no regime militar, o tema da descentralização
político-administrativa passa a ocupar espaço privilegiado no debate sobre a
reforma do Estado, galvanizando o apoio de amplos setores da sociedade. Para os
setores que faziam oposição ao regime militar, institucionalizar a participação
popular na gestão pública implicaria a adequação democrática entre as demandas
da sociedade e as políticas públicas. Além disso, a participação, imaginavam,
seria pedagógica no sentido de educar para a cidadania. Com a descentralização,
buscavam também um efeito prático: enfraquecer o controle do Estado pelos
grupos no poder, restringindo-lhes o monopólio das decisões e potencializando,
em contrapartida, o poder dos movimentos sociais de direcionar as políticas
públicas. A descentralização, mesmo que na maior parte das vezes retoricamente,
aparece também como intenção dos grupos no poder, visando sua legitimação entre
setores oposicionistas mais moderados e setores reivindicantes da população. O
Banco Mundial, por sua vez, ao aplicar recursos em projetos sociais, impõe aos
governos a articulação de espaços de participação do público-alvo das políticas
públicas, visando garantir sua eficiência. Dessa forma, com conteúdos e
objetivos diferentes, o discurso político, tanto das oposições como dos
governantes e do Banco Mundial, passa a privilegiar a temática da
descentralização e da participação popular como parâmetro para a reforma das
instituições públicas.
É sabido que qualquer processo de mudança institucional envolve um
reequacionamento de dada estrutura de poder. A própria existência de
instituições implica a distribuição desigual dos recursos de poder, o que
habilita certos indivíduos ou grupos a delimitar o espaço de ação de outros.
Pode-se dizer que a luta política, nessa perspectiva, visa manter ou modificar
os arranjos institucionais que satisfaçam os objetivos de poder dos diversos
atores políticos (Levi, 1991:79). Sendo assim, sob certo aspecto, o processo de
descentralização no Brasil, seus sucessos e insucessos, deve-se ao resultado
dos conflitos entre atores que buscam maximizar suas posições em relação aos
recursos de poder que a manutenção ou modificação de certa forma de estruturar
as instituições estatais oferece. Dessa maneira, o entendimento do processo de
descentralização do Estado, iniciado com a crise do regime autoritário, passa
pelas características que estruturam o jogo político no Brasil.
Uma constatação que se pode fazer sobre as características da política
brasileira, ao longo de sua história, é a permanência de relações
clientelistas, que estão sempre se reproduzindo segundo novas formas (Andrade,
s/d:22). Em grande medida, pode-se dizer que o acesso à capacidade de
manipulação de recursos públicos define as estruturas de poder no Brasil. Pelo
menos desde a República Velha, o jogo político dá-se em torno da disputa de
posições no interior do Estado, visando garantir a possibilidade de controlar e
manipular os seus recursos, com o objetivo de garantir apoios e votos. Nesse
sentido, as disputas sobre o desenho adequado das instituições públicas
envolvem estratégias distintas, relacionadas com o controle dos recursos de
poder estatais, tanto para facilitar sua utilização política como para
neutralizar esse mesmo uso por parte de adversários.
Este trabalho visa explicar a mudança institucional da educação pública
estadual mineira na década de 80 e início da de 90, cuja experiência é das mais
relevantes no país e na América Latina. O objetivo das mudanças é a
descentralização do sistema estadual de educação1, objetivando dar autonomia de
funcionamento às escolas e criar espaços para a sua gestão participativa, com o
objetivo de impedir a instrumentalização da gestão da educação para fins
político-partidários, o que implica o efeito politicamente problemático de
subtrair a capacidade de utilização pelos governantes dos recursos de poder que
a administração das instituições da educação fornecia. Não surpreendem,
portanto, dadas as características da política brasileira, as resistências que
surgem contra a reforma do sistema público estadual de educação por parte de
grupos no poder.
O esforço de implementar essa reforma envolve, em cerca de uma década, um
conjunto de atores que entram em conflito e/ou estabelecem consensos,
redundando em movimentos de avanços e recuos no sentido da sua concretização.
Partidos políticos, parlamentares e lideranças do Legislativo, burocratas de
diversos níveis, governantes e seus auxiliares mais próximos, instituições
internacionais e movimentos sociais agem no sentido de afirmar seus valores e
realizar seus interesses.
O trabalho inicia-se com uma parte descritiva, onde serão apresentadas as
etapas da reforma da educação pública em Minas Gerais. O processo começa a se
desenhar no final dos anos 70 com o surgimento de um vigoroso movimento dos
funcionários do ensino público pressionando o governo estadual para a
realização de mudanças no setor. O ciclo cumpre-se nos primeiros anos da década
de 90. O período será dividido em três momentos que se articulam, coincidindo
com o mandato de três governos estaduais, cada qual guardando características
próprias. O primeiro, que vai de 1983 a 1987, abrange o mandato de Tancredo
Neves, o primeiro governador de oposição eleito diretamente depois da supressão
das eleições diretas para os executivos estaduais na década de 60. É nesse
governo que ações concretas objetivando a reforma das instituições educacionais
começam a ser adotadas pela direção da Secretaria de Estado de Educação ' SEE,
caracterizada por posições progressistas e oriunda dos movimentos de oposição
ao regime militar. O segundo momento, que vai de 1987 ao início de 1991,
coincide com o mandato do governador Newton Cardoso, no decorrer do qual é
elaborada a Constituição estadual. Neste momento, dois objetivos contraditórios
sobrepõem-se, ou seja, manutenção dos esquemas centralizados e clientelistas
por parte do Executivo versus princípio constitucional de descentralização e
participação: se a ação do Executivo implica retrocesso no processo de reforma,
refletindo a hegemonia de políticos abertamente clientelistas no governo, a
Constituição consolida formalmente os princípios de descentralização e
participação como referência para a estruturação do sistema público de ensino.
O terceiro cobre a primeira metade do mandato do governador Hélio Garcia, que
se inicia em 1991 e se caracteriza pela consolidação do processo de reforma,
sob a responsabilidade de um empresário da educação assessorado por técnicos
ligados ao Banco Mundial. Durante o período, esse processo se explica a partir
de contextos e fatores diferenciados. Uma constante, porém, é a resistência dos
interesses clientelistas às mudanças.
Em uma segunda parte deste trabalho, buscarei analisar a dinâmica da luta
política pela reforma do sistema público estadual de ensino, com relação aos
sucessos e insucessos das medidas descentralizadoras em cada um dos três
governos. O que se objetiva é desvendar a lógica do jogo de poder que
possibilita a descentralização do sistema educacional público mineiro. O caso
abordado mostra que a mudança institucional é resultado de uma multiplicidade
de fatores. A capacidade de pressão dos diversos grupos de interesse envolvidos
na reforma educacional é um fator relevante, mas apenas quando relacionado com
o contexto institucional que conforma as disputas. O estudo demonstrou que as
decisões tomadas em cada momento não resultam diretamente da capacidade de
pressão dos grupos de interesse. As regras que orientam o jogo político limitam
ou potencializam a capacidade de sucesso de cada um dos atores nos diferentes
momentos, pois colocam os parâmetros da sua ação e determinam as lógicas
envolvidas no processo de tomada de decisões. Tanto a relação entre os diversos
interesses sociais e o Estado como a relação entre o Executivo e o Legislativo
dependem do contexto político no qual os diversos atores atuam. Demonstra-se,
além disso, a importância da difusão das idéias orientadoras da reforma entre
uma parcela da burocracia pública. A constituição de um grupo de funcionários
públicos com uma concepção precisa do que deveria ser feito mostra-se fator
fundamental para o reequacionamento das instituições da educação pública. O
trabalho revela também que fatores estruturais como aumento da competitividade
eleitoral (como aumento do número de partidos e eleitores) e mudanças ocorridas
no âmbito internacional (globalização, neoliberalismo, terceira revolução
tecnológica) têm impacto importante no caso abordado. Na última parte deste
artigo, buscarei desenvolver algumas conclusões.
O PROCESSO DE REFORMA DA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS: UM BREVE HISTÓRICO
A reforma do sistema público de educação de Minas Gerais está inserida no
processo de descentralização das instituições públicas na área das políticas
sociais, presente na agenda da maioria dos estados brasileiros. No caso
específico das políticas educacionais, há uma grande variedade de experiências
de descentralização no Brasil. Em parte isso ocorre em decorrência do poder
central não se preocupar em traçar diretrizes para todo o país, dado que a
oferta pública de ensino fundamental é de primordial responsabilidade dos
estados. Assim, as experiências de descentralização do sistema público de
educação foram diversificadas segundo as diferentes condições políticas,
financeiras e administrativas de cada estado (Almeida, 1995). Em Minas Gerais,
a ênfase da reforma foi conceder autonomia administrativa, financeira e
pedagógica para as escolas, possibilitando sua gestão através da participação
dos seus professores e funcionários, pais e alunos.
Como vimos, tais objetivos se chocam com interesses clientelistas, na medida em
que a educação aparece, historicamente, entre as políticas utilizadas para fins
eleitorais pelos governos e seus aliados. A interferência político-eleitoral e
partidária no setor transforma questões administrativas, como contratação de
professores, pedidos de licença, aposentadoria, remoção, pedidos de
transferência, aplicação de punições, requisição de professores para cargos
administrativos etc., em atribuição da administração central, que decide
segundo a rede de influências políticas que cerca cada caso específico. Os
casos de recrutamento de diretores e professores são exemplares deste aspecto.
Desde o fim da ditadura Vargas, era reservado aos políticos governistas
majoritários em cada região ' ou seja, os políticos da base do governo mais
votados nas localidades ' a prerrogativa da indicação dos diretores das escolas
situadas em seus redutos eleitorais. Esse sistema tornava as escolas
instrumento de barganhas políticas e implicava, ao mesmo tempo, alta
rotatividade de alguns diretores e perpetuação no cargo de outros,
independentemente de sua performance administrativa. Os professores eram também
recrutados em geral sem se levar em conta critérios técnicos: as indicações
obedeciam a critérios políticos e de nepotismo. Os embates político-partidários
contaminavam, assim, a administração das escolas.
O processo de reforma visando conceder autonomia às escolas busca justamente
romper essa lógica que submete a sua administração a objetivos eleitorais. Os
aspectos da descentralização que mais contraditam os esquemas clientelistas e
que, portanto, apresentam mais conseqüências políticas são: a adoção dos
Colegiados escolares, em 1983; a contratação de professores pelo critério de
concurso público, que se faz mais presente a partir de 1984; e, principalmente,
pelo seu impacto político, a adoção de eleições diretas para o provimento do
cargo de diretores de escola, em 1991. Tais objetivos se foram consolidando ao
longo do mandato de três governos estaduais, com avanços e recuos. Nas partes
que se seguem, desenvolverei um breve histórico dos eventos ocorridos em cada
um dos governos.
Os Progressistas no Comando da Educação
O período inicial do processo de reforma, que vai de 1983 a 1987, cobre o
mandato de Tancredo Neves2, o primeiro governador de oposição eleito pelo voto
direto da população depois de quase duas décadas em que os governadores eram
indicados de forma indireta. Posteriormente, em agosto de 1984, o governador
desincompatibiliza-se do cargo para disputar a presidência da República,
assumindo o seu vice, Hélio Garcia, que mantém a mesma equipe de governo,
incluindo a direção da Secretaria de Estado de Educação ' SEE. Esse período se
caracteriza pelo amadurecimento de questões que estavam colocadas na agenda,
tanto do governo estadual quanto dos movimentos sociais, desde o final dos anos
70. Tal fase é marcada pela primeira reforma no sentido da descentralização do
sistema público estadual de ensino, no período da chamada abertura.
A década de 80 inicia-se com movimentos sociais bastante ativos e aglutinados
em torno dos partidos de oposição. O objetivo principal das oposições é
alcançar a democratização política e derrotar o regime militar. Os
trabalhadores do setor público contribuem de forma marcante para a mobilização
da sociedade e, dentre estes, os professores estaduais têm posição de destaque,
mobilizando-se de forma intensa, tanto por questões salariais como por reformas
democratizantes. Seu padrão de organização rompe, em finais dos anos 70, com o
sindicalismo atrelado ao poder vigente. O movimento sindical passa a funcionar
com autonomia em relação ao Estado e deflagra greves mesmo contra a legislação
em vigor, que limitava o direito de representação e reivindicação dos
funcionários públicos. Além disso, as lideranças das entidades representativas
dos trabalhadores do ensino, em sua grande maioria, militam em partidos de
esquerda, principalmente no PT, o que leva, inevitavelmente, a uma certa
"contaminação" da condução dessas entidades pela lógica eleitoral3. Se
anteriormente o sistema partidário se caracterizava pelo bipartidarismo, que
contrapunha partido do governo (ARENA) e partido da oposição (MDB), com a
reforma partidária de 1979 a oposição fragmenta-se em diversos partidos como,
por exemplo, PMDB, PT e PDT. Tal fato implica o fraturamento do bloco das
oposições, antes reunidas sob a sigla do MDB. Os setores oposicionistas passam
a adotar estratégias divergentes que são reproduzidas pelos movimentos sociais.
A categoria dos professores estaduais foi a que maior número de greves fez no
período que vai do final dos anos 70 ao início dos 90, mobilizando um imenso
número de pessoas e com um enorme poder de desgaste sobre os governos. Na
verdade, juntamente com o setor da saúde, a educação foi o setor cujos
funcionários demonstraram maior poder de pressão sobre os governos estaduais.
Tanto pelo seu poder de mobilização, traduzido no número de paralisações que
efetuaram, como pela repercussão negativa que as escolas paradas causavam em
amplos setores da opinião pública. Essa capacidade de ação é fruto, em certo
grau, da reação à desorganização em que o setor se encontrava. Além da questão
do autoritarismo do regime militar, outras questões mais específicas serviam
como combustível para a mobilização da categoria. A situação do setor da
educação era de clientelismo na administração das escolas, patronagem na
ocupação de cargos de direção, falta de plano de carreira para os funcionários,
salários defasados, contratações provisórias e sem concursos, favoritismos e
fisiologismo. Mesmo quando conquistavam ganhos salariais, estes eram corroídos
pela alta taxa de inflação do período. Os governos não respondiam
satisfatoriamente ao enfrentamento dessas questões.
Os trabalhadores do ensino público expressavam o anseio de mudança no
direcionamento político das escolas, no sentido da participação de todos os
interessados nos destinos das mesmas, além da exigência de melhores condições
salariais e de trabalho. O diagnóstico era que o autoritarismo tinha penetrado
todas as instituições e cabia, portanto, democratizá-las. O recrutamento de
professores por concurso público, a constituição de Colegiados como espaços de
decisão no qual estivessem representados todos os setores ligados às escolas e
eleições diretas para diretores eram as principais bandeiras levantadas pelos
trabalhadores do ensino como forma de alcançar tal intento.
Em 12 de maio de 1979, os professores da rede pública estadual deflagram uma
greve que dura 41 dias e tem adesão em 420 cidades mineiras, apesar da dura
repressão sofrida. Essa greve tem conseqüências importantes para a organização
da categoria. A Associação dos Professores Públicos de Minas Gerais ' APPMG,
entidade que representava os professores até então, mas que orientava suas
ações de forma a não confrontar os interesses governamentais, não assume a
greve. Os professores decidem, assim, conduzir o movimento à revelia de sua
entidade representativa, montando uma estrutura alternativa. Surge daí a União
dos Trabalhadores de Ensino ' UTE, entidade sindical que se caracteriza pelo
chamado "novo sindicalismo" e que vai representar não só os professores, mas o
conjunto dos trabalhadores do ensino, como supervisores pedagógicos,
orientadores educacionais e administradores escolares. A partir daí, é a UTE
que vai liderar o movimento dos trabalhadores do setor4.
Quando a oposição assume o governo estadual em 1983, as idéias de
descentralização e participação passam a orientar a ação do governo,
especificamente nas áreas sociais. O governador Tancredo Neves coloca a SEE sob
a direção da ala esquerda do PMDB, os chamados "autênticos" do partido, que
buscam reorientar a política educacional do Estado. No entanto, a equipe
montada na SEE é heterogênea, contemplando também setores conservadores do
partido. Tal fato implica a existência de resistências dentro da própria SEE ao
projeto de reforma proposto pela sua direção. Com o objetivo de contornar tais
resistências, a direção da SEE buscou se apoiar na burocracia de carreira da
instituição afinada com suas propostas, a quem reservou parte dos cargos de
direção. Mais que isso, buscou formar "quadros" na burocracia da SEE para
sustentar o projeto de descentralização do setor. Tais funcionários estarão, a
partir daí, participando na formulação e implementação das reformas.
Os cargos estratégicos da SEE eram assim ocupados por pessoas que vinham do
movimento de oposição ao regime militar e estavam empenhadas em reformar as
instituições da educação, no sentido de sua democratização. As principais metas
traçadas para o setor pelo grupo dirigente da SEE são a expansão da oferta de
vagas, atendimento prioritário aos mais necessitados, ênfase na qualidade de
ensino e democratização e autonomia das escolas. O discurso oficial passa a
apresentar forte ênfase no aspecto político, ressaltando a participação da
população nas decisões públicas como meio de formação do cidadão para a
democracia e para a promoção das classes desfavorecidas, ao contrário do
discurso proferido até então que se caracterizava por argumentos que buscavam
despolitizar a discussão sobre a administração da educação pública.
Dentro da nova filosofia de trabalho, como etapa para a produção de um projeto
educacional para o estado, é realizado, de agosto a outubro de 1983, o I
Congresso Mineiro de Educação. Para efetuar um amplo diagnóstico da situação da
educação e sugerir soluções, são mobilizados, em todo o estado de Minas, todos
os setores da sociedade com interesse no tema. Profissionais do ensino,
especialistas, alunos e pais, sindicatos, universidades, prefeituras e
representantes de diversos setores sociais, coordenados pela SEE, discutem os
problemas da educação e fornecem uma lista de 42 propostas para sua resolução.
Dentre elas há sugestões para a implantação de Colegiados como forma de
viabilizar a administração participativa das escolas e para a adoção de
concurso público como critério para recrutamento de professores. É proposta
também "a eleição do Diretor por voto direto da comunidade escolar, por um
período de 4 anos, com direito à reeleição por apenas mais um mandato
consecutivo, devendo recair em elemento que pertença ao quadro do magistério da
própria escola" (Minas Gerais, 1983:13).
O governo adota, em parte, as propostas resultantes do I Congresso Mineiro de
Educação. Os Colegiados são implantados na grande maioria das escolas do estado
através do Programa de Renovação da Prática Educativa, subproduto do Plano
Mineiro de Educação 1984/1987. Acabam por se constituir, junto com as Comissões
Municipais de Educação, na principal estratégia da SEE para a implementação da
administração participativa nas escolas. O Colegiado é um conselho capaz de
decidir sobre as prioridades e metas educacionais a serem desenvolvidas pela
unidade escolar, como, por exemplo, conteúdo do ensino, calendário escolar,
espaço físico necessário, suporte material e outros itens; compõe-se de
professores, funcionários, pais e alunos maiores de 16 anos. Já as Comissões
Municipais de Educação são integradas pelos diversos segmentos sociais do
município e visam
"possibilitar a integração dos vários interesses dos cidadãos e
definir as prioridades educacionais desde a necessidade de novas
escolas até aquelas relativas a tipos e formas de treinamento de
professores, de assistência aos educandos, de articulação entre o
poder municipal e estadual, no que diz respeito à educação"
(Rodrigues, 1984:13-14).
O governo inicia-se assim tomando decisões que atendem às reivindicações de
reforma do sistema educacional. Porém, com o decorrer do tempo, ficam claros os
limites de suas intenções reformistas e sua incapacidade de resolver vários dos
problemas do setor. No primeiro ano de mandato, o movimento dos trabalhadores
do ensino dá uma trégua ao governo, talvez pela expectativa de que um partido
de oposição no poder, com forte discurso social, fosse atender às suas
expectativas. No entanto, a partir do segundo ano, são realizadas três greves:
uma que se inicia em março de 1984, e que dura 14 dias; outra iniciada em maio
de 1985, com duração de 25 dias; e, finalmente, outra em abril de 1986, com
duração de 28 dias. Entre reivindicações salariais e outras mais gerais, como
eleições diretas para presidência da República, os servidores continuam a lutar
pela realização de concurso público para contratação de professores e pelas
eleições diretas para diretores de escolas. As pressões recaem tanto sobre o
Executivo como sobre o Legislativo.
A realização de concurso público para professores é alcançada na greve de 1985.
Na verdade, anteriormente, em 1980, depois de vários anos, realiza-se um
concurso para recrutar professores. Porém vai ser a partir de meados dos anos
80 que tal critério será periodicamente adotado5. Na greve de 1986, o governo
aceita eleições diretas para diretor, vice-diretor e delegado de ensino e chega
mesmo a anunciar os critérios. Porém, tal acordo não é concretizado. Havia
grande resistência da maioria dos deputados para a adoção das eleições, posto
que eles se beneficiavam com o critério de indicação política. Se a minoria de
parlamentares progressistas apoiava as eleições, entre os parlamentares
conservadores a maioria era contra a modificação da indicação dos diretores
escolares por critérios políticos, sem no entanto caracterizar uma unanimidade
nesse segundo grupo. A Associação de Diretores das Escolas Oficiais de Minas
Gerais ' ADEOMG, entidade que representava os interesses dos diretores
escolares, na sua maioria indicados por critérios políticos, também trabalha
contra a adoção das eleições diretas de diretores, inclusive exercendo pressão
sobre os deputados e o governador. No Legislativo, diversos projetos de
parlamentares são apresentados propondo eleições diretas para diretores de
escolas, que nem mesmo conseguem ser votados em plenário, já que param na
Comissão de Constituição e Justiça6. O poder da Comissão de impedir a
apreciação de uma matéria desse conteúdo em plenário foi importante, pois, caso
contrário, os deputados ficariam expostos à pressão dos trabalhadores do
ensino. Em março de 1987, o Diário do Legislativo publica proposição do
governador Hélio Garcia, sintomaticamente no último dia do seu mandato,
adotando eleições diretas para diretores. O governador subseqüente, Newton
Cardoso (PMDB), envia ofício quase 15 dias depois retirando o Projeto de Lei de
tramitação.
Especificamente sobre as eleições de diretores, o governo adota uma postura
dúbia. Enquanto acata o "veto" de sua base no Legislativo, libera ações
contrárias à indicação de diretores por critérios políticos por parte da
direção desta. Com incentivo da direção da SEE, professores, funcionários e
pais de alunos de escolas onde havia maior capacidade de mobilização realizavam
eleições informais e depois pressionavam o deputado com direito de indicar o
diretor a assumir o nome escolhido pela comunidade. Dessa forma, em diversas
escolas os parlamentares acabavam tendo de indicar o nome consagrado nas
eleições informais. Não há dados quantitativos sobre o resultado dessa
estratégia, mas depoimentos de atores envolvidos indicam que sua incidência foi
considerável. Tal situação é exemplo da estratégia do governador para buscar
compatibilizar interesses opostos dentro do próprio governo.
Interregno: Clientelismo como Estilo de Governo
O segundo período do processo de reforma da educação pública estadual vai de
1987 ao início de 1991, cobrindo o mandato do governador Newton Cardoso.
Apresenta como momento privilegiado e de especial interesse a elaboração da
nova Constituição estadual, promulgada em 1989.
Nas eleições de 1986, o PMDB volta a ganhar o governo estadual com Newton
Cardoso7. Agora, porém, há nítida hegemonia dos setores mais conservadores do
partido, que saem fortalecidos não só no Executivo, mas também na Câmara
Federal e na Assembléia Legislativa. A ala esquerda do partido, que abre
dissidência e não apóia o seu candidato, sai amplamente derrotada das eleições
e alijada da participação no governo.
O novo governo, apesar de ser do mesmo partido do anterior, apresenta
características bastante diversas. O governador toma decisões de forma
centralizada, auxiliado por um grupo de assessores oriundo de sua gestão na
prefeitura de Contagem. Na SEE, a burocracia da área de educação é ignorada,
sendo que quase todos os cargos de chefia são ocupados por pessoas sem qualquer
experiência no setor, indicados por critérios estritamente clientelistas. Os
espaços de participação popular na gestão das políticas sociais passam a ser
desconsiderados. Especificamente, a administração participativa das escolas
estaduais é abandonada, e os Colegiados são desativados. Os recursos
financeiros do Estado são centralizados em um caixa único, sendo liberados
conforme os interesses políticos imediatos do governador, sem obedecer a uma
estratégia de desenvolvimento fundada em uma visão temporal mais alargada. O
discurso governamental, vago, sustenta o apoio "aos mais pobres". O governador
privilegia contatos diretos e individuais com a população, amplamente
divulgados na publicidade governamental, em detrimento do estabelecimento de
canais com os movimentos organizados da sociedade. O novo governo foi
caracterizado, com procedência, como "populismo conservador" (Somarriba e
Afonso, 1987).
A postura do governo acirra o conflito entre os movimentos sociais organizados
e o governo. O governador passa a desqualificar as entidades representativas
dos servidores públicos como interlocutor, não negociando inúmeras greves, não
cumprindo acordos e não atendendo às reivindicações da categoria. Além disso,
estimula a atuação de organizações paralelas, compostas por pessoas ligadas ao
governo, que se arvoram em representantes dos funcionários; passa a implementar
a estratégia de colocar a população contra o funcionalismo, divulgando uma
imagem negativa da categoria.
O setor da educação, como tantos outros da administração pública, passa a
funcionar em estado precário: alunos sem professores, escolas em péssimo estado
físico, demissão de pessoal e eliminação de funções nas escolas, como
supervisores e orientadores. São alterados os mais diferentes aspectos da
estruturação do setor por intermédio de decretos, elaborados pelo governador ou
seus auxiliares mais próximos, em nome de uma racionalidade administrativa que
se reduz ao aspecto de cortar gastos. O chefe do Executivo tenta ainda, sem
obter sucesso, dada a forte reação dos prefeitos de todo o estado, passar a
responsabilidade da gestão de pessoal dos funcionários da educação para os
municípios, visando eliminar um fator de desgaste para o governo estadual: as
freqüentes greves no setor.
O movimento dos trabalhadores do ensino, bem como do restante do funcionalismo,
reage à situação aprofundando sua mobilização. Diversas greves com
manifestações públicas expressivas são realizadas. Em abril de 1987, registra-
se uma greve que dura 71 dias, atinge 564 cidades no estado e é caracterizada
por amplas manifestações públicas da categoria, incluindo a ocupação pelos
grevistas da Assembléia Legislativa, onde ficam acampados por cerca de um mês.
No início de 1989, o governo desvincula o pagamento dos professores do salário
mínimo, o que ocasiona mais uma greve, que dura 33 dias e atinge 263 cidades
mineiras. Como o governador não cumpre o acordo de greve firmado com a direção
do movimento, a categoria paralisa suas atividades por 16 dias no segundo
semestre do mesmo ano. Finalmente, os trabalhadores do ensino realizam mais uma
greve em 1990, último ano de mandato do governador Newton Cardoso, que dura 46
dias e tem adesão em cerca de 400 municípios. No geral, as greves não resultam
no atendimento das reivindicações da categoria, especialmente as relativas à
democratização do sistema estadual de educação.
No Legislativo há reações a toda essa situação, mesmo por parte de
parlamentares governistas, sem qualquer desdobramento prático mais consistente.
Dada a impermeabilidade do governo às reivindicações da categoria dos
trabalhadores do ensino, a UTE passa a recrudescer suas pressões sobre os
parlamentares, inclusive em suas bases eleitorais. Naturalmente, os
parlamentares de oposição buscam capitalizar o descontentamento dos
funcionários públicos. A base de apoio ao governador, no entanto, composta por
deputados conservadores e de estilo clientelista, salvo algumas poucas exceções
de militantes de esquerda, especificamente do MR-8 (Movimento Revolucionário 8
de Outubro) cai em um dilema: tem de sustentar as posições do governador para
garantir acesso aos recursos fundamentais para suas barganhas clientelistas,
mas ao mesmo tempo sente-se afetada pelas pressões dos trabalhadores do ensino.
Assim, vários parlamentares governistas passam a expressar desconforto com tal
situação, demandando, mesmo que timidamente, algumas ações no sentido do
atendimento de reivindicações. Todavia, uma questão continua sendo consensual
entre o governador e sua base parlamentar: o veto às eleições de diretores. Em
março de 1989, há uma tentativa de aprovação das eleições diretas para
diretores de escola a partir de proposta apresentada pelo deputado Otacílio
Miranda (PDT)8, que é obstada pela Comissão de Constituição e Justiça da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, controlada por deputados governistas,
que considera o projeto inconstitucional.
Em 1989, realiza-se a IV Assembléia Estadual Constituinte. Pelo caráter
especial das regras que a orientam, pela maior autonomia do Legislativo, pela
intensa participação popular que suscitou e, logicamente, pelas profundas
conseqüências das decisões tomadas, esse é um momento privilegiado para o
embate dos diversos interesses. Vários setores da sociedade mobilizam-se para
pressionar os deputados constituintes, visando ao atendimento de seus
interesses. A Constituição Estadual contempla a universalização dos direitos
sociais e a descentralização como princípios de organização da saúde e educação
públicas. Porém, no caso da educação, no momento de traduzir esses princípios
constitucionais em artigos específicos as reações se acirram.
No processo constituinte, a eleição direta para diretores de escola é uma das
principais reivindicações da categoria dos trabalhadores do ensino. Foram
várias as propostas apresentadas nesse sentido. No momento da votação do artigo
referente a tal tema, os trabalhadores do ensino encontravam-se em greve, o que
significa mobilizados. Apesar da forte pressão que exerceram sobre os
deputados, o artigo aprovado fala vagamente de "seleção competitiva". Assim, o
artigo 196, inciso VIII da Constituição define a adoção de
"[...] seleção competitiva para o exercício de cargo comissionado de
Diretor e da função de Vice-Diretor de escola pública, para o período
fixado em lei, prestigiados, na apuração objetiva do mérito dos
candidatos, a experiência profissional, a habilitação legal, a
titulação, a aptidão para a liderança, a capacidade de gerenciamento,
na forma da lei, e prestação de serviços no estabelecimento de ensino
por dois anos, pelo menos."
O texto constitucional, no caso, é ambíguo, expressando a posição dos deputados
contrários à eleição direta e a da ADEOMG, que, não podendo defender
abertamente o critério da indicação política dos dirigentes das escolas, pela
impopularidade de tal posição junto à opinião pública, optam por uma redação
pouca clara da matéria9. Portanto, um dos assuntos mais polêmicos da
Constituinte, a tese da eleição como único critério de escolha dos diretores,
defendida pelos trabalhadores do ensino, é assim derrotada.
Enfim, se na Constituição fica consagrado o princípio da gestão participativa
das políticas sociais, a atuação do governo Newton Cardoso representa a negação
das políticas implementadas no governo anterior e reivindicadas pelos
movimentos sociais. Caracteriza-se pela extrema centralização decisória e
utilização clientelista dos recursos públicos e pela confrontação com os
setores organizados da sociedade. Isso tudo redunda na desorganização do setor
público e do sistema estadual de educação, legando ao governo posterior um
exemplo concreto dos efeitos nefastos da utilização clientelista das políticas
sociais.
A Reforma Educacional de 1991
O terceiro período inicia-se em 1991 com a posse de Hélio Garcia no governo
estadual10. O governador concorre pelo Partido das Reformas Sociais ' PRS, que
foi articulado no estado, pelo grupo de Garcia, especialmente para a disputa do
governo. Logo no início do governo é realizada uma ampla reforma do sistema
estadual de ensino. Apesar de certos aspectos inovadores, pode-se dizer que se
fecha o ciclo iniciado no final dos anos 70, pois a reforma implementada é
tributária em grande parte de elementos que estavam presentes na agenda dos
governos, da burocracia estatal e/ou dos movimentos sociais durante todo esse
tempo. A idéia orientadora continua a ser a da descentralização, tanto como
forma de democratizar como de buscar a eficiência do sistema. O responsável
pela condução das reformas foi o secretário da SEE Walfrido S. dos Mares Guia
Neto11. Para assessorá-lo, foram contratados técnicos ligados ao Banco
Mundial12. Além disso, foram nomeados para ocupar cargos estratégicos da
secretaria funcionários que participaram das mudanças implementadas no governo
de Tancredo Neves/Hélio Garcia e que traziam, portanto, uma concepção do que
deveria ser feito.
O novo governo encontra o setor da educação desorganizado e ineficiente. Os
problemas, apesar de históricos, foram agravados pelo governo anterior. O alto
índice de repetência (quase 50% dos alunos da primeira série do ensino
fundamental, por exemplo) e de evasão escolar coloca a necessidade, segundo os
argumentos oficiais, de alcançar um sistema eficiente e produtivo (Secretaria
de Estado de Educação de Minas Gerais ' Centro de Produção e Administração de
Informações). A estratégia proposta para se alcançar esses objetivos é a de
inverter a situação existente, até então, de concentração do poder de decisão
nas instâncias superiores da SEE e nas Delegacias Regionais de Ensino ' DREs,
fornecendo autonomia e poder de decisão às escolas. Na verdade, a reforma é em
parte orientada pelos parâmetros impostos pela Constituição estadual de 1989,
que desenha um sistema de gestão descentralizado e participativo para a
educação pública estadual.
Nessa direção, são estabelecidas cinco prioridades, a saber: autonomia da
escola, nos aspectos financeiro, administrativo e pedagógico; fortalecimento da
direção da escola através do reforço do poder de decisão do diretor e do
Colegiado; implementação de programas de aperfeiçoamento e capacitação, com o
treinamento de professores, especialistas e funcionários; avaliação do Sistema
Estadual de Educação, prevista pela Constituição; e integração das redes
estadual e municipal. A autonomia da escola significa transferência de
atribuições e competências para que esta possa resolver os seus problemas. O
objetivo final é dotar as escolas de instrumentos para capacitá-las a elaborar
e executar um projeto educacional próprio, atendendo à sua clientela
específica.
A gestão participativa da escola tem vários momentos. Talvez o mais importante
seja a assembléia geral, que consiste na reunião dos responsáveis pela gestão
da escola, ou seja, servidores, pais de alunos e alunos maiores de 16 anos. A
assembléia tem o poder de constituir as instâncias que irão compartilhar a
direção da escola: o diretor e o Colegiado. Há uma reunião anual para escolha
dos representantes do Colegiado e mais duas para deliberação de assuntos
gerais. As decisões devem ser levadas pelos representantes dos servidores e dos
pais e alunos para discussão no Colegiado.
A idéia do Colegiado é similar à experiência implementada no governo Tancredo
Neves, com a diferença da limitação do número de membros, visando dar maior
operacionalidade ao seu funcionamento, e do maior número de atribuições. Cada
segmento (pais e servidores) escolhe 50% dos membros do Colegiado, que no final
devem somar de seis a doze elementos, excluindo números ímpares, e acrescidos
do diretor da escola. O Colegiado só existe quando está reunido e suas decisões
devem ser implementadas pelo diretor da escola. Sua função, entre outras, é
opinar e deliberar sobre a alocação de recursos financeiros, fiscalização de
gastos, gerenciamento e movimentação de recursos humanos, avaliação do sistema
e elaboração do projeto pedagógico.
Enfim, o processo de escolha do diretor deixa de ser responsabilidade formal da
SEE e, na prática, prerrogativa das lideranças políticas governistas mais
votadas em cada região, e passa a se dar pela escolha direta da comunidade
escolar (servidores, pais e alunos). O novo processo de escolha, denominado de
Seleção Competitiva Interna ' SECOM, seguindo o texto da Constituição estadual,
inicia-se com a avaliação da competência técnica de cada candidato, por prova
de títulos e prova escrita. Os três primeiros classificados na primeira fase
passam para a segunda, desde que tenham alcançado pelo menos 60% dos pontos, e
aí apresentam seu programa de trabalho para ser discutido pela assembléia
geral, visando informar o voto secreto de pais, alunos maiores de 16 anos e
servidores da escola, que formam o colégio eleitoral. O candidato que for o
mais votado, desde que receba mais de 50% dos votos válidos, é nomeado diretor,
e o segundo colocado seu vice. No caso de nenhum candidato conseguir a maioria
dos votos, há um segundo turno, disputado pelos dois candidatos melhor
classificados no primeiro. Inicialmente, o resultado da prova tinha o poder de
reverter o resultado da eleição: o mais votado tinha a possibilidade de virar
vice do segundo em votação se sua nota fosse menor. Com os protestos dos
representantes da categoria dos trabalhadores do ensino, a prova passa a valer
apenas como um dos requisitos para a candidatura, tomando posse o mais votado.
Como era de esperar, a nova sistemática não tem fácil aprovação. Houve
resistências de diversos setores. O projeto da eleição de diretor foi enviado à
Assembléia Legislativa 13 dias depois da posse do secretário de educação no
cargo. A Associação dos Diretores das Escolas Oficiais de Minas Gerais ' ADEOMG
atacava o projeto alegando que o processo iria rebaixar o nível técnico da
direção escolar. A União dos Trabalhadores do Ensino ' UTE, por sua vez, queria
a simples eleição dos diretores, sem qualquer avaliação técnica. Essa posição
era sustentada por argumentos tão variados quanto vagos, dentre os quais o de
que se os parlamentares não precisavam se submeter a qualquer avaliação técnica
para o cumprimento da sua função de representação, os diretores também não
deveriam precisar. Tal posição foi reforçada por uma greve de 85 dias dos
profissionais do ensino ocorrida de 7 de maio a 1º de agosto de 1991. A posição
do secretário desagradava portanto a ambos os lados: se era favorável às
eleições, insistia também na avaliação técnica. Seu argumento era de que a
eleição pura e simples politizaria demais a escolha. Na Assembléia Legislativa,
tais posições refletiam-se nas posturas discordantes dos deputados. As posições
não se alinhavam perfeitamente segundo as posições partidárias. No interior da
maioria dos partidos havia posições antagônicas. Os partidos progressistas,
especialmente o Partido dos Trabalhadores, estavam coesos na defesa da mudança,
rejeitando, no entanto, a etapa de avaliação técnica. A defesa da eleição de
diretores era compartilhada por alguns parlamentares conservadores que também
defendiam a realização da avaliação técnica. Do outro lado, a maioria dos
parlamentares mais conservadores rejeitava a eleição como critério de
recrutamento dos diretores.
Na verdade, o que a Assembléia Legislativa faz, ao votar a lei que adota as
eleições diretas, é regulamentar o artigo 196 da Constituição Estadual, que,
como vimos, estabelece que os diretores escolares devem ser recrutados através
de "seleção competitiva". Ela o faz, porém, segundo certa interpretação, que
contraria claramente o espírito que animou a maioria vitoriosa dos deputados
constituintes, que entendiam "seleção competitiva" como avaliação de
competência técnica. O problema é que o texto final do artigo constitucional é
ambíguo, como fica evidente com a polêmica que se instaura sobre o seu
significado: o texto fala em "seleção competitiva", listando para tal uma série
de critérios, entre os quais o de "aptidão para a liderança", mas não deixando
claro de que modo. Essa redação vai ensejar a interpretação de que a apuração
de tal critério deveria se fazer através de eleição, abrindo espaço para que os
defensores da mesma argumentassem que sua adoção estaria respaldada pela
Constituição.
O governador e seu secretário de educação reconhecem a forte rejeição à nova
sistemática por parte de setores governistas do Legislativo. Porém empenham-se
na aprovação do projeto da seleção competitiva. É assim que o Projeto de Lei
198/1991, proposto pelo chefe do Executivo, é aprovado em 29/6/1991 no plenário
do Legislativo, com apoio da quase totalidade dos partidos. Se inicialmente a
perspectiva era a rejeição do Projeto de Lei, a partir do momento que o
governador expressa aos parlamentares governistas a sua determinação em aprová-
lo, a situação se modifica. Dos 77 deputados do Legislativo mineiro, 56
comparecem à votação, sendo 53 votos favoráveis. Além da pressão do Executivo,
outro fator de pressão sobre os deputados foi a ocupação das galerias da
Assembléia pelos funcionários da educação, então em greve. O que estava em jogo
para a maioria dos parlamentares é bem retratado pela observação do secretário
de educação de que o projeto de eleição para diretor é aprovado no Legislativo
até por "deputados que faziam mais de 400 nomeações de diretor e estavam
convencidos de que dependiam delas para se eleger..." (Guia Neto, 1996)13.
Aprovada a lei que adota as eleições, a ADEOMG, que se coloca durante todo o
processo contra qualquer mudança nos critérios de preenchimento dos cargos de
diretor, não desiste e entra com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no
Superior Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade da lei aprovada.
Logo após a realização da primeira eleição para diretores sai liminar acatando
a inconstitucionalidade da Lei 198/1991. No final de 1996, sai a sentença
definitiva confirmando a inconstitucionalidade da lei. O argumento acatado pelo
Judiciário é de que a Constituição Federal confere aos governadores poder para
nomear os ocupantes de cargos de confiança comissionados. No entanto, o governo
continua adotando informalmente os critérios contemplados pela lei. Os
selecionados, porém, não se tornam mais detentores de mandato, podendo ser
exonerados, ou mesmo nem empossados, segundo a vontade do governador. A
informalidade da utilização do critério das eleições torna, assim, o processo
vulnerável às intenções do governador do momento.
O balanço que se pode fazer desse terceiro período é que, apesar de toda
pressão contrária, o esforço para se implementar uma reforma baseada nos
princípios do "universalismo de procedimentos"14 logra resultados concretos, o
que significa que o sistema da educação passa a orientar-se por regras que
estabelecem espaços para a participação dos setores realmente interessados na
educação pública, visando cumprir objetivos articulados com os interesses dos
alunos. A comunidade escolar passa a ter espaço para participar das decisões
relacionadas com o destino das escolas: começa a ter o poder de escolher o
diretor e influir, dentro de certos parâmetros, sobre a definição das
prioridades de alocação de recursos e da linha pedagógica a ser adotada,
através da atuação nas assembléias e colegiados escolares. Neutraliza-se,
assim, de forma considerável, certas condições para o controle clientelista que
determinados setores exerceram historicamente sobre os recursos da educação.
Uma análise dos motivos que explicam esse processo de reforma será apresentada
na parte que se segue.
ANATOMIA DE UMA REFORMA: FATORES EXPLICATIVOS
O processo descrito anteriormente suscita as seguintes questões: por que o
Executivo e o Legislativo repassam poder de decisão para a sociedade civil e
para as burocracias periféricas envolvidas com as escolas, abrindo mão de um
recurso relativamente importante no jogo de poder? Quais os motivos e elementos
explicam a adoção de eleições diretas para a escolha dos diretores de escolas
públicas estaduais apenas em 1991 e não em outro momento qualquer? Partindo
destas questões, o que se pretende é desvendar os mecanismos que possibilitaram
ou que barraram, em cada momento, a implementação de reformas descentralizantes
e democratizantes do sistema público de ensino de Minas Gerais. Nesse esforço,
a ênfase será dada ao critério de definição dos diretores escolares, já que
esse é o aspecto politicamente mais controverso da reforma do sistema público
de ensino mineiro.
Em primeiro lugar, deve-se constatar que medidas efetivas de descentralização
do sistema estadual de ensino só são tomadas a partir da posse de um governador
de oposição ao regime militar, em 1983, eleito pelo voto popular, apesar de a
pressão social nesse sentido estar sendo exercida, de forma significativa,
desde o governo anterior. Com a posse de Tancredo Neves, a SEE fica sob o
controle de um grupo de pessoas oriundo da ala progressista do PMDB e altamente
identificado com a política de descentralização. No entanto, as medidas
implementadas foram limitadas, no sentido de que avançaram em certos aspectos,
mas, ao mesmo tempo, garantiram a continuidade de espaços para a atuação de
esquemas clientelistas, mais especificamente pela manutenção da indicação dos
diretores escolares por critérios políticos. Se a direção da SEE é tão
comprometida com a reforma, por que, então, ela fica incompleta? A resposta
deve-se ao fato de que se, por um lado, o grupo dirigente da SEE encontra uma
sociedade civil mobilizada em apoio à descentralização, por outro, defronta-se
com uma classe política que majoritariamente obtém dividendos eleitorais do
desenho centralizado do sistema educacional. Nesse contexto, o governador busca
conciliar segmentos diversos do espectro político: ao mesmo tempo que entrega a
direção da SEE a setores progressistas, ele não abre mão do apoio de políticos
mais conservadores. Na verdade, o grande objetivo que pauta a ação do governo e
o estabelecimento dos seus compromissos políticos é levar Tancredo Neves à
presidência da República. Com a derrota em abril de 1984 no Congresso Nacional
da Emenda Dante de Oliveira, que propunha o restabelecimento de eleições
diretas para a presidência da República, a decisão da escolha do presidente
continua a se dar através do Colégio Eleitoral. Como este era composto pelos
membros do Congresso Nacional e por delegados indicados pelas Assembléias
Legislativas dos estados, era nesse público que o governador deveria buscar
seus apoios. A lógica da atuação do governador dependia primordialmente dos
interesses dos políticos profissionais e não dos do eleitorado em geral. Sendo
assim, Tancredo Neves ' e posteriormente Hélio Garcia, quando substitui o
governador eleito ', pelas características de sua base de sustentação, pelo
estilo político que forjou durante a sua carreira, pelo objetivo de sua ação
política e pelas regras que constrangem a sua busca, não rompe com os esquemas
clientelistas no caso da educação. Ao mesmo tempo que acena com mudanças,
atendendo ao anseio de parte expressiva do eleitorado e à pressão do movimento
social, preserva um aspecto crítico para os interesses político-eleitorais de
políticos clientelistas. A ação do grupo dirigente da SEE fica, assim, limitada
pela lógica do jogo político. As medidas adotadas são, então, parciais: adota-
se a administração colegiada nas escolas, modifica-se relativamente o critério
de recrutamento dos professores, mas não se adotam as eleições diretas para
diretores escolares.
O governo posterior de Newton Cardoso, como se viu, adota uma orientação
abertamente clientelista; incompatível, portanto, com o processo de reforma
iniciado no governo anterior. Apesar da resistência dos trabalhadores do
ensino, incluindo aí a parte da burocracia da SEE mais comprometida com as
reformas, houve um retrocesso em relação às ações adotadas pelo governo
Tancredo Neves. Esse período demonstra o poder que o Executivo estadual tem de
obstaculizar as mudanças iniciadas no governo anterior, apesar da significativa
pressão exercida pelo movimento social e pela opinião pública, que logra, no
entanto, apenas recuos tímidos do governador em questões pontuais.
Além dos motivos específicos que impedem uma reforma abrangente em ambos os
governos, uma questão geral concorre contra a descentralização do sistema
público de educação: o Executivo e o Legislativo compartilham incentivos para
não realizá-la. O critério de indicação política dos diretores escolares,
particularmente, foi, por longo tempo, vantajoso tanto para o Executivo como
para o Legislativo. Em um contexto no qual o jogo político se faz em grande
medida por relações clientelistas e em que a patronagem é recurso amplamente
funcional aos interesses de certos setores no processo eleitoral, tal forma de
indicação implica um incentivo a mais para os deputados se alinharem ao
governo, em troca de um recurso de poder considerável, qual seja, o de contar
com cargos para distribuir entre os aliados políticos. Ganha o Executivo, que
domina mais um atrativo para garantir a fidelidade dos parlamentares e ganham
também os parlamentares que podem contar com um recurso capaz de atrair aliados
com poder de lhes proporcionar votos.
Como se viu, o processo de reforma completa-se no começo da década de 90 pela
ação tanto do Executivo como do Legislativo. Sendo assim, como explicar, então,
o empenho do Executivo ' diga-se de passagem mais conservador que o do governo
empossado em 1983 ', e a aprovação do Legislativo, na implementação da Reforma
de 1991? Que motivos levam o governador Hélio Garcia a jogar todo o peso do seu
cargo em favor das reformas implementadas no início dos anos 90? A resposta
envolve uma conjunção de fatores.
Pode-se partir do pressuposto de que os governos são sensíveis às demandas e
apoios vindos da sociedade, especialmente em um contexto em que dependem do
voto popular. O fato é que um vigoroso movimento dos trabalhadores do ensino
surge no final da década de 70, pressionando os governos no sentido da
reformulação do sistema público de ensino. Na sociedade, a capacidade de
mobilização dos setores favoráveis às reformas é muito superior à capacidade
dos setores contrários ' especificamente ao poder de pressão da ADEOMG, que
buscava pressionar os parlamentares que exerciam a prerrogativa de indicar os
próprios diretores. A UTE apresenta, durante mais de uma década, grande poder
de mobilização e, em conseqüência, grande poder de desgastar a imagem tanto do
Executivo quanto da porção governista do Legislativo. Foi certamente uma das
categorias mais aguerridas na defesa de seus interesses. Seus movimentos causam
grande impacto sobre a opinião pública do final dos anos 70 ao início dos 90.
Foram deflagradas dez greves nesse período, com ampla repercussão na sociedade.
Dessa forma, o Legislativo e o Executivo atuam sob constante pressão, em um
contexto em que a opinião pública, e mesmo a grande imprensa, mostra-se
simpática às políticas democratizantes e aos movimentos sociais em geral,
dentre eles, em especial, ao dos professores. Portanto, a decisão do governador
Hélio Garcia de implementar a reforma, especialmente de adotar eleições diretas
de diretores, deu-se, em parte, pelos efeitos provocados pelo movimento dos
trabalhadores do ensino. O governador, no início do seu segundo mandato,
certamente já traz o aprendizado prático do potencial de desgaste representado
pelo movimento dos trabalhadores do ensino. Sendo assim, alguma coisa deveria
ser feita para tentar criar uma situação de maior governabilidade. Se a questão
salarial era de alguma forma insolúvel, pela escassez de recursos financeiros,
a ação possível era reformar o sistema público de ensino no sentido de sua
maior eficiência, dando resposta às aspirações da categoria e da sociedade em
geral. Assim, ao atender parcialmente à velha reivindicação da eleição para
diretores, o governo, além de resolver um fator de atrito com a categoria,
apropria-se de uma bandeira dos setores progressistas. Mas não bastou o poder
de mobilização da UTE para a implementação das mudanças; esta atua durante toda
a década de 80, suas mobilizações ganham maior intensidade na gestão de Newton
Cardoso e a reforma mais abrangente só se dará no início da década de 90.
Dessa forma, um outro aspecto a ser considerado é que a demanda do eleitorado
por um setor público que respondesse aos seus anseios se torna mais efetiva na
medida em que o regime democrático se consolida. O aumento do grau de
competitividade do sistema eleitoral passa a demandar maior eficiência dos
governos. Se nas eleições estaduais de 1982 três partidos elegeram todos os
governadores de estado no país (PDS, PMDB e PDT) e, em 1986, apenas dois
partidos (PMDB e PFL), em 1990 foram nove os partidos (PFL, PMDB, PDT, PTB,
PTR, PSDB, PDS, PRS e PSC) que ganharam eleições para os executivos estaduais.
Além disso, o número médio de candidatos por vaga à Câmara dos Deputados, na
região Sudeste, passa de 3,4, em 1982, para 7,4, em 1990 (Santos, 1998:180).
Apesar de diversos dos partidos que surgiram no período terem apenas respaldado
a candidatura de políticos que pertenciam às elites políticas estaduais15, não
há dúvida que a concorrência eleitoral se acirra. O leque maior de opções por
parte do eleitorado acaba por exigir uma melhor performance dos governadores
para se qualificarem perante os adversários no futuro.
O aumento da competição eleitoral impacta, portanto, a hierarquia dos temas na
agenda das políticas públicas, o que fica claro quando comparamos as eleições
de 1982 com as de 1990. Em 1982, a competição estava centrada basicamente em
dois partidos: o PDS e o PMDB. A polarização dava-se, digamos de forma
simplificada, entre o partido do regime autoritário e o partido da democracia.
A discussão que tinha maior peso se referia às "grandes questões nacionais",
conforme denominação dada por Reis (1978), girando em torno da modificação da
legislação remanescente do regime autoritário. Já na eleição para governador
que dá a vitória a Hélio Garcia, no início dos anos 90, a competição acirra-se,
o número de partidos com chances de obter sucesso eleitoral é bem superior e a
questão da eficiência e criatividade dos governos ganha maior peso eleitoral,
já que os requisitos para a construção da ordem democrática estavam
relativamente consolidados. Então o tema das políticas sociais passa a ter
maior visibilidade e impacto eleitoral.
Essa lógica fica clara na ação dos atores políticos relacionados com as
políticas de descentralização da educação. Em Belo Horizonte, capital do
estado, e em Contagem, um dos municípios maiores e mais ricos do estado de
Minas Gerais, foram implantadas, em 1989, reformas nos seus sistemas
educacionais. Em ambos os municípios as reformas foram implementadas por
prefeitos do PSDB e baseadas nos princípios da descentralização e da democracia
participativa, inclusive com a adoção de eleições diretas de diretores. Não se
pode ignorar que o PSDB era o grande concorrente político do grupo de Hélio
Garcia pelo poder no estado e que, ao implementar as reformas, atendia ao
anseio de parte considerável do eleitorado. O governador certamente estava
atento a esse fato. O seu secretário de educação, por exemplo, defendia
abertamente que um sistema eficiente de educação podia ser usado, para fins de
divulgação, como uma marca positiva de seu governo, como de fato vai ocorrer
posteriormente.
Esse efeito das reformas nos dois municípios para a política do governo do
estado remete à tese de que o processo de produção de políticas públicas
envolve o aprendizado com políticas anteriores. A experiência negativa ou
positiva de uma política pode reforçar ou não a sua reprodução posterior. No
processo de reforma do sistema educacional mineiro isso pode ser observado em
dois momentos. No primeiro, o legado negativo da política abertamente
clientelista do governo Newton Cardoso, de desarticulação do sistema
educacional, acaba por reforçar as demandas e apoios, pelos atores sociais,
governo, burocracia e instituições internacionais, no sentido de implementação
da reforma. No segundo, a adoção de reformas descentralizantes nos municípios
de Belo Horizonte e Contagem, com boa recepção por amplos setores da opinião
pública, acaba influenciando a reprodução de política semelhante pelo governo
estadual.
Um outro fator que explica a reorganização do sistema público de educação por
critérios universalistas é a dimensão desse sistema16. Como fica explícito em
diversas manifestações de dirigentes da SEE nos três governos examinados, o
custo de administrar um sistema das dimensões do de Minas Gerais de forma
centralizada tornou-se muito alto. O controle da escolha de diretores, por
exemplo, torna-se extremamente desgastante para o governo, tomando boa parte do
tempo dos responsáveis pelas indicações. Há depoimentos que demonstram que até
mesmo o governador tem de imiscuir-se em disputas pela indicação de diretores
em escolas localizadas no interior do estado. O interessante é que tal motivo
aparece também na explicação da reforma da administração pública dos EUA, no
fim do século XIX e início do século XX. Nessa época, estava colocada nas
agendas do governo e da sociedade americana a necessidade de se eliminar a
lógica clientelista na administração pública. Para Johnson e Libecap (1994:13-
14), o fim da patronagem na administração pública federal dos EUA deve-se, em
grande medida, ao crescimento do funcionalismo no período pós Guerra Civil, com
o conseqüente aumento dos custos de negociar as indicações e administrar a
distribuição e o monitoramento desses funcionários. Os autores vêem na dimensão
que foi tomando o serviço público federal nos Estados Unidos um fator
fundamental de sua reforma.
Mudanças estruturais da sociedade brasileira e a ampliação dos direitos
políticos devem também ser considerados como fatores que concorreram para a
implementação da reforma. Como houve um crescimento do eleitorado
comparativamente superior ao número de cargos de diretores, torna-se, para fins
de competição eleitoral, menos atrativa a indicação dos mesmos. Em relação ao
número de eleitores, o recurso a ser distribuído é progressivamente menor, pois
decresce comparativamente a quantidade relativa de cargos a serem distribuídos.
Se por um lado a disputa pelo controle dos recursos administrativos, entre os
grupos com acesso ao Estado, torna-se mais acirrada, em contrapartida o impacto
da distribuição desses recursos em termos de prováveis eleitores se torna
menor. Os números parecem corroborar tal hipótese. A incorporação política da
população brasileira no século passado é bastante considerável. Na Primeira
República, o eleitorado correspondia a cerca de 2,5% da população brasileira;
em 1945, a 16%; em 1986, a 51%; e em 1990, a 58% (Santos, 1998:154). Para o
caso específico de Minas, pode-se notar que, enquanto o eleitorado cresce 26,6%
no período de 1986 a 1992, o número de escolas públicas do ensino fundamental
cresce, no período de 1986 a 1991, 5,8% (Secretaria de Estado de Educação de
Minas Gerais ' Centro de Produção e Administração de Informações). Acrescente-
se que o incremento da taxa de urbanização parece implicar a constituição de um
eleitorado menos susceptível, no geral, às barganhas clientelistas. Nesse
aspecto, os números mostram que se em 1960 a população mineira é 40% urbana e
60% rural, em 1991, 75% das pessoas vivem nas cidades e apenas 25% no campo.
Pode-se inferir, portanto, que mudanças como essas tendem a fazer com que o
clientelismo perca parte de sua eficácia como recurso de poder.
Relacionado com as profundas mudanças ocorridas nas últimas décadas na ordem
mundial, um outro fator explicativo vem se agregar aos anteriores. Com a
chamada terceira revolução tecnológica, e seu impacto no processo de produção
nas últimas décadas do século XX, o nível educacional da classe trabalhadora
passa a ser requisito para o desenvolvimento econômico. É reiteradamente
expressa pelo secretário de Educação Mares Guia Neto e pelos seus consultores a
tese do esgotamento do estilo de desenvolvimento brasileiro baseado em mão-de-
obra desqualificada e barata, já que as empresas passam a mover-se pelo mundo
em busca da competência técnica exigida pelas novas tecnologias de produção. O
secretário exemplifica o seu argumento com o fato de que foi a prioridade dada
à educação que permitiu o enorme sucesso econômico dos "tigres asiáticos". E
conclui, então, que um ensino básico de qualidade e universalizado passa a ser
um imperativo para os países que almejam desenvolver-se. Deve-se assinalar que
a idéia de eficiência como base para a sobrevivência das organizações é um tema
bastante difundido entre os administradores privados e públicos na época17. Tal
diagnóstico é difundido por organismos internacionais como o Banco Mundial, que
passa a fomentar reformas nos sistemas educacionais da América Latina, visando
criar condições para a reprodução do capital (Tommasi, 1998). A reforma
mineira, por exemplo, é avaliada positivamente pelo Banco Mundial por se
adequar aos seus princípios.
Um outro ponto a ser relevado ' e que foi por muito tempo negligenciado pela
ciência política ' é a relação entre idéias e políticas públicas. Como vimos, a
reforma do sistema público de ensino é tomada como um processo que perpassa
três governos. É um processo na medida em que, a despeito da diversidade
ideológica dos governos, as concepções sobre a estruturação do setor fundam-se
na autonomia das escolas e na sua gestão participativa. Na verdade, políticas
com fundamentos semelhantes são propostas com argumentos diferenciados. Nesse
sentido, é interessante notar o contraste entre os argumentos utilizados pelos
governos Tancredo Neves e Hélio Garcia. Naquele há forte influência de autores
marxistas, especialmente Gramsci, com ênfase na democratização e na formação da
cidadania. No governo Hélio Garcia há ênfase tecnicista, cujo objetivo é a
busca de um sistema educacional eficiente, como base para o desenvolvimento
econômico. Para tal, a SEE fundamenta sua administração nos princípios da
Qualidade Total. Em 1992, o governo adota o Programa de Qualidade Total em
Educação, com financiamento do Banco Mundial e supervisão da Fundação
Christiano Ottoni de Belo Horizonte. Esse sistema de administração propõe,
entre outros aspectos, a autonomia dos trabalhadores na realização de suas
funções; a despadronização do produto final, visando atender da melhor forma
possível os clientes; e a substituição do chefe pelo líder, propiciando uma
relação mais orgânica entre chefia e comandados. Tais princípios são
contemplados pelas medidas adotadas por Mares Guia Neto, quais sejam: autonomia
financeira e administrativa das escolas, escolha da abordagem pedagógica e do
calendário como competência de cada escola e escolha dos diretores pela
comunidade. São compatíveis também com os princípios de gestão participativa
propostos pelos formuladores da política educacional do início dos anos 80,
apenas buscando traduzi-los em termos mais técnicos. A própria terminologia
utilizada para os novos critérios de escolha dos diretores, "apuração de
aptidão para a liderança", remete diretamente ao tratamento técnico baseado nos
princípios desse modelo de administração. É exemplo digno de nota do espírito
tecnicista, e portanto despolitizante, que orienta as ações no setor, a
exortação do secretário ao afirmar a necessidade de "realizar, como condição
para melhorar a qualidade do nosso ensino básico, um trabalho sério, apolítico,
com o engajamento de todos, de valorização da escola pública e do professor de
primeiro e segundo graus" (Minas Gerais, 1993:13, ênfase do autor).
O comportamento do Legislativo fornece também indicações para o entendimento do
processo de reforma. Como o critério da eleição de diretores escolares foi
adotado por lei votada pelos parlamentares, e dado os seus interesses
clientelistas na rejeição de tal proposta, a questão que fica é por que motivos
a maioria agiu contra o que parecia ser o seu interesse. Uma constatação
inicial é de que o Executivo tem recursos de poder suficientes para influenciar
as decisões do Legislativo. Um princípio geral do qual se pode partir é o que
considera que os congressistas, ao se posicionarem sobre decisões de políticas
governamentais, escolhem sempre a posição que vai afetar positivamente sua
chance de reeleição. Findo o regime militar, é inegável que os estados e,
conseqüentemente, seus governadores têm fortalecido o seu poder. Os
governadores dos estados passam a controlar progressivamente recursos de poder
essenciais para que os políticos possam atender às reivindicações de suas
bases. Obter sucesso na eleição ou reeleição depende, em grande medida, da
capacidade de fornecer recursos para sua base eleitoral. E um dos recursos "nas
mãos dos governos estaduais é o da nomeação dos cargos públicos" (Abrucio e
Samuels, 1997:151). A máquina pública estadual torna-se, então, peça
fundamental na estruturação das disputas políticas. E a lealdade aos
governadores torna-se essencial para a carreira da maioria dos políticos. Sendo
assim, quando o governador Hélio Garcia toma posição favorável às eleições para
diretores, o cálculo dos parlamentares governistas passa a se orientar pela
relação de custo-benefício: é melhor abrir mão de um recurso de poder, no caso
a indicação dos diretores, e continuar a usufruir de um amplo leque de outros
recursos, que se indispor com o governador e arriscar a perder acesso a
recursos mais valiosos.
Além disso, as próprias regras que orientam o processo legislativo
potencializam o poder de controle do governador sobre os parlamentares. O
governador controlava a mesa diretora da Assembléia Legislativa, bem como todas
as comissões legislativas. As regras processuais para a tomada de decisão no
Legislativo influenciam o estoque das escolhas possíveis dos deputados. Nesse
sentido, particularmente, a lei em debate é votada sob um novo regimento, posto
em funcionamento no início de 1991, que fortalece as comissões legislativas. O
papel das lideranças do Legislativo fica assim ainda mais reforçado (Camargos e
Lima Junior, 1997:183). A partir daí os líderes governistas são acionados pelo
governador no sentido de promover a mudança, existindo pouco espaço de manobra
para os parlamentares individualmente.
Outro fator para o apoio de considerável número de deputados da situação ao
critério das eleições relaciona-se aos "custos de transação": ao indicar um
candidato, o parlamentar tem inevitavelmente de preterir vários outros. No
final, o custo pode acabar sendo maior do que os benefícios. Há depoimentos de
diversos deputados que expressam tal dilema: afirmam que o fato de indicar um
diretor pode implicar o surgimento de vários inimigos.
Finalmente, quando da votação do Projeto de Lei que instituía as eleições de
diretores, era do conhecimento dos parlamentares que havia sido acatada a
inconstitucionalidade do critério de eleições em outros estados brasileiros
(Paro, 1996:65). Isso parece ter suscitado o cálculo de que votariam uma
mudança fadada a ser bloqueada pela justiça. É bastante plausível que, diante
da posição do governador e da maioria da opinião pública, os parlamentares
cedessem em um primeiro momento, evitando maiores desgastes, para no final a
justiça fazer retroceder à situação da indicação dos diretores escolares como
prerrogativa do governador.
Posteriormente, os fatos vão confirmar o acerto dos que apostaram que a mudança
do critério de escolha dos diretores teria um veto do judiciário. A ADEOMG
consegue, no Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade da lei que
adota eleições para diretores. Porém, seu sucesso será relativo. É de supor que
os diretores imaginavam continuar sendo os contemplados com as indicações no
caso de retorno ao sistema anterior de indicação política. Até o momento,
porém, o critério da escolha continua sendo o da eleição dos diretores pela
comunidade escolar. Só que as eleições passam a ser informais, o que coloca a
possibilidade do seu abandono futuro com a mudança de governos. É interessante
notar que, dadas as regras do jogo, especificamente a adoção pela Constituição
Federal do dispositivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade, um grupo de
diretores representado pela ADEOMG, minoritário e com poder de pressão
infinitamente menor que as entidades representativas dos trabalhadores do
ensino, acaba fazendo valer, pelo menos formalmente, a sua posição. O caso
corrobora a tese de que o conjunto de normas institucionais determina os
parâmetros da ação do governo e dos grupos de interesse (Immergut, 1996:140).
Ou seja, o formato institucional demarca as possibilidades de ação e de sucesso
das organizações de interesses. O que ocorreu foi que a existência de uma
instância de veto (veto point) obstaculizou ou, mais exatamente, vulnerabilizou
uma iniciativa reformista, na medida em que as eleições para diretores das
escolas se tornam informais e dependentes não da lei, mas do arbítrio do
governador.
COMENTÁRIO FINAL
Como se viu, a mudança das instituições do ensino público de Minas Gerais é
fruto de um processo que se desenvolve pela combinação de múltiplos fatores. E
esse processo se relaciona com as características do funcionamento da política
brasileira. Especificamente, demonstra a resistência em se ultrapassar formas
de relações clientelistas, que caracterizam de longa data a história política
brasileira. Depois de mais de dez anos de reivindicações pela organização do
sistema público de educação conforme os princípios do "universalismo de
procedimentos", é realizada uma reforma que remove os principais fatores que
sustentam o uso das instituições educacionais como instrumento do clientelismo.
Ao contrário do que alguns modelos de análise de políticas defendem, o caso
abordado neste trabalho demonstra que as políticas públicas e a mudança das
instituições em particular não podem ser explicadas exclusivamente pelas
demandas e apoios vindos da sociedade ou pela capacidade de o Executivo
estadual e, em especial, da burocracia pública de formular e implementar
políticas. Em cada momento, uma diversidade de fatores coloca os limites e as
oportunidades para a reforma do sistema público estadual de ensino. Um aspecto
fundamental que o caso em questão demonstra é que os efeitos das ações dos
diversos atores são potencializados ou limitados pelas instituições políticas
nas quais estão inseridas. A capacidade de os atores de estabelecer objetivos
comuns e utilizar-se dos instrumentos de poder disponíveis são fatores
explicativos que devem ser analisados no contexto de uma estrutura
institucional. No governo Tancredo Neves, como se demonstrou, as regras que
orientavam a disputa pela presidência da República ' ou seja, o voto no Colégio
Eleitoral ' acabam por potencializar o poder dos políticos clientelistas em
detrimento do movimento dos trabalhadores do ensino. Com a mudança das regras,
com a consolidação de um sistema competitivo-eleitoral, o poder de pressão dos
movimentos sociais torna-se cada vez mais efetivo. No entanto, reforçando o
postulado anterior, a ADEOMG ' um grupo minoritário e desprovido de recursos de
poder em relação aos setores favoráveis às mudanças ' demonstra poder para
derrubar na justiça, utilizando-se de um dispositivo constitucional, a lei que
adota eleições de diretores escolares. Deve-se notar, por outro lado, que as
regras podem ser flexibilizadas, ou pela sua interpretação conforme os
interesses mais poderosos ' como ocorre com a interpretação que o governo Hélio
Garcia faz do dispositivo constitucional que trata do recrutamento dos
diretores escolares ' ou por ações que lhes neutralize o conteúdo ' como no
caso das eleições informais de diretores no governo Tancredo Neves.
Outro fator relevante para explicar a reforma é a maneira como se estruturam as
relações entre os poderes Executivo e Legislativo. No Brasil, historicamente o
Executivo demonstra ter recursos para influenciar as decisões dos
parlamentares. No caso abordado, isso fica claro quando, no momento em que o
governador decide implementar uma reforma mais ampla, os parlamentares
contrários passam a rever suas posições. Porém se é verdadeira a tese de que o
Executivo tem instrumentos de poder para influenciar as ações do Legislativo, o
seu uso depende de determinado contexto. A comparação entre as posições de
Tancredo Neves e Hélio Garcia no período do exercício de seus governos é
ilustrativa desse fato: a decisão do governador de reverter ou não a posição
majoritária do Legislativo é explicada pela relação entre os seus objetivos e o
contexto de sua implementação.
Em outro nível, as mudanças estruturais ocorridas na sociedade brasileira, como
urbanização, complexificação da estrutura social com a consolidação de uma
diversidade de grupos de interesses e consolidação de um sistema partidário
crescentemente competitivo aparecem como fatores importantes para explicar a
formulação e implementação de políticas públicas. Também as profundas
modificações ocorridas no cenário internacional, denominadas pelo rótulo
genérico de globalização, explicam a emergência que determinados temas ganham
na hierarquia da agenda governamental, como, por exemplo, exigências por uma
certa concepção de gestão pública eficaz e pelo valor da educação como fator de
desenvolvimento econômico. Tais aspectos influenciam a posição de atores que se
tornam relevantes para dar suporte à reforma.
Enfim, o caso abordado neste trabalho sugere que o estudo das mudanças das
instituições deve levar em consideração uma multiplicidade de fatores que se
relacionam em diversos níveis ao longo de um determinado período. A mudança
institucional do sistema estadual de educação de Minas Gerais faz-se com
avanços e recuos, envolvendo a relação de diversos atores, nacionais e
internacionais, atuando, em momentos diferentes, dentro de determinados
contextos e estruturas institucionais.
NOTAS
1. O conceito de descentralização é controverso. Alguns autores trabalham com o
conceito limitando-o a uma ótica federalista: descentralizar implicaria a
obtenção de autonomia político-administrativa por parte dos governos
subnacionais. Creio, no entanto, que limitar descentralização ao seu aspecto
federativo acaba por classificar fenômenos com o mesmo conteúdo de formas
diferenciadas, violando uma necessária parcimônia no uso dos conceitos. No caso
deste trabalho, tomei o conceito de forma mais ampla: temos um processo
político em que o poder se desloca no interior do Estado e deste para a
sociedade, implicando autonomia político-administrativa para as burocracias
periféricas e para setores da sociedade. O caso não pode assim ser classificado
como desconcentração, no sentido de que não se limita à mera transferência da
execução de serviços no interior de agências governamentais.
2. Tancredo Neves era então um político de grande experiência e de projeção
nacional. Havia sido, por exemplo, ministro de Getulio Vargas e primeiro-
ministro na curta fase parlamentarista do Brasil. Apesar de seu estilo
conciliador, colocou-se na oposição ao regime militar durante toda a sua
vigência. Político liberal, mantinha trânsito em setores que iam da direita à
esquerda do espectro político.
3. Vários parlamentares do PT de Minas Gerais saem do movimento dos
trabalhadores do ensino. O primeiro deputado federal do partido, Luiz Soares
Dulci, eleito em 1982, foi o líder da greve dos professores de 1979 e um dos
fundadores da União dos Trabalhadores do Ensino ' UTE. Posteriormente, torna-se
uma importante figura na direção do PT. Outro deputado federal do partido,
saído do movimento, é Paulo Delgado, que foi eleito em 1986, 1990, 1994, 1998 e
2002. Saem ainda do movimento a deputada estadual Maria José Haueisen, eleita
em 1986, 1990, 1994, 1998 e 2002, os deputados estaduais Antônio Carlos Pereira
e Antônio Fuzatto, eleitos em 1990, Gilmar Machado, em 1990, 1994 e 1998, e
vereadores eleitos em diversos municípios, como Fernando Cabral e Rogério
Corrêa, em Belo Horizonte. Em 2002, Gilmar Machado é eleito deputado federal e
Rogério Corrêa deputado estadual.
4. Com o dispositivo da Constituição de 1988 que permite a sindicalização dos
funcionários públicos, a UTE transforma-se em sindicato e passa a denominar-se
Sindicato da União dos Trabalhadores do Ensino ' SindUTE. Por questão de
exposição, utilizarei ao longo de todo o texto a sigla UTE.
5. A categoria de professores convocados não foi extinta. Com argumentos
bastante convincentes, especialistas da Secretaria Estadual de Educação afirmam
que o alto número de afastamentos temporários de professores exige a convocação
de seus substitutos, não cabendo, no caso, concurso. Porém, o recrutamento por
convocação passa a ser residual, implicando um grau razoável de neutralização
das influências político-eleitorais e de nepotismo no recrutamento de pessoal.
6. Foram apresentadas propostas dos deputados Ademir Lucas (PMDB), em maio,
Otacílio Miranda (PDT), em junho, e Luiz Alberto Rodrigues (PMDB), em agosto de
1983.
7. Newton Cardoso era então um político de expressão local. Havia sido deputado
federal e prefeito de Contagem, segundo município mais importante
financeiramente do estado e suporte fundamental para sua ascensão política.
Pavimenta seu caminho para o governo do estado utilizando-se da estrutura
material e administrativa, fornecida pela prefeitura de Contagem, como
instrumento de clientelismo.
8. Sem qualquer ligação mais orgânica com os interesses relacionados com o
sistema estadual de ensino, prefeito de um município sem maior expressão no
estado e deputado estadual em vários mandatos, Otacílio Miranda assume a defesa
das eleições de diretores ao que parece por convicções estritamente pessoais.
9. A relatora da Comissão de Educação da Constituinte, deputada Maria Elvira
(PMDB), que era uma das principais interlocutoras da ADEOMG, consultou a
entidade sobre a redação do artigo.
10. Hélio Garcia consolida sua carreira política como membro da ARENA, partido
de sustentação do regime militar. As alianças estabelecidas para as eleições de
governador de 1982 o fazem vice na chapa de Tancredo Neves e posteriormente
substituto deste quando de sua desincompatibilização do cargo para disputar a
presidência da República. Ocupa, desde então, lugar de destaque na política
mineira, procurando compatibilizar atores de posições políticas diversas.
11. Mares Guia Neto é um empresário na área de educação que começa a se
projetar na política, apoiado pelo governador. Na verdade seu papel na reforma
da educação estadual foi de fundamental importância para sua projeção política.
12. Cláudio Moura e Castro e Guiomar Namo Mello eram ligados ao Banco Mundial e
atuaram como consultores da SEE, durante o governo Hélio Garcia.
13. Posteriormente, a Assembléia Legislativa acaba incorporando à sua agenda o
debate sobre a reforma da educação. Em outubro de 1991, promove um seminário
denominado A Hora da Chamada, com o objetivo de discutir a educação em geral,
com a participação de diversos especialistas e representantes de diversos
setores da sociedade. O seminário foi caracterizado pela diversidade de temas
(ensino público ao lado do privado, ensino básico junto com ensino superior), o
que talvez explique os resultados pouco concretos a que chegou.
14. O "universalismo de procedimentos" remete à forma de ação do Estado fundada
nas normas de impersonalismo e direitos iguais perante a lei. Ver tipologia
sobre formas de relação Estado e sociedade no Brasil em Nunes (1997).
15. Esse é o caso da eleição de 1990 em Minas Gerais, em que o ex-peemedebista
Hélio Garcia é eleito governador pelo PRS, partido que foi constituído com o
único objetivo de sustentar sua candidatura ao governo do estado.
16. Em 1991, Minas Gerais contava com cerca de 6.500 escolas públicas
estaduais, com 2,7 milhões de alunos e 204 mil professores e funcionários
(Secretaria de Estado de Educação ' Centro de Produção e Administração de
Informações).
17. Há um boom da literatura sobre o tema no período, como, por exemplo,
Reengenharia e Qualidade Total.