Reestruturação, requalificação e dispensas: um estudo da dinâmica do mercado de
trabalho do Reino Unido, 1991-95
INTRODUÇÃO
"Reestruturação" é um termo amplamente empregado para descrever a
multiplicidade de mudanças que ocorreram nas últimas duas décadas, abrangendo a
redução do emprego em amplos segmentos das indústrias de transformação e de
extração; a expansão do emprego em empresas de serviços, varejo e no ramo do
"lazer"; a queda quantitativa de postos de trabalho operacionais e manuais
pouco qualificados e o aumento das ocupações de nível superior, técnicas e
gerenciais (Wilson e Linley, 2000). Além dessas mudanças de composição mais
gerais, o termo "reestruturação" também é usado com referência a mudanças na
organização do trabalho e da gerência, associadas à passagem das grandes
organizações "verticalizadas" para as unidades menores, flexíveis e autônomas
que dão mais destaque à gestão e cobrança de responsabilidade locais.
Embora os analistas possam discordar quanto à escala e extensão dessas
mudanças, a maioria concorda que elas resultaram em grandes custos pessoais e
sociais nas últimas duas décadas (Atkinson, 1993; Hills, 1995; Jarvis e
Jenkins, 1995). A escala do desemprego em massa do início da década de 1990 foi
sem precedentes, superando os 3 milhões de pessoas, ou 12% da força de trabalho
em 1993, enquanto o desemprego de longo prazo1 alcançou cerca de 1,5 milhão de
trabalhadores em 1994 (Elias, 1996). Os dados também sugerem que a ampliação da
distribuição dos rendimentos na década de 80 e início dos anos 90 poderia estar
relacionada à "reestruturação" do mercado de trabalho, sem crescimento real no
extremo inferior da distribuição de rendimentos associada à expansão dos
empregos de baixa remuneração (Gosling, Machin e Meghir, 1994). O fato de
aproximadamente um em cada cinco domicílios chefiados por pessoas em idade
ativa não prever ninguém empregado em 1993-94 (ONS, 1997) deixa também claro
que a desvantagem econômica não é apenas um fenômeno individual, mas tende a
concentrar-se nos domicílios em função de características compartilhadas por
seus membros (Gregg e Wadsworth, 1994; Elias, 1997).
Contudo, é difícil distinguir os efeitos da recessão daqueles dos processos de
"reestruturação", alguns dos quais se manifestam por meio de movimentos de
entrada e saída da recessão. Muito do que denominamos "reestruturação" pode ser
exacerbado pela fase do ciclo econômico em que são feitas as observações. A
crise de fins dos anos 802, vinda depois da rápida expansão, impulsionada pelo
consumo, de meados da década provavelmente distorceu os padrões de mobilidade e
de alteração dos rendimentos. Este artigo examina o processo de reestruturação
analisando os padrões de mobilidade da ocupação e dos ganhos dos participantes
do mercado de trabalho em um período caracterizado por uma firme recuperação,
1991-95. Dá-se especial atenção ao grupo de pessoas dedicadas às atividades
"manuais qualificadas (crafts)", um grupo de ocupações que declinou rapidamente
no correr das décadas de 80 e 90. O interesse nessas ocupações decorre do fato
de que elas incorporam considerável treinamento vocacional capital humano
relacionado ao trabalho que pode não ser transferido com facilidade a outras
atividades.
O enfoque adotado embasa-se no exame secundário de dados nacionais encontrados
em numerosas pesquisas de campo, principalmente a British Household Panel Study
BHPS, os censos demográficos de 1981 e 1991, e as Quarterly Labour Force
Surveys. Essas fontes nos permitem explorar as seguintes questões:
Qual o papel desempenhado por movimentos voluntários, em oposição
aos involuntários, no processo de reestruturação do mercado de
trabalho? As pessoas que ficam sujeitas a movimentos "involuntários"
sofrem prejuízos financeiros no longo prazo?
É possível detectar trajetórias de "deslocamento" das ocupações
manuais qualificadas? Sendo assim, como se caracterizam as
oportunidades subseqüentes de emprego para os que seguem essas
trajetórias?
Em que medida o treinamento relacionado ao trabalho ameniza os
impactos da reestruturação da força de trabalho? Há algum indício de
que os trabalhadores deslocados que recebem treinamento
profissionalizante estão mais capacitados a manter sua posição no
mercado de trabalho do que os que não recebem esse treinamento?
O plano deste artigo é o seguinte. Na segunda seção, será examinado o conceito
de "dispensa" (redundancy) como medida de perda de emprego involuntária, a
partir de indicadores obtidos de diferentes fontes estatísticas para sentir a
validade e a confiabilidade das informações sobre esse tipo de demissão. Na
terceira, serão elaborados indicadores de mobilidade social a partir das
respostas às cinco primeiras rodadas British Household Panel Survey. Essas
medições serão validadas em confronto com outras fontes de dados. A quarta
seção reúne informações sobre mudança ocupacional e mobilidade de rendimentos
com informações sobre histórico de desemprego e dispensas, buscando elos entre
essas ocorrências. A quinta parte examina a incidência e a extensão da
capacitação profissional dos integrantes do painel estudado em um período de
cinco anos, contrastando informações do Labour Force Survey com as da British
Household Panel Survey, e tenta determinar se essa capacitação desempenha
qualquer papel no sentido de amenizar o alto custo do deslocamento do
trabalhador.
CONCEITO E MEDIÇÃO DAS DISPENSAS
O Conceito de Dispensa (redundancy)
A dispensa é definida, para propósitos estatísticos, como o término
involuntário de um contrato de trabalho em decorrência de restrições econômicas
ou jurídicas às atividades de uma organização. Esse tipo de demissão decorre,
assim, da reação das organizações ou empresas às pressões do mercado
(concorrência, recessão) ou de restrições jurídicas às suas atividades e é
visto em geral como um ajustamento "em última instância" do mercado de
trabalho3. As dispensas distinguem-se, assim, de outros tipos de desligamento
(em que o contrato é rescindido involuntariamente, mas não por razões
associadas em geral ao fechamento da empresa ou cortes de pessoal) e das
rescisões decorrentes de fatores pessoais, como aposentadoria, doença,
incapacidade e outros motivos voluntários. O interesse nas dispensas origina-se
no fato de que elas refletem uma decisão do empregador mais do que do
empregado. Essa "exogeneidade" é de grande utilidade para entender e
diferenciar as conseqüências da mudança de emprego e o desemprego associado.
Medição das Dispensas
Antes da implantação da Labour Force Survey, as informações sobre dispensas
resultavam de notificações exigidas por lei. Essas notificações só se aplicavam
a estabelecimentos com dez ou mais empregados e nem todas eram notificadas.
Depois, as informações passaram a basear-se nos dados coletados pela Labour
Force Survey LFS.
Para conhecer a trajetória subseqüente das pessoas afetadas por esse tipo de
demissão, faz-se necessária uma fonte de dados longitudinal. Na British
Household Panel Study, as informações pertinentes são coletadas por meio do
histórico do ano que transcorre entre as rodadas de entrevistas sucessivas.
Pergunta-se aos informantes pormenores de todos os empregos que tiveram nos
doze meses anteriores ao mês de setembro que antecede a entrevista, incluindo
diferentes cargos sob o mesmo empregador, e pede-se para selecionar dentro de
uma lista a razão que melhor define o motivo que os levou a deixar de exercer
aquela atividade4. Como ocorre com todos os dados retrospectivos, há uma
possibilidade de que a resposta seja afetada por ocorrências subseqüentes. Por
exemplo, uma pessoa que consegue um emprego melhor depois de ter sido
dispensada pode declarar que a razão para deixar de fazer o que fazia
anteriormente foi a de "ter encontrado um emprego melhor". Também é possível
que pessoas demitidas por outras razões declarem ter sido afastadas em
decorrência da extinção de seu cargo ou função porque é mais conveniente dizer
que o ocorrido é conseqüência de fatores exógenos e não o resultado de não
terem correspondido de alguma forma as expectativas de seu empregador.
Para obter alguma indicação da validade dos dados sobre dispensas extraídos da
British Household Panel Study foram feitas comparações com as informações da
Labour Force Survey, a qual coleta as informações sobre esses tipos de demissão
segundo uma ótica ligeiramente diferente. Desde o segundo trimestre de 1995, as
perguntas feitas aos informantes são:
"Saiu de algum emprego remunerado nos últimos três meses? Se a
resposta for afirmativa, pede-se para informar as razões de sua
saída; o (a) senhor(a) foi dispensado ou aderiu a um plano de
demissões voluntárias; sua saída teve outras razões (desligamento,
fim de um contrato temporário, se demitiu por razões de saúde, de
família ou outras, ou se aposentou, compulsória ou antecipadamente,
ou por outros motivos)? Foi dispensado de qualquer outro emprego nos
últimos três meses?"
Acumulando essas informações, a partir dos sucessivos levantamentos
trimestrais, é possível computar taxas anualizadas5 de dispensas dos anos que
vão de 1992 a 1995. O Quadro_1 compara essas taxas anuais com as informações
obtidas a partir dos dados retrospectivos coletados nas diversas rodadas da
BHPS.
Pode-se ver a partir dessa comparação que as informações registradas na BHPS
acompanham bem6, e não diferem significativamente7, das informações sobre
dispensas geradas segundo a diferente ótica adotada na Quarterly Labour Force
Survey QLFS. Como os dados da LFS têm um período de referência trimestral,
enquanto a BHPS adota como referência um ano (o histórico entre rodadas), esse
resultado é satisfatório. Seria de se esperar que o período de referência mais
longo da BHPS conduzisse a mais erros de memória e a um maior espaço para a
reinterpretação posterior das razões para a saída de um dado emprego.
Visto que essas duas fontes parecem mostrar o fenômeno das dispensas de forma
coerente nos dois tipos de pesquisa e no decorrer do tempo, pode-se considerar
que a BHPS é um indicador da experiência geral da força de trabalho britânica a
esse respeito. Essa é uma premissa importante para o restante do capítulo,
facilitando a interpretação do comportamento subseqüente dos informantes que
foram dispensados. Em particular, o que nos interessa é saber se essas pessoas
experimentaram pelo menos uma fase de desemprego no mesmo ano em que foram
dispensadas8.
O Quadro_2 mostra as informações sobre dispensas em cada ano anterior à rodada
de entrevistas da BHPS, registrando o número de informantes demitidos por esse
motivo que também declararam ter passado por pelo menos uma fase de desemprego
após o desligamento. Com o avanço da retomada da economia, a proporção de
informantes que declararam ter ficado desempregados por algum tempo diminui. Em
média, quase metade dos empregados dispensados passa por uma fase de
desemprego, o que poderia parecer bastante significativo, mas, dentro do
contexto de todos os fluxos de desemprego que se registram a cada ano, as
dispensas não constituem uma proporção substancial desses fluxos. A partir dos
dados das QLFS, pode-se estimar que o número das dispensas caiu de cerca de
1,25 milhão em 1992 para cerca de 600 em 1995. Dadas as estimativas do Quadro
2, o número de pessoas que passaram por um período de desemprego pode ser
calculado como variando entre cerca de 700 mil em 1992 e 250 mil em 1995. As
estimativas relativas ao número de pessoas que ficaram desempregadas9 variam em
cerca de 3 milhões ao ano em 1992 e 2,75 milhões em 1995 (ONS, 1997). Assim, as
dispensas representaram menos de um quarto de todos os novos requerimentos de
benefício desemprego em 1992, proporção que caiu para algo em torno de 10% dos
novos requerimentos em 1995.
Outro trabalho sobre as características dos trabalhadores dispensados foi feito
com base nas informações da QLFS (Potter, 1996). Nele se mostra, dentre outros
fatores, que: (1) os trabalhadores de nível superior registram apenas metade da
taxa de dispensas daqueles em ocupações manuais qualificadas e similares; (2) o
setor de construção registra uma taxa de dispensas de quase duas vezes a
encontrada na média de todos os setores; as taxas de dispensas no setor público
foram de aproximadamente um quarto da média para todos os setores.
Essas correlações revelam algumas das variações que existem entre organizações
e setores em reação a uma queda na demanda por mão-de-obra. Enquanto o setor
público está mais protegido dos "choques" de demanda que podem provocar
dispensas no setor privado, fica claro que a construção civil recorre a esse
tipo de demissões como uma das principais formas de ajustamento do mercado de
trabalho. Isso sugere que, na análise subseqüente dos fluxos de dispensas, será
importante considerar tanto as influências ocupacionais quanto as setoriais.
Indícios dos Efeitos das Dispensas e do Desemprego sobre os Rendimentos
Apesar do interesse óbvio de se relacionar os fenômenos do mercado de trabalho,
como as dispensas e o desemprego, a resultados observados, como mudanças nos
rendimentos e na ocupação, até recentemente pouco era feito nesse sentido no
Reino Unido. Estudos geográficos (Green, 1994) indicam que há uma correlação
entre indicadores de carência e áreas com altas perdas estruturais de
empregos10. Blanchflower (1991) mostrou que os trabalhadores do Reino Unido que
se consideram em "perigo de serem dispensados" recebiam cerca de 8% menos,
cetiris paribus, do que aqueles que não sentiam esse risco. Jacobson et alii
(1993), em um alentado estudo de trabalhadores com bastante tempo de serviço
afastados (dispensados) de uma empresa dos EUA, mostrou que, entre aqueles
trabalhadores às vésperas da demissão, a queda nos salários teve início três
anos antes do seu afastamento e situava-se em torno de 15%. Resultados
semelhantes são encontrados em Ruhm (1991) e De la Rica (1995).
A perspectiva do afastamento parece, portanto, ter uma significativa influência
negativa sobre os rendimentos. No caso dos trabalhadores dispensados,
Jacobsonet alii (1993) mostram que cinco anos após a rescisão a queda dos
salários representava cerca de um quarto dos rendimentos anteriores ao
afastamento11. Ruhm (1991) verificou uma perda de 10%, quatro anos após o
desligamento. Contudo, os dados europeus sobre os efeitos da dispensa e do
desemprego sobre os rendimentos são bem menos nítidos. Ackum (1991) não
encontrou qualquer relação entre desemprego e rendimentos subseqüentes no caso
de jovens suecos, uma verificação que se repetiu entre trabalhadores mais
velhos da Bélgica (Van Audenrode e Leonard, 1995). Gregory e Jukes (1997), que
utilizaram um conjunto de dados sobre rendimentos e desemprego para homens na
Grã-Bretanha, mostraram que a duração de uma fase de desemprego tem efeitos de
longo prazo sobre os rendimentos sobretudo para os mais velhos e para os que
ganham mais do que a média.
Essas observações aparentemente contraditórias sobre os efeitos das dispensas e
do desemprego sobre os rendimentos podem ser o resultado de uma falha na
distinção entre perda de emprego voluntária e involuntária. Parece razoável
supor que os empregados que transitam voluntariamente entre empregadores sem
passar por fases de desemprego têm menor probabilidade de sofrer uma queda nos
rendimentos do que aqueles que são dispensados e ficam desempregados. Essas
distinções entre dispensas como causa de mudança de emprego versus outras
razões e entre mudanças de emprego que compreendem uma fase de desemprego e os
que não a incluem parecem meios adequados de explorar o impacto da mudança de
emprego sobre os rendimentos e a mobilidade ocupacional. Isso será feito nas
seções seguintes. Primeiro, analisaremos e caracterizaremos a mobilidade
ocupacional em termos de qualificações, o movimento de trabalhadores entre
empregos que trazem implicações significativas em relação a experiência exigida
e competência ocupacional para levar adiante as tarefas associadas ao emprego.
Segundo, as variações nos rendimentos serão examinadas na forma de movimentos
entre decis em torno da distribuição dos ganhos. Finalmente, analisaremos com
algum pormenor a relação entre a mobilidade ocupacional, a variação dos
rendimentos e as dispensas e o desemprego.
QUALIFICAÇÕES E MUDANÇA OCUPACIONAL
Definição de Grupos de Qualificação
O estudo da mudança ocupacional é facilitado pela classificação dos dados de
emprego segundo ocupação, registrando o movimento das pessoas empregadas entre
as categorias da classificação. A esse respeito é importante observar que a
mudança ocupacional é diferente de uma mudança de cargo ou de empregador. Os
"cargos" podem ser descritos como pacotes de tarefas, geralmente definidas pelo
empregador e projetadas para serem desempenhadas por uma pessoa. Mudanças no
cargo podem surgir sem troca de empregador e não dão, necessariamente, lugar a
uma mudança na "ocupação" termo classificatório que define um conjunto de
cargos que dividem algumas características comuns em termos da base conceitual
de classificação subjacente. Assim, o estudo da mudança ocupacional exige o uso
de uma classificação cuja base conceitual seja adequada à natureza do estudo.
O presente trabalho concentra-se particularmente nos processos de
"requalificação" e "desqualificação", com o que se quer fazer referência à
formação ou subutilização da competência ocupacional a relação entre a
capacidade de uma pessoa para desempenhar efetiva e eficientemente as tarefas
associadas a um cargo específico e as exigências para essa competência dentro
do trabalho. Embora a "qualificação" possa ser interpretada de várias maneiras
que vão da destreza manual, passando pela utilização de um corpo de
conhecimento especializado, a um indicador de status social, neste estudo o
termo será usado como medida do período normalmente necessário para que uma
pessoa se torne competente na execução de dado trabalho. Dada que esta é a base
conceitual para a Classificação Ocupacional Padrão de 1990 SOC9012, a
qualificação é operacionalizada por meio da referência a grupos unitários
[famílias] de ocupação da SOC90.
O Quadro_3 mostra a relação entre os níveis de qualificação teóricos usados na
elaboração da SOC90 e seus grupos, principal, subprincipal e secundário. Nela
foram identificados quatro "níveis" de competência. No quarto nível, estão os
cargos para os quais a competência ocupacional exige um diploma universitário
ou equivalente, e/ou um período associado de experiência no trabalho,
abrangendo as categorias gerenciais mais altas e as atividades exercidas por
pessoal de nível superior. O terceiro, denominado "intermediário", reúne os
postos gerenciais médio e inferior, gerentes de pequenas empresas, atividades
profissionais e técnicas, representantes de vendas e ocupações manuais
qualificadas. Para os propósitos deste estudo, as ocupações no nível da SOC90
foram subdivididas em dois grupos: ocupações intermediárias manuais não
qualificadas e ocupações manuais qualificadas. Todas as outras ocupações,
abrangendo os dois níveis inferiores de qualificação da SOC90 foram agrupadas
em uma única categoria denominada "outras ocupações"13.
Mudanças na Estrutura Ocupacional
Dado que a Classificação de Ocupações só foi adotada por todas as fontes
nacionais de dados ocupacionais no início da década de 90, é difícil
desenvolver informações relativas às tendências de longo prazo na estrutura de
qualificações da população empregada. Contudo, uma amostra recodificada (1/2%)
do Censo Demográfico de 1981 para a Inglaterra e País de Gales proporcionou
informações suficientes para a montagem de dados para aquele ano. O Quadro_4
mostra as estimativas resultantes da estrutura de qualificações da população
empregada elaboradas a partir dos Censos Demográficos, para os anos de 1981 e
1991, da LFS, em 1991 e 1995 e da BHPS para 1991 e 1995. Como se vê, apesar das
diferenças no tamanho das amostras, nas metodologias e nas técnicas de
codificação, o quadro que surge dessas comparações mostra um alto grau de
coerência. Onde as datas se sobrepõem (Censo 1991 e LFS 1991, BHPS 1991 e LFS
1991, BHPS 1995 e LFS 1995), as estimativas correspondentes da estrutura de
qualificações da população empregada estão impressionantemente próximas14.
Como já mencionado, o termo "reestruturação" é usado para denominar várias
mudanças que se registram no mercado de trabalho. No presente contexto, o termo
é utilizado para abranger os principais movimentos do emprego e as consequentes
mudanças ocupacionais. No Quadro_4, podemos observar que há impactos diferentes
no emprego de homens e de mulheres. O contínuo aumento da participação feminina
na força de trabalho, de 68% das mulheres em idade ativa em 1986 para 71% em
1997 (Sly et alii, 1997), foi determinado pelo aumento do trabalho em tempo
parcial em ramos como o varejista e pelo relativo aumento dos avanços que as
mulheres têm conseguido em anos recentes em termos de seu acesso a empregos
altamente qualificados (ocupações gerenciais de alto nível e ocupações que
exigem nível superior). Isso pode ser visto se comparando as mudanças na
composição do emprego feminino, na categoria das "altamente qualificadas",
registradas entre 1981 e 1995 (de quase 3,5 pontos percentuais em uma década),
como a correspondente mudança nos quatro anos seguintes (crescimento de mais de
2,5 pontos percentuais). Contudo, as mulheres ainda têm uma participação muito
menor em todos os empregos altamente qualificados, como se pode ver na Figura
1, que contrasta a estrutura de qualificações do emprego de homens e de
mulheres verificada entre 1991 e 1995, tal como mostrado tanto pela BHPS quanto
pela LFS. Em 1995, o número de mulheres em empregos altamente qualificados era
proporcionalmente de apenas metade dos ocupados pelos homens.
No caso dos homens, as duas mudanças mais significativas, evidentes na
observação do Quadro_4 e na Figura_1, são o contínuo crescimento dos empregos
altamente qualificados e o declínio na categoria dos empregos de manuais
qualificados. É interessante notar que esta última categoria passou a cair mais
rapidamente nos anos que se seguiram à recessão, 1991-95, do que no período
anterior. De 1981 a 1991, a categoria de qualificação intermediária "manual
qualificada" caiu 1,8 pontos percentuais, correspondendo a uma redução líquida
de quase um quarto de milhão de empregos desse grupo. No quadriênio
subseqüente, tanto a LFS quanto a BHPS mostram que o grupo ocupacional caiu 3,5
pontos percentuais uma redução líquida de mais meio milhão de empregos na
Grã-Bretanha.
Mobilidade Ocupacional
Dada a aceleração observada na queda das ocupações técnicas masculinas durante
a recuperação da recessão em 1991-95, e o continuado crescimento do emprego
feminino na categoria das ocupações altamente qualificadas apesar da expansão
do emprego parcial de mulheres em atividades pouco qualificadas, é interessante
identificar as variações anuais na estrutura ocupacional usando informações de
cada uma das sucessivas rodadas da BHPS. A Figura_2 revela essas mudanças,
apresentando os números da amostra em cada uma das quatro categorias de
qualificação e os movimentos entre categorias como percentuais desses números.
Examinando primeiro os fluxos de entrada e saída do emprego em base anual
(representados pelas setas verticais na Figura_2), podemos ver que os fluxos de
saída de "outras ocupações" (a categoria de baixa qualificação) são geralmente
maiores do que os da maioria das demais categorias de qualificação com exceção
da categoria manual qualificada, que apresenta fluxos de saída do emprego que
são apenas ligeiramente menores. Em todas as categorias, a escala dos fluxos de
entrada dos desempregados é essencialmente semelhante a das saídas para o
desemprego.
O efeito líquido desses movimentos interocupacionais, junto com as variações
dos fluxos de entrada e saída do emprego, conforme registrados à época de cada
entrevista, podem ser vistos examinando-se o tamanho da amostra em cada
categoria (que aparece entre parêntesis em cada caixa). O declínio na categoria
de ocupações manuais qualificadas é evidente: o número de informantes
empregados nesse segmento cai de 883 pessoas em 1991 para 676 pessoas em 1995.
Essa redução ocorre tanto pelas variações dos fluxos entre grupos ocupacionais
quanto pela diferença nos fluxos de entrada e saída do não emprego. A maior
parte dessas diferenças surgiu entre 1991 e 1992, quando a saída para o não-
emprego foi de 21% da categoria e a volta de não-empregados foi de apenas 13%
em 1992. Embora esta volta tivesse se mantido bastante constante nos anos
posteriores, a magnitude do não emprego nos anos subseqüentes caiu
substancialmente. Além disso, a saída da categoria das ocupações manuais
qualificadas para outras ocupações foi bem maior em 1991-92 do que em períodos
posteriores. Esses dois efeitos, as saídas líquidas para o não-emprego e para a
categoria de "outras ocupações" podem ser descritas como um impacto recessivo,
mas esse rótulo não explicaria por que a categoria continuou declinando. Em
todos os anos seguintes ao período 1991-92, a entrada de pessoas não empregadas
na categoria manual qualificada é menor do que a saída para o não-emprego,
indicando que influências estruturais de longo prazo estão em ação e que estas
podem estar associadas a um processo de renovação15 do mercado de trabalho.
O crescimento da categoria "altamente qualificado", embora não tão
significativo quando houve a redução no grupo "manual qualificado", parece ter
sido efeito de um processo diferente. A maior parte desse crescimento ocorreu
entre 1994 e 1995. Embora a entrada nessa categoria de pessoas vindas do
segmento intermediário manual não qualificado tenha permanecido bastante
constante, a saída do grupo "altamente qualificado" para o grupo intermediário
e para outras ocupações caiu gradativamente no quadriênio. Entre 1994 e 1995 a
entrada de pessoas vindas do não-emprego quase igualou a saída de pessoas para
o não-emprego, mas os fluxos para as outras três categorias ocupacionais
totalizaram 130 pessoas, enquanto a entrada de pessoas vindas dessas categorias
somou 190.
Em resumo, o período de 1991 a 1995 registrou uma aceleração nas mudanças da
estrutura de qualificações da população quando comparado ao de 81 a 91. Embora
as comparações entre esses períodos sejam exacerbadas pelo fato de que o biênio
1990-91 marcou o auge da recessão que se seguiu ao chamado "boom de Lawson",
pode-se dizer que a redução das ocupações manuais qualificadas reflete
tendências estruturais de prazo mais longo, como ocorre com o continuado
crescimento dos empregos altamente qualificados ocupações de nível superior e
de alta gerência. As mudanças na magnitude dessas categorias ocupacionais
decorrem da entrada e saída de pessoas da situação de não-emprego para a de
emprego e de movimentos entre categorias. Os movimentos interocupacionais
envolvem o trânsito de pessoas (principalmente homens) da categoria manual
qualificada para as "outras" ocupações e da "ascensão" de pessoas das ocupações
manuais não qualificadas para o grupo dos altamente qualificados.
Mudança Ocupacional, Dispensas e Desemprego
As pressões originárias das forças da globalização e da mudança tecnológica
traduzem-se, por intermédio do mercado de bens e serviços, em novas demandas de
mão-de-obra. Estas, por sua vez, criam, por meio do crescimento e da extinção
das organizações, novos cargos ou eliminam os já existentes. Alguns
participantes do mercado de trabalho transitam sem dificuldades entre cargos,
seja como parte de uma "progressão de carreira", ou seja, uma bem definida
trajetória ocupacional; outros são dispensados e/ou ficam desempregados no
curso de sua vida de trabalho. Esses episódios dispensas e desemprego
representam atritos no processo de reestruturação. Os programas de apoio ao
trabalhador, envolvendo serviços de orientação, possíveis indenizações por
dispensa e esquemas de reconversão de mão-de-obra, destinam-se a minorar as
potenciais conseqüências negativas para as pessoas atingidas por esses atritos.
Contudo, com exceção dos poucos estudos mencionados na seção "Indícios dos
Efeitos das Dispensas e do Desemprego sobre os Rendimentos", ainda
desconhecemos os efeitos de longo prazo dessas mudanças estruturais e temos
pouco conhecimento a respeito da eficácia dos "remédios" formulados para
promover a inserção ou a reinserção no mercado de trabalho daqueles atingidos
pelo desemprego e pelas dispensas.
Para dar alguma noção da escala desses atritos e de sua localização dentro da
estrutura do mercado de trabalho, o Quadro_5 mostra o percentual de pessoas, em
cada uma das quatro categorias ocupacionais definidas para os propósitos deste
estudo, que passaram por alguma fase de desemprego e/ou dispensa durante os
anos de 1990-91 e 1994-95. Examinando primeiramente o caso do desemprego,
observa-se um nítido gradiente em cada um dos períodos anuais nas quatro
categorias ocupacionais. A incidência de desemprego na de qualificação mais
baixa é mais do que o dobro da registrada no grupo altamente qualificado. As
ocupações manuais qualificadas sempre mostram uma maior incidência de fases de
desemprego do que as ocupações manuais não qualificadas. Durante os cinco anos
examinados, o desemprego aumentou e depois teve uma queda, indicando o
"desenrolar" da recessão de 1990-91 e a gradual recuperação no período
posterior. Essa tendência não é de forma alguma uniforme, mostrando que a
recuperação econômica teve um efeito desigual sobre a demanda por
qualificações.
Já o caso das dispensas é mais uniforme entre as quatro categorias de
qualificação e o decorrer do tempo. Em geral, as taxas de dispensas são
aproximadamente metade da taxa de incidência de desemprego. Embora já se tenha
mostrado que, em termos nacionais, as dispensas atingiram o auge no período
1990-91, sua taxa no grupo de ocupações manuais não qualificadas continuou
aumentando em 1992-93, enquanto caía no caso das manuais qualificadas em 1992-
93, subindo novamente em 1993-94, antes de cair rapidamente para o ponto mais
baixo dos cinco anos em 1994-95.
Em resumo, esse "instantâneo" de cinco anos de desemprego e dispensas mostra
que a reestruturação econômica é um processo irregular em termos dos atritos no
mercado de trabalho que traz em sua esteira. Embora a experiência do desemprego
pareça seguir uma trajetória razoavelmente previsível em termos de sua
localização dentro do espectro ocupacional e em relação ao crescimento
econômico, o caso das dispensas é menos previsível, apesar de sua distribuição
mais uniforme entre categorias de qualificação.
Embora o Quadro_5 indique a localização do desemprego e das dispensas segundo
categorias de qualificação e no decorrer do tempo, ele não esclarece o elo
existente entre essas ocorrências. Mais adiante exploraremos com mais
pormenores os efeitos combinados das dispensas e do desemprego sobre as pessoas
em termos de desqualificação e de seus impactos sobre os rendimentos. Esta
seção acompanha a dinâmica da mudança de modo mais agregado. Selecionando-se as
pessoas que informaram terem sido dispensadas em 1991-92, o pico desse tipo de
demissões após a recessão de 1990-91, é possível verificar as categorias
ocupacionais em que elas ocorreram e as ocupações em que esses trabalhadores
foram absorvidos. O Quadro_6 apresenta esses movimentos para as 298 pessoas do
BHPS que informaram terem sido dispensadas entre 1991 e 1992 (o período entre
rodadas da rodada 2). Examinando-se primeiro seu status ocupacional, pode-se
verificar que mais de um quarto dessas pessoas não estavam empregadas um ano
antes e que metade delas não tinha ocupação quando foram entrevistadas em 1992
(a entrevista que se seguiu imediatamente à dispensa informada). Esta alta taxa
de não-emprego se mantém nas entrevistas sucessivas, indicando que uma
reinserção estável no mercado de trabalho está se tornando um problema de longo
prazo para os trabalhadores dispensados no período 1991-92.
Em termos das categorias ocupacionais em que surgem as dispensas e daquelas que
reabsorvem os empregados demitidos, há indicações de deslocamentos de longo
prazo. Proporções significativas das pessoas dispensadas em 1991-92 estão
situadas no grupo de "outras ocupações" (40%) e na categoria de ocupações
manuais qualificadas (16%). Como proporção de todos os que informaram uma
ocupação em 1991, estes representam 54% vindos de "outras ocupações" e 21% das
intermediárias qualificadas, refletindo basicamente a estrutura de
qualificações em 1991. Já em 1995, 30% desses trabalhadores dispensados tinham
conseguido se reempregar em "outras ocupações" e 11% nas manuais qualificadas.
Novamente, recalculando esses percentuais em termos dos que informaram estar
empregados em 1995, eles representam 53% do grupo reempregado em outras
ocupações e 20% nas manuais qualificadas. Assim, no geral, parece haver poucas
evidências em termos agregados de uma "desqualificação" neste grupo. Contudo, o
verdadeiro problema parece ser a subseqüente estabilidade no mercado de
trabalho.
Em comparação com o Quadro_5, o desemprego informado por integrantes desse
grupo, antes e depois dos anos em que foram dispensados, é consideravelmente
mais elevado do que a média de cada uma das categorias ocupacionais. Com
exceção da categoria das ocupações manuais qualificadas, a fase de desemprego
anterior à dispensa informada no período 1990-91 é de três a quatro vezes maior
do que a de todos os trabalhadores. Não surpreende então que essas taxas
aumentem substancialmente no período 1991-92, quando essa amostra de
trabalhadores dispensados foi selecionada, contudo as fases de desemprego
continuam sendo altas nos anos subseqüentes. Embora o reduzido tamanho da
amostra torne possível uma significativa variação na proporção, segundo
categoria ocupacional, de trabalhadores reempregados em cada rodada subseqüente
do estudo de painel, a magnitude e a coerência dessas diferenças, quando
comparadas com o Quadro_5, deixam poucas dúvidas de que os trabalhadores
dispensados em 1991-92 tiveram uma dificuldade consideravelmente maior de
reintegrar-se ao mercado de trabalho.
MOBILIDADE DOS RENDIMENTOS E MUDANÇA OCUPACIONAL
Mudanças significativas da ocupação, como as identificadas na seção precedente,
tendem a estar associadas com alterações na distribuição dos rendimentos. Esta
seção explora essas relações, primeiro comparando as informações sobre
rendimentos contidas na BHPS com aquelas coletadas pela LFS, e mostrando as
relações entre as categorias amplas de qualificação e os ganhos. Finalmente são
examinadas as mudanças de ano para ano na posição das pessoas empregadas dentro
da distribuição geral de rendimentos.
Informações sobre Rendimentos da BHPS e da LFS
Antes de examinar pormenorizadamente a movimentação das pessoas dentro da
distribuição dos rendimentos tal como definida por sua posição a cada rodada do
BHPS, é interessante comparar a qualidade dessa informação com a das obtidas
por um levantamento significativamente maior, a QLFS16. A Figura_3 compara as
distribuições de rendimentos de homens e mulheres dessas duas fontes,
considerando-se um ordenamento dos ganhos brutos semanais em intervalos de £50.
No caso dos homens, a BHPS concentra-se excessivamente em pessoas com
rendimentos entre £151 e £200 semanais e parece sub-representar as que ganham
de £350 a £400 e de £450 a £500. Contudo, as diferenças são pequenas (no máximo
o viés potencial das informações de rendimentos dos homens resulta em um
excesso de 2% na categoria de £151 a £200 em comparação com o registrado pela
LFS). No caso das mulheres, há uma boa correspondência entre as duas fontes.
Portanto, pode-se concluir que as informações sobre rendimentos disponíveis na
BHPS não mostram vieses grandes e significativos em relação à principal fonte
de informações nacionais sobre rendimentos.
Rendimentos e Categorias de Qualificação
Algumas indicações da natureza da relação entre as quatro categorias de
qualificação e os rendimentos podem ser obtidas analisando a Figura_4. Para
elaborar esse gráfico de barras, as informações de salário mensal bruto da BHPS
foram classificadas em decis, sendo que o decil 1 representa as pessoas que se
situam nos 10% inferiores na distribuição de ganhos, e o decil 10 contém os 10%
superiores. Por definição, cada decil inclui 10% de todas as pessoas cuja
informação sobre rendimento mensal bruto habitual está disponível. Dentro de
cada decil, distinguem-se as quatro categorias de qualificação.
Vemos na figura que o grupo de ocupações "altamente qualificadas" predomina nos
30% superiores da distribuição de rendimentos. Já as "outras ocupações"
predominam nos 40% inferiores da distribuição. As intermediárias, manuais
qualificadas e não qualificadas, situam-se entre esses dois grupos em termos de
rendimentos.
Mobilidade dos Rendimentos, 1991-95
Um dos aspectos mais significativos das mudanças na distribuição de renda no
Reino Unido foi a ampliação das diferenças na distribuição no período pós-1979.
Goodman e Webb (1994) mostram que, entre 1979 e 1991, os 20% ' 30% de
domicílios mais pobres não foram beneficiados pelo crescimento econômico.
Comparações internacionais (Hills, 1995) mostram que poucos países
desenvolvidos experimentaram tal aumento da dispersão, com exceção dos EUA onde
aqueles que ganham menos receberam menos em termos reais do que os que estavam
no extremo inferior da distribuição de renda dez anos antes.
Várias razões estão por trás das mudanças na distribuição da renda familiar no
Reino Unido. Em parte, as rendas familiares no extremo inferior da distribuição
não conseguiram aumentar em termos reais devido ao número crescente de pessoas
que agora dependem de benefícios públicos (complementação de renda,
aposentadoria, auxílio a famílias uniparentais) que são reajustados de acordo
com os preços e não com os ganhos (DSS, 1993). Também é preciso levar em conta
a crescente polarização dos domicílios entre os "ricos de emprego" e os "pobres
de emprego" (Gregg e Wadsworth, 1994). Alguns analistas postulam que o aumento
do número de pessoas com qualificações de mais alto nível (ensino médio
completo e curso superior) e o adicional crescente atribuído à remuneração
dessas qualificações contribuiu para aumentar a dispersão das rendas familiares
(Gosling et alii, 1994; Schmitt, 1993). Embora esses fatores tenham
provavelmente contribuído para a ampliação da dispersão, o principal fator
associado a esse fenômeno é a ampliação das diferenças entre os rendimentos
familiares. Em seu estudo sobre as mudanças na dispersão dos rendimentos
masculinos, Gosling et alii (1994) mostraram que não houve praticamente mudança
alguma na posição relativa do decil superior em relação ao inferior entre 1966
e 1980. De 1980 a 1992, os rendimentos dentro do decil inferior permaneceram
quase estáticos em termos reais, enquanto o decil superior (e o mediano)
registraram um aumento real de quase 30%. Essa ampliação da dispersão dos
rendimentos pode estar relacionada com as mudanças ocupacionais mostradas na
seção anterior, já que o número de empregos na categoria "altamente
qualificados" continuou em expansão enquanto as ocupações manuais qualificadas
declinaram.
No exame da mobilidade ocupacional da seção "Qualificações e Mudança
Ocupacional", foi tomado cuidado para assegurar que as ocupações fossem
definidas em grupos suficientemente abrangentes para impedir que pequenos
movimentos entre grupos ocupacionais relacionados fossem tomados como
mobilidade ocupacional e, ainda assim, fossem suficientemente distintos para
fins analíticos. No estudo da mobilidade dos rendimentos, existe esse mesmo
problema de "limites". Os movimentos entre decis adjacentes podem ser devidos,
por exemplo, a ligeiras flutuações nos ganhos dos que registram rendimentos
próximos ao limite do decil. Como no caso das ocupações, essa mobilidade
irrelevante pode ser ignorada concentrando-se o exame em três grandes segmentos
da distribuição: os 30% superiores, os 20% médios e os 30% inferiores17.
Estabelecendo "zonas tampão" de 10% entre esses grupos, os movimentos de
entrada e saída dessas categorias não estão associados a flutuações
desprezíveis nos rendimentos, mas sim com alterações significativas dentro da
distribuição dos ganhos.
A Figura_5 mostra o padrão de mobilidade dos rendimentos entre essas categorias
no período de 1991 a 1995 segundo o BHPS. O primeiro ponto a observar na figura
é que o hiato entre os que estão no topo da distribuição e os 30% que estão em
sua base não continuou aumentando como ocorrera entre 1980 e 1991. A razão
entre os ganhos médios dos 30% superiores e dos 30% inferiores manteve-se entre
7,4 em 1991 e 6,9 em 1995. Embora possa ser muito cedo ainda para concluir que
a distribuição dos ganhos tenha começado a se estreitar, parece que ela já se
estabilizou em comparação com as mudanças ocorridas na década de 80.
Outro aspecto interessante dos padrões de mobilidade dos rendimentos mostrados
na Figura_5 é a relativa estabilidade nos fluxos entre estas três "porções"
principais da distribuição de ganhos. Os movimentos entre os 30% do topo e os
30% da base são muito pequenos e praticamente os mesmos em cada direção.
Aproximadamente 2% de todas as pessoas empregadas se deslocam para cima e
outros 2% descem a cada ano. De modo semelhante, os movimentos entre os 30%
superiores e os 20% médios, e entre estes e os 30% inferiores são relativamente
pequenos e estáveis de um ano para outro. Entre 4% e 6% das pessoas de cada
grupo deslocam-se anualmente para a seção adjacente da distribuição. A Figura_5
também revela as diferenças entre essas categorias em termos de movimentos de
entrada e saída da situação de emprego a cada ano. No caso das pessoas situadas
nos 30% superiores da distribuição, de 8% a 10% entraram aí vindos do não-
emprego no ano anterior, enquanto 12% a 14% ficam desempregadas. No outro
extremo da distribuição, observa-se uma significativa movimentação entre
emprego e não-emprego. De 23% a 27% passam do não-emprego para o emprego a cada
ano, enquanto entre 22% e 27% percorrem o caminho inverso, corroborando
verificações semelhantes de outros estudos (Jarvis e Jenkins, 1996; Ramos,
1996; Stewart e Swaffield, 1997).
Mobilidade Líquida das Qualificações e Mudanças nos Rendimentos, 1991-95
Na seção anterior, mostramos que um número pequeno mas significativo de pessoas
sofreram mudanças substanciais na ocupação no período de 1991 a 1995, e, em
conseqüência, subiram ou desceram na hierarquia ocupacional. Esta seção examina
os resultados dessas alterações em termos das mudanças associadas nos
rendimentos. A fazê-lo, respondemos às seguintes perguntas:
A mobilidade ascendente das qualificações está associada a um
aumento dos rendimentos, e vice-versa?
As dispensas conduzem à desqualificação uma descida na
classificação hierárquica de qualificações usada neste estudo?
Se as dispensas forem acompanhadas de desemprego, isso tem um
efeito mais significativo sobre os rendimentos e as qualificações do
que demissões não seguidas de uma fase de desemprego?
Que outros fatores influenciam a mobilidade das qualificações e as
alterações nos rendimentos em particular, há diferenças entre
homens e mulheres e entre diferentes grupos etários da população?
Mobilidade líquida das qualificações
Nem todas as pessoas entrevistadas pela BHPS estão presentes na força de
trabalho a cada ano. Algumas não estavam empregadas na época da pesquisa,
outras podem não ter ainda entrado na força de trabalho (caso dos jovens que
estudam em tempo integral), outras podem ter se aposentado e há as que
simplesmente preferiram não responder. Contudo, todos os informantes que
trabalharam por algum tempo nos anos entre os levantamentos foram convidados a
responder perguntas sobre os empregos tidos durante o ano, as razões para sair
deles (se cabível), as fases de desemprego e as de inatividade econômica.
Para analisar as mudanças nas qualificações, a primeira tarefa foi a elaboração
de indicadores de mobilidade líquida das qualificações no qüinqüênio abrangido
pela BHPS até, incluso, a rodada 5. Isto foi feito adiantandoa posição
ocupacional do ano anterior (3 = ocupações altamente qualificadas, 2 =
ocupações intermediárias e 1 = outras ocupações), quando faltavam informações
para algum ano e havia registro para o ano anterior, e atribuindo a posição
ocupacional do período anterior nos casos em que a informação faltava no
período mais atrasado, mas não nos anos seguintes. Levando em conta as
diferenças das histórias ocupacionais resultantes e somando as diferenças,
obtem-se uma medida da mobilidade líquida das qualificações de cada informante,
no período 1991 199518.
O Quadro_7 mostra a distribuição do indicador resultante de mudança líquida
segundo gêneros e grupos etários. As mulheres apresentaram menos mudanças do
que os homens no período, já os homens registraram maior mobilidade tanto no
sentido ascendente quanto no descendente. Em conjunto, tanto homens quanto
mulheres registram movimento ascendente dentro da hierarquia de qualificações.
O grupo etário dos 25 aos 34 anos também mostra a maior proporção de
informantes que registraram movimentos líquidos ascendentes na hierarquia de
qualificações no período, enquanto o grupo mais idoso revelou a menor
mobilidade.
Para ter alguma indicação dos efeitos separados de gênero e idade de vários
aspectos econômicos, como continuidade do emprego, desemprego e dispensas, o
indicador de mobilidade líquida das qualificações foi usado como variável
dependente em uma regressão de mínimos quadrados ordinários, com co-variáveis
que incluíram um conjunto de variáveis binárias representando o grupo etário do
informante (definido pela idade registrada em 1991), gênero, número de fases de
desemprego sofridas pelo informante durante o período 1991-95, quantas vezes
foi dispensado19, quantidade de vezes em que essas dispensas foram acompanhadas
por uma fase de desemprego no mesmo ano, número de fases em que o informante
esteve fora da força de trabalho e o número de empregos no período (onde um
emprego é definido como mudança de empregador ou uma alteração significativa do
tipo de trabalho feito para o mesmo empregador).
O Quadro_A1 do Apêndice mostra o resultado dessa análise. Embora o poder
explicativo total dessa regressão seja baixo (R2= 0,091), o grande tamanho da
amostra permite identificar algumas relações estatísticas significativas. Em
especial, os efeitos da idade sobre a mobilidade líquida das qualificações
mostram-se fortes. Os informantes jovens têm muito mais probabilidade de
registrar um aumento líquido da qualificação, em parte porque os trabalhadores
mais velhos têm menos oportunidades de aprimoramento ocupacional, mas também
porque se verifica um movimento descendente líquido dentro da hierarquia de
qualificação para os trabalhadores com 45 anos e mais. Uma variável binária
separada para gênero mostra que não parece haver grandes diferenças entre
homens e mulheres em termos de sua movimentação ocupacional líquida ascendente
ou descendente dentro da hierarquia das qualificações no período 1991-95.
Nessa regressão, foram incluídas algumas variáveis que representam o histórico
de trabalho das pessoas no período em pauta. Os informantes foram enquadrados
nas categorias "nunca esteve economicamente inativo" no período 1991-95 (isto
é, seu histórico mostra que sempre estiveram no mercado de trabalho) e
"continuamente empregado" (nunca sofreram uma interrupção devida ou ao
desemprego ou a inatividade econômica no período analisado). Nenhuma dessas
variáveis apresentou uma associação estatística significativa como o movimento
líquido das qualificações. O número de dispensas que o informante registrou no
período 1991-95 foi incluído como uma variável de contagem. Verifica-se que
isso teve um significativo impacto descendente na mobilidade ocupacional
líquida. O número total de fases de desemprego registrada pelo informante e uma
variável que representa as fases que se seguem a uma dispensa não se mostraram
estatisticamente significativos. Como já foi observado, os efeitos da idade nos
movimentos ocupacionais líquidos descendentes tornam-se significativos depois
dos 45 anos e são fortes na faixa de mais de 55 anos.
Esses resultados indicam que não é o desemprego per se que resulta em um
movimento ocupacional descendente, mas que as dispensas exercem poderosa
influência descendente, quer o informante registre ou não uma fase de
desemprego a seguir ou uma fase de desemprego por outras razões.
Movimentos líquidos dos rendimentos, 1991-95
Seguindo os mesmos métodos adotados para a análise da mobilidade das
qualificações, foi definida a movimentação líquida entre decis da distribuição
de rendimentos no período 1991-95 para um conjunto de 8.360 pessoas. Como foi
mencionado na seção "Mobilidade dos Rendimentos, 1991-95", pode haver grande
movimentação ascendente e descendente dentro dos limites dos decis que não
resultam em mobilidade líquida dos rendimentos. Contudo, a Figura_6 mostra que
um número significativo dos informantes que registraram ter auferido algum
rendimento no período 1991-95 mostra uma movimentação líquida entre dois ou
mais decis nesse qüinqüênio (aproximadamente 13% registraram um movimento
ascendente de dois decis e mais, e 9% registraram o movimento inverso). A
movimentação líquida total dos informantes nos cinco anos é ascendente, tanto
no caso de homens quanto no de mulheres, refletindo o fato de que o movimento
descendente dos rendimentos na proximidade do fim da vida de trabalho é menos
significativo que o ascendente nos primeiros anos (Elias e Gregory, 1994).
Empregaram-se novamente técnicas de regressão para determinar os efeitos
isolados do histórico de trabalho, idade e gênero sobre a mobilidade dos
rendimentos. Os resultados apresentados no Quadro_A2 do Apêndice mostram que o
emprego continuado tem uma influência ascendente sobre a mobilidade dos
rendimentos. As influências negativas estão associadas à idade, com a bem
documentada influência descendente da idade sobre os rendimentos evidenciada
pelas crescentes magnitude e significância dos coeficientes associados aos
grupos etários mais altos (idem). O número de dispensas registradas por pessoa
tem um efeito descendente muito forte sobre os ganhos, enquanto as fases de
desemprego, levado em conta o impacto das dispensas, mostram um efeito apenas
marginal.
Mobilidade das qualificações e mudanças nos rendimentos
Até aqui analisamos a mobilidade da ocupação e dos rendimentos como fenômenos
distintos. Contudo, está claro, como mostramos na seção "Rendimentos e
Categorias de qualificação", que os movimentos ocupacionais podem redundar em
grandes variações nos ganhos, especialmente quando esses movimentos atravessam
os limites da classificação ampla de ocupações utilizada neste estudo. A
relação entre mudança nas qualificações (movimento líquido ascendente ou
descendente ao longo dos três patamares da hierarquia de qualificações) e a
mobilidade dos rendimentos são examinadas adicionando a variável que define a
movimentação líquida de qualificações no período 1991-95 ao conjunto de
regressores mostrados no Quadro_A2 do Apêndice.
Os resultados apresentados no Quadro_A3 do Apêndice indicam uma associação
forte e positiva entre movimentos ascendentes das qualificações e mobilidade
ascendente dos rendimentos. É interessante observar que a ocorrência de
dispensas ainda mostra um efeito forte e negativo sobre os rendimentos mesmo
que o impacto de qualquer desqualificação devesse ser captado pela variável que
representa a mobilidade líquida das qualificações. Esse resultado indica que as
dispensas levam a uma desqualificação que provoca uma mobilidade descendente
dos rendimentos, mas que a redução dos ganhos vai além daquela associada ao
efeito de desqualificação.
TREINAMENTO, DISPENSAS, DESQUALIFICAÇÃO E REQUALIFICAÇÃO
O provimento de treinamento relacionado ao trabalho é muitas vezes apresentado
como um mecanismo que pode auxiliar na reinserção dos que perderam seus cargos
por dispensas, ou facilitar a mobilidade de pessoas para e em áreas em que o
emprego se expande20. Contudo, o conhecimento dos impactos, no médio e no longo
prazo, do treinamento, em termos de sua capacidade de promover a permanência
nos empregos ou de facilitar a ida para empregos mais produtivos, é limitado.
Arulampalam et alii (1997a) mostram que há uma relação positiva entre
treinamento oferecido pelo empregador e os subseqüentes aumentos nos
rendimentos, com base em uma análise dos dados sobre históricos de ganhos,
emprego e treinamento de homens de 23 a 33 anos. Contudo, existem poucas
indicações sobre o papel desempenhado pelo treinamento relacionado ao trabalho
no reemprego de trabalhadores dispensados.
Embora as evidências sobre os efeitos de longo prazo do treinamento sejam
poucas, há muitas informações sobre a ocorrência, a intensidade e a duração do
treinamento. Vários estudos21 mostraram que o treinamento relacionado ao
trabalho tende a estar associado a ocupações de nível mais alto, funcionalismo
público e empregos nos setores de finanças e negócios. Além disso, a maior
parte do treinamento, que tem duração relativamente curta, com exceção dos
postos de aprendizes, tem lugar nos dois primeiros anos a partir da contratação
e é muito mais comum entre os jovens.
Parece razoável pressupor que os dispensados são os que têm maior necessidade
de treinamento relacionado ao trabalho e, como têm maior probabilidade de ter
sido contratados há pouco tempo na fase posterior à dispensa, é muito mais
provável que tenham recebido esse treinamento. Esta seção examina as
informações da BHPS relativas à distribuição do treinamento relacionado ao
trabalho, compara a tendência da incidência do treinamento com os dados
existentes na LFS e distingue o treinamento dado aos que foram dispensados e
aos que não o foram. Finalmente, o impacto do treinamento na mobilidade das
qualificações e na evolução dos rendimentos líquidos é examinado, estudando-se
o efeito dos indicadores de treinamento dentro do marco de referência formulado
na seção anterior.
Treinamento Relacionado ao Trabalho na BHPS e na LFS
As informações sobre o treinamento relacionado ao trabalho da BHPS são
coletadas como parte dos históricos de emprego das rodadas da pesquisa, por
meio da pergunta: "Participou, desde 1º de setembro do ano passado, de algum
curso ou treinamento? Inclua programas de treinamento do governo, cursos da
universidade aberta, cursos por correspondência e treinamentos no local de
trabalho".
A distribuição de respostas a essa pergunta, em cada rodada da British
Household Panel Study, segundo categorias ocupacionais, é apresentada no Quadro
8. No conjunto de todas as ocupações, a incidência do treinamento cai no
período de 1990-93, voltando a subir ligeiramente em 1994-95.
As tendências registradas da incidência de treinamento medidas na LFS
apresentaram problemas metodológicos. Um exame pormenorizado e tendências
corrigidas das informações da LFS podem ser encontradas em Arulampalam et alii
(1997b). No total, aproximadamente 15% dos empregados que responderam à LFS na
faixa dos 16 aos 64 anos informaram ter recebido treinamento relacionado ao
trabalho nas quatro semanas que antecederam a entrevista. Em vista disso, taxas
anuais de 33% a 40% poderiam parecer baixas. Contudo, o treinamento é uma
ocorrência de curta duração, sujeita a significativos erros de memória. Além
disso, o treinamento tende a concentrar-se em determinados grupos de
trabalhadores, sendo que alguns deles registram mais de uma dessas ocorrências
no ano. Portanto, não seria de todo desarrazoado pressupor que as informações
da BHPS relativas ao treinamento relacionado ao trabalho refletem uma
incidência de treinamento coerente com os dados da LFS.
Treinamento e Dispensas
As informações sobre o treinamento relacionado ao trabalho da BHPS são
coletadas em dois estágios. Primeiro, os trabalhadores empregados que respondem
a pesquisa informam sobre ocorrências de formação/treinamentos relacionadas ao
trabalho que tiveram lugar no ano anterior à pesquisa e que se referem ao
emprego atual (aquele em que estão no momento da entrevista). Segundo, pede-se
a todos os informantes que mencionem o treinamento relativo ao trabalho que
tenha estado ligado a outros empregos tidos no mesmo período. Essa divisão
permite distinguir a incidência de treinamento no emprego imediatamente
posterior às dispensas, no caso dos trabalhadores que tenham conseguido outro
emprego no momento da entrevista. Embora a comparação com os trabalhadores que
não foram dispensados22 seja dificultada porque os dois grupos têm diferentes
permanências no emprego, as comparações apresentadas no Quadro_9 indicam a
medida em que o treinamento é oferecido a trabalhadores que voltam a se
empregar após as dispensas.
A incidência de treinamento entre trabalhadores que conseguiram se reinserir no
mesmo ano em que foram demitidos é, em geral, baixa. A proporção de treinamento
recebido é de aproximadamente um terço da verificada entre os trabalhadores que
não foram dispensados. A pequena base de alguns desses percentuais torna
difícil determinar se a dispersão verificada nessas proporções é variação da
amostra ou não. Não obstante a isso, dado que os trabalhadores reempregados têm
uma permanência no emprego bem menor do que a de aqueles que não foram
dispensados a cada ano, as informações apresentadas no Quadro_9 indicam que os
trabalhadores reinseridos obtiveram uma quantidade significativa de treinamento
relacionado ao trabalho.
Treinamento e Mobilidade das Qualificações e dos Rendimentos
A relação entre treinamento, dispensas, mobilidade das qualificações e
rendimentos é aprofundada examinando-se a influência do treinamento dentro do
marco de referência desenvolvido na seção "Mobilidade líquida das qualificações
e mudanças nos rendimentos, 1991-95".
Elaboramos dois indicadores do recebimento de treinamento relacionado ao
trabalho com vistas a analisar o impacto do treinamento sobre a mobilidade dos
rendimentos. Primeiro, um indicador geral do recebimento de treinamento
relacionado ao trabalho mede se a pessoa recebeu, ou não, treinamento em algum
momento durante o período 1991-95. Segundo, no caso das pessoas que conseguiram
um novo emprego após qualquer dispensa em dado ano, foi elaborada uma variável
que mede se a pessoa recebeu, ou não, algum treinamento no emprego conseguido
logo após a dispensa.
Os resultados dessa análise aparecem no Quadro_A4 do Apêndice. O chamado
"indicador geral" de treinamento uma variável binária codificada como 1 se o
informante recebeu qualquer treinamento relacionado ao trabalho no período em
que fez parte da força de trabalho entre 1991 e 1995 está correlacionado com
movimentos líquidos ascendentes na distribuição de ganhos. O efeito é
encontrado depois de controlar quaisquer outras influências que pudessem estar
correlacionadas tanto ao treinamento quanto à variação dos rendimentos,
especialmente mudanças ocupacionais líquidas registradas no mesmo período. Em
outras palavras, os trabalhadores que recebem treinamento relacionado ao
trabalho têm mais possibilidade de registrar uma ascensão, em termos líquidos,
na distribuição de rendimentos. Não se verificou nenhuma associação
significativa entre "treinamento após dispensas" e mobilidade nos ganhos,
indicando que o treinamento não protege os trabalhadores dispensados das
conseqüências econômicas negativas no longo prazo decorrentes das dispensas.
SUMÁRIO
Este estudo utilizou o crescente acervo de informações sobre a dinâmica do
mercado de trabalho, obtido pela British Household Panel Study, que agora está
disponível. Com base nos dados das cinco rodadas do estudo realizado no período
1991-95, a pesquisa apresentada neste artigo examina quatro aspectos inter-
relacionados das mudanças na estrutura do mercado de trabalho britânico:
dispensas, desemprego, mobilidade ocupacional e variação dos rendimentos.
Foi tomado muito cuidado para assegurar que os dados do painel fossem, e
continuassem sendo, representativos da população britânica. Isso foi feito
comparando-se os dados do BHPS com informações semelhantes de diversas fontes,
como o Censo Demográfico de 1991 e a LFS de 1991 a 1995. Em termos dos
indicadores de estrutura ocupacional, rendimentos e fonte de informações sobre
as dispensas, verifica-se que os dados da BHPS replicam bem esses mesmos
indicadores estruturais do mercado de trabalho encontrados em outras fontes de
dados mais amplas.
O principal foco desta pesquisa são os impactos das dispensas no longo prazo '
definidos como perda involuntária de emprego por razões associadas às mudanças
nas circunstâncias econômicas do empregador. Diferentemente das demissões
voluntárias, as dispensas podem ser uma das ocorrências mais perturbadoras que
os trabalhadores enfrentam, mas muito pouco é conhecido sobre os impactos dessa
ocorrência no longo prazo. As taxas de dispensas aumentam nas recessões e
diminuem nos períodos de recuperação econômica. Durante a lenta recuperação que
se seguiu à recessão de 1990-91, o número anual de dispensas na Grã-Bretanha
caiu de cerca de 1,5 milhões para três quartos de milhão em 1994-95. Em relação
ao número de novos pedidos de benefícios-desemprego registrados a cada ano, os
trabalhadores dispensados representaram menos de um quarto de todos os pedidos
em 1991, caindo para cerca de 10% dos novos pedidos em 1994-95.
Para estudar as mudanças na estrutura ocupacional, utilizou-se uma
classificação de ocupações que tenta identificar grupos de ocupação que estão
em uma posição intermediária entre empregos que exigem um investimento
significativo em escolaridade, treinamento e/ou experiência de trabalho para se
alcançar a competência e aqueles para os quais os requisitos de escolaridade,
além dos anos de ensino obrigatórios, e de treinamento/experiência de trabalho
são de um ano ou menos. Esse grupo de ocupações, desenvolvido em um estudo
relacionado voltado à progressão das qualificações e ao treinamento, foi
subdividido entre aquelas que são ocupações manuais qualificadas tradicionais e
um grupo intermediário de atividades manuais não qualificadas. A lógica dessa
subdivisão torna-se clara quando se examina a evolução dessas categorias
ocupacionais no período de 1981 a 1995. Tanto no caso dos homens como no das
mulheres, a categoria de ocupações altamente qualificadas aumentou rapidamente
no decorrer de tempo, passando de cerca de 3% de todos os empregos entre 1981 e
1991, para quase a mesma coisa entre 1991 e 1995. Como proporção de todo o
emprego masculino ou feminino, a categoria de baixa qualificação caiu no
período nos dois casos. Este é, isoladamente, um resultado interessante, dado
que há uma opinião amplamente aceita segundo a qual está em curso um processo
de desqualificação na economia britânica e que o aumento dos empregos de baixa
qualificação, mal remunerados, contribuíram para a amplicação das diferenças na
distribuição de rendimentos no período posterior a 1979.
As ocupações intermediárias manuais qualificadas estão em contínuo declínio,
caindo de cerca de 2% de todos os empregados entre 1981 e 1991.
Surpreendentemente, a taxa de queda aumentou no período 1991-95, caindo mais
3,5 pontos percentuais. No caso das ocupações intermediárias manuais não
qualificadas, ocorreu o inverso, verificando-se no período 1981-91 um aumento,
no caso de homens e mulheres, e uma fase de estabilidade de 1991 a 1995.
Essas mudanças ocorrem de várias formas. No caso do grupo de ocupações
"altamente qualificadas" (postos gerenciais de alto nível e ocupações que
exigem curso superior), o crescimento foi alcançado por meio de uma queda no
número de trabalhadores que saem dessa categoria para outros grupos
ocupacionais. Quanto ao grupo de ocupações "intermediárias manuais não
qualificadas", a estabilidade no período 1991-95 oculta uma considerável
mobilidade de entrada e saída desse grupo. Aproximadamente 10% de todos os
trabalhadores dessa categoria passam para o grupo altamente qualificado a cada
ano, e uma proporção semelhante vai para as "outras ocupações" que requerem
menos qualificação, sendo que esses fluxos são substituídos por trabalhadores
que se movem em direção oposta. No caso de ocupações intermediárias manuais
qualificadas, a queda parece ser devida principalmente a um fluxo líquido de
trabalhadores que passam para a situação de não-emprego e por outros que passam
a categoria de "outras ocupações" menos qualificadas.
As relações entre dispensas, desqualificação potencial e desemprego são
aprofundadas acompanhando-se o status anterior e posterior à demissão no
período 1991-92. A maioria dos que formam este grupo estava empregada em
ocupações intermediárias manuais qualificadas e em "outras", no início do
período. Subsequentemente, até 1995, 40% a 50% dos informantes declararam não
ter emprego à época de cada rodada. Durante um período de dois anos após as
dispensas, a ocorrência de desemprego é também muito mais elevada do que antes
das dispensas. Parece, então, que aqueles que foram dispensados podem estar
concorrendo ao reemprego com outros candidatos mais jovens e possivelmente
melhor qualificados, sendo muitas vezes exacerbado pelo fato de os
trabalhadores dispensados terem qualificações e experiência de trabalho que não
são, quase por definição, escassas.
Embora seja possível antecipar as dificuldades para a reinserção dos
trabalhadores dispensados no mercado de trabalho, esse exame não revela toda a
extensão do impacto subseqüente das dispensas no status ocupacional e nos
rendimentos. Para tanto, utilizamos os registros das entrevistas de todos os
informantes da BHPS que já trabalharam cerca de 8.400 pessoas e os
examinamos buscando movimentos líquidos sistemáticos de subida e descida ao
longo da hierarquia de qualificações e de rendimentos. Com base nesses dados,
pode-se mostrar que não é tanto a ocorrência de desemprego que traz consigo a
desqualificação e a queda de rendimentos, mas sim as dispensas. Além disso,
verifica-se que esse tipo de demissão influencia negativamente os rendimentos
de maneira tanto direta quanto indireta a partir da desqualificação
subseqüente.
O papel desempenhado pelas dispensas nesse processo de mudança ocupacional foi
examinado com certa minúcia. Ser dispensado implica mais do que a mera perda de
um emprego. Quando os trabalhadores são dispensados, o que está em pauta é uma
redução na demanda de suas qualificações e de sua experiência. A reinserção,
como mostra este estudo, pode ocorrer quando se aceita trabalho alternativo a
salários inferiores aos ganhos de antes da dispensa. O trabalho apresenta
informações sobre a extensão da falta de trabalho, da desqualificação e da
redução dos rendimentos dos que passaram por dispensas. Esse tipo de
desligamento é o mais importante fator isolado associado à mobilidade
ocupacional líquida descendente no período 1991-95. Essa desqualificação não
apenas traz em sua esteira movimentos declinantes dos rendimentos, mas carrega
consigo um movimento de redução salarial subseqüente associado a essas
dispensas e à falta de qualquer mudança ocupacional relevante.
Finalmente, este estudo visou verificar a ocorrência ou a ausência de
evidências que sugiram como os piores impactos das dispensas poderiam ser
amenizados de alguma forma. Em particular, o treinamento relacionado ao
trabalho poderia auxiliar os trabalhadores afetados pelas dispensas a adquirir
novas qualificações e/ou modificar as já existentes. De modo coerente com
informações similares coletadas na LFS, os que responderam à BHPS relataram
vários casos de treinamento relacionado ao trabalho e se verificou que os que
recebem esse treinamento têm maior probabilidade de ascender na distribuição de
rendimentos. Contudo, esse resultado talvez apenas confirme o que já se sabe
sobre o treinamento relacionado ao trabalho que ele tende a concentrar-se em
áreas em que existe algum tipo de estrutura de carreira e atingem
principalmente os trabalhadores jovens. Para aprofundar essa análise, o estudo
investigou os trabalhadores dispensados que receberam treinamento no emprego
seguinte à demissão, tratando de ver se esse treinamento contribuiu para que os
reempregados fugissem ao impacto negativo sobre a sua posição dentro da escala
de rendimentos associada a esse tipo de demissão. Não foram encontradas
indicações que sugerissem que esse treinamento pudesse melhorar as perspectivas
de trabalho das pessoas afetadas ou até amenizar os piores efeitos das
dispensas.
Os resultados desta pesquisa são especialmente preocupantes para os que estão
envolvidos com as implicações, em termos de políticas públicas, da
reestruturação do mercado de trabalho. Se o período pesquisado tivesse sido um
de entrada na recessão, os impactos negativos observados não teriam sido muito
surpreendentes. Mas trata-se de um período de recuperação econômica lenta e
sustentada. A "reestruturação" do mercado de trabalho é um processo que não se
limita às recessões. O crescimento sustenta-se no segmento "altamente
qualificado" do mercado de trabalho e observa-se a continuação da queda no
emprego das atividades pouco qualificadas, apesar do contínuo aumento no
emprego de mulheres em ocupações de tempo parcial. No mercado de trabalho
britânico, essas tendências, embora não bem reconhecidas, são parte do
movimento de mais longo prazo em favor de empregos de mais alto nível. Contudo,
entre esses dois polos há um grupo de ocupações denominadas intermediárias,
muitas vezes consideradas como uma "passagem" entre os empregos de baixa
qualificação e os de nível mais alto. Subdividindo esse segmento em ocupações
manuais qualificadas e não qualificadas, mostramos que as ocupações
qualificadas tradicionais registram um estágio de continuado declínio que
possivelmente se acelera. Embora em todos os segmentos ocupacionais se
verifiquem dispensas, esse grupo registra as mais altas taxas de dispensas e de
desemprego em comparação com os segmentos de alta qualificação e de atividades
intermediárias manuais qualificadas. Em termos de capacidade de propiciar
progressão das qualificações, as ocupações intermediárias manuais qualificadas
parecem ter poucas chances.
Talvez o resultado mais surpreendente seja relativo à situação que se segue às
dispensas. Os impactos sobre os que passaram por esse processo são negativos e
de efeitos duradouros. Entre esses efeitos, podemos citar redução nos
rendimentos, desqualificação, desemprego e subseqüente instabilidade no mercado
de trabalho. Na definição de um grupo a ser focalizado nas intervenções no
mercado de trabalho, basta olhar para os que foram dispensados.
NOTAS
1. Pessoas continuamente desempregadas há 12 meses ou mais.
2. A queda de 7% na produção industrial, registrada na década de 90, indicava a
recessão mais aguda e profunda no mercado de trabalho do Reino Unido desde
1979.
3. Outras formas de ajustamento incluem restrições à realização de horas-extra,
redução da jornada de trabalho, suspensão temporária do contrato de trabalho,
ajustamentos no processo de recrutamento, congelamento das remunerações ou
cortes no entesouramento de mão-de-obra.
4. A lista de razões dentre as quais os informantes selecionam sua resposta é a
seguinte: "parei de trabalhar por motivo de saúde; achei um emprego melhor;
aposentadoria; maternidade; fui dispensado; fui demitido/mandado embora; para
cuidar das crianças/do lar; outros motivos; fui promovido; fim do prazo de um
contrato temporário; tive que deixar o emprego para cuidar de outra pessoa (não
filhos)".
5. Em Potter (1990) encontra-se um exame da sazonalidade nas séries trimestrais
de dados sobre dispensas da LFS e pormenores do método de construção de uma
série anualizada.
6. Os dados anuais da LFS registram um pico das dispensas nos três meses
anteriores segundo trimestre de 1991, com 391 mil dispensas.
7. Se a amostra da BHPS fosse uma amostra aleatória simples, o intervalo de
confiança de 95% para o percentual de dispensas registradas seria de ± 106
pontos percentuais. Efeitos do desenho da amostra ampliam esse intervalo.
8. Esta é uma definição bastante ampla do desemprego "relacionado à despedida"
(redundancy related), decorrente do fato de que os acontecimentos imediatamente
posteriores à dispensa podem não refletir adequadamente seus efeitos,
especialmente quando os trabalhadores dispensados dão um tempo antes de começar
a procurar emprego ou em casos em que um emprego de prazo limitado muito curto
é aceito logo após o desligamento.
9. Medido como a entrada na situação de requerente de benefícios.
10. Por exemplo, Merseyde, o Nordeste, Strathclyde.
11. Esta metodologia empregada por Jacobson, Lalonde e Sullivan (1993) pode
acabar por subestimar o efeito das dispensas, dado que se apóia em informações
relativas a despensas e o subseqüente novo emprego de funcionários de uma
empresa em uma localização específica.
12. Office for Population Censuses and Survey (1990).
13. Uma descrição da evolução destes agrupamentos, da mobilidade entre eles nos
períodos de 1976-83 e de 1983-94 e da auto-avaliação sobre competências na
leitura, espreita, fala, uso de ferramentas, construção, computação,
atendimento, orientação, aconselhamento, venda e organização de pessoas
integrantes desses grupos é encontrada em Elias e Bynner (1996).
14. Destas três fontes, a BHPS é a que tem a menor amostra. A maior diferença
observada entre a BHPS e as outras estimativas de estrutura de qualificação da
população empregada é de 1,4%, dentro dos limites de um intervalo de confiança
de 95% para a proporção estimada.
15. Em outras palavras, a entrada na área ocupacional daqueles vindos do setor
educacional pode ser menor que a saída associada às aposentadorias.
16. As informações sobre rendimentos são coletadas apenas entre os que estão
saindo da rotação dos cinco períodos trimestrais de rotação previstos no
desenho da amostra da LFS. Os dados para o terceiro trimestre de 1995
compreendem 4.202 empregados e 4.476 empregadas que forneceram as informações
sobre rendimentos. Isso é comparado às informações de 2.673 homens e 2.552
mulheres empregados que forneceram dados para a rodada 3 da BHPS, em setembro
de 1995.
17. O interesse dos 30% inferiores da distribuição de rendimentos decorre de
ser esse o chamado "limiar da decência" (decency threshold) definido pelo
Conselho Europeu.
18. Um exemplo será esclarecedor. Imagine quatro trabalhadores com os seguintes
históricos ocupacionais.
Transferindo para a frente a posição ocupacional do ano anterior e levando para
trás a posição do ano seguinte teremos:
A mobilidade líquida é calculada diferenciando as mudanças resultantes de ano
para ano e somando as diferenças.
19. No período 1991-95, 2,338 (26.8%) dos 8,710 informantes da BHPS que
estiveram no mercado de trabalho por algum tempo registraram fases de
desemprego. Desses 657, 7,59% informaram ter sido dispensados pelo menos uma
vez no mesmo período. A distribuição cross distribution dessas fases é
apresentada abaixo.
20. Ver, por exemplo, Britton (1997:45-46).
21. Em Arulampalam et alii encontra-se uma revisão.
22. Os trabalhadores que estão empregados na época de cada entrevista e que não
informaram ter sido dispensados nos anos anteriores.