A inspeção do trabalho no Brasil
INTRODUÇÃO
A avaliação do efeito das instituições trabalhistas sobre o funcionamento dos
mercados de trabalho e da economia como um todo ganhou importância renovada nos
últimos dez ou quinze anos na América Latina. Uma visão em particular tornou-se
hegemônica entre nós, recomendando políticas invariavelmente favoráveis à
flexibilização das leis trabalhistas, com o propósito de reativar o crescimento
econômico, aumentar a produtividade das empresas e a competitividade dos países
latino-americanos e, dessa maneira, facilitar sua adaptação às exigências da
globalização. No entanto, a experiência indica que os resultados alcançados
através dessas políticas foram muito diversos e, em vários casos, distantes dos
objetivos originalmente almejados1. Além disso, mudanças semelhantes tiveram,
muitas vezes, efeitos distintos e provocaram resultados não antecipados, entre
outras razões, por não considerarem a natureza complexa das instituições do
mercado de trabalho. Por não considerarem, também, que essas instituições não
podem ser analisadas de maneira isolada (descuidando de sua articulação
interna, suas funções ambivalentes e os graus reais de cumprimento das leis
trabalhistas), sendo o resultado da combinação de um conjunto de fatores
históricos e culturais que não se transferem facilmente de um país para outro.
Esses fatores quase nunca são considerados na hora de se recomendar políticas
uniformes para distintos países.
Um dos aspectos negligenciados pela literatura a respeito dos efeitos da
regulação trabalhista sobre a eficiência dos mercados de trabalho é o grau de
efetividade da lei, isto é, sua vigência real no cotidiano das relações de
trabalho3. Mesmo estudos econométricos mais sofisticados, que levam em conta
efeitos de interação entre instituições reguladoras do mercado de trabalho na
explicação de sua dinâmica ' como os de Belot e Ours (2001; 2004), deixam de
lado essa questão central que é a obediência ou não à lei. Por outras palavras,
o sistema de regulação do trabalho de determinado país pode ser muito detalhado
e rígido em termos formais, mas muito flexível na prática, simplesmente porque
os empregadores podem escolher não cumprir o que a lei prescreve. Argumentamos
que o Brasil é um desses casos.
Desde que a Organização Internacional do Trabalho ' OIT editou, em 1947, sua
Convenção 81, regulando a inspeção do trabalho em países de tradição de
relações de trabalho reguladas por lei e não por contratos (como Brasil,
Argentina e México, por exemplo), a probabilidade de ser pego e sancionado por
descumprir a lei depende sobretudo do desenho dos sistemas nacionais de
inspeção e vigilância do trabalho4. No caso brasileiro, esse sistema inclui
três agentes principais: 1) o poder público, por meio do Ministério do Trabalho
e Emprego ' MTE, no exercício de seu poder fiscalizador; e do Ministério
Público do Trabalho, no manejo das ações civis públicas para defesa de
interesses coletivos; 2) os sindicatos de trabalhadores e entidades da
sociedade civil; 3) a Justiça do Trabalho, quando manda reparar lesão a
direitos trabalhistas.
O objetivo deste artigo é investigar a atividade do primeiro desses agentes, o
poder público, avaliando a eficiência (em termos dos meios empregados na
inspeção), a eficácia (tendo em vista os objetivos visados) e a efetividade (ou
o grau de abrangência) da ação fiscal. A pergunta a ser respondida aqui é
bastante direta: tendo em vista que a efetividade da legislação trabalhista
depende, como veremos, do efeito de interação entre o montante das sanções e a
probabilidade do empregador ser apanhado burlando a lei; e tendo em vista que a
efetividade da lei é aspecto decisivo para a real mensuração dos custos
trabalhistas de um país; em que medida o sistema de inspeção do trabalho no
Brasil está desenhado para cumprir seu objetivo, que é o de fazer cumprir a
lei? Para responder a esta pergunta, apresentamos, primeiro, a estrutura de
oportunidades enfrentada por empresários diante da alternativa de cumprir ou
não a lei. As sanções por não-cumprimento também são analisadas. Em seguida,
construímos um breve histórico do sistema brasileiro de inspeção do trabalho.
Na terceira seção, descrevemos o sistema em detalhe, mostrando a estrutura
responsável pela inspeção, suas prerrogativas e poderes. A quarta seção trata
dos resultados materiais do funcionamento do sistema, isto é, avalia-se sua
eficácia, eficiência e efetividade. Na conclusão, resumimos os achados,
mostrando que o sistema vem melhorando, mas que não cumpre inteiramente o
objetivo maior que talvez lhe coubesse: reduzir a taxa de ilegalidade das
relações de trabalho no país, aumentando o número de empresas e trabalhadores
incluídos no mundo do trabalho regulado.
CUSTOS DE CUMPRIR OU NÃO A LEI TRABALHISTA
Do ponto de vista estrito da gestão de uma empresa, cumprir ou não a legislação
trabalhista é uma decisão racional de custo-benefício do empreendedor
individual. Se o empregador considerar que os custos trabalhistas são muito
altos, ele pode decidir correr o risco de não pagá-los. Essa decisão leva em
conta uma síndrome de condicionantes. O risco, obviamente, é uma função direta
da probabilidade de ele ser apanhado burlando a lei e da sanção (ou os custos
econômicos e por vezes pessoais) que lhe será aplicada por não-cumprimento. A
estrutura (simplificada) de oportunidades pode ser apreendida pelo quadro
abaixo. Na linha encontra-se o risco de o empregador ser apanhado burlando a
lei e de ser efetivamente sancionado (risco alto ou baixo). Na coluna, o
montante relativo (tendo em vista os custos de não se cumprir a lei) da pena
que lhe será aplicada (também alto ou baixo).
Da combinação dessas possibilidades temos quatro resultados típicos: 1) o
empregador cumpre a lei, porque a sanção é considerada alta o suficiente para
tornar racional evitá-la, e o risco de ser pego e punido é também alto o
suficiente para ser crível (digamos, significativamente superior a 50%); 2) o
empregador não cumpre a lei porque, embora a sanção por não cumprir seja alta,
a probabilidade de ser apanhado é muito baixa, por exemplo, significativamente
inferior a 50%; 3) se o risco de ser pego é alto, mas a sanção é considerada
pequena o bastante para tornar racional sofrê-la em lugar de incorrer nos
custos trabalhistas, a lei não será cumprida; 4) finalmente, se a sanção for
baixa e o risco de ser pego também, a lei tampouco será cumprida.
Note-se que, nesse quadro, os custos trabalhistas estão pressupostos no
montante relativo da sanção. Ainda do ponto de vista da gestão do negócio, a
sanção é alta ou baixa por comparação com os custos monetários de se cumprir a
lei. A estrutura de oportunidades descrita acima só faz sentido, pois, em uma
situação em que os custos trabalhistas são considerados suficientemente altos
tendo em vista a planilha de custos e lucros projetados da empresa, em uma
situação de competição de mercado em que as outras empresas encaram a mesma
estrutura de oportunidades.
Esse quadro esquemático é útil sobretudo por mostrar que a estratégia dominante
é o não-cumprimento da legislação. Empresários racionais defrontados com custos
do trabalho considerados suficientemente altos tenderão a não assumi-los a
menos que as sanções sejam maiores do que esse custo e que a probabilidade de
ser pego e sancionado seja suficientemente crível. Qualquer outra combinação de
fatores será um incentivo ao não-cumprimento da lei. Logo, a variável decisiva
aqui é o efeito de interação entre o custo de não cumprir e a probabilidade de
ser apanhado e punido. A literatura que trata da relação entre custos
trabalhistas e dinâmica dos mercados de trabalho negligencia esse aspecto
central para as estratégias empresariais que é a efetividade da lei, resultante
de uma estrutura de oportunidades onde a probabilidade de ser pego por não
cumpri-la é decisiva.
Mas quanto custa não cumprir a lei no Brasil? Entre nós, a rede de proteção
legal ao trabalhador compõe-se de mecanismos diversos e complementares, que
podem ser acionados em diferentes momentos da relação empregatícia. Assim, uma
primeira instância de controle é estabelecida na relação empregador/empregado,
considerado isoladamente. Neste caso, o empregado é o próprio "agente
fiscalizador", que vai apontar a inadimplência do empregador (atraso,
adiamento, ou sonegação de contraprestações que lhe são devidas). Exemplos
dessa situação são o pagamento em dobro das férias não-concedidas no prazo
assinalado; pagamento em dobro do trabalho em dia de repouso; aumento de 50%
sobre o valor da hora normal, quando do trabalho em intervalo destinado ao
repouso; 50% de acréscimo no valor das verbas incontroversas5, quando estas não
são pagas na primeira audiência do processo trabalhista; um salário de multa no
caso de pagamento das verbas rescisórias fora do prazo assinalado. Estas
prestações geralmente são exigidas por ocasião da reclamação trabalhista,
estando o trabalhador, quase sempre, demitido.
A fiscalização institucional a cargo do Ministério do Trabalho, analisada em
seguida, detém competência para instrução, lavratura de auto de infração e
aplicação de multas às empresas faltosas. A Consolidação das Leis do Trabalho '
CLT, no mesmo capítulo que define direitos e deveres de empregados e
empregadores, prevê as penalidades a serem aplicadas em caso de descumprimento
dessas regras. Essa atividade fiscal possui natureza de Direito Administrativo
e se constitui, portanto, em Direito Público. O valor das multas, que é fixado
unitariamente, deve ser multiplicado pelo número de empregados em situação
irregular, e aumenta, quando há reincidência. O Quadro_2 apresenta o montante
das multas em aspectos selecionados das relações contratuais.
No caso da jornada de trabalho, por exemplo, uma empresa com até dez empregados
que esteja descumprindo o teto de oito horas diárias (para um ou mais de seus
empregados), será multada em R$ 2.700,00. Se, além disso, estiver burlando a
legislação de horas extras, receberá outra multa no mesmo montante e assim por
diante. Se reincidente, as multas dobram. Há ainda condutas tipificadas como
infrações penais, a exemplo do crime de falsidade, relativo a declarações (pelo
empregado) ou anotações (pelo empregador) fraudulentas na carteira de
trabalho6. É de senso comum nos meios judiciais e trabalhistas a idéia de que
as multas atendem ao princípio do razoável, sendo suficientes para inibir
condutas faltosas, sobretudo nas pequenas e médias empresas. A questão, como já
se disse, é saber qual a probabilidade do empregador ser apanhado caso resolva
descumprir a lei.
A sanção por não-cumprimento da legislação trabalhista pode vir de várias
fontes, não necessariamente do poder público. Nos novos modelos de gestão da
produção, por exemplo, em que a qualidade do produto final depende da
coordenação de várias empresas em uma cadeia produtiva, as empresas
contratantes podem exigir de suas contratadas a adesão a padrões de qualidade
(do tipo International Organization for Standardization ' ISO) que exigem
condições dignas de trabalho e, por vezes, remuneração7. Do mesmo modo,
empresas que operam no mercado internacional têm interesse em certificação de
qualidade, que tem efeitos por vezes positivos sobre as condições de trabalho.
Normas do mercado internacional também são um incentivo para se cumprir a lei.
Os governos impõem barreiras a produtos de países que exploram o trabalho
infantil ou escravo. Alegam dumpingsocial contra países que remuneram mal a
força de trabalho. Exigem atestados de adesão à legislação trabalhista para a
aceitação de empresas em concorrências públicas. Mais e mais distribuidores
(supermercados) estão adotando a norma de fair trade com países do Terceiro
Mundo, impondo barreiras brancas via relações preferenciais com países que
seguem as normas internacionais. Em alguns países, como o Brasil, grandes
empresas devem, por lei, manter sistemas de saúde e segurança no trabalho, além
de comissões de prevenção de acidentes. Por outro lado, os sindicatos também
podem ter papel decisivo no aumento dos custos de não se cumprir a lei. O
Ministério Público do Trabalho, quando ocorre ofensa a interesse coletivo dos
trabalhadores, tem competência para instaurar inquéritos administrativos e
firmar termos (e compromissos) de ajuste de conduta, que são documentos
executáveis. Esses incentivos, porém, quase sempre se voltam para nichos de
mercado, de difícil generalização para toda a economia. Em geral, incidem sobre
empresas de grande porte, com sindicalismo consolidado e penetração no mercado
internacional de produtos ou serviços. O principal agente da Inspeção do
Trabalho no Brasil é mesmo o Ministério do Trabalho, através das Delegacias
Regionais do Trabalho, que analisaremos na seção seguinte.
BREVÍSSIMO HISTÓRICO
Assim como o MTE, o sistema de vigilância e inspeção do trabalho no Brasil,
passou por diversas fases ao longo de sua história, cuja origem pode ser
delimitada em 1930, ano da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio ' MTIC pelo governo Getúlio Vargas. O próprio período varguista não
pode ser tomado como uma fase única, uma vez que, à regulação que foi aos
poucos sendo criada (ou modificada a partir da que já existia), se adicionou
muito lentamente o aparato de fiscalização e repressão ao trabalho ilegal e/ou
de incentivos para a adesão dos empresários à nova regulação.
A literatura sobre o tema é relativamente consensual ao mostrar, primeiro, a
resistência empresarial em adotar a legislação trabalhista instituída pouco a
pouco pelo governo Vargas8 e, em segundo lugar, a sempre resistente, porém
gradual, adesão do empresariado à regulação, em parte porque ela mostrar-se-ia
adequada à acumulação capitalista (Oliveira, 1972) e, em parte, por pressão dos
governos posteriores a 1950 (Vargas inclusive) até 1964, em razão de sua maior
permeabilidade às demandas sindicais.
O sistema de incentivos para a formalização das relações de trabalho
restringiu-se, quase sempre, a multas para os casos desviantes, aos quais se
chegava por denúncias dos trabalhadores e, mais ordinariamente, por meio de
visitas "incertas" por parte do poder público, isto é, os fiscais do Ministério
do Trabalho. Contudo, ainda sob a ditadura varguista, incentivos positivos não-
monetários foram oferecidos aos empregadores que aderissem à ordem corporativa
e à regulação do mercado de trabalho, como por exemplo a participação nos
mecanismos bipartite de formulação da política industrial, o acesso a
financiamento público e a preferência em concorrências públicas (Diniz e
Boschi, 1976)9.
O sistema de regulação do mercado de trabalho não caiu com Vargas, como é
sabido. Ao contrário, depois da promulgação da CLT em 1943, as normas de
ordenamento das relações entre capital e trabalho revelar-se-iam longevas e, em
certo sentido, pervasivas no mercado de trabalho urbano. É provável que,
naquelas atividades onde o trabalho regulado era exigido, relacionadas com o
emprego industrial urbano, a taxa de formalização das relações de trabalho
fosse bastante alta, e talvez tenha ultrapassado os 50% já em meados da década
de 1950 (Lobo, 2005).
A Convenção 81 da OIT, que regulamenta a inspeção do trabalho na indústria e no
comércio, foi aprovada em 1956 por meio de Decreto Legislativo, e promulgada em
junho de 1957 pelo presidente Juscelino Kubistchek através do Decreto nº
41.721. Contudo, a primeira regulamentação sistemática da atividade data de
1965, ano da edição do Decreto Presidencial nº 55.841, que instituiu o
Regulamento de Inspeção do Trabalho ' RIT10. Tudo indica que a edição desse
regulamento respondeu à necessidade dos governos militares estar em dia com as
convenções e determinações da OIT, que em 1947 editara sua Convenção 81. Não
por acaso, em 1971, o governo Garrastazu Médici denunciou a Convenção por meio
do Decreto Presidencial nº 68.796, que seria revogado apenas em novembro de
1987.
Com a democratização dos anos 1980, abre-se a possibilidade de pressão dos
agentes sociais sobre os mecanismos de inspeção. A Lei nº 7.347, de 1985,
autorizou o Ministério Público (entre outras entidades públicas e civis) a
manejar as ações civis públicas, forma de ação coletiva de tutela de direitos
coletivos e difusos. A Constituição de 1988 reforçou esse papel do Ministério
Público, o que abre, em tese, a possibilidade de intervenção mais eficaz dos
representantes de trabalhadores sobre suas próprias condições de trabalho. Os
termos de ajuste de conduta operam como uma transação, em que o agente público
ajusta com o agente privado a suspensão das autuações em troca do compromisso
de correção das irregularidades encontradas, em um certo prazo. Se não for
cumprido o compromisso, as multas previstas no termo são aplicadas, em um
processo mais rápido, já que os termos são títulos executivos. A eficácia dessa
via está por ser avaliada; por enquanto trabalhamos com o fato de que a
inspeção sempre se baseou nas multas como instrumento de pressão. Ora, o
recrudescimento do processo inflacionário depois de 1979 levou a uma rápida
corrosão dos valores das multas previstos na CLT, cuja correção dependia, como
ainda depende, dos humores do jogo parlamentar.
Nos anos 1990, a inspeção do trabalho voltou a ganhar centralidade. A principal
inovação no sistema veio com a tentativa de se instituir a negociação em
principal meio de solução de pendências decorrentes da inspeção do trabalho. Em
julho de 1999, o MTE baixou Instrução Normativa, revista em 2001,
regulamentando a constituição de "Mesas de Entendimento" para o caso de as
fiscalizações do trabalho não resultarem em reparo imediato por parte do
empregador. Essas Mesas devem ser chefiadas pelos chefes de fiscalização ou
pelos próprios auditores fiscais, por delegação daquele, e os auditores podem
convocar outros auditores para compor suas mesas. Podem convocar, também,
entidades sindicais dos agentes envolvidos, mas não estão obrigados a fazê-lo.
A instalação de uma Mesa de Entendimento deve ser comunicada ao Delegado
Regional do Trabalho. A Instrução fixa prazos para a duração das mesas e outros
procedimentos relevantes, porém dando liberdade de ação aos auditores fiscais
na condução dos trabalhos, desde que informado o delegado regional do trabalho.
Não se sabe, ainda, o impacto das mesas na eficácia do sistema, mas veremos que
as estatísticas agregadas de inspeção do trabalho não sofreram grandes mudanças
nos últimos anos, com exceção daquelas sobre recolhimento do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço ' FGTS.
O Desenho do Sistema
A estrutura atual do Ministério do Trabalho e Emprego pode ser apreendida
observando-se o organograma a seguir, que dá uma idéia do lugar da inspeção do
trabalho no conjunto de suas atividades. A Secretaria de Inspeção do Trabalho '
SIT é uma das quatro secretarias executivas subordinadas diretamente ao
gabinete do ministro. É, portanto, parte do segundo escalão burocrático do
governo federal, e seu ocupante é nomeado diretamente pelo ministro. Além
disso, trata-se de secretaria muito prestigiada e politicamente estratégica,
pois tem ramificações em todo o território nacional através das Delegacias
Regionais do Trabalho ' DRTs, situadas no Distrito Federal e em cada estado da
federação (27 ao todo), onde se dividem em subdelegacias (114 no país) e,
estas, em agências de atendimento (480 no total). Note-se que as DRTs estão
ligadas diretamente ao gabinete do ministro. São elas as responsáveis pela
execução das políticas formuladas no âmbito da SIT.
A Tabela_1 apresenta a evolução dos gastos do MTE nos últimos anos, bem como de
sua participação no Orçamento Geral da União ' OGU e no orçamento dos
ministérios em particular11. Tomando-se o orçamento da União como um todo, a
participação do MTE parece bastante acanhada, atingindo um máximo de 0,33% do
total em 2003, embora os dados para este ano ainda não estivessem totalmente
liquidados. Os dados também sugerem uma trajetória ascendente de participação a
partir de 1998, quando atingiu-se o ponto mais baixo de presença do MTE nos
gastos totais, de 0,14%. A participação no orçamento geral dos
ministériostambém foi muito pequena em termos relativos, com pico de 1,16% em
2003, ou 7% se considerarmos o Fundo de Amparo ao Trabalhador ' FAT. Note-se
que, com o FAT, o orçamento consolidado do MTE vem aumentando sua participação
relativa, que saltou de 5,8% para 7% em nove anos.
Na análise desses dados, é preciso considerar que, no OGU e no orçamento dos
ministérios, se encontra a Previdência Social, a qual consome, sozinha, perto
de metade do orçamento ministerial total e quase 14% do OGU. Sem contar a
Previdência, o MTE participava com cerca de 14% do orçamento dos ministérios em
2003, e estava em quarto lugar na dotação geral, aparecendo depois dos
ministérios da Previdência, da Saúde e da Defesa, estando na frente inclusive
do Ministério da Educação, com o qual alternou de posições algumas vezes nos
últimos anos12. Outro ponto a se levar em conta é o de que o FAT, embora seja
gerido por um conselho curador amplo, que inclui membros de outros ministérios,
além de representantes de capital e trabalho tem a maior parte de suas
políticas formuladas diretamente pelo MTE. Vale mencionar, dentre as mais
importantes, a política nacional de qualificação de mão-de-obra, um dos carros-
chefe da política de emprego do governo Fernando Henrique Cardoso, e o seguro-
desemprego, que consome o maior volume de recursos do FAT (Lemos, 2003).
Analisando mais detidamente o orçamento do MTE de 2003, desagregado por Unidade
Orçamentária e por função13, descobre-se que 38% dos recursos foram gastos com
pessoal, considerando-se os servidores ativos e os inativos. As atividades-fim,
ou seja, os gastos com investimentos propriamente ditos, não chegaram a 2% do
total. É claro que pagamento de pessoal contempla uma parte significativa das
atividades-fim, tal como a fiscalização do trabalho, já que esta implica a
atuação direta dos fiscais junto às empresas. Além disso, cerca de 32% dos
gastos com atividades-fim das secretarias couberam à SIT em 2003. Em 1995, esse
montante fora de 22%. Ou seja, nos últimos 8 anos, entre um quarto e um terço
dos gastos com investimentos voltaram-se diretamente para a atividade de
fiscalização. A inspeção do trabalho, pois, tem lugar de destaque no
organograma e nos gastos do MTE.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que compete à União organizar, manter
e executar a inspeção do trabalho. O Regulamento da Inspeção do Trabalho ' RIT
é hoje o Decreto nº 4.552, de dezembro de 2002, regulamentar da Lei nº 10.593,
do mesmo mês e ano. São normas recentes que reiteram o compromisso formal do
país com a fiscalização do trabalho, em conformidade à Convenção 81 da OIT. O
novo RIT firmou a terminologia "auditor fiscal do trabalho", em substituição a
"inspetor do trabalho", para indicar o agente da inspeção do trabalho. Uma das
mais importantes inovações deste regulamento é a ampliação da autonomia dos
auditores, alcançada por sua subordinação diretamente à autoridade nacional14.
Por fim, a CLT contém normas específicas sobre inspeção do trabalho, que estão
em plena vigência, dentre elas o valor das multas a se aplicar no caso de
irregularidades.
Ou seja, ainda que Organizações Não-Governamentais ' ONGs, sindicatos e outras
organizações da sociedade civil possam atuar como agentes de denúncias (Dal
Rosso, 1997), a inspeção do trabalho, tal como definida em lei, é atividade de
Estado vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego através da SIT. Esta
divide-se em dois departamentos: (i) Departamento de Inspeção do Trabalho '
DEFIT, responsável pelo planejamento e normatização das ações de fiscalização
da legislação trabalhista; (ii) Departamento de Segurança e Saúde do
Trabalhador ' DSST, que coordena e normatiza as ações de fiscalização das
normas de segurança e saúde no trabalho.
Em conformidade com as normas da OIT, a função fiscalizadora tem por finalidade
promover o cumprimento da legislação. O poder de polícia autoriza o auditor-
fiscal a "expedir notificações, embargar obras, interditar estabelecimentos,
setores de serviços, máquinas ou equipamentos e, se necessário lavrar autos de
infração, que são instrumento prévio para imposição de multa administrativa"
(Silva, 2002). Tais providências são propostas pelo auditor-fiscal ao delegado
regional, que decidirá, assinalando o prazo para cumprimento15.
A fiscalização atua em todo território nacional, em todas as empresas privadas
urbanas ou rurais, bem como nas empresas estatais que têm empregados16. Em
tese, também os escritórios dos profissionais liberais, as instituições
filantrópicas, as associações recreativas e outras instituições sem fins
lucrativos que têm empregados estão sujeitos à fiscalização, inclusive o
trabalho doméstico. Mas veremos que isso não é viável.
Os auditores atuam na área geográfica da agência, subdelegacia ou delegacia
onde estão lotados. Cumprem ordens de serviço que indicam as empresas que devem
fiscalizar, mas podem ter iniciativa da fiscalização. A distribuição dos
auditores fiscais pelas diferentes áreas de inspeção da mesma circunscrição17
obedece ao sistema de rodízio, efetuado em sorteio público, vedada a recondução
para a mesma área no período seguinte. O ingresso no cargo de auditor-fiscal
dá-se mediante aprovação do candidato em concurso público de provas, aberto a
portador de diploma de curso superior. A nomeação para as áreas de segurança e
medicina do trabalho exige, além da aprovação em concurso, comprovação de
especialização ' pós-graduação ' em instituições reconhecidas oficialmente. Os
delegados regionais do trabalho são nomeados por indicação política e não
pertencem necessariamente à carreira de auditor-fiscal do trabalho. Cabe a eles
aplicar as multas, com base nos autos de infração lavrados pelos auditores-
fiscais18.
Os auditores são contratados pelo Regime Jurídico Único ' regime estatutário '
em que os salários são fixados em lei, e há garantia de estabilidade. Segundo
dados do MTE, o salário de um auditor-fiscal em início de carreira pode chegar
a US$ 2.490 por mês, e a US$ 3.289 no caso do nível mais alto da hierarquia
funcional19. Esses valores são aproximados, já que o que se recebe efetivamente
ao mês depende do desempenho individual e do sistema como um todo. Assim, duas
gratificações incidem sobre o salário básico: a Gratificação de Atividade
Tributária ' GAT, correspondente a 30% do salário (ou 25% do maior salário
básico); e a Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação '
GIFA, correspondente a 45% do maior salário básico de cada cargo. A GIFA
comporta uma parcela relativa ao desempenho individual do auditor (um terço) e
outra relativa ao desempenho global do sistema (dois terços). As metas de
arrecadação que servem de base às gratificações são definidas nos Planos
Plurianuais do governo federal, que têm duração de quatro anos. Essa estrutura
salarial tem conseqüências decisivas para a eficácia e a efetividade da
fiscalização, como veremos mais adiante.
Em tese, a inspeção do trabalho é detonada por dois procedimentos
complementares: as denúncias e o sorteio de endereços para visita. Na prática,
como as DRTs têm poucos fiscais para o número de denúncias que recebem20, a
inspeção guia-se sobretudo por elas, que ocorrem em número suficiente para
ocupar a agenda de inspeções. Conforme nos informa uma auditora-fiscal do
trabalho entrevistada21,
"Atualmente, a grande maioria das fiscalizações é motivada por
denúncias. O denunciante principal é o trabalhador individual, porém
costuma-se priorizar o atendimento às denúncias dos sindicatos, do
Ministério Público e da Polícia (nos casos de acidentes do trabalho).
Embora a grande maioria das ações de fiscalização seja motivada por
denúncias, é impossível atender a todas, não temos pessoal
suficiente, por isso também se costuma priorizar entre os
denunciantes individuais, aqueles que se identificam. Onde é
possível, pode-se também organizar um programa para atender
coletivamente, denúncias acerca de uma mesma empresa ou setor
produtivo" (entrevista realizada em agosto de 2004).
Se da fiscalização resultar auto de infração, inicia-se um processo
administrativo. Quando autuado, o empregador tem dez dias para apresentar sua
defesa. Esgotado esse prazo, o processo ' auto e defesa, ou somente o auto, se
o empregador não apresentar defesa ' é examinado por outro auditor-fiscal
(diferente daquele que autuou) e é dado um parecer, que pode ser pela
procedência total, parcial, ou improcedência da autuação. Essas peças são
encaminhadas ao delegado ou subdelegado, para decisão. Se considerado
"improcedente" o auto de infração, em primeira instância, é obrigatória sua
remessa para análise em segunda instância; se confirmada a improcedência em
segunda instância, o processo é arquivado. Se considerado "procedente", parcial
ou totalmente, e o empregador pagar a multa no prazo de dez dias após recebida
a notificação, terá desconto de 50% do valor estipulado. Caso não se conforme
com a multa, o empregador tem prazo de dez dias para recorrer à segunda
instância, mas deve depositar o valor integral da multa como requisito de
apreciação do recurso. A segunda instância pode confirmar a multa ' neste caso,
o depósito converte-se em pagamento; ou aceitar o apelo do empregador que então
receberá de volta o valor depositado. Se não pagar nem recorrer do valor da
multa, o empregador é inscrito na dívida ativa da União, e a cobrança executiva
será promovida pela Procuradoria da Fazenda Nacional, em processo junto à
Justiça Federal. Todo esse procedimento administrativo deve durar, no máximo,
sessenta dias, segundo determinação do RIT de 2002.
De acordo com auditores-fiscais entrevistados, apenas as pequenas e médias
empresas costumam pagar as multas no início do processo, inclusive para
aproveitar o desconto de 50%. As empresas que contam com departamentos
jurídicos normalmente recorrem das decisões. O recurso tramita primeiramente no
âmbito administrativo. Findas todas as oportunidades de recursos, e recusado o
pagamento, a cobrança segue para a Procuradoria da Fazenda Nacional. Importa
notar que essa procuradoria está envolvida na cobrança da dívida ativa de
valores muito mais significativos do que os das multas trabalhistas. Com isso,
ainda segundo funcionários das DRTs, haveria pouco incentivo para a cobrança e
grande chance de prescrição da dívida. E nunca é demais lembrar que, findo o
processo administrativo, a parte pode recorrer ao Poder Judiciário, em que os
prazos podem se estender indefinidamente.
O desenho do sistema, pois, obedece às recomendações da OIT quanto à existência
de mecanismos que garantam a independência técnica dos fiscais e assegurem
condições adequadas para sua atuação. Mesmo considerando as restrições quanto à
execução das penas, o Brasil está mais bem aparelhado do que alguns de seus
vizinhos latino-americanos, como a Argentina e o México, por exemplo. Neste
último país, a inspeção tem duas jurisdições, uma nacional e outra no Distrito
Federal ' DF, o que gera disputas por competências e âmbitos de atuação,
reduzindo a eficiência e a eficácia do sistema. Os salários, mesmo do pessoal
graduado (médicos e engenheiros), não ultrapassam US$ 750 para a jurisdição
nacional, chegando a US$ 550 no DF. Aqui, há apenas três computadores para os
auditores-fiscais, que não dispõem de veículos para deslocamento até os locais
de trabalho. Além disso, o número de fiscais é muito pequeno e vem caindo
bastante nos últimos anos. Em 1994, na jurisdição federal eles eram 388, caindo
para 181 em 200422. Na Argentina, não se exige diploma de nível superior dos
inspetores, que têm, em média, onze anos de estudo. Além disso, eles não têm
uma carreira própria no funcionalismo público, e nem todos estão protegidos por
contratos que assegurem estabilidade no emprego, como recomenda a OIT (Palomino
e Senén, 2005).
RESULTADOS DA INSPEÇÃO
A Tabela_2 mostra os dados consolidados da fiscalização do trabalho no Brasil.
O primeiro fato a salientar é a queda acentuada no número de fiscais de 1990 a
1995, período quando se atingiu o menor número de profissionais, pouco menos de
2 mil pessoas. Em 1996, houve um salto significativo de mais de oitocentos
novos fiscais, mas seu número vem caindo desde então. O segundo ponto a marcar
é que a variação no número de fiscais não parece ter relação com o número de
empresas visitadas ou de trabalhadores atingidos. Ao contrário, o ano com menor
número de fiscais (1995) é também aquele com o maior número de empresas
atingidas pela fiscalização, mais de 420 mil, com média de 215 empresas por
fiscal. Na verdade, a se fiar nesses dados (mas comentamos esse problema em
seguida), tudo indicaria que o sistema se tornou mais eficiente quanto menor o
número de fiscais. Isso leva à terceira observação relevante aqui. A
fiscalização vem mudando de rosto nos últimos anos, atingindo mais
trabalhadores em um menor número de empresas, o que resulta no aumento do
tamanho médio das empresas visitadas a partir, grosso modo, de 1997. Menos
empresas visitadas por um número menor de fiscais, mas atingindo mais
trabalhadores a cada ano significa exatamente isso: maior eficiência da ação
fiscal, e também maior efetividade, uma vez que mais trabalhadores são
atingidos.
Um quarto ponto a salientar tem a ver com a eficácia da ação fiscal, expressa
no número de autuações, no de trabalhadores registrados em razão da
fiscalização e na Taxa de Regularização em Estabelecimentos Fiscalizados ' TREF
que expressa a taxa de adequação das empresas à legislação trabalhista. Uma vez
mais a se crer nos dados disponíveis, entre 16% e 30% das empresas visitadas
foram autuadas a cada ano, resultando em nunca menos do que 250 mil
trabalhadores registrados sob ação fiscal, isto é, vínculos empregatícios
formalizados a partir de 1996 (não há dados disponíveis para os anos anteriores
nesse quesito específico). A tabela não mostra, mas isso representou, em 2001,
o pico de 2,92% do total de trabalhadores atingidos pela fiscalização, para uma
média de 1,17% no período. E a taxa de regularização alcançada, isto é, a
proporção de itens irregulares regularizados após a ação, também aumentou
significativamente ao longo dos anos, passando de 65% em 1996 para 84% em 2003.
Em suma, por esses dados somos levados a crer que o sistema parece caminhar
para um desenho mais enxuto e mais eficaz em termos de regularização das
relações de trabalho.
É preciso ler a Tabela_2 com cautela, porém. A aparente eficiência do sistema é
contra-arrestada pela paradoxal circunstância de que apenas 1,17% dos vínculos
teriam sido regularizados com a ação fiscal, ao passo que 21% das empresas
visitadas teriam sido autuadas em todo o período (1990-2003). Ora, a taxa de
autuação é muito alta (um quinto do total das empresas), mas a de regularização
de vínculos empregatícios é muito baixa (1,17% dos trabalhadores atingidos).
Isso pode estar refletindo uma de três coisas: primeiro, que em uma mesma
empresa nem todos os trabalhadores estão irregulares, de sorte que muitos são
atingidos, mas apenas alguns regularizados; em segundo lugar, que as
irregularidades e autuações ocorrem sobretudo em empresas de menor porte, o que
resulta em menos pessoas atingidas, apesar do alto contingente de empresas
autuadas; em terceiro, que a inspeção do trabalho visa sobretudo a outros
objetivos (como o recolhimento do FGTS ou a saúde e segurança no trabalho) que
não a regularização do vínculo empregatício. Tomadas em conjunto, essas três
alternativas denotam um sistema de fiscalização que se restringe ao mercado
formal de trabalho. Para deixar o argumento mais claro, basta ler os dados ao
revés. Supondo eficaz a ação fiscal, isto é, que um vínculo irregular é sempre
regularizado em função da fiscalização, se apenas 1,17% dos trabalhadores
atingidos tiverem seus vínculos regularizados, então os outros 98,83% estarão
em situação regular. Como o emprego assalariado sem carteira representou, ao
longo da década de 1990, entre 35% e 45% do mercado de trabalho assalariado no
Brasil, então a conclusão necessária é a de que o sistema de fiscalização está
mirando as empresas erradas, ao menos no que respeita a esse aspecto específico
da inspeção, ou seja, a regularização do vínculo trabalhista.
Dizendo de outra maneira, o mercado de trabalho de assalariados sem carteira
ocupou, na década de 1990, entre 10 e 15 milhões de pessoas, segundo dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios ' PNAD. Como a fiscalização atingiu
duas vezes essa proporção de pessoas, e como encontrou não mais do que 1,17% em
média de trabalhadores em situação irregular, somos levados à conclusão de que
a fiscalização não incidiu sobre aqueles 15 milhões de assalariados sem
carteira, mas sim sobre os mais de 25 milhões de assalariados comcarteira, o
que resultou na baixíssima taxa de registro dos trabalhadores atingidos.
Ainda assim, é provável que os dados do MTE estejam superestimando o universo
coberto e, também, a taxa de eficácia da fiscalização. Isso porque o número de
trabalhadores atingidos parece muito alto tendo em vista o mercado formal de
trabalho no país, que variou entre 20 e 29 milhões de empregados entre 1990 e
2003, segundo dados do próprio MTE. Como a fiscalização parece mirar as grandes
empresas23, sua efetividade média, isto é o número de trabalhadores atingidos
dividido pelo de trabalhadores formais existentes, seria, por vezes, superior a
80% do mercado formal de trabalho24, o que parece inteiramente disparatado em
um sistema em que todos reclamam de sua baixa eficácia e cobertura.
Em segundo lugar, o sistema de remuneração e de prêmios dos fiscais está
lastreado no número de trabalhadores atingidos, no número de carteiras de
trabalho registradas e na quantidade de recursos do FGTS arrecadados. Esse
sistema de metas contribui para que os fiscais superestimem a eficácia de sua
ação e, também, as estatísticas. Como disse uma auditora-fiscal do trabalho de
São Carlos,
"A empresa pequena representa, em termos de produtividade, muito
pouco para o fiscal. Ou seja, quanto menor é o número de empregados
de uma empresa, menor a 'pontuação' atribuída pelo nosso sistema de
avaliação (ao qual está condicionada a recepção de nosso salário
integral). Assim, se fiscalizamos empresas pequenas, temos que
trabalhar mais e mais rapidamente. Como isso é muito difícil, fica
mais simples lavrar um auto de infração e ir embora sem alterar a
situação da empresa (ou até piorando-a). É bom lembrar que as metas a
que somos submetidos também apontam nessa direção, temos que
fiscalizar muito e rápido. Se os problemas detectados são resolvidos
ou não parece, não interessar muito" (entrevista realizada em agosto
de 2004).
Ou seja, o próprio salário está condicionado às quantidades atingidas. Com
isso, o sistema oferece incentivos para que o foco da fiscalização se dirija às
grandes empresas. Além disso, mesmo que pequenas empresas sejam fiscalizadas,
ao auto de infração nem sempre se seguirão medidas destinadas a sanar a
situação irregular. Por fim, como afirma um auditor-fiscal do Rio de Janeiro, é
comum que empresas visitadas mais de uma vez no âmbito de uma fiscalização e
seus desdobramentos sejam contadas tantas vezes quantas forem as visitas,
inflando as estatísticas.
É bom deixar claro que as metas de fiscalização aludidas pela auditora de São
Carlos referem-se à arrecadação do FGTS. Segundo documento do MTE (2004), a
partir de 1996, as metas de arrecadação passaram a ser definidas pelo
Ministério da Fazenda, no âmbito do plano de metas do governo federal, sendo
parte do esforço fiscal da administração pública. O mesmo auditor-fiscal do Rio
de Janeiro citado anteriormente informa que, desde então, este passou a ser o
foco central da inspeção do trabalho no Brasil.
E de fato, a Tabela_3 mostra que, de 1997 em diante, nunca menos do que 3% da
arrecadação total do FGTS decorreu da ação fiscal, chegando em 2002 a quase um
bilhão de reais arrecadados (ou 4,3% do total). Trata-se de um montante
equivalente a 60% do orçamento do Ministério do Trabalho em 2003 (1,6 bilhão de
Reais). A tabela mostra, também, que a eficiência da arrecadação vem
aumentando, pois o montante médio arrecadado por notificação lavrada saltou de
R$ 24 mil em 1996 para quase R$ 63 mil em 2002.
Esses dados, em conjunto com a TREF da tabela anterior, reforçam o argumento de
que, em resposta aos incentivos que oferece aos auditores, o sistema está sendo
direcionado para empresas cada vez maiores. A mesma auditora citada antes disse
que
"[...] a empresa grande é muito mais organizada, e o atendimento ao
Ministério do Trabalho, em geral, é profissional. Na parte
documental, quase sempre, a empresa já tem os documentos e programas
legalmente exigidos e em caso de discordância ou mesmo de uma
irregularidade detectada na inspeção, teremos interlocução com a
empresa, ou seja, mesmo que decidamos pela lavratura de um auto de
infração, sabemos que podemos dar continuidade à fiscalização até a
regularização do problema, o que normalmente, se consegue dentro dos
prazos estabelecidos. E mesmo se houver necessidade de grandes
investimentos, como no caso de exigência de reformas, construções ou
contratação de pessoal, também é muito mais fácil, com a empresa
grande, lançarmos mão de outros recursos como mesa de entendimento,
estímulo de acordos com os representantes da categoria profissional
etc." (entrevista realizada em agosto de 2004).
Como se pode ver, a fiscalização nas empresas maiores é também mais eficaz, por
várias razões correlatas: as empresas são "mais organizadas", atendem ao MTE de
forma "profissional", têm recursos financeiros para responder às exigências e
eventuais autuações ' o que resulta em melhor produtividade para os fiscais '
fazem-no "dentro dos prazos" etc. Tudo conspira para que a inspeção privilegie
estas às outras empresas, e isso deve estar se refletindo nas melhores taxas de
regularização dos últimos anos.
O foco nas empresas maiores decorre, também, do fato de o MTE operar com um
conjunto enviesado de informações cadastrais, que privilegia as empresas
formalmente estabelecidas. O cadastro que serve de base para a inspeção é
construído a partir da Relação Anual de Informações Sociais ' RAIS, à qual são
acrescentadas informações das pesquisas econômicas do IBGE e outras fontes, que
cobrem principalmente o mercado formal de trabalho. O acesso a empresas
informais, quando ocorre, resulta sobretudo das denúncias. Mas parece plausível
suspeitar que, quanto mais precário o mercado de trabalho e maior a taxa de
desemprego, menores os incentivos para que os trabalhadores denunciem más
condições de trabalho. O caso da construção civil do Rio de Janeiro, analisado
em seguida, é exemplo claro desse limite.
INSPEÇÃO DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL DO RIO DE JANEIRO
Quais as chances de que a burla da lei por uma empresa seja descoberta e,
depois, sancionada? A construção civil é um setor estratégico para a resposta a
essa pergunta. Ali, o trabalho é, tradicionalmente, precário, com altas taxas
de ilegalidade e de trabalho autônomo. Além disso, o setor apresenta uma das
maiores taxas de acidentes de trabalho do país, o que denota condições
precárias e perigosas de trabalho25, objeto rotineiro da inspeção. No que se
segue, dois aspectos centrais serão avaliados: de um lado, o poder fiscal do
Estado e, de outro, a atuação dos sindicatos de trabalhadores e empregadores
como agentes ou intermediários da fiscalização. Os temas centrais a tratar
serão os custos de contratação e demissão, além do reconhecimento do vínculo
empregatício via registro em carteira de trabalho.
Sobre Chances de Ser Apanhado
A fiscalização do trabalho na construção civil do Rio de Janeiro tem dois
mecanismos propulsores básicos. Primeiro, o início de uma obra, quando os
condomínios26 devem prestar ao Ministério do Trabalho, ao sindicato (por
exigência da convenção coletiva) e à prefeitura da cidade, um conjunto de
informações sobre duração da obra, empresas envolvidas no condomínio,
trabalhadores empregados etc. Em segundo lugar, através de denúncias dos
trabalhadores, feitas por meio de um número de telefone específico para isso no
sindicato de empregados, em que o trabalhador pode denunciar anonimamente. O
sindicato recebe de 80 a 100 denúncias por mês. Oito equipes fixas de fiscais '
que podem chegar a 15 se todos os dirigentes saírem para fiscalizar ' trabalham
todos os dias da semana visitando obras segundo uma programação previamente
definida com base na triagem e hierarquização das denúncias. Hoje, há algo como
8 mil canteiros registrados ou conhecidos no Rio de Janeiro. É verdade que o
registro formal da obra na prefeitura e no sindicato é uma obrigação legal
difícil de se elidir no caso das obras maiores e mais visíveis, mas edificações
menores e, sobretudo, as reformas, nem sempre podem ser identificadas e,
portanto, fiscalizadas.
Vejamos como funciona o primeiro mecanismo, as visitas no início das obras
registradas. Segundo um diretor de fiscalização do sindicato, este não visita
de surpresa:
"Nós temos um procedimento regulado. As empresas grandes nos informam
no início e no final da obra, protocolam no sindicato e no Ministério
do Trabalho. Então, quando vai começar uma obra nós enviamos um
ofício de 'Visita Técnica Orientativa', com a finalidade de levantar
possíveis pendências naquele canteiro e levar o trabalho da diretoria
para aqueles trabalhadores. Levamos nosso check list, vemos as
pendências e damos 5 dias para arrumar o que tiver que ser arrumado.
Voltamos, foi atendido? Ótimo. Não foi? Então a gente manda um ofício
solicitando que compareçam aqui à entidade para uma Mesa de
Entendimento, composta pelo diretor da pasta e um representante
daquela equipe que visitou o canteiro com a notificação na mão. E
tentamos adequar a empresa à legislação e à convenção coletiva de
trabalho, evitando ao máximo levar isso à Justiça do Trabalho.
Esgotamos todas as possibilidades de negociação, até para manter um
relacionamento de parceria" (entrevista realizada em julho de 2004).
Procedimento "regulado", aqui, quer dizer três coisas primordiais: primeiro,
que as regras de fiscalização são acordadas com o sindicato patronal; em
segundo lugar, que as empresas são informadas sobre a fiscalização; terceiro,
que há um inventário de itens a se fiscalizar, que é previamente conhecido
pelas empresas, nomeado pelo sindicalista como "check list". Esse inventário é,
também, uma forma de dar tempo (5 dias) à empresa para que ela se adapte às
regras. Caso isso não ocorra, uma série de outros procedimentos negociais são
acionados, a começar por uma "mesa de entendimento" no sindicato laboral, onde
se busca um acordo para adequação da empresa à lei e à convenção coletiva. Caso
isso continue não funcionando, há a Justiça do Trabalho como último (e
indesejado) recurso.
A palavra-chave para os dirigentes sindicais de trabalhadores e patrões é,
indubitavelmente, parceria. Ela opera também no segundo mecanismo detonador da
fiscalização. Nas palavras do mesmo sindicalista,
"[...] a outra forma de fiscalizar é quando vem a denúncia por parte
de um trabalhador. Aí nós pegamos o endereço daquele canteiro,
levantamos o número do telefone, geralmente são empresas cadastradas
conosco, e mandamos um ofício de 'Visita Técnica Orientativa'.
Avisamos que vamos fazer uma visita para orientar sobre a segurança
no trabalho. A gente não chega de surpresa. Porque isso não interessa
a ninguém, certo? O que a gente quer é o direito do trabalhador
respeitado, certo? Então, chegando lá eu vou constatar o problema com
certeza, o que o trabalhador denunciou vai aparecer. Agora, a gente
nunca diz que foi lá por denúncia do trabalhador, para não expor nem
prejudicar o trabalhador" (entrevista realizada em julho de 2004).
Em boa parte das fiscalizações, decorrentes de denúncia ou automáticas em razão
do início de uma obra, um membro do Sindicato da Indústria da Construção Civil
' SindusCon, sindicato patronal, faz parte da equipe de visitas. Segundo um
dirigente patronal entrevistado, a parceria é vantajosa para os dois lados,
porque interessaria ao SindusCon a obediência às normas de segurança no
trabalho, que ajudam a reduzir o número de acidentes27. As fiscalizações contam
ainda, embora nem sempre, com um agente da Delegacia Regional do Trabalho.
Isso, segundo os sindicalistas, torna as visitas mais eficazes. O delegado
regional tem poderes para lacrar a obra imediatamente se for o caso, se houver,
como disse um dirigente, "um descalabro muito grande, e a empresa não quiser
acertar aquilo na hora". Além disso, o delegado é o agente executor por
excelência do Ministério do Trabalho. Sua presença traz maior densidade às
equipes de fiscalização. Por fim, sua presença, juntamente com representantes
de trabalhadores e patrões, inibe (ao menos idealmente) práticas pouco
ortodoxas ou abertamente corruptas por parte de qualquer um dos três agentes.
É claro que tudo isso são discursos de dirigentes, não podem ser tomados pelo
valor de face. O sindicato não dispõe de um registro confiável das visitas, nem
de seus resultados em termos de atenção a normas de segurança no trabalho e ao
direito do trabalho, dados que permitiriam uma real mensuração da melhoria na
eficácia ou efetividade da fiscalização ao longo do tempo. Em 2003, segundo um
dirigente, entre março e junho foram computados mais de trezentos novos
registros em carteira decorrente das fiscalizações, mas não há como saber se
esse número é grande ou pequeno historicamente. Ele certamente parece pequeno
tendo em vista os mais de 100 mil trabalhadores informais estimados para
200228, ou mesmo tendo em vista os 32 mil trabalhadores assalariados sem
carteira assinada. Ao ritmo da fiscalização de 2003, seriam necessários mais de
25 anos para registrar todos os assalariados sem carteira existentes, sem
contar que novos vínculos sem registro nascem todos os dias no mercado de
trabalho da construção civil. Nada assegura que um vínculo registrado hoje
continuará assim amanhã.
No ambiente de trabalho na construção civil, em que a construtora principal de
um condomínio quase nunca é a maior empregadora, estando os empregados
distribuídos por até dezenas de subcontratadas, a eficácia da fiscalização
depende da capacidade do sindicato chegar às franjas da teia de terceirizações.
Para isso, o sindicato adota a estratégia de não negociar com as terceirizadas,
e sim com a empresa principal do condomínio. Aspecto importante é o fato de
esse procedimento constar de convenção coletiva de trabalho, isto é, cabe à
empresa principal zelar pelo cumprimento da legislação e da convenção coletiva
pelas contratadas. Isso reforça o que disse um dirigente patronal, fala
referendada por uma juíza de direito: a jurisprudência consolidada de se julgar
a empresa principal responsável subsidiária (vinculada) pelas demais acaba
forçando as empresas a exercer alguma vigilância sobre as subcontratadas. Isso
nem sempre é possível, obviamente.
Com efeito, conforme um diretor de fiscalização, a grande barreira ao trabalho
de inspeção, tanto por parte do sindicato quanto por parte dos auditores
fiscais do trabalho, é a escala do negócio, ou seja, sua baixa capitalização.
Esta impõe barreira econômica eficaz, porque a autuação rigorosa poderia
inviabilizar o negócio, extinguindo postos de trabalho. É, assim, mais uma
componente que se vem somar aos incentivos institucionais e legais para que,
como vimos, a fiscalização seja majoritariamente efetuada em empresas médias ou
grandes. A opção tem sua racionalidade. Segundo dados do Censo 2000 para a
cidade do Rio de Janeiro, 64% das pouco mais de 3 mil pessoas que se disseram
empregadoras tinham empresas com até dez empregados. Tomando-se os dados da
RAIS para 2002, que mede apenas o emprego registrado em carteira, a proporção
de empresas com até dez empregados era de 70% sobre o total das 3.156 empresas
formalmente registradas, e de 82% se tomarmos as empresas com até 19
empregados. Contudo, a proporção de trabalhadores ocupados em empresas com até
19 empregados era de apenas 20,6% segundo a mesma RAIS. Na outra ponta,
empresas com 50 empregados ou mais eram apenas 33,1% do total, mas ocupavam
61,3% da força de trabalho com registro em carteira. Considerando que as
chances do sindicato ou do MTE chegar em uma empresa para fiscalizar é tanto
maior quanto mais formal ela for, isto é, quanto mais facilmente ela possa ser
encontrada ' tenha um telefone e um endereço que possam ser rastreados de
alguma maneira, seja nos arquivos do sindicato, seja nos cadastros de empresas
do IBGE ' então é de se supor provável que sindicato e MTE estejam cobrindo
menos de um terço das empresas realmente existentes (se somarmos os setores
formal e informal), mas tendo quase dois terços da força de trabalho empregada
como universo potencial de ação.
Pode-se dizer, então, que as chances de ser apanhado em caso de desrespeito à
lei não são nulas na construção civil do Rio de Janeiro, e nem muito altas,
exceto no caso das grandes obras, dos grandes canteiros de obras ou das obras
em lugares muito visíveis, caso das reformas nos edifícios do centro da cidade,
por exemplo. Em uma escala de 0 a 100, a chance de um grande canteiro de obras
ser fiscalizado, tendo sido denunciado, é de 100. Essa chance decresce à medida
que diminui o tamanho da obra e sua visibilidade social. Na outra ponta, a
chance de uma pequena obra tocada por um pequeno construtor (uma reforma, a
construção de casas de campo ou mesmo na cidade) ser fiscalizada pelo sindicato
ou pela DRT, mesmo que tenha sido denunciada, é de 0, ou muito próxima disso. A
fiscalização potencial, pois, é função direta do tamanho da obra e das empresas
nela envolvidas, e do fato de haver ou não uma denúncia. A questão central,
então, torna-se saber qual a chance real de que um direito burlado suscite uma
denúncia.
Essa chance não está aleatoriamente distribuída na população empregada. Alguns
trabalhadores são mais propensos que outros a fazer uma denúncia. Esta é uma
função direta do conhecimento dos direitos e inversa do receio de que ela possa
resultar na perda do emprego, ponderado pelo custo do desemprego para o
trabalhador individual. Em situações de alto desemprego, mesmo um receio
pequeno pode ser suficiente para não levar à denúncia, por mais que os
trabalhadores conheçam seus direitos. A confiança de que a denúncia terá
garantia de anonimato ' caso do telefone específico para isso no sindicato, o
disque-denúncia ' pode não ser suficiente para suplantar o receio de perda de
emprego em situações de fragilidade de mercado.
Sobre Chances de Ser Punido
O conflito trabalhista resultante de lesão a direitos tem três momentos
principais de encaminhamento, cada qual associado a uma instituição, como se
segue: 1) momento da regulação das normas e fiscalização de sua observância
pelas empresas, sob responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego; a
própria fiscalização induz à adequação das empresas às normas; 2) a resistência
ou recalcitrância no cumprimento das normas abre um processo de negociação no
sindicato ou na DRT, ou em ambos; tal processo tanto pode ser conduzido pelas
delegacias regionais do trabalho como pelo Ministério Público do Trabalho, em
sua competência de instalar inquéritos civis e firmar termos de ajuste de
conduta que, já vimos, são títulos executáveis; 3) a insuficiência dos
instrumentos já citados leva os contendores à Justiça do Trabalho, portanto, ao
Poder Judiciário.
A presença do delegado regional do trabalho ou outro profissional da DRT
facilita a primeira solução, mas a DRT tem poucos profissionais, não podendo
atender a todos os chamados da construção civil. Logo, as opções 2 e 3 estão
quase sempre no horizonte de cada fiscalização. Na verdade, segundo dirigentes
dos sindicatos de patrões e empregados, o acordo é o objetivo sempre visado, e
ele ocorre, em geral, nas Mesas de Entendimento ' ME, para o caso de fraudes na
segurança do trabalho, ou na Comissão de Conciliação Prévia da Construção Civil
' CCP-CC, um mecanismo que, como em outros casos, vem funcionando como a
primeira instância real de solução de conflitos relativos à vigência ou,
principalmente, à rescisão dos contratos.
No caso dos problemas de segurança e saúde no trabalho, as soluções ou são
imediatas, no local de trabalho, ou nas ME. A terceira opção é quase sempre
ineficaz. Um dirigente sindical da construção civil afirma, categoricamente,
que a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho são muito lentos,
tendo em vista a duração de uma obra, que pode variar de três meses a um ano,
chegando raramente a três anos. Segundo ele, "Quando a Justiça decide agir a
obra já acabou, entendeu?". Contudo, o mesmo dirigente afirma que as empresas
costumam respeitar a regulação de segurança no trabalho, porque "ninguém quer
ficar com o nome sujo na praça, a pecha de que trabalha inseguro". Ademais, uma
parte não desprezível das empresas formalmente estabelecidas tem certificação
ISO, cujos parâmetros incluem segurança no trabalho e benchmarking para
acidentes. Já vimos que um diretor do sindicato patronal tem a mesma visão do
problema. E o dirigente trabalhador completou: "Uma grande empresa que tem
certificação não aceitará empreiteiras em sua obra que não sigam as normas".
O problema, obviamente, são as grandes empresas que não têm certificação, e as
pequenas e médias que o sindicato não chega a fiscalizar, porque trabalham na
informalidade. De todo modo, sindicalistas de ambos os lados asseguram que, com
a parceria que estabeleceram sobre esse e outros assuntos, a segurança no
trabalho na construção civil do Rio de Janeiro melhorou muito nos últimos anos,
a ponto de em 2004 ter-se registrado, até julho, apenas um acidente fatal.
Infelizmente, não foi possível ter acesso a dados consolidados sobre a evolução
dos acidentes de trabalho na construção civil da cidade do Rio de Janeiro que
permitissem comprovar as afirmações colhidas nas entrevistas29. O certo é que
dados oficiais ' que são sempre subestimados, tanto mais quanto mais informal
for o setor econômico30 ' apontam para pouco mais de 1.700 acidentes de
trabalho na construção civil no Estado do Rio de Janeiro (de que a capital tem
quase metade da população) em 2000, e o setor é o que mais contribui,
historicamente, para as estatísticas de acidentes de trabalho em geral no
Estado, e também para a sub-representação das estatísticas.
No caso dos direitos relativos à vigência do contrato de trabalho, e sobretudo
das rescisões contratuais, o principal mecanismo de encaminhamento dos
conflitos é a CCP-CC. Sua atuação tem impacto de monta sobre os custos de se
cumprir ou não a legislação, principalmente aquela relativa às despedidas. A
CCP-CC é composta por representantes dos sindicatos de patrões e empregados.
Por lei, antes de serem encaminhadas à Justiça do Trabalho, as queixas
trabalhistas devem passar, primeiro por uma Comissão de Conciliação Prévia '
CCP, se no localhouver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do
sindicato da categoria. Logo, a CCP-CC, como todas as outras, foi convertida em
uma espécie de tribunal do trabalho sem um juiz para presidi-lo e julgar as
causas. Transcrevemos um trecho de entrevista de um dirigente sindical que
participa da CCP, instrutivo em muitos sentidos:
"Temos nossa CCP onde discutimos essas questões também, como FGTS.
Porque às vezes a empresa quer pagar [as verbas rescisórias], só que
não tem como. Então a gente instrui o trabalhador a fazer um acordo.
Isso durante a demissão ou mesmo durante o contrato ainda em
vigência. [ ] Hoje as CCP desafogaram a Justiça do Trabalho. A
maioria das empresas que procuravam fazer esses acordos na justiça
hoje fazem na CCP. Nós implantamos uma norma na CCP que nenhum
trabalhador pode receber menos de 60% do que ele tem direito. Não
pode ser acordado menos de 60%. Norma criada pelo sindicato. Agora,
se o trabalhador quer fazer uma rescisão de contrato, ele vai assumir
o risco daquilo ali. Ele que sabe de sua necessidade, o dinheiro é
dele. Se ele disser 'não, não aceito menos', o que se pode fazer? Ele
trabalhou por aquilo ali, o direito é dele, não é verdade? Então a
gente mostra os caminhos legais para que ele entre na justiça e
receba aquilo dali. [ ] Todo pequeno empreendedor tem o discurso
padronizado de que a justiça do trabalho é paternalista. Ora, a
justiça do trabalho às vezes sentencia o empregador a pagar em 12
vezes, a primeira parcela começando daqui a dois meses! Com um pai
desse eu não preciso de inimigo! A nossa visão é deixar negociar para
que não chegue até a justiça, para que o trabalhador não chegue um
elemento perdedor de seus direitos lá na frente. Por isso criou-se a
CCP, e o princípio de que 60% é assegurado de imediato. [ ] A gente
chegou nesse número com um cálculo sobre o que o trabalhador ganha.
Porque ele não pode receber indenização abaixo do salário que ele
ganhava. O direito ou é aquilo ou é acima daquilo. A intenção é essa.
[ ] Na maioria das vezes fica nos 60%. Hoje está consolidado isso
daí, nenhuma empresa dá menos que isso" (entrevista realizada em
julho de 2004).
Alguns pontos devem ser ressaltados nessa fala. Primeiro, que os trabalhadores
são "instruídos a fazer acordos", isto é, resolver a questão na CCP e não na
Justiça do Trabalho. É claro que, se algum trabalhador ainda quiser fazê-lo,
estará em seu direito, mas as palavras empregadas pelo sindicalista não deixam
dúvidas de que essa é uma solução não desejada pelo sindicato. O trabalhador
estaria por sua conta e risco se decidisse recorrer à Justiça. Em segundo
lugar, é evidente que empresas também têm preferido solucionar os conflitos
relativos às indenizações rescisórias na CCP-CC e não na Justiça do Trabalho.
Essa preferência deve estar relacionada, certamente, com a orientação do
sindicato de que não pode haver acordo em que a indenização paga seja menor do
que 60% do valor devido. O mais curioso é que o sindicalista apresenta esse
valor como sendo de interesse do trabalhador, que, de outro modo, receberia
menos na Justiça do Trabalho, ou talvez em condições que não lhe seriam
vantajosas, como o mencionado parcelamento "em doze vezes". A Justiça do
Trabalho é apresentada como um lugar onde o trabalhador perde os direitos, ou
os recebe em condições desvantajosas.
De certo, isso representa um incentivo importante para que os empregadores não
cumpram a legislação sobre despedida, pois sabem que sua "pena" será uma mesa
de negociação em que agentes sem poder de execução de suas decisões aceitam por
razoável uma conciliação na qual, se propõe pagar 60% do valor efetivamente
devido. Está claro, pois, que o fato de o sindicato ter optado pelo acordo em
lugar de penalizar as empresas que agem ilegalmente repercute no custo de não
cumprir a lei. Não há incentivos ou injunções externas para que as empresas
formalizem o contrato de seus trabalhadores. Se as há, provêm de fontes
internas: a empresa principal que, por determinação de sua qualificação ISO ou
outra qualquer, obriga as parceiras a agir conforme a lei.
CONCLUSÃO
A inspeção do trabalho no Brasil segue os padrões definidos pela OIT em 1947.
Suas instituições de apoio são, hoje, um pouco melhor aparelhadas do que há dez
ou 15 anos, contando com um sistema informatizado de controle e produção de
informação, melhor fluxo dos trâmites burocráticos e treinamento regular dos
fiscais do trabalho. Possui um aparato nacionalmente implantado de
investigação, com um total de 27 delegacias regionais do trabalho e pouco mais
de 2 mil auditores-fiscais.
O desenho institucional parece, formalmente, adequado a uma inspeção efetiva,
eficaz e eficiente do trabalho. Efetiva, porque parece atingir um número muito
grande de trabalhadores como proporção da força de trabalho empregada. Eficaz
pois resulta na melhoria das relações de trabalho e no saneamento de situações
ilegais, como o não-recolhimento do FGTS ou a não-assinatura da carteira de
trabalho. E eficiente porque otimiza meios, se considerarmos que o sistema
gasta em torno de um quarto dos recursos de investimento do MTE, sendo, em
contrapartida, sua estrutura mais robusta e numerosa. Além disso, os
procedimentos de controle da ação fiscal parecem também adequados para coibir
fraudes e mitigar a corrupção. Do mesmo modo, a definição de prazos mais
estritos para o trâmite processual administrativo das multas, por exemplo, que
deve terminar em no máximo 60 dias, é de molde a inibir medidas protelatórias
por parte das empresas, que necessitam de departamentos jurídicos bem-
estabelecidos para enfrentar os trâmites judiciais posteriores aos trâmites
administrativos. Isso incentiva a que pequenas e médias empresas fiscalizadas
cumpram a lei. Em conseqüência, o sistema produz estatísticas bastante
alentadas dos resultados da inspeção do trabalho.
Aqui começam os problemas. Em primeiro lugar, a se acreditar nessas
estatísticas, a inspeção do trabalho atinge 80% ou mais do mercado de trabalho
formal do país a cada ano, ou perto de 50% do mercado assalariado como um todo,
isto é, incluindo trabalhadores com e sem carteira de trabalho. Contudo, vimos
que uma proporção muito pequena dos potenciais destinatários é de fato
beneficiada pela inspeção. Tudo indica que o sistema oferece incentivos
seletivos para que os fiscais escolham empresas que, na verdade, não precisam
ser fiscalizadas nesse aspecto específico ' registro de vínculos empregatícios
' porque já cumprem a lei. Com isso, a inspeção talvez reduza a propensão à
ilegalidade quanto a outros temas por parte dos empresários que são
regularmente inspecionados, mas não parece capaz de atrair novos agentes para o
sistema, agentes que atuam na estrita ilegalidade e que são, por isso mesmo,
invisíveis nos registros do próprio MTE, quase todos construídos a partir de
informações fornecidas pelas próprias empresas no âmbito da RAIS.
O segundo limite do sistema é a falta de recursos materiais, falta que os
números portentosos da inspeção de fato escondem. Os pouco mais de 2 mil
fiscais têm à sua disposição um universo anual de 2 a 3 milhões de empresas
formalmente estabelecidas com pelo menos um empregado (uma vez mais segundo
dados da RAIS), o que configura uma média de mil a 1.500 empresas
potencialmente visitáveis por fiscal por ano, o que resulta em uma média de
cinco a sete empresas por dia útil. O número de fiscais é, evidentemente,
pequeno, principalmente porque aqui não estão computadas as empresas
informalmente estabelecidas. Com isso, as DRTs estão condenadas a atender a
denúncias que, ainda assim, não podem ser todas cobertas com o pessoal
disponível. O sistema não está aparelhado para realizar uma de suas
prerrogativas mais importantes, que é a visita de surpresa em empresas de
qualquer tipo ou tamanho, estando na dependência da vontade ou interesse dos
trabalhadores individuais ou seus representantes denunciar condições ilegais de
trabalho.
Em termos do que interessa a este trabalho, isto é, as chances de um empresário
ilegal ser apanhado e, sendo apanhado, sofrer sanções ou ser levado a sanar os
problemas encontrados, há uma gradação entre dois pólos bem-marcados. No pólo
da informalidade, isto é, em empresas de qualquer porte que não têm registro
empresarial e não formalizam a relação de trabalho, as chances de que sejam
fiscalizadas são muito remotas, estando exclusivamente na dependência de
denúncias dos trabalhadores. A probabilidade dos trabalhadores denunciarem é
inversamente proporcional ao seu medo do desemprego, sendo, portanto, tanto
menor quanto maior a precarização do mercado de trabalho e as taxas de
desemprego. Esse limite ficou claro na análise da construção civil do Rio de
Janeiro. Nesse pólo, encontram-se, também, os trabalhadores por conta própria e
os autônomos ' profissionais liberais ' que empregam, em geral, um ou outro
agente administrativo. Em 2003 os assalariados sem carteira e os conta-própria
' incluindo autônomos ' representavam 45,8% da População Economicamente Ativa '
PEA, segundo dados da PNAD. Esta é a parte da população que não será atingida
pela fiscalização senão por puro azar.
No outro pólo, o da estrita formalidade, as chances de ser apanhado em caso de
ilegalidade na relação de trabalho é diretamente proporcional ao tamanho das
empresas. Pequenas empresas ' até 20 empregados ' dificilmente serão
fiscalizadas, porque o sistema oferece incentivos seletivos para que a
fiscalização, forçada a escolher onde operar tendo em vista a insuficiência de
pessoal, escolha as grandes empresas. Os dados e as entrevistas sugerem que o
número "mágico" de empregados que coloca uma empresa na lista de possível
inspecionada é 50. Assim, se uma empresa tem 50 ou mais empregados e apresenta
alguma ilegalidade, sendo denunciada, a chance de que seja fiscalizada é muito
alta.
Aqui entra o terceiro limite importante do sistema: a baixa taxa de
regularização de vínculos empregatícios pode ser expressão da circunstância de
que as grandes empresas têm possibilidades materiais para protelar a solução de
qualquer irregularidade, muito além dos 60 dias legais dos processos
administrativos. Recorrendo ao judiciário, os prazos ficam literalmente em
suspenso, porque a justiça no Brasil é lenta e uma sentença pode levar anos.
Por isso, os fiscais do trabalho entrevistados insistem em dizer que são as
pequenas e médias empresas que pagam multas ou regularizam as relações de
trabalho quando fiscalizadas. O custo, para elas, de protelar uma solução via
ação judicial pode ser alto demais. Isso pode estar explicando o fato de que
21% das empresas autuadas resultaram em apenas 1,17% de situações de trabalho
regularizadas. As grandes empresas ou são de fato mais "legais", ou conseguem
elidir as obrigações contratuais via recursos judiciais.
Entre esses dois pólos, encontra-se a maioria das empresas, embora não a maior
proporção de trabalhadores empregados. Essas dificilmente serão fiscalizadas.
São empresas formais, com número significativo de trabalhadores, mas que, mesmo
sendo denunciadas, se aproveitam das lacunas do sistema de inspeção para
empurrar até a prescrição as ações que têm contra si. Cabe registro de
depoimento de auditorfiscal no sentido de que há ingerência política na
nomeação dos delegados regionais do trabalho; e são estes que aplicam as
multas. Em qualquer caso, porém, a chance de uma empresa ser inspecionada é
diretamente proporcional à propensão dos trabalhadores denunciarem as
irregularidades.
É verdade que, nos últimos anos, o governo federal vem promovendo campanhas de
esclarecimento da população e oferecendo telefones para denúncias anônimas. No
entanto, a eficácia desses instrumentos pode ser comprovada não tanto na
repressão da rotineira sonegação de direitos trabalhistas, mas sim em situações
mais dramáticas, como "redução à condição análoga à de escravo" e a exploração
do trabalho infantil. Recentemente, três fiscais do trabalho foram assassinados
em Minas Gerais no exercício de suas funções, aparentemente a mando de um
fazendeiro ligado a um importante político da região e que mantinha
trabalhadores em regime de trabalho forçado em suas fazendas. Denúncias
espocaram no Pará, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo e outros
estados, e o trabalho escravo ' principalmente escravização por dívidas '
parece estar sendo eficazmente combatido. O mesmo pode ser dito a respeito do
trabalho infantil, que vem sendo enfrentado não apenas com a fiscalização, mas
também com as políticas públicas de renda mínima, quase todas atreladas à
atenção das crianças à escola.
Do ponto de vista do que interessa a este trabalho, a inspeção do trabalho
parece direcionada para as empresas com menor potencial de ilegalidade,
resultando em alta efetividade (grande número de trabalhadores atingidos pela
fiscalização) mas baixíssima eficácia relativa (vínculos regularizados na ação
fiscal). Ainda assim, o sistema de multas e o processo de sua cobrança
mostraram-se coercitivos o suficiente para forçar as empresas menores a
regularizar sua situação e também pagar as multas. Como sempre, porém, as
grandes empresas contam com a ineficiência do sistema judiciário para elidir o
cumprimento das leis.
NOTAS
1. Uma boa revisão crítica da literatura sobre os efeitos da legislação
trabalhista nos mercados de trabalho dos países da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ' OCDE pode ser encontrada em Bertola,
Boeri e Cazes (1999), em que se argumenta que a evidência disponível não é
suficiente para sustentar a idéia de que mercados de trabalho mais flexíveis
são mais eficientes ou mais equitativos. Squire e Suthiwart-Narueput (1997)
analisam dados de diversos países do Terceiro Mundo para concluir na mesma
direção. Um bom estudo sobre os efeitos (nulos) da Constituição de 1988 sobre a
dinâmica do mercado de trabalho no Brasil é Barros et alii (1999). Argumentos
no sentido contrário podem ser encontrados em Marques e Pagés (1998), Scarpetta
(1998) e Heckman e Pagés (2000).
2. Dentre os resultados não almejados está a crescente precariedade do trabalho
e suas conseqüências na integração social, as diferenças nos salários segundo a
idade, o gênero ou o grupo étnico, a subsistência de grupos altamente
vulneráveis ao desemprego, como os jovens, ou o aumento da pobreza entre os
assalariados, todos amplamente documentados em diversas pesquisas, como Cardoso
(2000); Cardoso Jr. (2000); Tockman e Martínez (1999); Egger (1999a; 1999b);
Berry e Mendez (1999); Guimarães (2002), Cardoso (2003), dentre outras.
3. Exceção a essa regra é Squire e Suthiwart-Narueput (1997). É longa, no
Brasil, a discussão em torno da efetividade da lei no cotidiano das relações de
trabalho, embora não da perspectiva mencionada, isto é, a eficiência dos
mercados de trabalho. Um ótimo apanhado da discussão sobre a efetividade ou não
da Consolidação das Leis do Trabalho ao longo da história é French (2001:16-23;
35-45).
4. Até o momento da redação deste artigo, a Convenção 81 fora ratificada por
133 países, a Armênia tendo sido o último país a fazê-lo, em dezembro de 2004.
5. São exemplos de verbas incontroversas: o salário, o 13º, as férias, o FGTS,
quando admitido o vínculo de emprego; são exemplos de verbas controversas: os
adicionais de hora extra, de periculosidade, de insalubridade, de isonomias
salariais e outros casos em que a demanda trabalhista requer que o trabalhador
proveja suas alegações.
6. No Código Penal estão tipificados os "crimes contra a organização do
trabalho" ' arts. 197 a 203 ' de pouco interesse para este estudo, na medida
que a "Parte Especial do Código Penal é espelho fiel do Código Rocco italiano,
código sabidamente de inspiração fascista", no entender de Nogueira (2000).
7. É certo que o contrário é bastante comum, na verdade típico em algumas
cadeias de produção, como a química (Mello e Silva e Rizek, 1997), a têxtil
(Costa, 2002); a de construção civil e a de produtos de linha branca, como
fogões e geladeiras (Gitahy, 1997). Na indústria automobilística, em razão de
acidentes graves decorrentes de falhas de controle de qualidade nas empresas
terceirizadas, a transferência de padrões tecnológicos e de qualidade vem
melhorando as relações de trabalho nas franjas da cadeia produtiva (Carvalho,
2001; Marx, Salerno e Zilbovicius, 2003), sem contudo ser suficiente para
obrigar as terceiras à adequação à lei.
8. Ver, dentre outros, Werneck Vianna (1999); Tavares de Almeida (1978); Gomes
(1988); Rodrigues (1977); Moraes Filho (1979); e French (2001).
9. São extensas, ao longo da história, as denúncias de ineficiência do sistema
de fiscalização. Número pequeno de fiscais do trabalho, corrupção dos fiscais
existentes, DRTs desaparelhadas, inflação corroendo o valor das multas, esses
são apenas alguns aspectos apontados na análise de French (2001) e que, segundo
alguns, persistem até hoje (p. ex., Cappellin, 2005).
10. Até então a atividade era regulada unicamente pela CLT e por instruções
normativas e decretos do Ministério do Trabalho e Previdência Social ' MTPS.
11. Os dados da tabela referem-se ao orçamento efetivamente executado em cada
ano, deflacionado pela inflação acumulada média do ano, deflator construído com
base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Para 2003, a execução estava
fechada até setembro no momento quando os dados foram coligidos a partir do
endereço eletrônico da Câmara dos Deputados.
12. O aumento da participação do MTE no OGU foi algo artificial em 2003, em
razão da Lei Complementar nº 110, de 2001, que obrigou o Estado a ressarcir os
titulares de contas do FGTS das perdas de planos econômicos passados. Esses
recursos (R$1.7 bilhão) saíram do FAT.
13. O orçamento da União, de onde foram extraídos esses dados, pode ser
encontrado no seguinte endereço eletrônico: http://www.camara.gov.br/internet/
orcament/principal.
14. Decreto nº 4.552/02 ' Art. 3º: "Os auditores-fiscais do trabalho são
subordinados tecnicamente à autoridade nacional competente em matéria de
inspeção do trabalho."
15. CLT ' Decreto-lei nº 5452/43: Art. 161: "O Delegado Regional do Trabalho, à
vista de laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente
risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço,
máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a
brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas
para prevenção de infortúnios do trabalho."
16. A competência do auditor-fiscal, quando o empregador faz parte da
administração pública ' a União, os Estados, os Municípios, autarquias, e
fundações públicas ' se dá quando há empregados, ou seja, quando há contrato de
trabalho regido pela mesma legislação que rege o trabalho subordinado nos
contratos privados. As empresas de economia mista e as empresas públicas têm
regime de contratação trabalhista privado e, portanto, estão sujeitas à
fiscalização.
17. RIT ' Decreto nº 4.552/02 ' Art. 4º: "Para fins de inspeção o território de
cada unidade federativa será dividido em circunscrições, e fixadas as
correspondentes sedes." As Delegacias Regionais do Trabalho, uma em cada Estado
da Federação, coincidem com as circunscrições de que fala este artigo.
18. Essa atividade de aplicar multas é ato vinculado, isto é, o delegado tem
poder/dever de aplicar as multas e não tem autonomia para impedir o curso do
processo administrativo automaticamente instalado pelo protocolo do auto de
infração. No entanto, o Ministro do Trabalho tem poder de "avocar" o processo,
ou seja, retirá-lo das instâncias administrativas inferiores, para exame e
decisão.
19. Dados em MTE (2004:5), em dólares de julho de 2004.
20. Conforme pode-se ler em documento do próprio MTE (2004:7), "La mayor fuente
de informaciones que, obedecidas las prioridades definidas en el planeamiento,
orientará la acción fiscal son las denuncias oriundas de entidades sindicales
de trabajadores, Ministerio Público del Trabajo, otras entidades
gubernamentales y no gubernamentales y de los propios trabajadores que buscan
diariamente la Guardia Fiscal de las DRT".
21. Para esta seção, levamos em conta entrevistas com seis auditores-fiscais do
Rio de Janeiro, um de São Carlos, interior de São Paulo, além de um subdelegado
em cada estado.
22. Todas essas informações estão em Bensusán (2005).
23. Essa suspeita é sustentada fortemente por uma entrevistada, que disse,
textualmente: "É preciso esclarecer que o Ministério do Trabalho não fiscaliza
o mercado informal de trabalho. Sabemos que as ruas estão cheias de
trabalhadores informais, mas isso é ignorado pela ação fiscal. Fiscalizamos
empresas, ou seja, organizações em que é possível identificar um empregador e
seus subordinados".
24. Em 1994, segundo dados da RAIS-MTE, havia 23 milhões de assalariados com
carteira no país, mesmo número de trabalhadores atingidos pela fiscalização,
que teria, assim, coberto 100% do mercado formal.
25. A construção civil ocupava 3,8% dos empregados com carteira no país em
2000, segundo a RAIS, mas era responsável por 7,4% dos acidentes de trabalho
formalmente registrados no MTE. Dados disponíveis no site www.mte.gov.br.
26. Formados pontualmente para cada obra em particular (porque cada obra será
realizada por um condomínio sempre diferente de empresas), os condomínios se
estão generalizando na construção civil. Trata-se de pessoas jurídicas com
Cadastro Específico do Instituto Nacional de Seguridade Social, cadastro
administrado pelo INSS e que contempla empregadores desobrigados de inscrição
no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas ' CNPJ, mas que são contribuintes
obrigatórios da Previdência Social, como por exemplo condomínios, empregadores
domésticos, empregadores eventuais (construção, reformas). Ao final de cada
obra (um prédio, por exemplo), a pessoa jurídica responsável por ela, ou seja,
o condomínio, deixa de existir.
27. Os dois sindicatos fizeram questão de marcar a queda no número de óbitos
por acidente de trabalho na construção civil em 2003 (três óbitos), comparando
com o ano de posse da nova diretoria do sindicato laboral (17 óbitos).
28. Estimativa baseada no Censo de 2000 e projetada com base nas informações da
PNAD-2002 para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
29. Pesquisa bibliográfica realizada por Mendes (2003) levantando todas as
teses e dissertações sobre saúde e trabalho no Brasil desde 1950 encontrou
apenas uma dissertação de mestrado sobre construção civil no Rio de Janeiro,
ainda assim para o ano de 1987. O tema não é estudado pela academia brasileira,
apesar de a construção civil apresentar o maior índice de acidentes de trabalho
no país desde sempre.
30. Wunsch Filho (1999) argumenta que a reestruturação produtiva vem
contribuindo para a queda no número de acidentes de trabalho na indústria
brasileira. Cremos, porém, que a causa mais importante é a maior informalização
das relações de trabalho, que reduz o número de trabalhadores cobertos pela
previdência e, com isso, a informação oficial sobre acidentes efetivamente
ocorridos.