Novas conjunturas industriais e participação local em estratégias de
desenvolvimento
Empresas integrantes de cadeias produtivas globais, ao se instalarem em novas
localidades e regiões, produzem dinâmicas criadoras de situações que tendem a
alterar as condições de desenvolvimento econômico e os padrões de participação
institucional e política. A proposta do texto é discutir as questões
relacionadas à formação desses novos padrões de participação, atribuindo
relevância à ação de redes sociopolíticas que se constituem nas localidades
onde ocorrem as atividades industriais. A situação analisada é conseqüência da
dinâmica do setor automobilístico brasileiro, que ao longo dos anos de 1990
passou por um processo de reestruturação, fazendo novos investimentos e
construindo novas fábricas e afetando antigas e novas regiões industrializadas.
Pretende-se argumentar, a partir de um caso regional de implantação recente de
unidades fabris da indústria automotiva (Sul Fluminense), que, mesmo em um
contexto em que a introdução inicial de grandes empresas tem motivações
oportunistas ' isenções fiscais, empréstimos públicos generosos, baixos
salários etc. ', sem nenhuma perspectiva de cooperação com as instituições
econômicas e políticas locais, podem emergir iniciativas de mobilização e
intervenção da sociedade no sentido de interferir na política industrial e
fomentar atividades de colaboração visando ao desenvolvimento da região.
O aglomerado industrial da hipótese aqui examinada foi instalado sob a forma de
"produção enxuta", o que não autorizaria a crer na sua capacidade de gerar
situações que levem a formulação de estratégias de integração das empresas
entre si, e entre elas e o poder público e a sociedade civil. Na ausência de
uma ação do tipo que levou aos efeitos de desenvolvimento observados nos
"distritos industriais italianos", que se baseiam na articulação "virtuosa"
entre pequenas empresas para a formação de arranjos cooperativos, será que é
possível pensar que, em situações de aglomeração industrial como as do Sul
Fluminense, possa haver elementos da sociedade civil, acúmulos históricos,
capital social capaz de provocar efeitos ao menos semelhantes? Diante de uma
indústria que cada vez mais reduz os seus custos de produção, entre outras
coisas, graças ao rebaixamento de salários e ao corte de postos de trabalho,
perante a explicitação por parte das indústrias de que o deslocamento espacial
visa a auferir ainda mais ganhos seja às expensas dos trabalhadores ou do
Estado, será que vale a pena perguntar sobre os eventuais efeitos positivos
para a sociedade como um todo e especialmente para os trabalhadores da região,
que a presença dessas indústrias possa provocar?
Por razões que serão demonstradas mais adiante, no caso estudado, a presença
dessas empresas tem de fato funcionado como um indutor da necessidade de
cooperação para o desenvolvimento econômico. Isso pressupõe aceitar que os
atores políticos das localidades da região possam se capacitar para atuar ' até
mesmo para contestar ' na gestão da nova fase do desenvolvimento local. De
forma diferenciada, também pode operar no sentido de moldar o desenvolvimento a
favor dos interesses econômicos e sociais da sociedade local. Neste coletivo
estariam incluídos os trabalhadores, principalmente aqueles contratados pelas
novas empresas, que além de constituírem um grupo social expressivo, com novas
expectativas e demandas no espaço da fábrica e da cidade, transformariam a
organização sindical em participante potencialmente relevante nesse processo.
A ARGUMENTAÇÃO TEÓRICA
Tratar desta temática implica em dialogar com um conjunto de questões teóricas,
presente na literatura das ciências sociais e econômicas, a começar pela
análise dos desdobramentos da crise da produção fordista, que resultou na
reestruturação das grandes empresas verticalizadas e rígidas, transformadas em
organizações mais flexíveis e articuladas em redes, formando cadeias produtivas
globais1, afetando as relações de trabalho e as localidades onde estão
instaladas. A facilidade com que as fábricas "enxutas" conseguem se deslocar de
um espaço geográfico para outro teria significado, por um lado, o aumento do
poder discricionário das empresas, sempre em busca de lugares com mão-de-obra
barata e grandes incentivos fiscais, como acontece com os países tardiamente
industrializados; por outro lado, teria feito crescer a importância econômica e
política dos locais onde estão instaladas as empresas reestruturadas, a partir
do momento em que esses locais2 passaram a fazer parte de um circuito global.
Esta situação, identificada em vários países, incluindo o Brasil, poderia ser
entendida como capaz de mexer com estratégias empresariais globais e nacionais
e com políticas de desenvolvimento econômico e social locais, regionais e
nacionais. Nessa "nova ordem econômica regional", os sistemas econômicos
regionais modernos poderiam ser vistos não apenas como representados por um
domínio puramente privado, no qual prevalecem as relações mercadológicas, mas
também como um "domínio coletivo de exterioridades, que é a nascente de
vantagens competitivas e efeitos de desenvolvimento, mas que deve ser
gerenciado por instituições públicas adequadas, a fim de garantir a totalidade
dos benefícios que gera" (Scott, 1999:30-31).
A discussão sobre estratégias de desenvolvimento local associada a esse novo
momento da indústria automobilística brasileira ' de descentralização e
deslocamento para fora das regiões metropolitanas ' tem incorporado formulações
sobre dinâmicas que valorizam "não apenas as relações econômicas produtivas,
mas também a eficácia das relações não mercantis entre os homens" (Pires, 2004:
3). Segundo este autor, essas dinâmicas ultrapassariam "a valorização dos
mercados de bens materiais de consumo, agora envolvendo os serviços, as
tradições e os saberes locais, transformados em recursos que dão suporte a
várias atividades econômicas" e constituiriam elementos estratégicos das ações
dos atores sociais locais (ibidem). Do mesmo modo, nessa perspectiva se
valorizam cada vez mais as cidades e não apenas as empresas como contextos dos
processos de desenvolvimento local. Cocco et alii (1999:23-24), por exemplo,
chegam a dizer que "a transferência do 'lugar' da produção para os territórios
das cidades extrapola a localização estritamente privada característica do
regime de acumulação fordista". E que "o espaço da produção, ao deixar a
fábrica e passar a se referenciar na cidade (no território), ganha uma
conotação pública inexistente anteriormente".
Considerando que em realidades concretas essas características podem aparecer
juntas e muitas vezes em conflito, incorporar a dimensão política na discussão
sobre o desenvolvimento local, para explicar o caso em questão, torna-se
essencial. A unidade básica de análise seria os atores econômicos locais e as
redes sociopolíticas formadas por eles, os quais conformariam um padrão
particular de desenvolvimento ' entre as quais estão empresas e sindicatos.
Locke, por exemplo, descrevendo a experiência italiana, considera que
"[...] essas redes criam misturas de recursos e constrangimentos que
moldam as escolhas estratégicas para os atores locais. [...] Não
apenas estruturam o fluxo de informações e relações entre as
entidades econômicas locais, como também oferecem aos atores locais
diferentes ligações ou canais de representação nos grupos nacionais
de interesse e criadores de políticas." (1995:12)
E sugere que "estratégias bem-sucedidas são construídas sobre redes de
associativismo densas mas igualitárias, organização de grupos de interesse e
instituições locais que facilitam a troca de informações e a obtenção de
recursos escassos, mediam conflitos e geram confiança entre os atores
econômicos". A questão decorrente dessa perspectiva é perceber, segundo Roese
(2003:40), "como estes vínculos (extra-econômicos) podem ser criados onde eles
não foram desenvolvidos historicamente".
Esse contexto estimula o debate sobre os mecanismos de coordenação que resultam
no sucesso dos arranjos produtivos. Conforme Roese (ibidem), a questão central
passa a ser "a governança, ou seja, como instituições, formais ou não,
contribuem para que a política industrial e as estratégias individuais e
coletivas das empresas, dos centros de pesquisa, ensino e treinamento,
convirjam no sentido de obter (uma) desejada eficiência coletiva". Para
Guimarães e Martin (2001:16), o desafio está em saber "como padrões de
governança e arranjos típicos que surgem com a chamada produção 'flexível' ou
'enxuta' [...] dão lugar a novas formas de alocação de bens ' materiais e
simbólicos ' produzidos a partir da atividade econômica", recuperando na
análise das experiências de "governança" "a idéia de que a natureza do
desenvolvimento econômico é um fenômeno sujeito à contestação política e
econômica" (Roese, 2003:21).
As formulações atuais sobre "distritos industriais" são também uma boa
referência para se discutir a experiência brasileira em geral e o caso do Sul
Fluminense em particular. Markusen (1996:294) traz uma importante contribuição
nesse sentido ao elaborar uma tipologia na qual destaca os critérios que tornam
as localidades ou as regiões atraentes para a concentração de atividades
industriais, e que acima de tudo tornam duradouras essas experiências. E, ao
descrever a diversidade de situações que podem manter a atratividade de um
local ou de uma região, a autora amplia a discussão sobre os "novos distritos
industriais" para além do exemplo dos distritos industriais italianos '
apoiados na especialização flexível e na atratividade ligada ao papel da
pequena empresa, articulada em um sistema cooperativo regional de governança
industrial ', ao incorporar entre outros tipos de distrito industrial
diferentes formatos não necessariamente apoiados apenas em pequenas empresas,
mas também em relações entre grandes e pequenas empresas.
De fato, o caso do Sul Fluminense não se enquadra no padrão clássico do
distrito industrial italiano3. No entanto, a região e o município escolhidos
para a atividade industrial preponderante apresentam características próximas a
de dois tipos descritos por Markusen: o distrito industrial "hub-and-spoke",
que é "dominado por uma ou várias grandes firmas, integradas verticalmente em
um ou mais setores, circundadas por fornecedores menores e com menos poder" '
nesse caso, as empresas ou instituições principais "não são enraizadas
localmente, tendo importantes laços com os fornecedores, competidores e
consumidores estabelecidos fora do distrito"; e o segundo tipo, chamado de
"plataformas satélites", quando as empresas
"[...] são colocadas pelos governos nacionais ou governos regionais a
uma certa distância de grandes áreas urbanas como uma forma de
estimular desenvolvimento regional e simultaneamente baixar o custo
do negócio para firmas competitivas pressionadas pelos altos salários
urbanos, aluguéis e impostos". (idem:302)
DESLOCAMENTOS DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA BRASILEIRA: O CASO DO SUL FLUMINENSE
A indústria automotiva, decisiva para o desenvolvimento do país a partir dos
anos 1950, reestruturou sua organização produtiva nos anos 1990, como reflexo
da crise de produtividade no âmbito internacional e de um longo período de
recessão econômica no mercado interno, associado ao abandono da política de
substituição de importações (Abreu et alii, 2000).
Nessa conjuntura, o Brasil tornou-se um importante alvo dos investimentos
diretos de empresas multinacionais do setor e, graças aos incentivos fiscais de
um "novo regime automotivo"4, esses investimentos se traduziram na construção
de novas fábricas e na reestruturação das antigas com um dispêndio de mais de
US$ 20 bilhões. Ocorreu também um processo de reespacialização da indústria5,
com um deslocamento para outras regiões e municípios afastados das áreas
industriais mais tradicionais, como o ABC paulista, a maioria sem relação
prévia com essa atividade industrial, estimulando uma competição pelas
montadoras6, e criando novas experiências e novos padrões de desenvolvimento
local7.
A vinda das fábricas da Volkswagen Ônibus e Caminhões (1996)8 ' doravante VW '
e da PSA Peugeot Citroën (2001) para os municípios vizinhos de Resende e Porto
Real, no Vale do Rio Paraíba do Sul, foi resultado dessa política de incentivos
fiscais. Em Resende e Porto Real, os primeiros efeitos dos investimentos têm
indicado um certo dinamismo das economias locais, com resultados palpáveis em
termos do aumento dos recursos públicos, instalação de outras novas empresas,
criação de postos de trabalho e novas atividades de serviços9.
Os municípios de Resende e Porto Real fazem parte da região fluminense do Médio
Paraíba, e estão estrategicamente localizados no meio do principal corredor
industrial brasileiro, ao longo da rodovia Rio-São Paulo, sendo próximos de uma
das principais empresas siderúrgicas do país, a Companhia Siderúrgica Nacional
' doravante CSN, estabelecida em Volta Redonda (RJ), a partir dos anos 1940.
Pode-se dizer que foi após a inauguração da CSN que toda essa região,
tradicionalmente associada a grandes fazendas de café, começou a mudar o seu
perfil de modo a ser hoje anunciada, a partir da vinda da indústria automotiva
nos anos 1990, como um pólo de desenvolvimento com "vocação para a indústria
metal-mecânica".
A história industrial de Resende (incluindo Porto Real e Itatiaia ' distritos
recentemente emancipados), desde os anos 1950, divide-se em diversos ciclos
econômicos e sempre esteve associada a grandes firmas, algumas delas ainda
presentes no local ' indústria química e farmacêutica, de bebidas, energia
nuclear, metalurgia e pneus ', mas não é uma história que chame a atenção pela
colaboração entre empresas ou por uma forte ligação com a localidade. A
predominância de uma cultura da grande empresa descolada da realidade local
parece ter sido um traço característico dos ciclos de desenvolvimento
industrial anteriores10. No caso da indústria automobilística, embora a
tendência inicial tenha sido pela manutenção dessa prática, a dinâmica criada
pela instalação das empresas e a expectativa estabelecida pela possibilidade de
um novo ciclo de crescimento econômico nos municípios, na região e no Estado,
parecem indicar uma dinâmica diferente das outras épocas.
Dentre os vários fatores que possibilitaram a escolha de Resende para esse novo
tipo de investimento, está o fato de o município enquadrar-se na opção
estratégica das empresas de permanecerem geograficamente perto do principal
mercado consumidor brasileiro e acessível ao mercado sul-americano. Além da
chancela política do governo federal que permitiu ao governo do Estado do Rio
de Janeiro participar do "leilão" que se instituiu com o objetivo de atrair as
montadoras e suas fornecedoras, enfatizou-se também a vinda das grandes
montadoras como promotoras do desenvolvimento econômico11. Segundo o ex-
secretário de Indústria e Comércio do Estado do Rio de Janeiro, Márcio Fortes,
em entrevista concedida a mim, em 7 de maio de 1999,
"Não há país desenvolvido decente no mundo que não tenha uma fábrica
de automóveis. [...] A indústria automobilística é uma marca de
desenvolvimento industrial. [...] País que se preza tem que ter
indústria automobilística. Mais ainda, Estado que se preza no Brasil
tem que ter indústria automobilística".
No front municipal, todo esse processo serviu também para rearranjar forças
políticas e econômicas locais. O fato mais importante que marcou esse período
foi a disputa territorial desencadeada pelo anúncio da vinda da VW, e que
resultou concretamente na emancipação do município de Porto Real, em 1995.
Nesse contexto, a localização da fábrica foi moeda de troca, tendo sua
permanência em Resende sido condicionada a um plebiscito sobre a emancipação.
Em seguida, Porto Real foi escolhido para ser a base municipal da PSA Peugeot
Citroën e de seus fornecedores, e da Galvasud ' empresa siderúrgica resultado
de uma parceria entre a ThyssenKrupp e a CSN ', cuja produção é voltada para a
indústria automobilística.
Uma relação direta também se fez entre a doação de terrenos privados para a
instalação das empresas e a negociação política da emancipação. Os terrenos
pertenciam a um dos principais empresários locais, dono do Grupo Porto Real,
que entre outras empresas controlava mais notadamente a Coca-Cola regional,
além de ser proprietário de uma grande quantidade de terras oriundas de antigo
canavial. Como aponta Bernardelli,
"A Volkswagen [anunciou] que a empresa ficaria em Resende, [...] numa
fazenda chamada Piquet, no distrito de Porto Real. Aí houve uma
comoção na cidade de Resende. [...] Porque foi uma doação de 2
milhões de metros quadrados do Grupo Porto Real que veio sensibilizar
e conseguir que esse grande parque industrial da Volkswagen Ônibus e
Caminhões [...] ficasse em Porto Real, porque a fazenda era
propriedade desse grupo que cedeu parte do seu patrimônio para a
Volkswagen se instalar. [...] O atual prefeito de Resende [...] era,
na época, deputado estadual [...] e começou a dizer: 'não, nós não
queremos que a Volkswagen vá para Porto Real'. E [...] começou a
fazer 'lobby' na assembléia para que os deputados não aprovassem esse
projeto. [...] Aí, nós resolvemos dizer: está bem, vocês querem a
Volkswagen? Mas nós queremos a nossa independência [...]" (S.
Bernardelli, prefeito de Porto Real, 2003).
Nesse caso parece ter prevalecido a estratégia da competição, tradicional entre
os municípios brasileiros. No entanto, embora a nova aglomeração industrial
tenha sido formada a partir de uma política predatória de incentivos fiscais,
já há indícios de que as instituições municipais e estaduais voltadas para o
desenvolvimento econômico têm atuado no sentido da criação de um novo pólo
industrial "metal-mecânico". São várias iniciativas em termos de legislação e
criação de novos mecanismos de incentivo ao investimento na região, orientadas
pela preocupação com o crescimento econômico e a geração de empregos. A
situação parece ter evoluído, graças à sinergia proporcionada pelas atividades
da indústria automotiva e pela possibilidade de um novo ciclo de prosperidade,
embora em condições diferentes de fases anteriores. Articula-se um movimento no
sentido de criar mecanismos indutores da formação de coletivos com interesses
comuns12.
O exemplo descrito pelo secretário municipal de indústria e comércio de Resende
parece significar um avanço na direção de uma discussão intermunicipal:
"Existe um fórum de secretários, principalmente com a nossa
secretaria de desenvolvimento econômico. Você não vê muita reunião,
mas existe o fórum de secretários de indústria e comércio. Até porque
a gente tem que falar a mesma linguagem. [...] Quando a empresa vem
procurar a região, a gente quer que ela se instale aqui, pode ser
Itatiaia, Quatis ou Porto Real" (Antonio Gastão, secretário de
Indústria, Comércio e Turismo de Resende, 2001).
Independentemente da motivação das grandes empresas, a situação criada pela sua
instalação acabou tendo o efeito de empurrar as entidades empresariais
regionais e locais na direção de novas iniciativas de integração entre
empresas, estimulando as de pequeno e médio porte, principalmente no setor de
serviços, a se habilitarem no fornecimento as grandes. A Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro ' doravante Firjan ' regional tem de
certa forma liderado esse processo de discussão. A implantação e as reuniões
regulares da Comissão Intermunicipal de Resende, Itatiaia, Porto Real e Quatis,
com a presença constante de representantes de empresas de todos os tipos '
industriais, agrícolas e de serviços ', de secretários e de prefeitos, revela
um importante fórum criado com o objetivo de debater as questões locais.
Percebe-se, no entanto, uma pequena ou quase nenhuma participação de
trabalhadores ou sindicatos nessas iniciativas. O acesso às atas das reuniões
da Comissão permitiu identificar práticas associadas diretamente à nova
realidade econômica desencadeada pelas montadoras. Segundo Henrique Nora,
"A Firjan [...] precisa estar presente nas diversas discussões não só
voltadas exclusivamente para o setor industrial, [...] mas discutindo
todas as demandas da sociedade. [...] Nós implantamos as comissões
intermunicipais [...], e essas comissões têm plena liberdade de atuar
em nome da Firjan dentro dos limites desses municípios. [...] São
sempre articuladas, dirigidas e presididas por um membro do conselho
e se reúnem mensalmente. [...] Nós temos um acompanhamento de tudo o
que acontece não só diretamente ligado à atividade industrial, mas
também às demandas da sociedade, enfim, porque são chamados a
participar dessa discussão não só empresários, mas também os outros
setores da sociedade, o poder público" (Henrique Nora, diretor
regional da Firjan, 2002).
Uma parte das discussões tem se voltado para os impactos da vinda da indústria
automobilística, inclusive para o mercado de trabalho local, mas também tem
significado um entendimento com as prefeituras da região. Nora questiona
"(O que se discute nessas comissões?) [...] Geralmente problemas que
afetam o trabalho das indústrias e questões da sociedade local.
(Mercado de trabalho também?) Mercado de trabalho.[...] O nosso braço
de formação profissional está sempre presente, o Senai. [...] Lá na
fábrica da Peugeot Citroën nós formamos praticamente toda mão-de-obra
aqui dentro do Senai. [...] Temos parceria com todas as prefeituras.
São nossos parceiros e temos com eles uma perfeita integração. Lógico
que com uns prefeitos mais, com outros menos, mas de um modo geral
[...] (E tem resultado em políticas concretas?) Temos o fórum de
logística e desenvolvimento do sul do estado. Temos discutido a
implantação, o desenvolvimento organizado da região porque a gente vê
que o desenvolvimento passa por aqui, mas que ele precisa se fazer de
forma organizada" (Henrique Nora, 2002).
A questão da educação, formação técnica e profissional teve um grande estímulo
nessa conjuntura. Sabe-se que um dos aspectos decisivos para a vinda das
empresas foi a existência de uma unidade do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial ' Senai, que tem garantido a qualidade da mão-de-obra e servido como
porta de entrada para o novo operariado. O bom nível de escolarização em
Resende também é atribuído historicamente à presença da Academia Militar das
Agulhas Negras e da influência militar sobre a vida do município. Dentre outros
aspectos a serem lembrados, é válido ressaltar a atuação de bons professores
oriundos da Academia que fizeram elevar o padrão de qualidade das escolas. No
atual momento, há um claro movimento no sentido de aumentar a oferta de ensino
superior. Novos cursos em faculdades pública e privada apontam para uma demanda
cada vez maior por profissões relacionadas com as necessidades atuais do
mercado de trabalho industrial. No âmbito regional, a criação de uma
Universidade Federal no Sul Fluminense, baseada no modelo da existente em Volta
Redonda, foi recentemente anunciada pelo Ministério da Educação.
Iniciativas com vistas a criar condições para outros novos investimentos,
aproveitando o impulso econômico trazido pela indústria automotiva, têm se
manifestado no universo regional, incluindo as áreas industriais mais antigas,
em busca de novas vocações ou de uma melhor adaptação à realidade industrial
transformada pela reestruturação empresarial que atingiu a todas ao longo dos
anos 1990. A referência é a região mais ampliada incluindo principalmente
outros de seus mais ativos municípios ' Volta Redonda e Barra Mansa, mas também
Piraí e Barra do Piraí.
Na imprensa, o relato das atividades empresariais do Sindicato das Indústrias
Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Sul Fluminense ' MetalSul
reconhece o dinamismo econômico da nova conjuntura e identifica pautas pouco
comuns até recentemente, como o convite ao diálogo entre capital e trabalho em
prol do desenvolvimento local.
"MetalSul propõe apoio a empresas locais ' Um dos objetivos de
Roberto Balbi, recém-eleito presidente do Sindicato das Indústrias
Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Sul Fluminense
(MetalSul), é dialogar com as prefeituras locais para que elas passem
a dar facilidades e incentivos (também) para as empresas que já estão
estabelecidas na região [...]. O dirigente sindical [...] conta obter
o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos para essa iniciativa: 'Se
empregadores, empregados e poder público se unirem com um mesmo
objetivo, tenho certeza de que todos na região poderão sair
ganhando', disse. Balbi acredita, também, que o relacionamento entre
patrões e empregados, assim como entre empresas e governos e entre as
diversas empresas, está passando por transformações. ' Acredito que
não só a região, mas todo o mundo, está entrando em uma era em que a
solidariedade passa a ser uma questão de sobrevivência [...]" (Diário
do Vale, 5/10/2001).
Nos outros exemplos (Diário do Vale,2002; 2004), pode-se identificar também o
empenho de políticos locais ' deputados, prefeitos, secretários ' associados à
administração estadual, na elaboração de programas de incentivo ao
desenvolvimento metal-mecânico e na tentativa de criar condições para uma maior
integração entre as empresas locais.
"Empresas irão oferecer serviços a grandes indústrias ' O prefeito
(de Resende) Eduardo Meohas e o secretário municipal de Indústria,
Comércio e Turismo, Antônio Gastão, lançaram ontem o Programa Missão
Empresarial. O evento [...] teve como proposta cadastrar empresas do
município para oferecerem serviços e peças às grandes companhias
sediadas em Resende e região, como Volkswagen, Clariant, Peugeot,
GalvaSud e Guardian. Segundo Gastão, esse programa busca ainda
promover a integração entre as grandes, médias e pequenas empresas de
Resende" (Diário do Vale, 13/12/2002).
"Governo do Estado promove workshop para atrair investidores ' A
Codin (Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de
Janeiro) promove hoje na fábrica da Volkswagen Caminhões e Ônibus o
1º Workshop de Negócios Automotivos do Estado do Rio de Janeiro. O
evento é promovido em parceria com o Sebrae/RJ, o Grupo de Produção
Integrada da Coppe/UFRJ e a Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro e
tem o objetivo de atrair para o estado investidores do segmento que
reúne fabricantes de carrocerias, semi-reboques, guinchos e caçambas
graneleiras especiais. O workshop [...] é parte integrante do projeto
Rio Automotivo. [...] Segundo o presidente da Codin, [...], foi
justamente com [...] a finalidade de integrar a cadeia produtiva do
setor automobilístico, fortalecendo, assim, o cinturão de
fornecedores no Médio Paraíba, que a Codin formou um grupo para
transformar o Sul Fluminense em um pólo de soluções para veículos
comerciais e implementos rodoviários [...]" (Diário do Vale, 16/4/
2004).
Políticas de caráter nacional, nos últimos anos, têm se efetivado localmente
com o objetivo de facilitar a criação de novos micros e pequenos
empreendimentos, com destaque para o papel desempenhado pelo Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ' doravante Sebrae, através de uma
política de incentivo à formação de Arranjos Produtivos Locais ' APLs. Essa
estratégia se articula com outras iniciativas, principalmente de associações
empresariais, como a Firjan. Nos exemplos a seguir retirados da imprensa
encontram-se dois tipos de ação do Sebrae na região Sul Fluminense em áreas
fundamentais para o crescimento econômico: uma que diz respeito à logística de
transporte, tendo em vista a instalação das novas indústrias; e uma outra
relativa ao significativo setor turístico dos municípios ao redor de Resende,
nesse caso com uma clara preocupação de agregar diferentes setores da sociedade
para discutir alternativas para o desenvolvimento local.
"Sebrae e Sulcarj debatem transporte ' Sebrae vai apresentar [...] a
pesquisa realizada pelo Instituto Genesis com pequenas e grandes
empresas embarcadoras de produtos sobre a necessidade de
aprimoramento dos serviços prestados pelas transportadoras de cargas
da região. Intitulado 'Médio Paraíba sobre Rodas', o evento é
organizado em parceria com o Sulcarj (Sindicato das Empresas de
Transportes de Cargas do Sul Fluminense) e a Aciap (Associação
Comercial, Industrial e Agro-Pastoril). [...] De acordo com o gerente
regional da Agência de Desenvolvimento do Sebrae, Olavo Damasceno
Ribeiro Filho, a necessidade de discutir as formas da expansão das
empresas de transportes é em função do aumento das exigências do
mercado no setor de logística, com a instalação de indústrias como a
Peugeot Citroen, GalvaSud e Guardian, em Porto Real [...]"(Diário do
Vale, 24/5/2000).
"Fórum de Desenvolvimento Local destaca importância do turismo ' Uma
parceria entre o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas), a prefeitura municipal e a FGV (Fundação Getúlio
Vargas) [...] promoveu o primeiro Fórum de Desenvolvimento Local em
Itatiaia. [...] O objetivo [foi] reunir diversos segmentos da
sociedade, associações de moradores e de classe, como entidades
hoteleiras, visando a encontrar alternativas para o desenvolvimento
local e econômico do município. 'É importante que haja a participação
da comunidade na discussão de alternativas. A realização do fórum é o
primeiro passo. Vamos articular parcerias para que essas propostas
possam acontecer', ressaltou a coordenadora do projeto pela
prefeitura, Alessandra Arantes Marques. [...]" (Diário do Vale, 25/8/
2002).
O governo estadual tem utilizado suas instituições e programas no esforço de
atrair mais investimentos para o Sul Fluminense. Suas principais atividades vem
se dando através da Codin, que se utiliza do Fundo de Desenvolvimento Econômico
e Social ' Fundes para operacionalizar a estratégia de implantação de novas
iniciativas13. Uma das diretoras da Codin explica o funcionamento da
instituição no caso da indústria automotiva do Sul Fluminense e comenta as
características do incentivo à colaboração oferecido pelo governo estadual.
"O que a gente tenta é levar sempre um projeto que tenha sinergia com
a região. [...] Qualquer projeto que venha e que a gente perceba que
é Sul Fluminense, a gente envolve todos os municípios do Sul
Fluminense e manda um fax [...] e diz: estamos negociando um projeto
para fazer isso, que precisa de uma área X [...], enfim começo a dar
as diretrizes e peço para cada um deles se pronunciar com relação às
alternativas. Cada um deles me manda ou não, e quem manda a gente
monta o tal quadrinho, apresenta à empresa e mando cópia pro
município: segue em anexo cópia do quadro de alternativas apresentado
para empresa" (Roberta Maia, Codin, 2002)".
Outros órgãos da administração pública também têm interferido na formulação de
alternativas, abordando aspectos centrais para a sustentabilidade do
desenvolvimento local, especialmente no que diz respeito ao meio ambiente. Uma
particular preocupação com a qualidade e o uso das águas do Rio Paraíba do Sul,
por exemplo, estimulou a criação do Comitê para Integração da Bacia
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul ' Ceivap, por decreto federal em 1996, que
tem seu escritório-sede na cidade de Resende, RJ14. Outro exemplo foi a
assinatura de um "termo de cooperação técnica" entre a Firjan e a Fundação
Estadual de Engenharia do Meio Ambiente ' FEEMA/Codin para a implantação do
"Programa de Ecopólos do Sul Fluminense", "em prol do desenvolvimento
socioeconômico do Sul do Estado" (Diário do Vale,29/11/2002).
NOVAS INDÚSTRIAS E MERCADO DE TRABALHO LOCAL
A estrutura do mercado de trabalho ganhou novas características e se
complexificou com as exigências das montadoras. Embora os empregados
requisitados tenham ido majoritariamente para a linha de produção e para os
serviços acessórios ao funcionamento das fábricas ' segurança, alimentação,
limpeza, transporte etc. ', e não para os cargos de gerência mais elevada, e
embora a tendência esteja sendo de contratar cada vez mais mão-de-obra local
para os cargos de gerência intermediária, a demanda inicial foi por uma mão-de-
obra escolarizada e com formação técnica básica. No entanto, pode-se constatar
um crescimento também de outros tipos de emprego, tanto na construção civil
como no setor de serviços (principalmente turismo). Aumentou a demanda por
casas e apartamentos, novos hotéis para executivos, melhores restaurantes e
serviços no comércio15. Com entrada em funcionamento do conjunto de empresas
ligadas ao setor automotivo, pode-se dizer também que está se formando um
"mercado interno de mão-de-obra", com trabalhadores se alternando entre as
empresas.
A formação de uma nova classe operária industrial, ligada à indústria de
veículos, altera o perfil do operariado metalúrgico regional. A história dos
metalúrgicos de Volta Redonda remonta aos anos 1940 com a criação da CSN e
reflete as várias fases do movimento sindical regional e nacional, assim com as
diferentes fases pelas quais passou a empresa. A privatização da CSN em 1993 e
o enxugamento de sua operação industrial, resultando na redução de milhares de
postos de trabalho, colocaram dilemas para o sindicato e também para a cidade,
a qual começou a enfrentar não só as mazelas oriundas do desemprego, como
também a necessidade de criar alternativas econômicas no sentido de habilitar o
mercado de trabalho local para a nova realidade da "produção enxuta". No caso
de Resende, a questão está em compreender o perfil do operariado exigido por
esse tipo de produção, assim como a condição de sua sustentabilidade. Pergunta-
se em que nível de precariedade está colocado esse tipo de emprego e se é
possível criar mecanismos que assegurem a manutenção dos novos empregos
criados.
Uma das principais características das novas empresas instaladas, a de serem
"fábricas enxutas", portanto estruturadas de modo a não precisarem manter uma
grande concentração de trabalhadores e de não criarem muitos empregos diretos,
talvez seja um dos aspectos mais interessantes a serem considerados. Não se
trata aqui de locais que tenham sofrido com a reestruturação das empresas e que
tenham tido que negociar a crise que se abateu sobre o seu mercado de trabalho.
Em Resende (e Porto Real), as demandas sobre o mercado de trabalho foram
crescentes ' embora não na quantidade imaginada pela sociedade local ',
exigindo além de tudo, um tipo de trabalhador preparado para atender às
necessidades específicas da produção de veículos. Nesse sentido, houve
inicialmente um movimento duplo: por um lado, a VW trouxe gente do ABC para
suprir determinadas necessidades que não estariam disponíveis localmente. Por
outro, houve um intenso movimento do Senai local no sentido de recrutar e
formar o mais rápido possível trabalhadores para as novas práticas produtivas,
o que ocorreu de modo satisfatório do ponto de vista da empresa (Rocha, 2002).
No caso da PSA Peugeot Citroën, que foi inaugurada cinco anos depois da VW em
2001, não só o mercado de trabalho específico já estava formado como a empresa
e suas fornecedoras, em convênio com o Senai local, se ocuparam previamente do
treinamento de trabalhadores para a linha de montagem.
Pode-se dizer que atualmente está constituído um importante mercado de trabalho
voltado para a indústria automotiva. E, curiosamente, o perfil desse
trabalhador, se pudermos tomar a VW como exemplo (Ramalho e Santana, 2001), é
de homens jovens, escolarizados (ensino médio completo), formados pelo Senai,
moradores de Resende, e sem experiência prévia de trabalho em atividades
industriais de qualquer tipo. A formação de uma classe operária local tem
trazido vários desdobramentos positivos, tanto no que diz respeito ao
crescimento das atividades sindicais, como também no que diz respeito ao tipo
de demanda econômica, política e social que essa "nova" população passou a ter
e buscar na cidade e na região ' educação superior, habitação, lazer,
segurança, saúde e consumo. Esse perfil revela um paradoxo e confirma uma das
características de experiências de tipo green-field. Afinal de contas, Volta
Redonda e Barra Mansa, municípios vizinhos e com mercados de trabalho já
experientes em termos industriais, tendo inclusive uma situação de aumento da
oferta de mão-de-obra devido à reestruturação da siderurgia regional, não foram
praticamente acionados no processo de recrutamento de trabalhadores para a nova
indústria automotiva. Depoimentos de gerentes da VW confirmam a intenção de
buscar realmente operários com pouca experiência anterior ' inclusive sindical
' e que pudessem ser moldados aos objetivos de ter um trabalhador flexível e
adaptável aos processos produtivos que estavam sendo instalados.
"A indústria automobilística junto com o SENAI financiou a formação e
a qualificação do profissional. [...] Hoje, você pega uma cidade como
Resende, você consegue fazer uma fábrica como a Peugeot, ou
Volkswagen [...]. Aqui em Resende você [...] tem uma série de
vantagens com essa característica de uma população com um nível de
escolaridade adequado que permite a gente criar uma operação flexível
com baixo custo, competitiva, sem estar muito preocupado se essa
região tem uma tradição sindical ou não. Acho que essa não é a maior
preocupação, não, pelo contrário. A preocupação está em procurar
locais onde eu consiga ter uma estrutura de baixo custo e até pra
estimular o desenvolvimento." (B.C., gerente de Recursos Humanos-VW
de Resende, 2002)
Outro aspecto se relaciona com o valor dos salários pagos pelas empresas. O
preço do trabalho foi desde o início uma das principais razões para a busca de
novas locações por parte da indústria automobilística durante os anos 1990. Mas
diante das críticas dos sindicatos no âmbito nacional, as empresas argumentaram
pela defasagem também existente entre os preços dos produtos essenciais dentre
as regiões mais tradicionais e as regiões com a presença recente da indústria.
Para dirimir essas dúvidas, o Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Sócio-Econômicos ' DIEESE, com o apoio do sindicato dos metalúrgicos do
ABC, realizou um levantamento em dezessete municípios onde há fábricas
produtoras de veículos no país (inclusive Resende/Porto Real), coletando mais
de 5 mil preços, em 470 pontos comerciais. Os resultados finais mostraram que
se por um lado há grandes diferenças de remuneração entre os dezessete
municípios, por outro, há uma convergência na maioria dos preços e serviços,
com exceção dos preços dos terrenos, aluguéis e educação (Dieese et alii, 2003:
11). Mesmo nessas condições, pode-se dizer que essa nova classe operária
fluminense introduziu um padrão salarial e de consumo que teve evidentes
conseqüências no comércio e na política local, e que sua média salarial se
coloca acima da média salarial da região.
ORGANIZAÇÃO SINDICAL E CULTURA METALÚRGICA
Os novos empregos foram muito bem-vindos pela organização sindical dos
metalúrgicos que tinha pouca experiência no setor automobilístico e parecia não
ter capacidade organizativa para mobilizar o novo contingente de trabalhadores.
Mas o sindicato também construiu sua prática e sua ação política tendo como
fonte de inspiração uma "cultura metalúrgica" associada especialmente a CSN, em
Volta Redonda-RJ. A instalação das fábricas em Resende e Porto Real representou
uma mudança nas características dessa "cultura", e no desempenho do
sindicalismo regional. Segundo Carlos Perrut,
"A gente tinha uma política sindical muito ligada à CSN, que é uma
grande empresa. [...] A gente tinha essa cultura metalúrgica. [...]
Com a vinda primeiro da Volks [...] foi uma coisa inovadora [...].
Por quê? A gente não sabia disso...o sistema de funcionamento da
Volks é único no mundo, é o sistema modular. [...] Houve esse impacto
de serem módulos... então, a princípio, nós tivemos um choque de
comportamento em relação à CSN" (Carlos Perrut, presidente do
sindicato dos metalúrgicos do Sul Fluminense, Volta Redonda, 2001).
A atividade e a participação sindical metalúrgica cresceram em quantidade e
qualidade após a vinda das empresas da indústria automotiva. De uma
inexpressiva extensão do sindicato baseado em Volta Redonda, a subsede de
Resende ganhou expressão e peso político com o aumento significativo do número
de operários empregados pelas montadoras. Ao contrário da região tradicional do
ABC paulista, que passou nos anos 1990 pelos percalços de um processo de
reestruturação dentro das firmas, o caso de Resende (e Porto Real) notabiliza-
se pelo fato de que as novas empresas já se constituem em um modelo
reestruturado, o que acaba afetando as estratégias de ação do sindicato local.
A flexibilização das atividades produtivas já foi colocado como um dado (nunca
esteve em discussão) e, apesar do discurso empresarial enfatizar a importância
da participação dos trabalhadores para o bom andamento do processo produtivo, o
sindicato tem sofrido com um cerceamento de suas atividades dentro das empresas
(principalmente na PSA Peugeot Citroën) (Ramalho, 2004).
Embora houvesse inicialmente falta de experiência de negociação salarial e
outros itens relativos à pauta das montadoras, as características da cadeia
automotiva têm permitido um interessante processo de rápida socialização de
práticas sindicais no Brasil e no exterior, de modo a integrar os operários
metalúrgicos de Resende (e Porto Real) à problemática mais ampla desse ramo
industrial. Os metalúrgicos da VW e da PSA Peugeot Citroën e sua liderança
sindical local (Pereira, 2003) estiveram bastante ativos desde os primeiros
anos, apelando inclusive para paralisações parciais e uma greve de uma semana,
em 1999 (Ramalho e Santana, 2001) quando conquistaram o direito de ter uma
comissão de fábrica eleita periodicamente pelos trabalhadores e presente
cotidianamente no interior dela (Francisco, 2004). A fábrica da VW de Resende
foi também a escolhida para iniciar o conjunto de paralisações do que ficou
conhecido em 1999 como o "Festival de Greves", movimento que reuniu as
principais centrais sindicais na demanda por um contrato nacional para os
trabalhadores das montadoras que compensasse as defasagens salariais
estabelecidas pela reespacialização da indústria automotiva. Além disso, a rede
mundial estabelecida pelos trabalhadores da VW consegue ter um efeito
socializador importante em Resende, articulando e informando os operários
locais das principais demandas e inibindo práticas autoritárias no chão-de-
fábrica. No caso da PSA Peugeot Citroën, as relações com o sindicato têm sido
mais ríspidas, e, desde a sua inauguração, sucessivos contenciosos têm sido
criados resultando inclusive em uma curta greve em 2003.
A participação do sindicato no debate sobre desenvolvimento ainda tem sido
pequena, embora seja possível notar que essa problemática já faz parte de suas
preocupações. O impacto da presença das grandes empresas sobre os operários e o
sindicato local parece fortalecer essa instituição e aumentar o poder de
pressão dos operários não só sobre as empresas mas também sobre as
municipalidades, reivindicando participação nas decisões referentes a políticas
sociais e desenvolvimento econômico.
Dentre os organismos estimulados pela nova conjuntura que possibilitam essa
participação, está a Comissão Municipal de Emprego, fórum que supõe a
congregação de diferentes setores econômicos e políticos locais, inclusive
representações sindicais.
"É Comissão Municipal de Emprego [...] então qual é a nossa atuação:
nós já fizemos projeto que no ano passado [...] nós conseguimos [...]
quatrocentos e alguma coisa [...] trabalhadores treinados com verba
que nós negociamos, que nós fizemos projeto [...] do Fundo de Amparo
ao Trabalhador [...] nós já formamos muitos desses aí, e nós não
buscamos dizer: foi o sindicato, não [...] nós temos uma atuação em
vários setores e esse é um dos setores" (Isaac Moraes, diretor do
sindicato dos metalúrgicos em Resende, 1999).
E o sindicato tem aparecido também na discussão sobre formas de atração de
novos investimentos, assim como sobre a necessidade de uma ação regional
conjunta e coordenada de modo a potencializar a presença de empresas como as da
indústria automotiva. As iniciativas ainda são tímidas, se comparadas com a
atividade sindical do ABC nesse aspecto, mas parecem indicar que o sindicato
tem se sentido ao menos pressionado a se posicionar no debate. A notícia a
seguir revela, por exemplo, uma preocupação do sindicato dos metalúrgicos com a
modernização das empresas da região tendo em vista a necessária adaptação às
demandas das novas empresas instaladas.
"Volta do 'cinturão' depende de ISO 9000 ' A volta do 'cinturão' das
empresas fornecedoras da CSN depende diretamente da implantação da
ISO 9000. A afirmação é do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos,
Carlos Henrique Perrut, que acentuou ontem a mudança na denominação
do 'cinturão', que passa a ser chamado de consórcio; e do alvo, que
antes era a CSN e agora é toda empresa de expressivo porte na região
Sul Fluminense. [...] 'Queremos ampliar nossa capacidade de
atendimento e revitalizar as empresas', comentou o sindicalista.
Empresas como a Galvasud ' joint venture da CSN e da ThyssenKrupp ',
a Volkswagen, a INB (Indústria Nuclear Brasileira, a Michelin, a
Xerox, a Barbará, a SBM (Siderúrgica Barra Mansa) e a Peugeot Citroën
serão alvos do consórcio das empresas fornecedoras da região. [...]"
(Diário do Vale, 16/8/2000).
Falando sobre o tema, o presidente do sindicato coloca-se como parte integrante
de uma situação que exige cooperação para viabilizar o crescimento econômico:
"Se a gente colocar todos os prefeitos numa mesa e se não tiver
corporativismo, a gente tem condições de fazer um trabalho em curto
prazo e alavancar muito mais essa região. [...] Nós temos que usar o
nosso potencial que é muito grande e convergir para que esse
desenvolvimento aconteça. [...] Acho que é papel do sindicato
trabalhar isso também" (Carlos Perrut, presidente do sindicato dos
metalúrgicos do Sul Fluminense, Volta Redonda, 2001).
O ACÚMULO REGIONAL DE RELAÇÕES POLÍTICAS
Para falar da participação de redes sociopolíticas nesse contexto industrial,
deve-se ressaltar a formação recente, mas significativa, de uma classe operária
metalúrgica. Novos valores associativos e de identidade oriundos dessa prática
operária e sindical colocam-se como fatores que diferenciam rapidamente a
região, trazendo também novos tipos de demanda tanto para as empresas e mercado
de trabalho local, como para as instâncias que lidam com a vida da cidade e dos
bairros, representando um modo diferente de exercer sua cidadania municipal.
Por outro lado, Resende e os municípios vizinhos vivenciaram uma história de
ação de movimentos sociais nas últimas décadas, assim como hoje a ação dos
movimentos sociais em âmbito regional tem crescido de qualidade e se
complexificado em termos de novas pautas de reivindicações. No contexto atual
de estímulo ao desenvolvimento local e regional, a sociedade civil tem sido
chamada a participar, embora de forma tímida. As demandas sociais, no entanto,
têm estado ligadas a essa nova fase industrial no sentido principalmente do uso
dos recursos públicos gerados por essas atividades.
Um dos aspectos que pode interferir na constituição de novas ou renovadas
instituições voltadas para a discussão do desenvolvimento é a consideração das
redes sociopolíticas construídas nas localidades e do acúmulo de experiências
políticas voltadas para a participação da sociedade civil nos processos de
decisão. A inclusão da sociedade civil deve ser tida como elemento necessário
para captar a natureza das mudanças pelas quais passam as instituições. E isso
requer, como afirmam Locke e Jacoby (1997:59), "que examinemos mais
cuidadosamente as características qualitativas da sociedade civil (i.e, os
atributos organizacionais de grupos diferentes e os padrões de interação entre
eles) de modo a melhor entender como esses diferentes padrões moldam o
comportamento de maneiras distintas".
Na avaliação da capacidade local e regional de se articular para criar novos
fóruns de discussão e implementação do desenvolvimento econômico e social, é
preciso considerar também a história regional e local no que diz respeito às
redes sociais e políticas e o acúmulo organizacional que pode influenciar nesse
novo momento da conjuntura no sentido de reforçar ' ou dar uma base de
sustentação ' a participação dos sindicatos e movimentos sociais e, com isso,
estabelecer novos parâmetros que aprofundem as práticas democráticas. Em
Resende (e Porto Real), esse acúmulo organizacional ' ou de capital social '
tem uma história associada à intensa presença da Igreja Católica na região Sul
Fluminense, durante o período de bispado de Dom Waldyr Calheiros, o qual,
ligado a postura mais progressista de uma igreja mais próxima dos pobres,
estimulou, acolheu e formou agentes sociais ligados às mais diferentes
problemáticas existentes na região. Matérias de imprensa e entrevistas
realizadas chamam atenção para a organização de movimentos sociais voltados
para os problemas da cidade (Associações de Moradores, movimentos de
fiscalização da política local) e da terra rural (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra ' MST, Comissão Pastoral da Terra etc.) que se constituíram
nos últimos trinta anos em formadores de opinião e constituintes de importantes
movimentos sociais. O fato de Resende (e Porto Real), por um bom tempo, só
contar com uma subsede do sindicato dos metalúrgicos prejudicou um diálogo mais
profícuo, associado ao fato de que os setores políticos ligados à Central Única
dos Trabalhadores ' CUT e apoiados pela Igreja Católica se dividiram e perderam
o controle do sindicato em Volta Redonda para a Força Sindical, no início dos
anos 1990, e com isso reduziram o diálogo. No entanto, alguns exemplos
confirmam o estoque de práticas organizacionais e a constituição de rede
sociopolíticas.
Um deles vem da organização ativa das associações de moradores de Resende nos
últimos vinte anos. A presença da Igreja católica é fundamental na
implementação das atividades, mas os efeitos dessa militância parecem ter
trazido para a localidade uma prática política de reivindicação bastante
efetiva. No depoimento a seguir, o ex-presidente da Federação de Associações de
Moradores mostra essa ligação:
"Eu comecei a participar mesmo do movimento, a ter uma consciência
política a partir de 85, com a participação em grupos jovens, e
naquele período os grupos jovens e a linha da Igreja Católica,
teologia da libertação, estavam contribuindo para suscitar militantes
para o movimento sindical e para o movimento popular. E o movimento
popular que é mais presente é o movimento de bairro, associação de
moradores. Aqui em Resende, eu em 85 participei da oposição sindical
dos bancários [...] e logo depois, [...] me tornei presidente da
Famar, Federação das Associações de Moradores. [...] Eu participava
ao mesmo tempo das comunidades, das assembléias aqui em Resende, ao
nível de diocese,do bispo Waldir e tinha uma organização das
comunidades de base, discutindo a formação de grupos de base e ao
mesmo tempo discutindo as associações de moradores. [...] Então
naquele período começou a surgir o movimento negro, quer dizer, a
gente passou a ver o movimento de mulheres, a participação nas
associações e paralelo a isso algumas leis foram aprovadas, cuja
regulamentação tinha de ser nos municípios, como o estatuto do
direito da criança e do adolescente. A gente tinha que organizar aqui
em Resende o conselho municipal dos direitos da criança e do
adolescente e conselho tutelar. A lei do SUS, que para receber uma
verba pública tinha que organizar o conselho municipal e as
conferências, e a discussão do plano diretor de desenvolvimento
urbano" (Rogério Coitinho, ex-presidente da Federação das Associações
de Moradores de Resende, 2002).
Outro fator de acumulação de experiência política e organizacional está
relacionado com o problema da disputa por terras em Resende. No relato de um
dos seus organizadores e vereador do município de Resende, essa história
recente fica bem clara.
"Houve um problema de terra aqui em Resende. [...] Lá estava
acontecendo o seguinte: tinha os trabalhadores que estavam há anos
tomando conta de uma terra com o consenso do dono desta terra, [...]
e eles davam a terça parte do produto como aluguel da terra. O que
aconteceu? Quando estava faltando um mês para a colheita do feijão,
[o dono] pediu a terra de volta. Eles pediram para ele esperar um mês
para colher o feijão, [...] mas colocou um trator e acabou com o
feijão. Aí na verdade, eles entraram na justiça como arrendatários
que queriam indenização pelo feijão. [...] Isso foi mais ou menos 90,
91. E a coisa engrossou mesmo [...]. Quem ajudou muito nisso também
na época foi o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais"
(Franco Fagiam, ex-padre e vereador do município de Resende, 2002).
Interessante ainda notar a ligação dos movimentos sociais com a política
partidária na última década. A ascensão ao poder de partidos mais sensíveis às
demandas populares tem sido uma característica da região Sul Fluminense nos
anos recentes, particularmente o Partido dos Trabalhadores ' PT e o Partido
Socialista Brasileiro ' PSB que se transformaram em referências políticas em
boa parte dos municípios. A prefeitura de Resende, nos últimos oito anos, tem
estado nas mãos desses partidos. Na última administração do PT em Resende, por
exemplo, criou-se uma secretaria voltada para os movimentos sociais. O
depoimento de dois de seus responsáveis confirma uma proximidade entre o poder
público e os movimentos sociais.
"Aqui em Resende acompanha dois degraus abaixo Volta Redonda. Porque
a Diocese foi a grande organizadora, fomentadora desses movimentos
sociais, inclusive os próprios movimentos sindicais. E nós tivemos
então naqueles anos oitenta uma valorização da questão das
associações de moradores. Aí se organizam associações de moradores
quase na cidade toda. [...] E algumas reivindicações vão passar a ser
uns marcos desses movimentos. A luta pela taxa de iluminação pública
isso foi uma grande mobilização, passeata [...] (Isso foi quando?) A
vitória da TIP foi em noventa e três. Teve Plano Diretor [...] teve
várias lutas de criação do Conselho Municipal de Saúde [...]" (Paulo
César da Silva, secretário municipal de movimentos sociais de
Resende, 2002).
Essa ligação tornou também mais comuns iniciativas que têm levado em
consideração a participação de organizações da sociedade civil e outros
movimentos políticos nas decisões políticas locais. Políticas de consulta a
população podem ser constatadas nos dois exemplos seguintes, ocorridos em
Resende:
"Iniciada discussão sobre orçamento participativo ' No próximo
sábado, a prefeitura [de Resende], por meio da Secretaria Municipal
de Cidadania e Relações Comunitárias, estará discutindo pela primeira
vez esse ano o orçamento participativo do município. [...] Nesse
primeiro encontro iremos apresentar para cerca de 58 representantes
de associações de moradores o trabalho realizado no ano passado.
Vamos aproveitar também para realizar a eleição do Conselho Municipal
do Orçamento Participativo, onde cada associação poderá indicar um
conselheiro ' disse o secretário, Paulo César da Silva explicando que
o Conselho será responsável por acompanhar todas as etapas do
Orçamento Participativo, inclusive a execução das obras indicadas
pela população" (Diário do Vale, 11/3/2003).
"Prefeitura promove segunda edição do projeto 'AGIR' ' A Prefeitura
de Resende realiza [...], no Parque Paraíso, a segunda edição do
projeto AGIR (Ação Global de Impacto em Resende). [...] A programação
prevê [...] a posse do Conselho Local de Segurança, instrumento que
garante a participação popular no Plano Municipal de Ordem Pública
[...]" (Diário do Vale, 12/9/2003).
Há também políticas de incentivo a militância, como no exemplo abaixo em que a
prefeitura de Resende se envolve diretamente com a discussão sobre a questão da
comunidade negra do município.
"Comunidade Negra de Resende promoverá encontro no sábado ' A
Secretaria Municipal de Cidadania e Relações Comunitárias de Resende
promoverá no próximo sábado o II Encontro da Comunidade Negra de
Resende. [...] Segundo a coordenadora municipal da comunidade negra,
Sônia Freitas, o evento contará com a participação do professor
Roberto Henrique dos Reis, defensor público de Itatiaia e Porto Real,
que tratará sobre leis contra o racismo. Durante o encontro, será
discutida também a implantação do SOS Racismo em Resende. [...] De
acordo com Sônia, o projeto tem como objetivo aumentar a auto-estima
da comunidade negra" (Diário do Vale, 11/7/2003).
Como resultado da intensa participação da Igreja junto aos movimentos sociais,
novos tipos de demanda política começaram a surgir nos últimos anos, de certa
forma trazendo novas demandas e atuando em outras frentes, como é o caso do
Movimento pela Ética na Política ' MEP, oriundo da militância de Igreja, que, a
partir de Volta Redonda, irradia preocupações e atos políticos para toda a
região. Na verdade, ética na política é um nome geral que expressa um conjunto
mais amplo de temas que passaram a ser debatidos no âmbito regional.
"MEP comemora seis anos de trabalho ' Após uma denúncia feita pelo
DIÁRIO DO VALE, em janeiro de 1997, sobre a criação de 72 novos
cargos sem concurso na Câmara Municipal, um grupo de pessoas ligadas
a movimentos sociais, comunidades e pastorais da Igreja Católica
decidiu se mobilizar para cobrar moralidade, transparência e ética do
Poder Legislativo. Nascia, assim, o MEP (Movimento pela Ética na
Política), que comemora seis anos de atuação no município na próxima
quinta-feira, dia 6 de fevereiro. [...] Impulsionado pelo objetivo de
buscar a moralidade, a transparência e a ética na política, além de
incentivar a cidadania da população, o MEP realiza ações de
acompanhamento dos poderes públicos, pesquisas e sondagens populares,
projetos educacionais voltados à comunidade, atos públicos de
manifestação e estudos sobre assuntos diversos" (Diário do Vale, 2/2/
2003).
CONCLUSÃO
A análise da implantação da indústria automotiva na região Sul Fluminense,
principalmente nos municípios de Resende e Porto Real, revela alguns dos
efeitos mobilizadores do processo sobre os diversos segmentos da sociedade
local e regional, levando-os a tentar adaptar o novo ciclo industrial a seu
favor. Pode-se então especular sobre os elementos que propiciam a emergência
desses efeitos:
' Uma conjuntura econômica nacional que possibilitou a criação de novos espaços
produtivos para a indústria automotiva através, principalmente, de uma política
de incentivos fiscais, ao mesmo tempo em que tornou possível a socialização da
experiência de antigos espaços industriais reestruturados;
' Uma conjuntura econômica estadual e municipal que fez com que vários agentes
vislumbrassem na vinda da cadeia automotiva uma forte oportunidade para a
revitalização da região;
' A atuação de órgãos públicos estaduais que criaram mecanismos de facilitação
de políticas de agregação industrial (através de planejamento e incentivos
fiscais);
' O fato de a região ter experimentado um processo de flexibilização da
produção e da mão-de-obra através do caso precedente de privatização e
reestruturação de uma grande indústria já existente (CSN em 1993);
' O aumento dos Produto Interno Bruto ' PIBs municipais, nos últimos anos,
assim como demandas por serviços públicos em geral, que levou a compreensão por
parte dos governos municipais das vantagens econômicas e políticas que poderiam
resultar da chegada das empresas (a "vocação metal-mecânica" parece ter sido
abraçada por todos, associada à busca pela criação de empregos);
' A compreensão e implementação como política de uma atitude de integração e
cooperação entre empresas e sociedade (por parte de entidades como a Firjan e o
Sebrae). A região tem sido pensada como um todo nesse contexto, em uma
tentativa de quebrar o natural "egoísmo" municipal. A ênfase tem sido a de
buscar caminhos para uma integração entre as atividades das pequenas e médias
empresas e a das grandes empresas, ou de aproveitar da melhor forma o
surgimento de outras possibilidades empresariais, subprodutos do crescimento
econômico industrial, como o turismo e os serviços;
' A presença de movimentos sociais locais, nstituições fortes de sustentação
dos movimentos sociais cada vez mais voltados para a fiscalização dos políticos
lo com acúmulo de força política oriunda de lutas reivindicatórias das últimas
décadas (não só Resende e Porto Real, mas todo o Sul Fluminense);
' A presença marcante, na sociedade civil, de icais e para as reivindicações
urbanas de habitação, saúde, saneamento, educação e segurança (Igreja, MST,
Comissão Pastoral da Terra ' CPT);
' A formação de um contingente operário expressivo, com características comuns
de escolarização, idade e formação profissional, socializado em um ambiente de
trabalho de grande empresa multinacional e automotiva, com um importante
impacto nas localidades em termos econômicos e políticos;
' Uma rearrumação da atividade sindical metalúrgica que ganhou um grande
contingente de novos operários. Ainda se adaptando a novidade da experiência
industrial automotiva, o sindicato já deu demonstrações de que pode ter uma
atuação efetiva na defesa dos interesses dos operários fabris e no que diz
respeito às discussões sobre o desenvolvimento local, embora ainda não tenha
uma presença efetiva em todos os fóruns já constituídos, já se manifestou
quanto à oportunidade dessas atividades e quanto a sua intenção de integrá-las.
Nesse contexto, a experiência de outras regiões ligadas à indústria automotiva,
como é o caso do ABC paulista, acaba servindo como exemplo de participação nas
atividades relativas ao destino das localidades;
' Finalmente, um esforço regional e local dos atores políticos no sentido de
articular mecanismos de governança, apesar das condições adversas relacionadas
às motivações oportunistas das novas empresas, se aproveitando da sinergia
produzida pelas novas atividades econômicas para buscar alternativas de
cooperação entre os novos e antigos agentes de desenvolvimento econômico e
social.
A contribuição desse caso para uma discussão mais geral sobre experiências de
política industrial e desenvolvimento local está em apontar indícios de que os
efeitos da presença de grandes empresas globalizadas em contextos locais podem
resultar também em uma mobilização positiva da sociedade e na constituição de
mecanismos de negociação sobre a utilização dos benefícios gerados pelas
atividades industriais. A cooperação entre (pequenas) empresas tem sido a
principal ênfase do debate atual sobre estratégias de desenvolvimento
industrial em contextos locais, tomando-se quase sempre como exemplo a
experiência dos distritos industriais italianos ' paradigmas do modelo da
especialização flexível (Piore e Sabel, 1984). Desconsiderar a presença de
grandes empresas em aglomerados industriais e o seu relacionamento com outras
empresas e outras instituições estabelecidas no mesmo território, no entanto,
tem sido um problema para a análise de várias outras experiências industriais
do mundo globalizado, especialmente aquelas que fazem parte de cadeias
produtivas globais. No caso estudado (Sul Fluminense), as empresas apresentavam
características iniciais opostas a uma perspectiva de cooperação e integração a
realidade local. O próprio processo de escolha da região já confirma que, entre
as razões principais das empresas, estava a expressiva generosidade fiscal
oferecida pelas administrações públicas ' municipal, estadual e federal ' e a
possibilidade concreta de alocar trabalhadores em níveis salariais inferiores
aos de outras regiões semelhantes. Agrega-se a isso a construção de fábricas
não só vinculadas às estratégias de suas matrizes no exterior e ligadas a uma
cadeia global de firmas majoritariamente externas a região, como também
estruturadas no modelo da "produção enxuta" (subcontratação, flexibilização das
relações de trabalho etc.), nesse caso hostil ao sindicato e as demandas dos
trabalhadores. Esses elementos não são particularmente estimulantes de qualquer
parceria com as instituições e os atores econômicos e políticos em prol do
desenvolvimento local.
O que foi examinado nas páginas anteriores, no entanto, fez ressaltar a
complexidade desse novo contexto socioeconômico, que, independente da vontade
das grandes empresas, tem tido o efeito de, por um lado, induzir a formulação
de novas práticas com vistas a garantir a sustentabilidade econômica
(articulação de pequenas e médias empresas com as grandes, preocupação com o
meio ambiente, criação de novos fóruns de discussão sobre as necessidades da
região e sugestão de alternativas tanto para empresas como para governos
municipais); e, por outro lado, publicizar a discussão sobre as conseqüências
desse novo perfil produtivo para as relações de trabalho, o mercado de
trabalho, as políticas públicas municipais de educação, saúde e segurança, e
para a sociedade civil organizada, principalmente as organizações de
trabalhadores e os movimentos sociais. A ausência de uma história anterior de
arranjos produtivos bem-sucedidos localmente, nesse caso, não parece ter sido
um impeditivo para as iniciativas recém-implementadas, como seria de esperar.
Ao mesmo tempo, a situação do Sul Fluminense confirma a importância da política
como esfera fundamental de qualquer análise atual sobre localidades com
aglomerados industriais, no sentido de compreender as concepções e estratégias
dos atores econômicos locais e suas diferentes formas de articulação, na
constituição de um padrão de desenvolvimento que implique na participação desse
coletivo no controle das melhores opções para o uso dos recursos econômicos e
políticos produzidos localmente, sem estar desconectado da problemática
nacional.
NOTAS
1. Cf. Castells (1999); Boltanski e Chiapello (1999); Harvey (1992) entre
outros.
2. Parte-se de uma concepção de localidade, na articulação com processos
nacionais e internacionais de mudança na economia política, que, como diz Cooke
(1989:296), não pode ser vista apenas como mera receptora de algo decidido em
escala superior, mas que está ativamente envolvida na sua transformação, mesmo
que não tenha controle total sobre seu próprio destino.
3. Cuja vantagem estaria na constituição de uma forte rede de (pequenas)
empresas que, segundo Sengenberger e Pike (1999:103), através da especialização
e da subcontratação, dividiriam entre si o esforço necessário para produzir
determinados bens, já que a especialização induziria a eficiência, tanto
individual como no plano do distrito, e a especialização combinada com a
subcontratação promoveria a capacidade coletiva, resultando uma economia tanto
de escala como de escopo.
4. O Novo Regime Automotivo nasceu no interior do Plano Real e tinha como
principais objetivos: (1) manter em funcionamento as grandes montadoras e as
indústrias de autopeças já instaladas no país; (2) reestruturar as empresas
brasileiras do setor; (3) atrair novas companhias e estimular a construção de
novas plantas e marcas; (4) consolidar o Mercado Comum do Sul ' Mercosul e
reforçar a posição do Brasil como seu ator-chave.
5. De acordo com Scott (1999:20-21), "como os sistemas de produção em massa
existentes em diferentes partes do mundo continuam a reestruturar-se, de acordo
com os princípios de produção pequena e fontes modulares, e como as
aglomerações antigas (tal como a da região do ABC) produzem crescentes
deseconomias (aumentos de salários e de custos de terrenos, por exemplo), os
mesmos sistemas mostram uma propensão à reorganização do local com novos
investimentos, que tendem a ser dirigidos cada vez mais para outros locais
green-field, onde suas vantagens competitivas podem ser recriadas em uma nova
base geográfica".
6. Na interpretação de Arbix e Rodríguez-Pose (1999) e Arbix (2000), essas
estratégias de desenvolvimento estariam levando a uma disputa predatória entre
Estados e municípios, cujo único e grande perdedor seria o setor público. Para
eles, a única razão efetiva para o engajamento na guerra fiscal estaria
vinculada aos dividendos a serem colhidos pelos governantes com uma visão de
que a atração de grandes empresas seria panacéia para o desenvolvimento
econômico. Cardoso (2001:10) identifica outros aspectos importantes desse
processo de descentralização: "a guerra fiscal explica o destino final de uma
planta, mas não explica a decisão de descentralizar o investimento. [...] Novos
entrantes e novas plantas de antigas companhias seguiriam, previsivelmente, a
lógica dos novos investimentos em toda parte na indústria automotiva: a escolha
de um green-field(com ausência de tradição sindical e de trabalho em
montadoras, existência de infra-estrutura de apoio e para escoamento da
produção, estabilidade política local, acesso a mercados consumidores, salários
mais baixos do que nas regiões de tradição sindical, disponibilidade de força
de trabalho qualificada etc.)".
7. Segundo Pacheco (1999:5) "está em curso sensível alteração na dimensão
espacial do desenvolvimento brasileiro, em que uma possível continuidade da
desconcentração das últimas décadas deve ser acompanhada pelo aumento da
heterogeneidade interna das regiões brasileiras, com o surgimento de ilhas de
produtividade em quase todas as regiões, crescimento relativo maior das antigas
periferias nacionais e importância maior do conjunto das cidades médias perante
as áreas metropolitanas".
8. A fábrica de ônibus e caminhões da VW em Resende, além de tudo, é a única
fábrica da empresa para esse tipo de veículo no mundo. Resende adquiriu status
de "marca" em função da criação do "consórcio modular", apresentado como
novidade em termos de modelo de produção, que consiste em uma proposta radical
de "terceirização" ao colocar os fornecedores dentro da fábrica e
responsabilizá-los diretamente pela montagem dos veículos, repartindo
investimentos, custos e riscos (cf. Abreu et alii 2000; Arbix e Zilbovicius,
1997).
9. "Região tem maior PIB/per capita do Estado ' Os investimentos de empresas
que estão se instalando na região já começam a render frutos para o Médio
Paraíba. Com a vinda de empresas como a Peugeot Citroën, GalvaSud, fabricantes
de autopeças, em Porto Real; a Volkswagen Caminhões e Ônibus, em Resende,
[...], a região já é a primeira em PIB per capita no Estado. [...] Segundo os
dados mais recentes, em 1999, a região do Médio Paraíba obteve o primeiro lugar
com um PIB per capita de R$ 11.258,00 contra a metropolitana, que foi de R$
10.397,00. [...] Ao todo são cinco municípios pertencentes ao Sul Fluminense
que estão no ranking de maiores PIBs do Estado" (Diário do Vale, 10/5/2001).
10. Isso não se coloca para a CSN em Volta Redonda, empresa estatal construída
no espírito de integração com a cidade, o mercado de trabalho, e que atraiu uma
rede de outras empresas siderúrgicas.
11. No caso da VW especificamente, o governo estadual entrou com boa parte dos
custos de infra-estrutura, um montante em torno de US$ 15 milhões. As
negociações para a implantação da PSA Peugeot Citroën foram diferentes, embora
com a utilização dos mesmos mecanismos como doação de terras, incentivos
fiscais, salários baixos, e uma infra-estrutura regional que atendia aos
interesses de expansão da montadora. No que diz respeito à política de
incentivos, o caso da montadora francesa revelou uma inovação ' a participação
do próprio Estado do Rio de Janeiro como sócio da empresa ' cerca de 32% de
participação no seu capital (acrescido de um empréstimo substancial por parte
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social 'BNDES) (cf. Ramalho,
2002; Ramalho e Santana, 2001;2002).
12. Embora em um contexto industrial distinto, um movimento com essas
características pode ser identificado em várias experiências no ABC paulista,
como, por exemplo, a da criação da Câmara Regional do Grande ABC (cf. Arbix,
2000; Leite 2003; Martin, 2001; Daniel, 2001; Jácome Rodrigues, 2004; Klink,
2003).
13. Segundo prospecto da Codin (2001), "estruturado em programas ' setoriais,
regionais e genéricos, o Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social ' FUNDES
consiste na concessão de um financiamento equivalente a um percentual do
faturamento incremental, gerado a partir da implantação do projeto, com taxas
de juros reduzidas, de modo a assegurar as empresas investidoras condições
adequadas à operação".
14. Segundo o resumo executivo do CEIVAP (2002:1), "o CEIVAP tem a atribuição
de promover a gestão participativa dos recursos hídricos [...] e buscar a
viabilização técnica e econômico-financeira de programas de investimento
visando a recuperação ambiental e o desenvolvimento sustentável da bacia do rio
Paraíba do Sul, garantindo a melhoria da qualidade de suas águas [...]".
15. "Varejo esbanja confiança em Resende ' [...] O número de inscrições de
novas empresas em Resende, incluindo lojas e registros de autônomos, chegou a
174 no primeiro semestre do ano [2004]. O restaurante Fogão de Lenha, há 16
anos na cidade, sentiu o aumento da concorrência com a abertura de três
competidores no mesmo bairro de Campos Elísios, mas mesmo assim beneficiou-se
da melhora da economia local. [...] O segmento que mais sentiu os efeitos do
crescimento na economia, de acordo com o secretario Eduardo Campos, foi o das
grandes lojas de utilidades e eletroeletrônicos [...]" (Valor Econômico, 23/8/
2004).