Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das
mulheres nas eleições e suas interações com as cotas
INTRODUÇÃO
Mais uma vez, os últimos resultados eleitorais no Brasil apontam para a
fragilidade das cotas (estabelecidas pela Lei 9.504/97) como caminho de
ampliação da participação política das mulheres. E isto nos instiga, ainda
mais, a tentar entender sob quais condições políticas e sociais as mulheres
tendem a obter melhores ou piores performances eleitorais. De igual modo,
suscita inúmeras perguntas acerca dos fatores e variáveis que operam para que
as cotas permaneçam em um patamar considerado insatisfatório. Há, sem dúvida,
alguns aspectos já identificados pela literatura local que contribuem para esse
quadro1. Destacamos, particularmente, a fragilidade da legislação, com a
ausência de restrições e/ou punições aos partidos que não cumprem as cotas,
tornando-as iníquas no que diz respeito aos percentuais, bem como à ampliação
do universo de candidaturas (que se ampliou de 100% para 150% das vagas).
Nosso propósito, entretanto, é tentar ir além das constatações dos limites
normativos e articular as possibilidades de sucesso das cotas às
características e fatores do sistema eleitoral. Tal perspectiva é impulsionada
por um cenário latino-americano mencionado em outros trabalhos2, e
caracterizado por alguns aspectos. Primeiro, os países que não adotam cotas na
legislação eleitoral e possuem históricos democráticos e culturais
razoavelmente semelhantes apresentam índices de participação feminina na
política bem mais favoráveis do que os do Brasil (casos, por exemplo, da
Venezuela, com 18% de participação feminina, do Uruguai, com 12%, e do Chile,
país considerado bastante conservador em termos de igualdade de gênero, que na
última eleição conseguiu eleger 15% de mulheres no Parlamento3). Segundo, há
também dados de países que adotam cotas, possuem legislações punitivas em
relação aos partidos e, no entanto, obtêm performances diferentes. Em alguns
casos, tais performances são mais favoráveis em países cujo sistema eleitoral é
considerado, por parte da literatura (e também por parte de movimentos de
mulheres locais4), como menos propenso à eleição de mulheres, por possuírem as
chamadas listas abertas (vota-se em candidatos e não em partidos), ' as
situações do Peru, que recentemente elegeu 29,2% de mulheres para o Parlamento,
e do Panamá, que na última eleição elegeu 19%. E, em outros casos, os índices
tendem a ser menores nos chamados sistemas de listas fechadas, assumidos como
sistemas mais favoráveis à eleição de mulheres5 ' como na Bolívia, com 16,7%, e
no Equador, com 16%. Por último, a literatura recente tem demonstrado que,
embora não sejam decisivos, os fatores e as características dos sistemas
eleitorais influenciam nas chances de elegibilidade das mulheres, e isto ocorre
mesmo quando as cotas entram como variável interveniente6.
Ao mesmo tempo, esses e outros estudos, ao incluírem variáveis
sociodemográficas e econômicas, têm contribuído para desestabilizar uma
associação, usualmente tomada como pressuposto por parte dos estudos sobre
igualdade de gênero: a da correspondência mais ou menos direta entre
desenvolvimento socioeconômico e maior participação política de mulheres. Se os
dados estatísticos de países considerados desenvolvidos já colocavam tal
pressuposto em questionamento, a opção por submeter certas variáveis, como, por
exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano ' IDH e a escolaridade, a uma
análise multivariada vem contribuir ainda mais para a desestabilização de
concepções lineares acerca da conquista da igualdade de gênero.
O desafio de compreendermos as trajetórias e ganhos das mulheres, não apenas em
relação às cotas, mas em relação às formas de acesso e recrutamento eleitoral
na política institucional, requer o enfrentamento de análises multicausais,
qualitativas e quantitativas. Diante disso, nossas perguntas se apóiam em
literatura mais recente que se interroga acerca do peso de aspectos
institucionais do sistema político vis-à-vis aspectos socioeconômicos e
culturais. Acreditamos que as ênfases na "discriminação" ou no "preconceito",
sejam dos partidos ou dos homens, não são suficientes para explicar o que
acontece no país. Isto se torna mais evidente quando se compara a situação
brasileira à de vários outros países latino-americanos, potencialmente mais
conservadores e/ou "machistas". Ou ainda à de países de outras regiões,
potencialmente menos conservadores porque mais desenvolvidos e com tradições
cidadãs mais arraigadas.
Nessa perspectiva, assumimos aqui, também, a premissa da multicausalidade, e de
que a interação entre diferentes ordens de fatores influencia o quadro atual da
representação política das mulheres no país. Desse modo, as hipóteses que
sustentam este estudo são as de que o aumento da participação parlamentar
feminina no Brasil não está diretamente associado ao grau de desenvolvimento
socioeconômico das regiões e unidades da federação ' UFs; que variáveis
institucionais ligadas ao sistema eleitoral influenciam e interferem nas
chances de acesso das mulheres aos cargos legislativos; e, finalmente, que o
entendimento do resultado da política de cotas no Brasil passa pela compreensão
das características da legislação e de sua interação com esses outros fatores
multicausais, que possuem impactos indiretos sobre as cotas.
Não é nosso propósito aqui cobrir todos estes aspectos. Uma análise mais
abrangente exigiria a incorporação de um leque maior de variáveis, o que não é
possível devido à ausência de dados em relação a algumas delas, bem como às
limitações de espaço. Por isto, optamos por incorporar apenas algumas variáveis
do sistema eleitoral e político, que têm sido consideradas importantes pela
literatura de referência e que se encontram disponíveis nas fontes estatísticas
oficiais.
A análise multivariada estará centrada nas eleições de 2002, mas outros dados
apresentados abrangem o processo eleitoral de 2006. O foco são as eleições para
o cargo de deputado federal, uma vez que, em geral, é este o nível tratado pela
literatura aqui utilizada. Acreditamos que a referência teórico-metodológica
que nos orientou na presente análise se presta à leitura dos resultados
recentes e pode servir como subsídio para o debate que vem se desenvolvendo
sobre reforma política.
O artigo estrutura-se da seguinte forma: de início apresentamos um breve
panorama do debate envolvendo a relação entre sistema eleitoral, elegibilidade
de mulheres e cotas, debate este que fundamenta, também, nossa escolha
metodológica. Em seguida, apresentamos os resultados encontrados até o momento
em nossa investigação e, por fim, sugerimos alguns desdobramentos de pesquisa.
O SISTEMA ELEITORAL E O IMPACTO SOBRE AS MULHERES
A análise institucional sobre gênero e representação política tem enfatizado a
origem multicausal da sub-representação feminina. No âmbito dos sistemas de
representação política, estudos comparados sugerem que algumas características
institucionais podem ser mais favoráveis às mulheres. Enquanto alguns aspectos
destacados pela literatura são mais consensuais, em outros as evidências não
são consistentes ou não permitem identificar um vetor de associação.
É praticamente um consenso que os sistemas proporcionais tendem a facilitar
mais as eleições femininas, seguidos dos sistemas mistos e, por último, dos
sistemas majoritários (Rule e Zimmerman, 1994; Rule, 1997; Norris, 2004; Norris
e Inglehart, 2003; Matland, 2002). Embora não exista consenso acerca de como a
natureza do sistema partidário afetaria a eleição de mulheres, há certa
tendência a se considerar que os sistemas pluripartidários que não contam
apenas com dois ou três grandes partidos e com maior estabilidade institucional
tendem a apresentar proporção mais elevada de eleitas (Rule e Zimmerman, 1994;
IPU, 1997; Mateo-Diaz, 2002). No interior do sistema partidário, a magnitude
dos partidos (número de cadeiras conquistadas pelo partido em relação ao total
de cadeiras do estado/país) e o perfil ideológico são destacados pela
literatura (IPU, 1997; Mateo-Diaz, 2002; Schmidt e Araújo, 2004; Araújo, 2006;
Matland, 2002). Dimensões internas ao contexto partidário também teriam papel
importante no processo de recrutamento eleitoral e nas chances de eleição de
mulheres, sobretudo a ideologia e a organização partidária. Partidos de
esquerda tendem a estimular mais a participação e a ampliar as chances de
eleição de mulheres (Lovenduski, 1993; Norris, 1993; Norris e Inglehart, 2003;
IPU, 2000; Matland, 2002; Katz e Mair, 1992). No âmbito organizacional, tende a
haver certo consenso que a institucionalização dos procedimentos internos, com
regras claras e formalizadas, e uma vida partidária mais constante são fatores
importantes que facilitam a participação de mulheres e outros grupos e
influenciam seu recrutamento eleitoral (Araújo, 2005).
No interior do sistema proporcional, alguns aspectos são igualmente destacados,
sem que exista, porém, consenso maior acerca dos vetores de correlações. A
associação entre distritos de alta magnitude e maiores chances de eleição de
mulheres é considerada importante pela literatura. Distritos grandes, portanto
com maior número de candidatos e maior proporcionalidade, tenderiam a maior
diversificação e inclusão de candidatos outsiders. Mas alguns autores (Htun e
Jones, 2002) sugeriram que tal correlação dependeria da interação com outros
fatores, uma vez que distritos grandes poderiam implicar, também, maior
competição, necessidade de mais recursos financeiros e estratégias de campanhas
mais bem articuladas. Sobre o tipo de lista, também não há consenso, embora,
nos últimos anos, o sistema eleitoral de lista fechada venha sendo assumido
como mais favorável à eleição de mulheres do que o sistema de lista aberta
(Matland, 2002; Htun e Jones, 2002). Contudo, estudo recente de Schmidt (2006),
envolvendo 64 países de listas abertas e fechadas e comparando as vantagens
para as eleições de deputadas, mostrou que em países de lista fechada a média
de participação de mulheres nas câmaras é de 17,6%, ao passo que, entre os
países que têm lista aberta, essa média é de 19,7%. Schmidt alerta que os dados
não permitem sustentar a prevalência da lista aberta, mas servem para mostrar a
inconsistência da tese de que existiria uma nítida relação entre lista fechada
e maior elegibilidade feminina.
Vale ressaltar que muito da associação entre lista fechada e sucesso das
mulheres tem sido feita com base em estudos sobre países com cotas. No entanto,
também neste caso, as evidências empíricas não permitem consensos. O sistema de
lista por si não é o decisivo. Como têm mostrado várias análises, como a de
Mateo-Diaz (2002) sobre o caso da Bélgica, a de Baldez (2004) sobre o México, a
de Marx, Borner e Caminotti (2006) sobre a Argentina e inclusive a de Htun e
Jones (2002) sobre vários países da América Latina, as cotas implantadas em
sistemas de lista fechada dependem, sobretudo, da garantia de alternância por
sexo no seu ordenamento, de acordo com os percentuais mínimos exigidos. E
ainda, para tanto, necessitaram de medidas normativas que obrigavam tal
alternância. Mas a literatura mostra, por sua vez, que isto depende da força
das mulheres no interior dos partidos políticos. Ainda em relação às cotas,
cabe registrar que o estudo de Htun e Jones (idem) se tornou a referência mais
constante para estudos subseqüentes, e indicou que alguns fatores seriam
relevantes para a sua efetividade: a existência de sanções obrigatórias e/ou
punitivas em relação ao seu cumprimento, movimentos de mulheres organizados e
fortes e, no âmbito do sistema eleitoral, a existência de lista fechada com
alternância e de distritos de alta magnitude. Diversos autores acrescentam,
também, outros fatores, tais como a cultura política e determinadas
características socioeconômicas, como tão relevantes quanto certas
características dos sistemas eleitorais (Norris e Inglehart, 2003; Mateo-Diaz,
2002). Algumas características socioeconômicas serão testadas mais adiante. A
cultura política exigiria um estudo mais qualitativo, o que não é o caso neste
artigo.
IMPACTOS DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO SOBRE A ELEIÇÃO DE MULHERES
Em se tratando da relação entre a eleição de mulheres e as "grandes famílias"
do sistema eleitoral, o Brasil se encontra no grupo da família mais favorável,
ou seja, a dos sistemas de representação proporcional. Contudo, como destacado:
"um dado sistema eleitoral não necessariamente irá funcionar da mesma forma em
diferentes países"(Reynolds e Reilly et alii, 1997:8, apud Mateo-Diaz, 2002,
tradução dos autores).
Já o tipo de lista em vigência ' aberta ' tem sido considerado como aspecto
desfavorável em vários debates sobre mulheres e eleições e em alguns artigos
publicados recentemente7. No caso do Brasil, já há algum tempo estão em
tramitação algumas propostas de reforma eleitoral, e uma das mais debatidas e,
ao mesmo tempo polêmicas, é a de mudança do atual sistema de lista aberta para
lista fechada, conforme mostra a literatura (Nicolau, 2006). A análise de que o
atual sistema de lista aberta prejudica mais as mulheres se apóia, sobretudo,
na característica individualizada da campanha, nos seus custos e no preconceito
ainda existente.
Contudo, algumas ponderações em favor da lista aberta também merecem destaque,
chamando atenção para outras variáveis que interfeririam, e não a lista em si.
Neste sentido, destacam-se, por exemplo: a preservação de certa autonomia do
eleitor para escolher seus candidatos, o menor poder dos dirigentes na
indicação dos nomes e o contra-argumento em relação à ausência de financiamento
público, para cuja viabilidade a lista fechada tem sido associada. Neste caso,
argumenta-se que há países com lista aberta e financiamento ' caso da Finlândia
', assim, haveria mecanismos de garantia do financiamento independentemente do
tipo de lista; certas regras relativas à competição eleitoral8, e, sobretudo, a
excessiva mercantilização das estratégias de propaganda, que propiciariam um
cenário mais adverso do que o tipo de lista isoladamente. Haveria, ainda, a
fraca organização feminina no interior da maior parte dos partidos brasileiros.
E há exemplos de países com listas fechadas, mesmo aqueles com cotas, mas sem
regras de alternância na ordem de prioridades, nos quais as mulheres têm
dificuldades de obter lugares elegíveis (Schmidt, 2006).
O fato é que há a necessidade de mais evidências que permitam análises mais
conclusivas. Mas além do citado estudo de Schmidt (idem), pode-se tomar, como
exemplo da variação intralista, os casos do Brasil, Peru e Panamá. Todos estes
adotam cotas e são regidos pela lista aberta (no caso do Panamá, na parte
proporcional do sistema misto), e têm, respectivamente, 8,8%, 29,2% e 19,0% de
mulheres nas câmaras dos deputados. Comparando-se resultados antes das cotas
entre alguns poucos países que possuem lista aberta na região, notam-se
variações no interior de cada tipo de lista mesmo antes das cotas. Em 1995,
enquanto o Brasil contava com 6,2% de mulheres na Câmara de Deputados, o Peru
registrava 10,8% e o Panamá, 8,3%. Essas variações ocorriam também entre países
de listas fechadas, tais como Costa Rica (16,0%), Paraguai (3,0% ) e Honduras
(7,0%), por exemplo.
Mas a variação que ocorre entre os distritos eleitorais brasileiros, seja no
quantitativo de candidaturas lançadas ou nos percentuais de eleitas, constitui
também indicativo de que a interação com outros fatores pode ser tão ou mais
relevante do que o tipo de lista. Este é um dos aspectos que pretendemos testar
neste estudo. No Brasil, no ano de 2002, enquanto alguns distritos não elegeram
sequer uma deputada, outros elegeram mais de 20%. Nas eleições de 2006, para a
Câmara Federal, esta variação foi ainda maior, pois enquanto Alagoas, Distrito
Federal, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná e Sergipe não elegeram sequer uma
deputada federal, as mulheres do Amapá e do Espírito Santo conquistaram 50% e
40% da bancada federal de seus respectivos estados. Importa assinalar que
Sergipe e Mato Grosso do Sul foram os estados com percentuais de mulheres
candidatas mais elevados em 2006.
Esses dados nos remetem a outro aspecto tratado pela literatura: a magnitude
dos distritos. Aqui, o comportamento dos distritos eleitorais brasileiros
destoa do que vem sendo consagrado em estudos sobre o tema, ou seja, a relação
positiva entre distritos de elevada magnitude e maior elegibilidade das
mulheres. A fraca associação positiva entre eleição de mulheres e distritos de
alta magnitude foi constatada inicialmente em estudo comparativo entre Brasil e
Peru (ver Schmidt e Araújo, 2004), e a ausência de associação foi mais forte no
caso do Brasil do que no caso do Peru9.
Neste artigo, a análise de outros dados empíricos conduziu à mesma conclusão,
conforme será visto. Aqui, convém registrar que, em estudo anterior, foram
sugeridas possíveis dificuldades para as mulheres competirem em distritos
maiores, tais como a ausência de financiamento público de campanha, já que
estes distritos tendem a ser mais populosos e a possuir maior número de
partidos disputando, derivando daí um mercado eleitoral mais fragmentado e
competitivo (idem).
Contudo, há de considerar a existência no sistema eleitoral brasileiro de uma
sub-representação do eleitorado das UFs com maior população e uma sobre-
representação das UFs menores (Bohn, 2006). Com efeito, esses fatores podem
adquirir maior relevância, diante do que seria uma distorção na atual
distribuição da representação: distritos menores são sobre-representados em
relação à população e ao eleitorado e distritos maiores sub-representados, o
que tende a tornar a disputa mais acirrada nestes últimos.
Ainda que chegando a conclusões diferentes quanto ao peso da magnitude do
distrito, tanto Matland (2002) quanto Schmidt (2003; 2006) apontam para a
importância de uma outra variável, ou seja, o tamanho do partido. Isto é, o
peso eleitoral de um partido, determinado pela quantidade de cadeiras que ele
consegue eleger, em relação ao restante dos partidos que disputaram o mesmo
pleito em uma determinada circunscrição. Neste caso, saber onde as mulheres
estão e por quais partidos elas concorrem torna-se importante para determinar
quais as chances que terão de serem eleitas. Tais estudos, em geral, comparam
diferentes países. No presente caso, um caminho para avaliarmos se tais fatores
são de fato importantes consiste em compararmos tais variáveis entre os estados
da federação. Constatada a interação com esses fatores, um passo seguinte, mas
que não será objeto de análise deste artigo, consiste em observar o peso dos
partidos no Estado no âmbito da competição para o Executivo, já que nossas
eleições ocorrem concomitantes às eleições para governo do Estado e Presidência
da República. A engenharia política que conforma as alianças eleitorais e as
chances partidárias nas disputas para o Executivo provavelmente influenciam as
chances na disputa legislativa.
Considerando a interação entre sistema eleitoral e sistema partidário, o que
vem sendo identificado pela literatura é que sistemas pluripartidários, com
razoável número de partidos e considerável variação nos seus tamanhos,
sobretudo com partidos médios e pequenos que querem se legitimar diante dos
eleitores, possibilitam que as mulheres sejam mais absorvidas como candidatas.
Ademais, no espectro ideológico, seriam os partidos com perfil de esquerda ou
centro-esquerda aqueles mais abertos ao ingresso de mulheres. De antemão,
podemos dizer que o padrão brasileiro se aproxima de algumas dessas tendências:
multipartidarismo10, um número razoável de partidos médios e pequenos, e certa
tendência à maior absorção de mulheres entre partidos médios e pequenos e/ou de
esquerda.
No caso em foco, constatamos que as cotas parecem contribuir para ampliar o
ingresso de mulheres como candidatas, também, nos partidos grandes e mais
conservadores. Mas a pergunta é: até que ponto isto tem peso sobre suas chances
de eleição no sistema brasileiro e em que medida tal ampliação é mediada por
outras variáveis? Ao lado da análise e da identificação dos pesos dessas
variáveis, nos interessa relacioná-las, particularmente, com as possibilidades
de influência sobre as cotas e vice-versa, ou seja, as possibilidades de que,
uma vez que essa medida tenha sido introduzida, tais fatores venham a ser
alterados pelo peso das candidaturas.
Neste caso, trabalhamos com um dos pressupostos que sustentam a adoção das
cotas: o de que a ampliação de candidaturas implicaria uma tendência à
ampliação de eleitas. Em outras palavras, mais mulheres em um dado universo da
competição implicaria significativo impacto nas chances de eleição. Cabe
considerar de antemão que, no Brasil, quando a política de cotas foi negociada
no Congresso, houve um aumento do universo de candidaturas em geral (de 100%
para 150% das vagas em disputa). Isto pode ter influenciado o quadro
subseqüente, de baixos percentuais de candidaturas femininas, pois permitiu,
também, um aumento das candidaturas masculinas.
Por fim, decidimos considerar também outro aspecto discutido na literatura, mas
ainda pouco testado estatisticamente, ou seja, o da relação entre os outsiders
e os insiders. Em outras palavras, o do peso da representação ou do mandato nas
chances de eleição. Em trabalho sobre a Costa Rica, Matland e Taylor (1997) já
levantavam a hipótese de que a existência ou não da reeleição poderia ser
decisiva para o ingresso e a ampliação do acesso das mulheres. Por sua vez,
Chapman (1993) também analisou esta dimensão como extremamente relevante para
pensar o ingresso das mulheres nos espaços políticos, já que se tratava de
deslocar quem já se encontrava neles. E, em geral, quem já está incluído nos
espaços tende a possuir, pelo próprio fato de lá estar, certos capitais
importantes para assegurar a permanência dessa condição. Norris e Inglehart
(2003) chamaram atenção para a tendência inercial do processo de recrutamento e
acesso político, tendência esta mediada por certos requisitos que se tornam
garantias de eleição. Tais requisitos ocorreriam em conseqüência da reprodução
ou garantia do perfil de quem já foi submetido à "prova das urnas" e se
encontra concorrendo. Com base nisto, incluímos como variável para testar as
chances de eleição o candidato/candidata estar ou não concorrendo à reeleição.
O IMPACTO DE FATORES SOCIOECONÔMICOS
O grau de desenvolvimento socioeconômico e cultural tem sido considerado outro
fator relevante para o acesso das mulheres à política institucional (idem). O
IDH tem servido como principal indicador de desenvolvimento em estudos
comparados, inclusive os estudos de gênero, e serve também para comparações
internas às regiões e estados em cada país. No Brasil, pesquisas de Alcântara
(2006) e de Alves et alii (2005), procurando verificar o peso de fatores
socioeconômicos nas chances de eleição de mulheres para as câmaras de
vereadores, constatataram fraca associação entre eleição de mulheres e o IDH
dos municípios, quando controladas outras variáveis. Neste estudo, procuramos
verificar em que medida o IDH ajuda a explicar as chances de eleição de homens
e mulheres ao cargo de deputado federal.
Não há muitas informações sociodemográficas sobre candidatos e eleitos que
permitam olhar mais detalhadamente as características de quem disputa e se
elege no Brasil. Mas um dos dados importantes disponíveis diz respeito à
escolaridade. Vários trabalhos mostraram que, assim como em outros países, o
perfil dos candidatos e, sobretudo, dos eleitos a cargos proporcionais é
marcado pela elevada escolaridade. Quanto mais elevado o cargo, maior a
escolaridade dos que conseguem ser eleitos. Entretanto, em que medida esta
variável também é recortada pelo gênero? Alguns dados estatísticos já nos
apontavam para um diferencial na escolaridade de homens e mulheres que se
elegem para cargos legislativos, por isso decidimos incluir esta como uma
variável de nosso modelo de análise.
Como tem sido bastante discutido em relação ao acesso das mulheres à política,
a interação entre aspectos associados às condições socioeconômicas assim como à
cultura de gênero (se mais ou menos igualitária) e fatores políticos torna mais
adversa a trajetória que conduz ao nicho restrito da representação parlamentar.
A "conjugalidade", por exemplo, surge em vários estudos como um dado relevante.
Já sabemos o que o casamento e os diferentes papéis atribuídos a homens e
mulheres na família têm significado historicamente em termos de maior ou menor
autonomia. Ser casada, ter filhos e/ou ter a atribuição dos "cuidados
familiares" têm impactos sobre a vida das mulheres na esfera pública, inclusive
na política. Vários estudos (Araújo, 1999; Avelar, 2001; Pinto, Moritz, Schulz
e Moraes, 2000; Alves, 2003) têm chamado atenção para o perfil dos que disputam
e, sobretudo, dos que se elegem, seja via dados estatísticos ou análises mais
qualitativas. Neste caso, tendem a destacar que o percentual de homens casados,
sobretudo entre parlamentares federais, é bem mais elevado do que o de
mulheres, ao passo que entre as mulheres os percentuais de divorciadas e/ou
solteiras são mais altos do que entre os homens. Neste sentido, procuramos
também incorporar o perfil conjugal dos candidatos para identificar se a
condição de conjugalidade interfere e se há diferenças de acordo com o sexo.
Por fim, nessa perspectiva multicausal, chamamos atenção, também, para o fator
idade como elemento presente nas trajetórias de quem pretende disputar um cargo
político. Com exceção de alguns perfis particulares, em geral, a construção das
trajetórias políticas implica um acúmulo de capital político que requer algum
grau de dedicação, disponibilidade de tempo e recursos, que podem ser
financeiros, mas também expressos em redes de apoio e difusão ou reconhecimento
por segmentos da população. Por isso, também, quanto mais elevado o cargo da
disputa, menores são os índices de pessoas mais jovens. Aqui, portanto, trata-
se de verificar em que medida essa distribuição também se reflete entre aqueles
que obtêm sucesso e é recortada pelo gênero nos dois períodos analisados. Para
tanto, incluímos esta variável em nosso modelo estatístico, conforme poderá ser
visto a seguir.
ANÁLISE DE MULTIVARIÂNCIA DE FATORES ASSOCIADOS ÀS CHANCES DE ELEIÇÃO EM 2002
Considerando a discussão anterior, procuramos incorporar as variáveis que vêm
sendo objeto de debate e avaliação pela literatura. A análise estatística
multivariada apresentada neste artigo foi elaborada utilizando-se as diversas
variáveis disponíveis no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral ' TSE
para todos os candidatos (de ambos os sexos) ao cargo de deputado federal nas
eleições gerais de 2002. Para a avaliação do nível de desenvolvimento do Estado
foram testadas algumas variáveis como o grau de urbanização, a densidade
demográfica e o IDH, fornecidas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil
(PNUD, 2004). Ao lado disso, para os fatores relacionados ao sistema eleitoral,
foram feitas, também, algumas comparações com resultados descritivos de 2006.
A escolha pelo modelo de regressão logística se deve ao tipo binário da
variável resposta, isto é, a chance de qualquer candidato (do sexo masculino ou
feminino) ser eleito. As covariáveis do modelo são de dois tipos: a) aquelas
com base nos "atributos" individuais dos candidatos e candidatas: sexo,
educação, idade, situação conjugal, partido pelo qual se candidata e reeleição
e b) aquelas características próprias da UF na qual se dá a disputa,
envolvendo: aspectos socioeconômicos e variáveis associadas ao sistema
eleitoral ' grau de urbanização, densidade demográfica e IDH ', e associadas ao
sistema eleitoral, envolvendo: a magnitude do "distrito" (número de vagas a
deputados federais que cada UF possui)11; e tamanho dos partidos (número de
candidatos que um partido elege em relação ao total de vagas disponíveis no
Estado). A variável "porcentagem de candidatas" em cada UF foi testada, mas não
apresentou significância estatística. Foram testados quatro modelos. Dois com
homens e mulheres, sendo um sem a variável reeleição e outro com a reeleição,
um outro modelo só com os homens e mais um só com as mulheres.
Pode-se perceber pela Tabela_1 os resultados das variáveis que apresentaram
significância estatística (no nível de 97%) no primeiro modelo: sexo, educação,
idade, situação conjugal, partidos, magnitude do "distrito", densidade
demográfica e IDH. Considerando igual a 1 a chance de os homens serem eleitos,
as mulheres têm possibilidades menores, isto é, de 0,67. A maior educação
aumenta as chances de eleição tanto de homens, quanto de mulheres, sendo que a
probabilidade de vitória cresce ainda mais para os/as candidatos/as com curso
superior completo, que possuem mais de três vezes (3,11) chances de eleição em
relação àqueles com menor nível educacional. Em estudo recente, Marx, Borner e
Caminotti (2006) pesquisaram e compararam a escolaridade de deputadas
argentinas e brasileiras e constataram que a escolaridade de nível superior em
ambos os casos predomina. Mas a proporção de brasileiras com ensino superior
completo e/ou pós-graduação na legislatura de 2002 alcança 73% e é maior do que
entre as argentinas. Isto é relevante porque há maior inversão entre a
escolaridade da população e a dos parlamentares no Brasil em comparação com a
Argentina. No caso brasileiro, em que apenas 6,9% da população acima de 25 anos
de idade possui ensino superior completo, segundo o censo demográfico de 2000
(IBGE, 2002), nota-se que o universo dos potenciais competidores a um cargo de
deputado federal surge como muito restrito. Sobre isto, é interesante observar
que, no Brasil, entre os candidatos ao cargo de deputado federal no ano de
2006, 52,85% declararam possuir ensino superior completo, mas entre os que se
elegeram, 80,5% o possuíam12. Ou seja, a rota que leva à candidatura e depois à
eleição mostra que o acesso à elite política é ainda mais restrito. Embora esse
dado não destoe do esperado, importa atentar para o que foi dito anteriormente,
ou seja, considerando o pequeno percentual de pessoas com ensino superior
completo no país, o peso da escolaridade tende a revelar, também, que a
denominada "elite política" no país é ainda mais digna deste nome ' e no caso
das mulheres essa proporção é ainda menor.
No mesmo sentido, os/as candidatos/as com idade superior a 35 anos possuem
maiores chances de vitória, o que provavelmente se explica, como já discutido,
pela necessidade de construção de uma carreira política que requer certa
trajetória ou acúmulo de capitais e recursos políticos. Algumas exceções são
aqueles considerados "famosos" por alguma razão, ou os que herdam um capital
familiar e, por esse motivo, não necessitam de um percurso muito longo, o que
também não é incomum na política brasileira13. Alguns dados disponíveis para
2006 também reforçam essa tendência.
A influência estatística da situação conjugal ' os/as candidatos/as casados/as
possuem razão de chances de 1,38 vezes maior do que os/as não-casados/as
(solteiros, separados, viúvos etc.) ' se deve, provavelmente, à relação com a
variável anterior. Nas faixas etárias mais altas, tende a ser mais comum as
pessoas estarem casadas (considerando ainda que o dado indica o estado civil, e
não a situação conjugal de fato).
Quanto aos fatores institucionais, a variável "partido" possui grande poder de
explicação neste modelo, sendo que os partidos que mostraram resultados mais
expressivos foram os quatro grandes, ou seja, exatamente aqueles que elegeram
as maiores bancadas na Câmara dos Deputados em 2002. Tomando-se como referência
todos os outros partidos, PFL (atual Democratas, cuja sigla é DEM), PSDB, PMDB
e PT apresentaram maiores razões de chances de eleger homens e mulheres. Já a
variável explicativa Magnitude do Distrito mostra que, quando se consideram
homens e mulheres no modelo, as maiores UFs apresentam maiores razões de
chances, exatamente por possuírem maior quantidade de vagas. A variável
Densidade Demográfica não apresentou grande influência nos resultados, embora
tenha significância estatística no modelo. Controlada todas estas variáveis, o
IDH apresentou coeficiente com sinal negativo e razão de chance de 0,07,
mostrando que a probabilidade de um/a candidato/a se eleger diminui na medida
em que cresce o IDH da Unidade da Federação. O teste de Wald14 na Tabela_1 nos
permite ver que as variáveis Partido e Educação são as que mais explicam a
variância dos dados e que, portanto, possuem maior efeito sobre as chances de
vitória de homens e mulheres.
Acrescentando ao modelo anterior a covariável Reeleição, os resultados mudam
bastante, como pode ser comprovado na Tabela_2. As variáveis sociodemográficas
' Densidade Demográfica e IDH ' perdem poder explicativo. Neste novo ajuste do
modelo, apenas as variáveis Educação, Tamanho dos Partidos e Reeleição
apresentaram significância estatística (no nível de 97%), sendo que Reeleição é
a variável que assume o maior peso explicativo (ver o valor do teste de Wald).
Isto quer dizer que existe uma inércia eleitoral, ou seja, aqueles que fazem
parte do corpo legislativo possuem maiores chances de continuar pertencendo ao
Parlamento. Evidentemente, o peso do fator reeleição beneficia os homens que
são maioria na Câmara dos Deputados e desfavorece as mulheres que buscam
reverter a hegemonia masculina no Poder Legislativo. Desta forma, os dados
indicam que, entre os diversos fatores causais da sub-representação feminina na
política, o alto percentual de candidatos reeleitos tende a manter a atual
composição de gênero e dificultar a renovação do Parlamento15. Considerando que
a reeleição parece ser uma tendência que vem se fortalecendo nas últimas
eleições e os dados desta eleição de 2006 corroboram este peso, é possível
dizer que as mulheres, apesar de seu crescente envolvimento político, estão
encontrando cenários mais adversos, embora outros fatores possam pesar mais
para que, eventualmente, elas possam conseguir se eleger16.
As Tabelas_3 e 4 apresentam os resultados dos modelos ajustados separadamente
para homens e mulheres. No caso masculino, como no modelo anterior, apenas as
variáveis Educação, Partido e Reeleição apresentaram significância estatística
(no nível de 99%). No caso feminino, somente as variáveis Magnitude do Partido
e Reeleição apresentaram significância estatística (no nível de 99%).
Contudo, existem algumas diferenças importantes e muito reveladoras dos
diferentes pesos de algumas variáveis sobre as diferentes chances das mulheres,
em comparação com os homens. Como dissemos, a idade também está relacionada às
diferentes trajetórias de homens e mulheres no espaço público e às suas
responsabilidades no espaço doméstico. Sem considerar a variável reeleição, é
possível notar que, enquanto para os homens a chance de ser eleito é
ligeiramente maior até os 35 anos, no caso das mulheres, a chance cresce
bastante após os 35 anos, o que, provavelmente, revela o ingresso mais tardio,
possíveis interrupções de carreiras e a necessidade de acumular capitais
políticos maiores do que os homens. Essas tendências também tendem a aparecer
nos dados de 2006. Assim, apenas 4,0% dos parlamentares eleitos para a Câmara
dos Deputados tinham até 30 anos de idade, ao passo que 81% tinham entre 31 e
60 anos (ver O Globo, 3/10/2006, p. 22). Observando-se a distribuição dos
percentuais de candidaturas para o cargo de deputado federal, segundo o sexo e
a faixa etária, constatamos o que este e outros estudos já haviam identificado
e sugerido: as mulheres levam mais tempo para tentar ou para construir uma
carreira política do que os homens, já que, entre as mulheres, 52% se
encontravam na faixa etária de 45 a 59 anos, ao passo que, entre os homens,
este percentual foi de 48%. Mas um dado novo e interessante é que, entre as
mulheres, 1,8% das candidatas se encontravam na faixa dos 18 aos 24 anos,
contra 0,9% dos homens. Isto sugere que, entre os mais jovens, as mulheres
podem estar se sentindo um pouco mais estimuladas a tentar a carreira política.
Mais uma vez, a diferença na variável casamento também tende a se explicar pelo
perfil e universo de quem entra, embora, quando olhamos internamente para os
eleitos, notamos que há bem mais mulheres solteiras, separadas ou divorciadas
do que homens. Mesmo a variável educação mostra uma ligeira diferença,
sugerindo que ainda é mais importante para as mulheres terem curso superior do
que para os homens. Por último, o IDH também é bastante revelador: as chances
das mulheres serem eleitas em estados com menores IDHs tende a ser bem mais
elevada.
Se considerarmos, agora, as chamadas variáveis institucionais, a discutida
perspectiva multicausal tende a tornar-se mais perceptível. Ao mesmo tempo, nem
todos os dados confirmam as tendências discutidas pela literatura. No caso da
variável Magnitude do Distrito, os resultados brasileiros apontam em sentido
contrário. Os dados da Tabela_4 mostram também que, no caso do ajuste do modelo
apenas para as candidaturas femininas, importa destacar que a magnitude do
distrito atua no sentido contrário do que acontece com as candidaturas
masculinas, ou seja, as mulheres apresentam maiores chances de serem eleitas
nas menores UFs. Os homens, por sua vez, têm mais chances nos distritos médios,
em seguida nos distritos grandes (que concentram também a maior parte dos
estados com IDH mais elevado) e chances menores nos distritos pequenos; entre
as mulheres há certa inversão dos valores (o item seguinte e a Tabela_5 poderão
ilustrar melhor essa tendência).
Por outro lado, o tamanho do partido mostrou-se relevante antes e depois de
acrescentada a variável Reeleição, confirmando análises anteriores que começam
a indicar um sentido inverso ao usualmente consagrado pela literatura (Matland,
2002; Schmidt, 2003). Quando olhamos apenas as mulheres, observamos que os
quatro grandes partidos continuam tendo maior peso na eleição tanto de homens
como de mulheres, ou seja, não é indiferente o tamanho e/ou o perfil dos
partidos pelos quais as mulheres se candidatam. Isto tem implicações nas suas
chances de eleição, assim como na disputa por conseguir uma vaga nos partidos
mais competitivos. Em 2002, as chances das mulheres se elegerem são muito
maiores nos quatro grandes partidos, em comparação com os outros. Ao mesmo
tempo, quando olhamos as chances entre estes quatro grandes partidos, notamos
que elas são maiores no PT (6,83 vezes). Isto confirma um dos fatores
discutidos e já indicados pela literatura, ou seja, o de que as mulheres tendem
a ter mais oportunidades nos partidos de esquerda. Mais uma vez, cabe lembrar
que esta variável também está condicionada a outras e que o próprio peso do
partido tende a ser relevante para determinar essas chances.
Quando introduzimos a reeleição, esta passa a ser a variável mais importante,
mas a razão de chances de sucesso para as candidaturas à reeleição é maior
entre os homens (26,93 vezes) do que entre as mulheres (16,65 vezes). Portanto,
mesmo as mulheres que conseguem entrar no fechado espaço da Câmara dos
Deputados possuem menores oportunidades de continuar participando em
legislaturas consecutivas. Este também é um dado confirmado pelos resultados da
eleição de 2006. Enquanto o percentual de reeleição total da Câmara foi de 54%,
entre as mulheres esse percentual foi de 39,5%, ou seja, mesmo quando conseguem
se eleger, as chances de continuarem como parlamentares são menores, o que
sugere o déficit de outros capitais e o peso de outros fatores envolvidos na
competição.
AS CHANCES RELATIVAS DE SUCESSO ELEITORAL ' RESULTADOS DE 2006 EM COMPARAÇÃO
COM 200217
Um debate importante no atual contexto brasileiro sobre as razões para o não
funcionamento das cotas diz respeito à relação entre aumento de candidaturas e
aumento de eleitas. A existência de uma maior oferta (candidaturas) no mercado
eleitoral pode ampliar as possibilidades de eleição de mulheres. Isto tende a
ocorrer porque existem maiores opções de escolha e, com isso, as candidatas se
tornam mais visíveis. Sem dúvida, há uma diferença entre o eleitor ter a chance
de escolher entre duas ou entre 10 mulheres.
A Tabela_5 mostra o número de mulheres eleitas e a porcentagem de mulheres
candidatas e eleitas para a Câmara dos Deputados, por UFs, nas eleições de 2002
e 2006. Nota-se que, sobre a mesma legislação de ação afirmativa, o Amapá
elegeu quatro mulheres, representando 50% de mulheres entre a bancada de
deputados federais do Estado, enquanto São Paulo elegeu três, representando
apenas 4,3% da bancada paulista na Câmara dos Deputados.
Resgatando a perspectiva multicausal, é necessário ponderar que não se pode
esperar uma relação de causa e efeito, o que nos leva a relativizar as
expectativas sobre as cotas. E nos leva, também, a um olhar sobre a interação
da variável Candidatura com outras variáveis. De todo modo, é possível dizer
que a política de cotas, tal como formulada no Brasil, não tem sido suficiente
para reverter a sub-representação feminina no Parlamento. Embora uma análise
multivariada mais completa possa vir a determinar o peso efetivo de cada um
desses fatores olhados isoladamente, os dados obtidos constituem pistas
iniciais importantes. Um modelo de regressão simples mostra que existe uma
correlação entre a porcentagem de mulheres candidatas e eleitas; contudo, o
grau de explicação do modelo é bastante limitado. Os Gráficos_1 e 2 mostram a
relação entre o percentual de candidatas e eleitas do sexo feminino nas
eleições de 2002 e 2006. Em ambos os casos, a reta de tendência mostra que o
número de mulheres eleitas tende a crescer quando cresce o percentual de
mulheres candidatas. Contudo, a porcentagem da variância explicada, medido pelo
R2, é somente de 3,4% em 2002 e 6,1% em 2006. Desta forma, como já discutimos,
existem outras variáveis que influenciam o comportamento do sucesso ou
insucesso eleitoral das mulheres. Isto sugere a necessidade de parcimônia na
associação entre ampliação de candidaturas e maior chance de eleição.
Ao lado da análise acerca dos pesos desses diversos fatores, consideramos
também importante identificar as chances das mulheres candidatas em relação aos
homens candidatos, o que nos daria uma avaliação mais geral sobre, em que
medida, isolando-se esses outros fatores, as chances das mulheres em relação às
chances dos homens são mediadas pela comparação entre o universo de
competidores e de eleitos. Consideramos que algumas análises descritivas
poderiam enriquecer as hipóteses testadas anteriormente. Decidimos por analisar
o impacto relativo das candidaturas sobre a elegibilidade das mulheres, sob o
ângulo descritivo e também comparativo. Para tanto, optamos por trabalhar com a
Taxa Relativa de Sucesso ' TRS18, um tipo de agregação usada em outro estudo,
no qual foram analisados os anos de 1994 a 2002 e considerado, ao mesmo tempo,
o fator Magnitude do Distrito. O objetivo era avaliar, também, se as TRSs
acompanhavam a variação observada para os tipos de distritos eleitorais. A
vantagem dessa fórmula é que ela permite (desconsiderando os outros fatores)
igualar a relação entre candidaturas e eleição entre homens e mulheres.
No que diz respeito às quatro últimas eleições, quando os resultados são
agrupados de acordo com a magnitude dos distritos, o cálculo da TRS mostra que,
proporcionalmente, mulheres se candidatam e se elegem mais nos distritos
pequenos e suas desvantagens são maiores nos distritos grandes, conforme se
pode notar na Tabela_6. A comparação, ainda que descritiva, entre os dois
pleitos, reforça os resultados encontrados no modelo logístico já analisado.
A tabela permite observar que: as candidatas ficaram longe de obter o sucesso
dos homens em termos de elegibilidade (= 100); há certa relação entre universo
de candidatas e chances de sucesso, mas esta relação importa até certo ponto e
varia entre tipos de distritos; estas chances são maiores nos distritos
pequenos, em seguida nos distritos grandes e, por fim, nos médios. Entretanto,
são, sobretudo alguns dos distritos grandes que também concentram os maiores
IDH, maior organização política e número maior de partidos. Situação idêntica
pode ser encontrada entre alguns distritos de média magnitude. Isto, porém, não
significa dizer que, necessariamente, os distritos de baixa magnitude e com
elevados percentuais de candidaturas apresentarão sempre resultados positivos.
A Taxa de Sucesso de forma desagregada, pelos estados da federação nos anos de
2002 e 2006, também foi analisada em artigo de Araújo (2006a), que tratou de
discutir os resultados eleitorais brasileiros. A autora observou que, embora
ocorressem algumas variações entre os estados nos dois períodos, há certas
recorrências que vão na mesma direção dos dados da Tabela_1: as Taxas de
Sucesso positivas (acima de 100) foram mais freqüentes nas duas últimas
eleições nos estados do Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Rio
Grande do Norte e Roraima, ao passo que taxas mais negativas foram observadas
nos estados de Sergipe, Piauí, Rio Grande do Sul, Alagoas e Paraná. Com exceção
da Bahia, de elevada magnitude e baixo IDH, os outros são estados de baixa
magnitude e médio ou baixo IDH. Já os que vêm obtendo menores Taxas de Sucesso
variam tanto na magnitude quanto no IDH.
Com efeito, tanto a Taxa Total, como o olhar sobre os percentuais de
candidaturas por cada estado da Federação nos sugere que, no atual contexto e
tipo de sistema eleitoral, o peso deste fator no caso brasileiro destoa
significativamente do que tem sido destacado pela maior parte da literatura. A
relação importa até certo ponto, mas não é direta e depende de outras
variáveis19.
Ainda no âmbito da interação entre sistema eleitoral e dinâmicas de competição,
levantamos a hipótese de que a densidade da disputa20 poderia, também,
influenciar as chances de uma mulher ser eleita. Decidimos olhar
comparativamente a relação candidatos/vagas nas duas últimas eleições e
verificar se o gênero seria também uma variável afetada, uma vez que maior
disputa na relação candidato/vaga, em cenários com maior densidade eleitoral,
exigiria um conjunto de recursos e/ou capitais em relação aos quais as mulheres
tendem a estar em desvantagem ou a possuir menos. A Tabela_7 fornece-nos um
indicativo de como tem sido essa densidade nas duas últimas eleições. Um
primeiro dado a destacar é que a densidade média tem ficado em torno de 10
candidatos por vaga. Contudo, tanto em 2002 quanto em 2006, não se pode falar
de um padrão que favoreça mais ou menos as mulheres.
Os resultados sugerem que esta variável não se comporta de forma sistemática,
tampouco há uma relação linear entre maior densidade e maior elegibilidade. As
mulheres têm se saído bem em estados com elevada densidade, assim como naqueles
com baixa densidade. Ao mesmo tempo, elas também têm desempenho pior em estados
com elevada ou com baixa densidade. Assim, em 2006, por exemplo, os quatro
estados com maior densidade da disputa foram Distrito Federal, Mato Grosso, Rio
de Janeiro e São Paulo21. Nestes, é possível observar um contínuo que vai de um
péssimo resultado (Distrito Federal) a um ótimo resultado (Mato Grosso), e
entre estes extremos temos dois grandes distritos com resultados
tendencialmente bons e ruins (Rio de Janeiro e São Paulo). Uma observação sobre
os percentuais de candidaturas de mulheres nos mostra que estão todos mais ou
menos na mesma faixa (Distrito Federal com 14,7%, Mato Grosso com 17,7%, Rio de
Janeiro com 13,6% e São Paulo com 14,4%). E quando observamos a relação
candidatas/vagas em disputa, estes quatro estados praticamente se igualam.
Considerando os estados com baixa densidade, observamos situações e flutuações
no mesmo sentido.
Em outras palavras, em uma análise preliminar, a "densidade da disputa", por
si, não parece afetar as chances das mulheres. Um aspecto positivo a destacar
desta análise é que isto significa que a competitividade das candidatas não é
negativamente determinada pela maior oferta de candidatos no mercado, o que,
por sua vez, sugere que a crença de que as mulheres seriam menos competitivas
também não se sustenta. Isto reforça, mais uma vez, a perspectiva inicial
adotada neste estudo, porém, indicando que alguns fatores podem ter mais
importância do que outros. Um primeiro aspecto a destacar é que os dados
comparados das eleições de 2002 e de 2006 reforçam ainda o que tem sido
afirmado pela maior parte da literatura. Considerando, grosso modo, os três
grandes blocos, verifica-se que os partidos definidos como de esquerda tendem a
eleger um percentual maior de mulheres, conforme observamos no Gráfico_322.
No exercício de exploração dessas interações, a fim de melhor verificar a
relação com os partidos, sua magnitude e sua potencialidade para absorver
mulheres do fator, já testado para 2002, porém de forma distinta, resolvemos
analisar o resultado de 2006 a partir do que definimos como TRS entre os
partidos que elegeram mulheres. Procuramos observar o comportamento destes
partidos em relação às proporções de candidaturas e de eleitas. Esta taxa diz
apenas qual o sucesso das mulheres em relação ao dos homens que concorreram por
um determinado partido, mas não define as causas desse sucesso. De início, cabe
observar que: a) nem todos os partidos elegeram deputados; b) entre os que não
elegeram, varia muito o percentual de mulheres entre seus candidatos; c) entre
os 21 que terão representantes na Câmara, 13 partidos elegeram mulheres como
deputadas; d) a tendência já constatada na literatura internacional se verifica
e se mantém no Brasil, ou seja, a esquerda tende a eleger mais, o centro vem em
seguida e a direita elege menos23. A Tabela_8 mostra que as maiores Taxas de
Sucesso ocorreram entre os partidos pequenos ou "nanicos". Estes foram, também,
partidos com elevados índices de candidaturas entre os que elegeram deputadas.
Mas suas bancadas são pequenas e, portanto, o número de mulheres eleitas também
tende a ser pequeno. Uma exceção é o PC do B. Entretanto, quando passamos aos
partidos médios24, notamos que apenas um partido, de esquerda, o PSB, elegeu
mais mulheres. É interessante notar, também, que, mesmo negativa, as duas taxas
de sucesso seguintes próximas a 100 foram, respectivamente, do PMDB e do PP. No
PMDB, as mulheres que concorreram tiveram um desempenho um pouco melhor e mais
próximo, ainda que não igual, ao dos homens. Mais uma vez, chamamos atenção
para o desempenho do partido nas eleições aos governos estaduais e a relação
com os estados onde as candidatas do partido foram eleitas. Já o PP, como se
pode observar na quarta coluna, teve um dos piores percentuais de mulheres
candidatas. Entre outros aspectos, isto nos permite supor que a competitividade
das candidatas do PP não era tão fraca, seja por seus perfis eleitorais, seja
pela força relativa do partido em relação a outros partidos nos estados onde
essas mulheres eleitas disputaram.
Contudo, um olhar sobre a distribuição das eleitas por partido e Estado25
sugere: a) há uma distribuição mais dispersa entre os partidos de esquerda e um
pouco mais homogênea entre os médios e grandes partidos de centro e de direita;
b) o mapa eleitoral por onde as mulheres se elegem acompanha, também, as
lógicas estaduais das coligações e a força dos partidos nessas disputas e nos
estados. Entretanto, em que pese a taxa relativa permitir um olhar mais
comparativo, cabe destacar que mais de 50% das eleitas em 2006 pertencem aos
quatro grandes partidos já indicados em 2002 ' PT, PSDB, PMDB e PFL.
Os dados nos sugerem, portanto, que, além dos fatores já apresentados, outros,
relacionados com a fragmentação partidária, mas também com a magnitude (tamanho
dos partidos que disputam em cada Estado) surgem como relevantes na análise das
chances de vitória das mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de um estudo que requer acompanhamento de uma série histórica
mais ampla, não pretendemos ser conclusivos ou mesmo esgotar todas as
possibilidades de análise. Contudo, tanto os resultados do modelo usado para
analisar os dados de 2002, como alguns resultados de 2006 tratados de forma
descritiva permitem destacar alguns pontos relacionados com as hipóteses
iniciais e sugerir futuras investigações.
Foi possível mostrar como o desempenho das mulheres varia em muitos aspectos,
quando observado de forma mais desagregada por Estado e em uma perspectiva
multicausal. Algumas variáveis com elevado grau de "significância" no modelo
adotado para 2002, assim como outros resultados de 2006, pensados de forma
articulada, nos instigam a explorarmos algumas pistas.
Os dados confirmam alguns padrões descritos na literatura e que definem as
trajetórias e os tempos de inserção como diferenciados para homens e mulheres.
Isto nos remete à necessidade de compreendermos, também, se e como estas
trajetórias têm sido modificadas nos partidos, desde a idade com que homens e
mulheres vêm entrando nos partidos, como o tempo esperado entre sua filiação e
seu ingresso na esfera dos competidores.
Considerando que o IDH tem sido usado como um indicador que adquiriu um
significado que vai além do relativo ao desenvolvimento socioeconômico, pois
remete, também, a situações sociais mais igualitárias, o fato de, no Brasil, as
chances de uma eleição ao cargo de deputado federal para mulheres serem mais
reduzidas exatamente nos estados com IDH mais elevado nos instiga possíveis
hipóteses a serem futuramente exploradas. Uma seria a da relação entre os
distritos maiores e com elevados IDH, a participação democrática, o
conservadorismo e as vias de construção de carreiras: poderíamos pensar no grau
de politização, participação cívica e a característica elitista da política
eleitoral no país como elementos com importante interferência. Neste caso, ao
reduzir ou manter de forma inercial o ingresso e a formação de novos atores
políticos, os padrões de associativismo terminariam por reduzir as chances de
ampliação de novas lideranças. Ainda nesta perspectiva, é possível dizer que,
nos estados com menor IDH, os tipos de requisitos, recursos e competências dos
candidatos por onde se constroem trajetórias políticas tendem a ser mais
baseados em capitais familiares, clientelismo e filiações a grandes partidos,
mais típicos de determinados estados e regiões. Já nos distritos de alta
magnitude, uma questão a explorar é se tenderiam a pesar trajetórias políticas
mais sólidas e, em conseqüência, a existir maior cobrança ou expectativa do
eleitorado em relação a certos tipos de competências, tipos estes distintos
daqueles mencionados anteriormente. E se sobre as mulheres, uma vez em
desvantagem, recairiam os maiores impactos.
Mas ao lado de aspectos centrados mais nos atributos individuais ou na
participação política, e seguindo nossa proposta inicial, é importante
destacar, sobretudo, os aspectos associados à lógica do próprio sistema
político-eleitoral. Na análise de 2002, ficou claro que ser deputado e disputar
a reeleição se constitui em capital determinante. O que sugere, também, uma
dinâmica de ingresso pouco movimentada e marcada por requisitos difíceis de
serem conquistados pelos outsiders. Ainda assim, os homens permanecem tendo bem
mais chances do que as mulheres. Isto nos remete às nossas hipóteses centrais e
a dois aspectos vinculados à lógica do sistema eleitoral.
O primeiro diz respeito ao padrão de eleição de acordo com as magnitudes dos
distritos. A magnitude do distrito (número de assentos em disputa) não parece
guardar relação com a densidade da disputa (relação candidato/vaga). Contudo,
associadas à inversão encontrada para a variável IDH, importa destacar outras
características da disputa. Uma primeira tende a contrariar os achados
predominantes da literatura: são nos distritos pequenos e com menor número de
vagas em disputa que as mulheres tendem a se dar melhor. Nos distritos grandes,
por sua vez, estão concentradas as maiores proporções da população; há maior
fragmentação partidária na disputa eleitoral, isto é, há um número maior de
partidos disputando e elegendo; e os partidos tendem a eleger bancadas
proporcionalmente menores em razão da maior dispersão de votos. Com efeito, é
possível considerar a possibilidade de que, nestes estados, pela diversificação
da oferta (e não pela sua densidade), se tornem necessários investimentos
maiores por parte dos candidatos e partidos, seja na forma de capital
financeiro26, ou de outros capitais tais como redes de apoio e estrutura
partidária. Esse contexto explicaria parte das razões pelas quais as mulheres
tenderiam a se candidatar menos nesses distritos do que em distritos menores '
e, de igual modo, a se eleger menos, proporcionalmente.
Consideramos necessário aprofundar essa linha de interpretação em estudos
futuros. Mas os dados aqui mencionados nos permitem, desde já, reafirmar a
recusa à tese da apatia das mulheres em relação à política. Se houvesse algum
fundamento, seria menos provável que isto ocorresse exatamente nos estados mais
desenvolvidos, com maiores índices de associativismo, onde homens e mulheres
são mais escolarizados, estas últimas possuem maior autonomia financeira e
estão em condições melhores no mercado de trabalho. Se não apenas em relação à
igualdade de gênero, mas aos valores em geral, a escolaridade e a autonomia
financeira tendem a ter reflexos sobre as percepções, então fica difícil
explicar a apatia feminina nesses estados.
Isto nos permite, também, pensar as cotas sob outros e não contraditórios
ângulos de análises, incorporando a importância dos fatores institucionais
assim como a construção da auto-imagem e a relativa autonomia dos atores/
atrizes na definição de suas ações. Inclusive para aqueles fatores que apontam
para uma auto-seleção das candidatas em razão dos obstáculos estruturais. Esta
espécie de auto-seleção foi sugerida por Bourdieu (1999), não só em relação à
política, mas às outras formas de competências requeridas para as mulheres em
diversos espaços. Tal pré-seleção, mais especificamente voltada para a esfera
da representação política, foi também apontada por Matland (2002). Isto
implica, de igual modo, outro olhar sob o problema do "preconceito masculino",
que precisa ser melhor contextualizado e cujo peso em uma perspectiva
multicausal necessita ser mais bem ponderado. Se os baixos índices de
candidaturas e de eleitas se explicam também pelo "preconceito contra as
mulheres" e isto ocorre nos estados teoricamente mais abertos e desenvolvidos,
onde elas enfrentam graus mais elevados de dificuldade, como pensar as
variações de sucesso entre os estados ' com estados atrasados ou menos
organizados política e economicamente apresentando melhores desempenhos ' e
articular o "preconceito" às outras variáveis?
Um segundo aspecto a ser mais aprofundado relaciona-se aos partidos e sua
interação com os tipos de distritos, mas também com a lógica eleitoral dos
estados. Primeiro, quando observamos os partidos pelos quais as mulheres se
elegem, é possível confirmar o padrão já indicado pela literatura: em geral a
esquerda elege mais. Mas quando olhamos entre os partidos ditos grandes e
médios mais tradicionais, verificamos, também, que muitas vezes os partidos
mais tradicionais e, em tese, mais resistentes à participação das mulheres
obtêm melhores desempenhos. A Tabela_8 permite observar essas possibilidades.
Isto, mais uma vez, nos leva a considerar que a análise acerca da "resistência
partidária" necessita ser feita com mais parcimônia. Com isto, chama-se atenção
para a relevância de observarmos o peso e o papel dos partidos em cada estado e
contexto de alianças. Onde as mulheres se dão melhor nos partidos? Quais as
principais trajetórias que têm levado ao sucesso eleitoral? Aqui, é preciso
introduzir um dado ainda pouco trabalhado quando se discute a presença das
mulheres na política institucional: as eleições proporcionais junto com as
majoritárias para os dois níveis de representação, federal e estadual,
associada à diversidade e dimensão dos distritos/estados, tendem a estabelecer
relações próximas entre as lógicas eleitorais estaduais e federais. Como
assinalamos anteriormente, a distribuição das eleitas guarda certa lógica com
os tipos de capitais usados nos diferentes estados/regiões entre os tipos de
partido, e também com a lógica eleitoral local. A interação entre os padrões de
desempenho das mulheres de acordo com os tipos de distritos e o problema já
identificado de certa distorção na representação dos estados foi um outro fator
que surgiu no decorrer da análise e necessita ser mais bem investigado.
Em suma, ao lado das trajetórias e perfis de carreira, capitais, sobretudo o do
mandato parlamentar (reeleição), dois aspectos sistêmicos parecem ser bem
relevantes: proporcionalidade e magnitude do distrito e partido. E é provável
que contem ainda mais, diante da ausência de financiamento público de campanha
e da lógica eleitoral articulada entre Estado e Federação, que comanda as
eleições.
As cotas são também mediadas por esses fatores. Isto nos remete ao debate sobre
a reforma política e às propostas que seriam melhores para as mulheres.
Infelizmente, o que tem sido decidido em período, até o momento, não parece
apresentar avanços que permitam aumentar a presença de mulheres no Parlamento
brasileiro e melhorar a eqüidade de gênero na política. Mas, como se trata de
um processo em curso e novas interrogações surgem à medida que avançamos nas
análises, futuras investigações nos ajudarão a respondê-lo e avaliá-lo. O que
fica claro é a necessidade de maiores investigações sobre as lógicas
institucionais que orientam a ação política e, sobretudo, eleitoral.
NOTAS
1. Ver, entre outros, Araújo (2003; 2006); Alves (2003); Alcântara (2006).
2. Ver, por exemplo, Schmidt (2006); Araújo e Garcia (2006).
3. Nesse último caso, é provável que a eleição de uma mulher para a presidência
tenha tido impacto sobre a competição legislativa.
4. Como pode ser visto em alguns artigos da organização não-governamental ' ONG
Centro Feminista de Estudos e Assessoria ' CFEMEA.
5. Veja-se, entre outros, Htun e Jones (2002) e Matland (2002).
6. Ver, entre outros, Matland (2002); Mateo-Diaz (2002), mas, sobretudo,
Schmidt (2006).
7. Ver artigos no site www.cfemea.org.br.
8. Por exemplo, a relativa "inflação" de candidaturas que acompanhou a adoção
das cotas, ampliando de 100% para 150% o número de candidatas que poderiam
disputar as vagas disponíveis.
9. Há que ressaltar o fato de que as evidências em relação à magnitude do
distrito estão mais apoiadas em casos de países com listas fechadas e com
tradição democrática.
10. Embora com muita divergência quanto ao grau aceitável de fragmentação
partidária.
11. Os distritos foram classificados da seguinte maneira: 8 a 10
representantes, distritos pequenos; mais de 10 a 30 representantes, distritos
médios; e mais de 30, distritos grandes.
12. Ver site do TSE (www.tse.gov.br) para candidatos e artigo no jornal O Globo
de 12/12/2006, p. 3, para eleitos.
13. Um exemplo, segundo o jornal O Globo de 3/10/2006, dos 70 deputados eleitos
para a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, 17 são filhos, cônjuges ou
parentes próximos de políticos.
14. O teste de Wald é utilizado para avaliar se o parâmetro é estatisticamente
significativo. Este teste tem distribuição Normal, sendo seu valor comparado a
valores tabulados de acordo com o nível de significância definido.
15. Nota-se que estamos considerando a reeleição apenas dos deputados que
tinham mandato no momento do pleito. Existem, contudo, muitos homens que não
possuíam mandatos no momento das eleições, mas já haviam participado de outras
legislaturas, fato raro entre as mulheres.
16. Em 1994, a renovação foi de 58%; em 1998, de 50,7%; em 2002, de 49,9%; e,
em 2006, de 47% (O Globo, 3/10/2006, p. 22).
17. Por indisponibilidade do banco de dados pelo TSE, não foi possível
incorporar à análise de multivariância os resultados de 2006. No entanto, com
base nos dados oficiais já disponíveis, consideramos importante comparar alguns
resultados de 2006, analisados de forma descritiva.
18. Esta taxa, usada por Schmidt (2006) e por Schmidt e Araújo (2004:10), visa
somente avaliar quais as chances de elegibilidade no universo da disputa de
homens e de mulheres candidatos, considerando apenas a variável candidatura e
sem considerar, claro, outros fatores. Trata-se da porcentagem de mulheres
candidatas que foram eleitas, dividida pela porcentagem de homens candidatos
eleitos e multiplicada por 100. Assim, a TRS igual a 100 significa que os
candidatos de cada sexo têm a mesma chance de se eleger. Quando o número for
menor que 100, significa que os homens tiveram resultados melhores. Quando for
maior que 100, as mulheres tiveram resultados melhores, relativamente aos
homens, no universo em que estavam disputando. O que a TRS faz é ajudar a
compreender um pouco a competitividade de um conjunto de concorrentes, de ambos
os sexos, em um determinado universo. Este pode ser o país, o estado ou o
partido. E tal competitividade pode variar pela interação de diversos fatores,
tanto sistêmicos, vinculados ao sistema eleitoral, como pessoais ou de tipos de
capitais. Com isto, serve também para mostrar a influência relativa do aumento
das candidaturas e, quando associada a outras variáveis, o impacto deste
aumento ' algo que estamos por fazer na pesquisa em curso.
19. Por outro lado, comparando-se as TRSs totais do país, constata-se que a
maior taxa ocorreu em 1994, o que significa que a competitividade das mulheres
em relação aos homens que estavam na disputa foi mais elevada.
20. Por densidade da disputa definimos a relação candidato/vaga.
21. Para efeito desta análise, consideramos como densidade média entre 9 e 10
candidatos por vaga, densidade baixa, menos de 9 candidatos por vaga e
densidade alta, mais de 11 candidatos por vaga.
22. Essa é uma classificação grosso modo e, para esse efeito específico de
agregação, foram considerados de esquerda: PT, PC do B, PDT, PPS, PSOL e PSB;
de centro: PMDB, PSDB e PL; de direita: PFL, PP, PRONA e PTC. Foram eleitas 45
mulheres de um total de 513 deputados.
23. Essa é uma classificação grosso modo, e considera, para esse efeito
específico de agregação: esquerda: PDT, PC do B, PT, PPS, PSOL, PSB; centro:
PSDB, PMDB e PL; direita: PRONA, PTC, PP e PFL.
24. Bancadas acima de 20 candidatos e grandes bancadas acima de 50.
25. Ver CFEMEA, Eleições 2006, 3/10/2006 (www.cfemea.org.br).
26. O custo da disputa no país é um dos mais elevados do mundo.