Partidos políticos, ideologia e política social na América Latina: 1980-1999
INTRODUÇÃO
O mapa político da América Latina passa por profundas transformações. Após as
eleições de Hugo Chávez, na Venezuela (2000 e 2006), de Luiz Inácio Lula da
Silva, no Brasil (2002 e 2006), do casal Kirchner, na Argentina (2003 e 2007),
de Tabaré Vazquez, no Uruguai (2004), de Evo Morales, na Bolívia (2005), e de
Michelle Bachelet, no Chile (2006), podemos notar uma guinada à esquerda do
espectro ideológico da região. Nos países andinos, a população indígena,
parcela marginalizada da vida política ao longo de décadas, ganha destaque na
pauta de discussão. A nova agenda política que começa a se fortalecer na
América Latina se apresenta como alternativa àquela até então predominante,
pautada na reforma estrutural, pró-mercado, e propõe uma maior atenção aos
temas do crescimento econômico e da diminuição da pobreza e da desigualdade
social. Diante dessa nova realidade, estaria o continente latino-americano
passando por uma onda vermelha?
A discussão sobre distinção ideológica entre partidos políticos, ou entre
governos, se pensarmos de forma mais geral, não é recente. Grande parte das
análises de resultados de políticas públicas inclui em suas investigações o
impacto da inclinação ideológica do governo e da força desse governo no
Legislativo sobre a implementação de tais políticas. O principal objetivo
desses estudos é descobrir se a posição do governo no espectro ideológico e sua
composição no Legislativo - majoritária ou minoritária - influenciam as linhas
de políticas públicas adotadas por ele.
A existência de diferença ideológica entre partidos políticos é bastante
questionada pela literatura. Parte dela sustenta que partidos de esquerda,
considerados pro-welfare, quando no governo, gastam mais do que partidos de
direita em políticas sociais. Segundo essa literatura, em países governados por
partidos de esquerda, os gastos com bem-estar social são mais elevados, ao
passo que países governados por partidos de direita têm os gastos nessas áreas
reduzidos (Hicks e Swank, 1984). Estudos direcionados ao contexto norte-
americano atestam que existe diferença entre a condução de políticas
macroeconômicas e fiscais desempenhadas por governos democratas e aquelas
executadas por governos republicanos (Alesina e Rosenthal, 1995; Tufte, 1978).
Contudo, outra vertente da literatura argumenta que partidos políticos fazem
diferença, mas apenas moderadamente. Ou seja, mudanças na composição partidária
do governo não estão associadas a mudanças instantâneas na orientação das
políticas (Blais, Blake e Dion, 1993).
O debate em torno da relevância da ideologia e dos partidos políticos tomou
dimensões ainda maiores na década de 1980, com o advento da globalização.
Afinal, o intenso processo de internacionalização dos mercados, dos sistemas
produtivos e da tendência à unificação monetária, ao qual aderiram os países do
continente americano em resposta à crise do petróleo da década anterior,
resultou em uma perda da autonomia dos Estados nacionais e, conseqüentemente,
da diferença programática entre partidos políticos? Parte da literatura que
investiga os efeitos da globalização sobre as políticas públicas afirma que
sim, a abertura comercial prejudicou a autonomia nacional e as alternativas de
esquerda para o livre mercado. De acordo com essa vertente de investigação, no
contexto globalizado, países governados por partidos à esquerda do espectro
ideológico têm sua economia desorganizada, pois, ao contrário de países
dominados por partidos mais à direita, convivem com taxas mais elevadas de
inflação e de desemprego (Kitschelt, 1994; Piven, 1991; Iversen, 1996; Swenson,
1991; Scharpf, 1988).
Por outro lado, diferente linha de investigação postula que a relação entre a
força política de partidos de esquerda e as políticas econômicas de cunho
socialdemocrata não foi enfraquecida pela globalização, apesar das mudanças
impostas por esta (Garrett, 1998; Boix, 1997). A globalização, ao contrário,
aumentou os incentivos políticos para que partidos de esquerda promovessem a
redistribuição da riqueza e do risco, além de ações direcionadas para pobres e
trabalhadores a fim de protegê-los da insegurança causada pela maior exposição
à competição entre mercados (Garrett, 1998).
A maioria dos estudos que se propõem a investigar o impacto da globalização nas
políticas públicas se restringe, em geral, ao contexto europeu ou, em menor
grau, ao contexto norte-americano. Para o contexto latino-americano, constata-
se em algumas análises dos efeitos da globalização sobre a execução de
políticas públicas que a maior exposição à competição internacional prejudicou
os investimentos na área social e que, além disso, o impacto das variáveis
domésticas - como tipo de regime e ideologia do governo - sobre o gasto social
ocorre independentemente do efeito da globalização (Kaufman e Segura-Ubiergo,
2001)1. Outros autores, ao investigar se a integração econômica afetou a
política de bem-estar social nos países da região, observam que diferentes
indicadores de abertura comercial promovem resultados distintos, e que,
portanto, a afirmação de que a globalização reduziu os investimentos na área
social não é conclusiva (Avelino, Brown e Hunter, 2005)2.
Neste artigo, busco verificar se houve, no período inicial do processo de
abertura comercial (meados da década de 1980 e início da década de 1990),
variação nas políticas públicas adotadas pelos países da região e, em caso
positivo, identificar os determinantes dessa variação. Como pudemos perceber,
uma variável interveniente recorrente nas análises de políticas públicas diz
respeito à inclinação ideológica dos partidos políticos que ocupam o poder. O
viés ideológico dos governos da América Latina, afinal, é significativo a ponto
de interferir no direcionamento das políticas públicas adotadas por eles em
pleno processo de abertura comercial? Meu esforço neste estudo é, portanto,
tentar identificar a relação entre ideologia do governo e políticas públicas em
um período no qual a autonomia dos países na região foi posta em xeque.
Em virtude da forte relação existente na literatura entre esquerda e geração de
política de bem-estar social, utilizo como indicador de políticas públicas o
gasto público social, mais especificamente o gasto público em educação e saúde.
Procuro identificar que atributos dos governos latino-americanos afetam o gasto
social desempenhado por eles no período auge da abertura comercial, não
deixando de considerar variáveis socioeconômicas também presentes na literatura
pertinente.
Este artigo está estruturado em três seções. Na primeira seção, subdividida em
duas partes, é apresentada a revisão da literatura a respeito dos determinantes
políticos e econômicos do gasto social na Europa, nos Estados Unidos e na
América Latina. Na segunda, encontram-se a elaboração das hipóteses de trabalho
e a metodologia utilizada para análise do contexto latino-americano, assim como
os testes estatísticos, tendo como unidade de análise quatorze países da
região. Finalmente, na última seção, são oferecidas as principais conclusões
deste estudo.
OS DETERMINANTES POLÍTICOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA
Parte das pesquisas aplicadas ao continente latino-americano que se propõem a
investigar o impacto das instituições domésticas sobre políticas públicas
concentra suas análises no déficit fiscal e no gasto público dos países da
região (Alesina et alii, 1999; Jones, Sanguinetti e Tommasi, 1999; Mejía Acosta
e Coppedge, 2001; Amorim Neto e Borsani, 2004; Hallerberg e Marier, 2004). Uma
variável recorrente nesses estudos se refere ao perfil ideológico dos governos.
Afinal, partidos políticos podem ser ideologicamente distintos? As políticas
públicas produzidas por governos de esquerda são diferentes das políticas
públicas produzidas por governos de direita? Os principais achados dessas
análises apontam para o fato de que os desempenhos econômico, político e social
dos países desenvolvidos e/ou em desenvolvimento podem estar, sim, associados à
globalização, mas não apenas. Correlacionam-se também com o perfil ideológico
do governo e com sua coesão partidária no Legislativo.
A proposta do presente estudo é investigar se, na América Latina, a autonomia
dos Estados nacionais foi prejudicada pelo advento da globalização, ocasionando
homogeneização do padrão de políticas públicas adotadas por eles, ou se, ao
contrário, é possível identificar uma variação de tais políticas em função da
política e da economia domésticas, como o perfil ideológico do Executivo, bem
como sua composição no Legislativo. Afinal, podemos dizer que a ideologia dos
partidos no poder é fator determinante de política em pleno processo de
abertura comercial? Partidos políticos fazem ou fizeram diferença para a
execução de políticas públicas nas décadas de 1980 e 1990, período no qual teve
início o processo de abertura comercial? Essas são as principais questões
propostas neste artigo.
A Importância da Ideologia e dos Partidos Políticos na Implementação de
Políticas Públicas
Como dito anteriormente, há, hoje, para o contexto latino-americano, uma
diversidade de estudos que investigam o impacto das instituições políticas
domésticas sobre o gasto público e o déficit fiscal (Alesina et alii, 1999;
Jones, Sanguinetti e Tommasi, 1999; Mejía Acosta e Coppedge, 2001; Amorim Neto
e Borsani, 2004; Hallerberg e Marier, 2004). Contudo, boa parte dessas análises
atribui pouca importância à estrutura institucional e ao padrão de governança
vigente na região. Estudo recente para a América Latina, desenvolvido por Mejía
Acosta e Coppedge (2001), constitui uma exceção. Ao analisar os determinantes
políticos da disciplina fiscal latino-americana, os autores defendem que esta
depende da vontade dos governos; sendo assim, incorporam à análise aspectos
institucionais e políticos específicos dos países da região. Sustentam,
contudo, que os efeitos das variáveis institucionais sobre a disciplina fiscal
(gasto público e déficit), como tamanho do partido do presidente, número
efetivo de partidos, disciplina partidária, distância ideológica entre
presidentes e legislaturas e polarização ideológica do sistema partidário, são
maiores quando tais variáveis são interagidas.
Assim como Mejía Acosta e Coppedge (ibidem), Amorim Neto e Borsani (2004), em
estudo sobre os determinantes políticos do gasto público e do déficit fiscal na
América Latina, verificam que o efeito de algumas variáveis políticas sobre o
gasto e o déficit é maior quando interagidas com outras variáveis. Os testes
econométricos desenvolvidos pelos autores indicam que é a interação da força
legislativa do presidente, da estabilidade ministerial e da ideologia do
gabinete que vai determinar o nível do gasto dos países da região. Segundo o
estudo desenvolvido por Amorim Neto e Borsani (ibidem), as características
políticas dos governos latino-americanos influenciam significativamente tanto
em seu gasto público quanto em seu comportamento fiscal.
Nessa mesma linha de análise, Huber, Mustillo e Stephens (2004), buscando
verificar os efeitos de variáveis econômicas, demográficas e políticas sobre o
gasto público em educação, saúde e seguridade e bem-estar social, constatam que
os determinantes do gasto em educação e saúde são diferentes dos determinantes
do gasto em seguridade e bem-estar social. As variáveis que influenciam
positivamente o gasto em educação e saúde são abertura comercial, população com
até 16 anos e partidos de esquerda; as que influenciam negativamente, déficit e
pontos de veto. Isso quer dizer que, quanto maiores a abertura comercial e a
proporção de pessoas em idade escolar, e quanto mais à esquerda do espectro
ideológico está o governo, maior o gasto em educação e saúde. Por outro lado,
quanto maiores o déficit e a incidência de pontos de veto, menor o gasto
naquelas áreas. Já os determinantes do gasto em seguridade e bem-estar social
são população com mais de 65 anos, governos de direita e déficit público; as
duas primeiras variáveis influenciando positivamente e a última negativamente.
Ou seja, quanto maior a proporção de pessoas com mais de 65 anos e quanto mais
à direita do espectro ideológico está o governo, maior o gasto em seguridade e
bem-estar social, ao passo que, quanto maior o déficit, menor o gasto nessas
áreas.
Outra variável fundamental para entendermos o processo de formulação de
políticas públicas na América Latina, em função do sistema presidencialista, é
a variável natureza do governo. Ou seja, a composição partidária do Executivo
no Legislativo. Vejamos o porquê dessa afirmação na seção seguinte.
A Importância da Natureza do Governo para a Análise da América Latina
Grande parte dos estudos sobre a relação entre partidos e políticas públicas
tem como referência as democracias parlamentaristas da Europa, nas quais
encontramos partidos disciplinados, governo dependente da confiança parlamentar
e aprovação de agenda governamental como condições para a continuidade do
partido ou a coalizão do partido no poder. A análise para a América Latina,
entretanto, não deve deixar de considerar as especificidades do sistema
presidencialista predominante na região, altamente fragmentado em alguns países
e, por conseqüência, com maiores dificuldades em formar maioria no Congresso
Nacional, o que, teoricamente, dificulta a aprovação de políticas públicas em
virtude da ampliação dos pontos de veto. Seguindo esse raciocínio, a eficiência
nos governos presidencialistas latino-americanos seria prejudicada pela maior
dificuldade em obtenção de apoio partidário para aprovação de políticas
públicas, preservando, no limite, o status quo.
A análise das políticas públicas dos países da América Latina deve considerar
não só os partidos que apóiam o Executivo mas também a composição partidária
dominante no Legislativo (Alesina e Rosenthal, 1995). Disso decorre que a
relação entre partido político e políticas públicas só pode ser entendida nessa
região quando se acrescenta à explicação a possibilidade de ocorrência de
governos divididos, ou seja, um Executivo apoiado por tendências ideológicas
distintas da tendência ideológica dos partidos majoritários no Legislativo3. É
natural imaginar que, quando Executivo e Legislativo são dominados por
tendências ideológicas conflitantes, a variação nas políticas públicas é menor
do que quando os partidos que apóiam o governo e dominam o Legislativo
convergem para a mesma tendência programática (Tsebelis, 1995).
Tendo como base a contribuição de Mejía Acosta e Coppedge (2001), cuja
eficiência foi comprovada e adotada por Amorim Neto e Borsani (2004), de acordo
com a qual o efeito de determinadas variáveis políticas sobre políticas
públicas é potencializado quando algumas dessas variáveis são interagidas, duas
variáveis políticas de grande relevância para os objetivos deste estudo serão
interagidas. São elas: ideologia do governo e força legislativa do governo. A
intenção é observar se, em mandatos nos quais encontramos governos de esquerda
com maioria parlamentar, os gastos em educação e saúde são mais elevados do que
nos demais governos, sobretudo naqueles de direita4. A elaboração das hipóteses
de trabalho e a metodologia utilizada para análise das políticas públicas nos
países da América Latina, assim como a descrição das variáveis incorporadas aos
modelos estatísticos, todas elas inspiradas na literatura pertinente vista nos
parágrafos anteriores, serão tratadas na seção seguinte.
MODELO ESTATÍSTICO E TESTES ECONOMÉTRICOS
Com base na teoria segundo a qual governos de esquerda buscam um perfil mais
universalista e redistributivo para suas políticas, enquanto governos de
direita se preocupam mais com a estabilidade econômica via redução da inflação,
a proposição que norteia a hipótese principal deste estudo é: quanto mais à
esquerda do espectro ideológico está o governo, maior o nível do gasto em
educação e saúde5. Contudo, sendo o sistema de governo predominante na América
Latina o presidencialista, faz-se necessário incluir na análise não só a
inclinação ideológica do Executivo, mas também sua composição no Legislativo.
Os sistemas partidários latino-americanos são, em alguns países da região,
altamente fragmentados, o que exige a formação de coalizões para garantir a
governabilidade. Assim, espera-se que, quanto maior a correlação de forças do
governo no Legislativo, menores os pagamentos colaterais a serem distribuídos
para a formação de maiorias que apóiem as propostas do Executivo, facilitando a
implementação de políticas públicas (Alesina e Rosenthal, 1995; Fiorina, 1996;
Tsebelis, 1995)6.
Diante de tal suposição e com base nos estudos de Mejía Acosta e Coppedge
(2001) e Amorim Neto e Borsani (2004), segundo os quais alguns indicadores têm
impacto nas políticas públicas de forma interativa, e não linear, proponho a
seguinte hipótese de trabalho: o nível do gasto em educação e saúde é maior em
governos de esquerda majoritários em comparação a governos de direita
(divididos ou unificados).
A expectativa é que o gasto social seja maior em governos de esquerda
majoritários, porque, com base na teoria vista nas seções anteriores, governos
que contam com maioria legislativa encontram mais facilidade em implementar uma
agenda de políticas que, espera-se, seja condizente com seu perfil ideológico
do que governos minoritários, nos quais negociações e acordos colaterais se
fazem necessários. Dada a necessidade de busca permanente de apoio, governos
minoritários precisam negociar constantemente com partidos ideologicamente mais
afastados e, muitas vezes, em troca desse apoio político, aprovar políticas de
menor identidade ideológica.
No intuito de avaliar a influência das variáveis políticas sobre os gastos
sociais dos países latino-americanos durante o período compreendido entre 1980
e 1999, proponho um modelo de análise que inclui variáveis relacionadas à
ideologia do governo (governos de esquerda, de centro e de direita7) e à sua
composição legislativa (governos majoritário, de esquerda majoritário e de
centro majoritário). As variáveis socioeconômicas (população urbana,
dependência demográfica8, Produto Interno Bruto - PIB per capita, inflação,
desemprego, abertura comercial e gasto público total - GPT) serão incluídas
como controle nos modelos. Veja a especificação do Modelo 1 a seguir:
Modelo 1
GSi,t = b0 + b1lgPIBit + b2lgInflait + b3Desit + b4PPPbasit + b5Expendit +
b6Depdemoit + b7PopUrbit + b8Esqit + b9Cenit + b10Gabuniit + b11EsqxGabuniit +
b12CenxGabuniit
Em que:
GS = gasto em educação e saúde como % do PIB e como % do gasto público total.
lgPIB = PIB per capita em sua função logarítmica do país i no ano t.
lgInfla = variação anual da inflação em sua função logarítmica do país i no ano
t.
Des = variação do desemprego em proporção da força de trabalho total do país i
no ano t.
PPPbas = exportação + importação / PPP no país i no ano t.
Expend = gasto total em relação ao PIB do país i no ano t.
Depdemo = % de dependentes sobre a população economicamente ativa do país i no
ano t.
PopUrb = % da população urbana do país i no ano t.
Esq = dummy para governos de esquerda.
Cen = dummy para governos de centro.
Gabuni = dummy para governos com maioria legislativa.
EsqxGabuni = produto das variáveis Esq e Gabuni.
CenxGabuni = produto das variáveis Cen e Gabuni.
i = países (1, 2, 3, ..., 14).
t = 1980, 1988, 1989, ..., 1999.
A variável a ser explicada, gasto social (GS)9, diz respeito à soma das
porcentagens do gasto em educação e saúde tanto como porcentagem do gasto
público total quanto como porcentagem do PIB. Assim, o modelo econométrico será
estimado duas vezes, uma utilizando o primeiro indicador de gasto social (em
proporção ao gasto público total) e outra o segundo indicador de gasto social
(em proporção ao PIB do país).
Buscando o melhor aproveitamento das análises dos dados estatísticos, proponho
desagregar o gasto social em educação e saúde, novamente como porcentagem do
gasto público total e como porcentagem do PIB, e reestimar os modelos. Esse
procedimento vai gerar um resultado final de seis conjuntos de estimativa. Ou
seja, o primeiro modelo a ser estimado terá como variável dependente a soma do
gasto em educação e saúde como porcentagem do gasto público total; no segundo
modelo, a variável dependente corresponderá à soma do gasto em educação e saúde
como porcentagem do PIB; no terceiro e no quarto modelos, ao gasto em educação
como porcentagem do gasto público total e como porcentagem do PIB,
respectivamente; no quinto e no sexto, ao gasto em saúde como porcentagem do
gasto público total e como porcentagem do PIB.
Não é meu objetivo neste artigo definir de antemão o melhor indicador de gasto
social, se agregado, se desagregado, se como porcentagem do PIB ou se em
proporção ao gasto público total. Na literatura que analisa o gasto público
social, observam-se pequenas alterações nos resultados dependendo do indicador
utilizado. Em Kaufman e Segura-Ubiergo (2001), por exemplo, vemos que cada uma
das três categorias de gasto social - agregado, educação e saúde - é
influenciada por diferentes conjuntos de fatores políticos e econômicos. Em
Avelino, Brown e Hunter (2005), também podemos encontrar diferença nos
resultados quando os dados são tratados de forma agregada e quando são tratados
de forma desagregada.
As variáveis de controle de natureza econômica incluídas nos modelos
econométricos são: PIB per capita em sua forma logarítmica (lgPIB)10; inflação,
também em sua forma logarítmica (lgInfla)11; desemprego (Des)12; abertura
comercial (PPPbas)13; e gasto público total (Expend)14. A variável referente à
abertura comercial foi incluída no modelo para permitir a verificação do efeito
da globalização no gasto social.
Já as variáveis de controle de natureza demográfica são: dependência
demográfica (Depdemo)15, que representa a porcentagem de dependentes (população
idosa e população em idade escolar) sobre a população economicamente ativa; e
população urbana (PopUrb)16. De acordo com Huber, Mustillo e Stephens (2004), a
população em idade escolar influencia positivamente o gasto em educação/saúde,
e a população com mais de 65 anos tem impacto positivo sobre seguridade/bem-
estar social.
Finalmente, as variáveis explicativas de natureza política, fundamentais para o
teste de hipótese do trabalho, são: esquerda (Esq), que assume valor 1 quando o
governo é de esquerda e 0, caso contrário; centro (Cen), que assume valor 1
quando o governo é de centro e 0, caso contrário; natureza do governo
(Gabuni)17, que assume valor 1 quando o gabinete do Executivo é majoritário na
Câmara dos Deputados e 0 quando é minoritário; esquerda unificada (EsqxGabuni),
uma interação das variáveis "esquerda" e "natureza do governo"; e centro
unificado (CenxGabuni), uma interação das variáveis "centro" e "natureza do
governo"18. Os indicadores de ideologia do governo tiveram como base a
classificação de Michael Coppedge (1997)19, mas foram extraídos da base de
dados de Hugo Borsani elaborada para sua publicação de 200320. Nesse estudo,
Borsani classifica os governos de centro-esquerda como de esquerda e os de
centro-direita como de direita, condensando assim as cinco classificações de
Coppedge (1997) (direita, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda)
em três (esquerda, centro e direita). A inclusão dessas variáveis permite
testar a hipótese de trabalho segundo a qual governos de esquerda majoritários
investem mais no social do que os demais governos. A variável Gabuni, por
exclusão de todas as demais combinações de ideologia e de natureza do governo -
governos de esquerda minoritário, de centro minoritário, de direita minoritário
(base comparativa), de esquerda majoritário e de centro majoritário -,
representa a variável correspondente a governo de direita majoritário.
Os sinais esperados para os coeficientes das variáveis explicativas encontram-
se no Quadro_1 a seguir:
Para teste de robustez, um segundo modelo (Modelo 2) será estimado, o que
também vai gerar um resultado final de seis conjuntos de estimativa - gasto
social agregado (educação + saúde), em educação e em saúde, tanto com relação
ao gasto público total quanto com relação ao PIB. Nesse modelo, serão excluídas
as variáveis que não apresentaram significância estatística no Modelo 1. Além
disso, será incluída a variável referente à estabilidade ministerial
(Gabestab). O objetivo da inclusão dessa variável é verificar como se comporta
o gasto social diante de um gabinete ministerial estável21. Segundo os achados
de Amorim Neto e Borsani (2004), a estabilidade ministerial, entre outros
fatores, como governos de direita e presidentes com partidos fortes, é mais
propensa a reduzir o gasto público e promover equilíbrio fiscal. Neste artigo,
o objetivo é verificar os efeitos de variáveis políticas sobre o gasto social
especificamente, e não sobre o gasto público em geral. Assim, o sinal negativo
esperado por Amorim Neto e Borsani (ibidem) para a variável, no caso da análise
do gasto público e do déficit fiscal, pode, para a análise do gasto social, ser
alterado.
A metodologia adotada no presente estudo para teste de hipótese é a análise
econométrica de painel, também conhecida como séries agregadas22. Esse tipo de
análise permite considerar concomitantemente as dimensões espaço (país) e tempo
(ano)23. Graças à utilização conjunta entre informação temporal e unidades
individuais, os problemas de correlação de variáveis omitidas com as
explicativas são menores do que aqueles encontrados em bases de dados apenas
temporais, também chamadas de time series. Seguindo a sugestão de Beck e Katz
(1995), o modelo se baseia em uma estrutura auto-regressiva comum para todos os
países (fixed effects), em contraposição a uma estrutura diferente para cada um
(random effects). De acordo com os autores, a superioridade desse tipo de
modelagem está no fato de, dessa forma, ser possível capturar o efeito das
especificidades de cada unidade de análise eventualmente omitidas no modelo,
mas que podem estar relacionadas às variáveis explicativas.
Na estimativa dos parâmetros do modelo, seguiu-se o método panel corrected
standard error (OLS com erro padrão corrigido), sugerido por Beck e Katz
(ibidem) para análises de painel de dimensões similares às deste artigo. Uma
discussão presente na literatura refere-se à utilização do lag da variável
dependente (ibidem; Achen, 2000; Wawro, 2002). Enquanto Beck e Katz (1995)
defendem que a inclusão de valores defasados da variável dependente contribui
para o controle de problemas de autocorrelação24, Achen (2000) e Wawro (2002)
são contrários a esse procedimento. Achen argumenta que a auto-regressividade
distorce os resultados na medida em que superdimensiona o poder explicativo da
variável, ofuscando os efeitos de outras variáveis explicativas e/ou provocando
inversão de sinais.
O debate técnico sobre qual é a melhor forma de especificação do modelo não
está esgotado. Cabe aos adeptos da econometria optar por um deles. Para efeito
deste artigo, será adotada a segunda posição, ou seja, a de não inclusão de
valores defasados da variável dependente no modelo. Entendo que tal recurso é
pertinente quando o modelo não prevê eventual correlação serial dos dados. No
entanto, neste artigo, para dissipar tal problema, utilizo como recurso
estatístico a correlação auto-regressiva de primeira ordem - AR1, que também
pressupõe uma autocorrelação comum a todos os países. Penso que o uso
concomitante do valor defasado da variável dependente e da correlação AR1 é
redundante, uma vez que ambos procuram dar conta do mesmo problema: correlação
serial25.
Os primeiros resultados referentes aos modelos que associam gasto social com as
demais variáveis independentes - econômicas, demográficas e políticas - podem
ser vistos na Tabela_1.
Os resultados da regressão do Modelo 1, cujo poder preditivo é de 97% (R2
ajustado), expostos na Tabela_1 (gasto social como porcentagem do gasto público
total), revelam que, entre as variáveis socioeconômicas, aquelas que
apresentaram relevância estatística e sinais positivos, conforme previsto,
foram: dependência demográfica (Depdemo) e população urbana (PopUrb), ambas no
nível de significância de 1%. Isso quer dizer que, quanto maiores os níveis da
dependência demográfica e da população urbana, maior o gasto social. Com
relação às variáveis políticas, observou-se que aquelas referentes a governos
de esquerda e de centro minoritários (Esq e Cen) e aquela referente à natureza
do governo (Gabuni) apresentaram um nível de significância estatística de 5%
(com exceção da variável referente a governos de centro minoritários, cujo
nível de significância estatística foi de 10%) e sinais negativos. Isso quer
dizer que o nível do gasto social tende a diminuir em governos de esquerda e de
centro minoritários e também em governos de direita majoritários (lembrando
que, por exclusão de todas as demais combinações de ideologia e de natureza do
governo, a variável Gabuni representa a variável referente a governo de direita
majoritário), se comparados a governos de direita minoritários (categoria de
base comparativa).
Corroborando a hipótese do trabalho, os testes econométricos revelam que, no
nível de significância de 1%, governos de esquerda com maioria legislativa
gastam 10,9 pontos percentuais a mais em política social do que governos de
direita minoritários. Para verificar quanto do gasto social aumenta em governos
de esquerda em comparação a todos os demais governos, somaram-se os
coeficientes das variáveis referentes a governo de esquerda dividido (Esq) e a
governo de esquerda unificado (EsqxGabuni). O resultado do teste (Esq |gabuni =
1) mostra que, no nível de significância estatística de 1%, governos de
esquerda majoritários gastam aproximadamente oito pontos percentuais a mais no
social do que os demais governos.
O Modelo 2, que exclui as variáveis que não apresentaram significância
estatística no Modelo 1 e, além disso, inclui a variável que testa a influência
da estabilidade ministerial sobre o gasto social (Gabestab), manteve, em sua
maioria, os níveis de significância estatística e os sinais das variáveis
presentes no Modelo 1 (o nível de significância estatística da variável
correspondente à dependência democrática reduziu de 1% para 5%). A variável
incluída no Modelo 2 para verificar o efeito da estabilidade ministerial sobre
o gasto social (Gabestab) apresentou significância estatística no nível de 10%
e sinal positivo, em dissonância com as previsões de Amorim Neto e Borsani
(2004), segundo as quais a estabilidade ministerial tende a contribuir para a
redução do gasto público e promover o equilíbrio fiscal. Os autores,
entretanto, não fazem predições sobre o efeito de tal variável sobre o gasto
social, que constitui a proposta deste artigo.
No Modelo 2, o teste que verificou quanto a mais governos de esquerda investem
no social (Esq |gabuni = 1) apresentou significância estatística no nível de
5%, um pouco menor do que o nível de significância da respectiva variável no
Modelo 1 (1%), e sinal positivo. Nesse caso, os testes revelaram que o gasto
social em proporção ao gasto público total é quase seis pontos percentuais
maior do que nos demais governos. O poder preditivo do modelo é de 95%.
Em suma, os resultados dos Modelos 1 e 2 (gasto social agregado como
porcentagem do gasto público total) corroboram a hipótese deste artigo, segundo
a qual governos de esquerda majoritários gastam mais em política social do que
governos de direita, no caso, de direita minoritários. Além disso, indicam que
os determinantes do gasto social em proporção ao gasto público total são:
dependência demográfica (relação direta); população urbana (relação direta);
governos de esquerda minoritários (relação inversa); governos de direita
unificados (relação inversa); e governos de centro majoritários (relação
direta). Dito de outra forma, o gasto social aumenta em governos de esquerda
majoritários (um pouco mais do que em governos de centro majoritários) e à
proporção que aumentam o grau de dependência demográfica e a população urbana.
Por outro lado, diminui em governos de esquerda minoritários e em governos de
direita majoritários. A variável referente à abertura comercial, medida pelo
PPP, não apresentou significância estatística em nenhum dos dois modelos;
porém, o sinal foi positivo, conforme atestado por Avelino, Brown e Hunter
(2005).
Vejamos agora, na Tabela_2, os resultados dos testes estatísticos quando se
utiliza como indicador de gasto social o gasto agregado (educação + saúde) em
proporção ao PIB.
Os resultados da Tabela_2 revelam que, entre as variáveis econômicas, três
aparecem como estatisticamente significativas e com sinais de acordo com o
previsto. São elas: PIB per capita (lgPIB), no nível de 10% de significância
estatística e sinal positivo - mas apenas no Modelo 1 -; inflação (lgInfla), no
nível de 1% e sinal negativo; e gasto público total (Expend), também no nível
de 1% e sinal positivo. Isso significa que o gasto social aumenta à medida que
aumentam o PIB (relação fraca) e o gasto público do país, e diminui de acordo
com o aumento da inflação. Entre as variáveis demográficas, a única que
apresentou significância estatística e sinal positivo nos dois modelos
corresponde à dependência demográfica. Significa dizer que o gasto social
aumenta conforme aumenta o nível de dependência demográfica do país. A variável
referente à população urbana não apresentou relevância estatística.
Nessa análise, mais uma vez a hipótese de trabalho é comprovada. Os resultados
indicam que, no nível de significância estatística de 1%, governos de esquerda
majoritários investem 1,6 ponto percentual a mais no social do que governos de
direita minoritários (categoria de base comparativa). O teste que verifica
quanto a mais governos de esquerda gastam em política social (Esq |gabuni = 1)
apresentou significância estatística, ainda que no nível baixo (10%), apenas no
Modelo 1, mas o sinal foi positivo em ambos os modelos, indicando que o nível
do gasto social em governos de esquerda tende a ser 0,8 ponto percentual maior
quando comparado aos demais governos. Dessa vez, o nível de significância
estatística da variável que mede a influência de governos de direita
majoritários (Gabuni) sobre o gasto social foi mais expressivo, 1%, além de o
sinal ser negativo, indicando que o investimento na área é menor em governos de
direita majoritários perante os governos de direita minoritários.
Assim como na análise que utiliza o gasto social como porcentagem do gasto
público total (Tabela_1), os resultados revelam que governos de esquerda sem
maioria legislativa investem menos em educação e saúde. Uma possível resposta
para esse achado é a natural fraqueza política de governos minoritários, o que
obviamente afeta sua capacidade de implementação da agenda programática de
políticas. Em governos minoritários, o objetivo principal dos partidos de
oposição é dificultar a execução do programa do governo em exercício a fim de
inviabilizar sua reeleição. Sendo as políticas sociais a prioridade de governos
de esquerda (atendendo à linha conceitual defendida neste artigo), é natural
que uma maioria de oposição crie obstáculos para a realização de tal programa.
Em suma, os dados expostos na Tabela_2 revelam que as variáveis intervenientes
do gasto social em proporção ao PIB são: PIB per capita (relação direta, mas
fraca); inflação (relação inversa); gasto público total (relação direta);
dependência demográfica (relação direta); governos de esquerda minoritários
(relação inversa); governos de centro minoritários (relação inversa e fraca);
governos de direita majoritários (relação inversa); governos de esquerda
majoritários (relação direta); e governos de centro majoritários (relação
direta, mas relativamente fraca). Novamente a variável que verifica o efeito da
estabilidade ministerial sobre o gasto social (Gabestab) apresentou sinal
positivo e significância estatística, ainda que em um nível baixo, 10%.
Nas Tabelas_1 e 2, vimos como o gasto social agregado, tanto como porcentagem
do gasto público total quanto como porcentagem do PIB, se comporta na presença
de variáveis políticas e socioeconômicas. Vejamos agora o comportamento do
gasto social ao desagregarmos o gasto em educação e saúde em proporção ao gasto
público total.
Os resultados da Tabela_3, que apresenta a análise do gasto em educação como
porcentagem do gasto público total, revelam que, assim como na análise do gasto
social agregado, que tem como parâmetro também o gasto público total, entre as
variáveis socioeconômicas, apenas as variáveis referentes à dependência
demográfica e à população urbana revelaram-se estatisticamente significativas:
a primeira no nível de 1% nos dois modelos; a segunda, 10% no Modelo 1 e 1% no
Modelo 2, mantendo sempre o sinal positivo. Ou seja, os resultados da Tabela_3
confirmam os achados das Tabelas_1 e 2, segundo os quais quanto maior a
dependência demográfica do país, maior seu nível de gasto social, nesse caso
específico, de gasto em educação.
Entre as variáveis políticas, apenas a variável referente a governos de
esquerda majoritários apresentou-se estatisticamente significativa, no nível de
5% no Modelo 1 e de 1% no Modelo 2. O resultado mostra que governos de esquerda
com maioria legislativa gastam aproximadamente três pontos percentuais a mais
em educação do que governos de direita minoritários, o que corrobora mais uma
vez a hipótese defendida neste artigo. Nesse modelo, nenhuma variável econômica
se revelou estatisticamente significativa.
O teste que verifica quanto a mais governos de esquerda gastam em política
social (Esq |gabuni = 1) apresentou significância estatística, de 5%, apenas no
Modelo 1 e manteve o sinal positivo, revelando que esses governos investem
aproximadamente três pontos percentuais a mais na área do que os demais
governos.
Em síntese, de acordo com os resultados alcançados, expostos na Tabela_3, as
variáveis que exercem influência sobre o gasto em educação como porcentagem do
gasto público total são: dependência demográfica (relação direta); população
urbana (relação direta); e governos de esquerda majoritários (relação direta).
Dessa vez, a variável Gabestab não apresentou significância estatística em
nenhum nível, mas o sinal permaneceu positivo.
Vejamos, na Tabela_4, como se comporta o gasto em educação em relação ao PIB.
Os resultados expostos na Tabela_4 revelam que, diferentemente de quando o
gasto em educação tem como parâmetro o gasto público total, duas variáveis
econômicas apresentam significância estatística no nível de 1%: inflação (em
sua forma logarítmica) e gasto público total. Ou seja, os testes econométricos
revelam que o gasto em educação em proporção ao PIB tende a diminuir conforme
aumenta a inflação e a crescer de acordo com o aumento do gasto público total.
Entre as variáveis demográficas, apenas a variável referente ao nível de
dependência demográfica apresentou significância estatística (1%) e sinal
positivo, tanto no Modelo 1 quanto no Modelo 2. Os resultados da Tabela_4
confirmam, portanto, os achados das tabelas anteriores, segundo os quais quanto
maior a dependência demográfica do país, maior o gasto em educação. A variável
referente à população urbana não apresentou significância estatística.
Mais uma vez a hipótese deste estudo é corroborada. Os resultados mostram que,
no nível de significância estatística de 5%, governos de esquerda majoritários
(Gabuni) investem aproximadamente 0,6 ponto percentual a mais em educação do
que governos de direita minoritários. Por sua vez, o teste que verifica quanto
a mais governos de esquerda gastam em política social (Esq |gabuni = 1) em
relação a todos os demais governos não apresentou significância estatística em
nenhum dos dois modelos, tendo apresentado ainda sinal negativo no Modelo 2.
Sumarizando, no que diz respeito ao gasto em educação como porcentagem do PIB,
as variáveis intervenientes são: inflação (relação inversa); gasto público
total (relação direta); dependência demográfica (relação direta); governos de
esquerda minoritários (relação inversa); governos de direita majoritários,
testados pela variável Gabuni (relação inversa); e governos de esquerda
majoritários (relação direta). Assim como na análise do gasto em educação como
porcentagem do gasto público total (Tabela_3), a variável referente à
estabilidade do gabinete (Gabestab), incluída em teste de robustez apenas no
Modelo 2, não apresentou significância estatística em nenhum nível. O sinal da
variável, porém, manteve-se positivo.
Quanto ao gasto público em saúde, tanto como porcentagem do gasto público total
quanto como porcentagem do PIB, os resultados podem ser vistos,
respectivamente, nas Tabelas_5 e 6.
Os resultados da análise do gasto em saúde em relação ao gasto público total,
expostos na Tabela_5, revelam que, assim como na análise do gasto em educação
como porcentagem do gasto público total, nenhuma variável econômica apresentou
significância estatística; porém, ao contrário da tabela anterior, manteve o
sinal positivo da variável referente à abertura comercial (PPPbas). Entre as
variáveis demográficas, ambas mostraram-se relevantes e com sinais positivos,
mas apenas no Modelo 1. A primeira variável demográfica (Depdemo) apresenta-se
estatisticamente significativa no nível de 5%; a segunda (PopUrb), no nível de
1%. Tais resultados permitem concluir que o gasto em saúde, quando ponderado
pelo gasto público total, aumenta de acordo com os níveis de dependência
demográfica e da população urbana.
Mais uma vez a hipótese deste estudo foi corroborada. Os resultados revelam
que, no nível de significância estatística de 1%, no Modelo 1, e de 5%, no
Modelo 2, o gasto em saúde como porcentagem do gasto público total é maior em
governos de esquerda majoritários. A variável referente à estabilidade
ministerial (Gabestab), assim como nos modelos que utilizaram como indicador de
gasto social o gasto em educação e saúde (gasto agregado) como porcentagem do
gasto público total e como porcentagem do PIB, apresentou nível de
significância de 10% e sinal positivo. Isso quer dizer que o gasto social
agregado e o gasto em saúde em proporção ao gasto público total,
especificamente, tendem a aumentar quanto maior for a estabilidade do gabinete
presidencial. Nos testes realizados por Amorim Neto e Borsani (2004), o sinal
da variável foi negativo. No entanto, a variável dependente não era gasto
social, mas gasto público.
O resultado do teste realizado para verificar quanto a mais governos de
esquerda gastam em política social (Esq |gabuni = 1) apresentou significância
estatística de 10% e sinal positivo esperado, mas apenas no Modelo 1. Cabe
lembrar que esse teste soma os coeficientes das variáveis referentes a governos
de esquerda minoritários e a governos de esquerda majoritários, ou seja, mostra
quanto a mais governos de inclinação ideológica de esquerda investem, nesse
caso específico, em política de saúde. O resultado desse teste, para a
estimativa expressa no Modelo 1, da Tabela_5, mostra que o gasto em saúde em
proporção ao gasto público total aumenta aproximadamente quatro pontos
percentuais em governos de esquerda.
Em síntese, as variáveis que exercem influência sobre o gasto em saúde como
porcentagem do gasto público total são: dependência demográfica (relação
direta, ainda que fraca e apenas no Modelo 1); população urbana (relação
direta, mas também somente no Modelo 1); governos de esquerda minoritários
(relação inversa, somente no Modelo 1); governos de esquerda majoritários
(relação direta); governos de centro majoritários (relação direta, mas fraca e
apenas no Modelo 1); e estabilidade ministerial (relação direta), no nível de
significância estatística de 10%.
Por último, vejamos, na Tabela_6, como se comporta o gasto em saúde quando
ponderado pelo PIB nacional.
As estimativas dos Modelos 1 e 2, expressas na Tabela_6 (gasto em saúde como
porcentagem do PIB), revelam que, diferentemente das estimativas que têm como
variável dependente o gasto em saúde como porcentagem do gasto público total
(Tabela_5), quando nenhuma variável econômica apresentou significância
estatística, dessa vez a variável referente ao gasto público total aparece com
nível de significância estatística de 1% nos dois modelos e sinal positivo.
Isso significa que o gasto em saúde aumenta de acordo com o aumento do gasto
público federal. Mais uma vez a variável referente à abertura comercial
(PPPbas) não revelou significância estatística, ainda que o sinal fosse
positivo. Entre as variáveis demográficas, aquelas referentes tanto à
dependência demográfica quanto à população urbana aparecem como positivas e
significativas nos dois modelos; a primeira no nível de 1% e a segunda no de
10%.
Nesse teste, novamente a hipótese de trabalho é comprovada. A variável
referente a governos de esquerda majoritários mostra-se significativa no nível
de 1% no Modelo 1 e de 5% no Modelo 2. O sinal continua positivo, mostrando que
governos de esquerda com maioria legislativa gastam mais em saúde (em relação
ao PIB, no caso) do que governos de direita minoritários (categoria de base
comparativa). Por sua vez, os testes indicam que governos de esquerda sem
maioria legislativa investem em torno de 0,3 ponto percentual a menos (no nível
de significância estatística de 5%). Com relação à influência da estabilidade
ministerial sobre o gasto em saúde, a variável correspondente (Gabestab)
apresentou significância estatística no nível de 5% e sinal positivo, o que
significa que, quanto maior a estabilidade do gabinete, maior o gasto na área.
O resultado do teste que verifica quanto a mais governos de esquerda gastam em
política social (Esq |gabuni = 1) revelou significância estatística da variável
no nível de 10%, mas apenas no Modelo 1, e sinal positivo, conforme o esperado.
Em suma, as variáveis intervenientes do gasto em saúde como porcentagem do PIB
são: gasto público total (relação direta); dependência demográfica (relação
direta); população urbana (relação direta), ainda que em nível baixo de
significância estatística (10%); governos de esquerda minoritários (relação
inversa); governos de direita majoritários (relação inversa); governos de
esquerda majoritários (relação direta); e estabilidade ministerial (relação
direta).
Cabe ressaltar que a variável referente a desemprego não se revelou
estatisticamente significativa em nenhuma estimativa, ou seja, tal indicador
não apresenta qualquer influência sobre o gasto social, nem agregado, nem
desagregado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve por objetivo investigar, por meio da análise estatística, se a
ideologia dos partidos governativos na América Latina afeta as políticas
sociais, em um contexto de globalização sob o qual, segundo a literatura, os
Estados nacionais perderiam sua autonomia decisória. A principal hipótese
testada nos modelos econométricos afirma que governos de esquerda majoritários
investem mais, ceteris paribus, em política social do que os demais governos,
sobretudo aqueles de direita. Os principais achados das análises econométricas
corroboraram a hipótese principal deste estudo. A análise econométrica mostra
ainda que, dependendo do indicador de gasto social utilizado - agregado,
desagregado, em relação ao gasto público total e em relação ao PIB -, os
resultados podem sofrer alterações sobretudo no que diz respeito a variáveis de
natureza econômica.
Como já mencionado em parágrafos anteriores, neste artigo, não houve a intenção
de discutir problemas de mensuração da variável dependente. Portanto, não se
travou aqui uma discussão mais aprofundada sobre o melhor indicador para gasto
social. O presente estudo confirma o que é observado na literatura que analisa
o gasto público social, ou seja, pequenas alterações nos resultados dependendo
do indicador utilizado.
A principal contribuição deste texto está em revelar, de maneira sistemática e
rigorosa, que, em primeiro lugar, a abertura comercial iniciada na América
Latina durante a década de 1980 não prejudicou a autonomia dos Estados
nacionais da região. Ao contrário, observa-se no período uma grande variação
nas políticas públicas, em especial nas políticas sociais dos países. Além
disso, os testes mostram que os principais determinantes dessas variações
atendem a características domésticas, como a ideologia e o apoio legislativo do
governo, e sofrem menos influência de fatores de natureza econômica.
Em segundo lugar, a teoria segundo a qual inexiste uma distinção ideológica
entre partidos políticos, em especial na América Latina, por causa de uma série
de fatores históricos e institucionais, é contestada neste artigo. As análises
estatísticas desenvolvidas aqui mostram que existe diferença programática entre
governos de esquerda e de direita e que essa diferença é claramente percebida
na análise do gasto social. Mais do que isso: dada a alta fragmentação de
alguns sistemas partidários latino-americanos, as relações entre o Executivo e
o Legislativo alteram os resultados de políticas governamentais. Por exemplo,
os dados revelam que o gasto social aumenta em governos de esquerda
majoritários, mas diminui em governos de esquerda minoritários. O fato de esses
governos não contarem com uma maioria legislativa compromete a execução de um
dos principais itens de sua agenda programática.
Cumpre registrar que os testes são referentes a um determinado período da
história recente durante o qual muito se contestou a relevância da ideologia
dos partidos governativos. Contudo, estimulam a discussão sobre a importância
dos partidos políticos no contexto atual de grandes transformações para a
América Latina. Nos anos 2000, verifica-se uma profunda modificação no mapa
político latino-americano, com eleições de candidatos de inclinação de esquerda
e execução de políticas claramente voltadas para a parcela da população menos
favorecida. Basta observar o programa Bolsa Família, no Brasil, que garantiu,
em grande medida, a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006,
com ampla maioria de votos. Caberá a futuras pesquisas replicar os testes aqui
feitos com dados relativos à década atual26.
NOTAS
1. Kaufman e Segura-Ubiergo (2001) não encontraram nenhuma evidência de que a
expansão comercial estimula investimentos em saúde e educação, mas, por outro
lado, encontraram evidências de que ela reduz os investimentos em seguridade
social.
2. Medida em relação ao Produto Interno Bruto - PIB corrente, a abertura
comercial tem impacto negativo sobre o gasto social. Contudo, se a medida for
por meio do Poder de Compra Partidário (Purchasing Power Parity) - PPP, o
impacto é positivo, ainda que não significativo, sobre o gasto social agregado.
Ao desagregar os dados de gasto social em saúde, educação e seguridade social,
nota-se uma associação positiva e significativa sobre os gastos em educação e
seguridade social.
3. Para exemplo dessa linha de análise, ver Fiorina (1996).
4. As categorias relativas a governos de centro (minoritários e majoritários)
serão incluídas nos modelos estatísticos para efeito da análise econométrica.
Contudo, nenhuma consideração a respeito de tais governos, ou seja, sobre o
impacto de governos de centro na variação do gasto social será feita neste
artigo, dada a ausência na literatura sobre as prioridades políticas desses
governos.
5. Dado que governos são controlados por partidos políticos, quando, no texto,
se fala em governos de esquerda, por exemplo, estão relacionados a governos
controlados por partidos de esquerda.
6. Na análise para a América Latina, será observada apenas a composição
partidária da Câmara dos Deputados nos casos de países bicamerais.
7. Corresponde à categoria de base comparativa.
8. Porcentagem de dependentes sobre a população economicamente ativa.
9. Os dados de gasto social como porcentagem do PIB foram gentilmente cedidos
por George Avelino (Fundação Getulio Vargas - FGV-SP). São os mesmos utilizados
em Avelino, Brown e Hunter (2005). Já os dados de gasto social como porcentagem
do gasto público total foram construídos a partir da base de dados sobre gasto
social da División de Desarrollo Social de la Comisión Económica para América
Latina y el Caribe - Cepal.
10. Os dados foram extraídos do World Development Indicators, do Banco Mundial
(The World Bank, 2001).
11. Variação anual. Os dados foram extraídos do World Development Indicators,
do Banco Mundial (The World Bank, 2001).
12. O indicador representa a porcentagem da força de trabalho total extraída da
Cepal.
13. O indicador representa a soma da exportação e da importação sobre o PPP,
cujos dados foram extraídos do World Development Indicators (The World Bank,
2001).
14. Extraído do World Development Indicators (The World Bank, 2001). Quando a
variável dependente é medida pelo gasto público total, a variável Expend
representa o gasto total como porcentagem do PIB. Quando é medida pelo PIB,
representa o gasto corrente anual.
15. Os dados foram extraídos do World Development Indicators (The World Bank,
2005).
16. Em número absoluto, dados extraídos do World Development Indicators (The
World Bank, 2001).
17. Os dados dessa variável me foram gentilmente cedidos por Octavio Amorim
Neto.
18. Para a análise da América Latina, por falta de informação sobre a
composição do gabinete ministerial em El Salvador, Guatemala, Honduras e
República Dominicana, a classificação ideológica nesses países corresponde à do
partido do presidente e à informação referente à natureza do governo se o
partido do presidente conta com a maioria das cadeiras da Câmara dos Deputados.
19. Em seu artigo, Coppedge (1997) separa os sistemas partidários latino-
americanos em blocos, observando seu desempenho em cada eleição. O autor
examina quatro indicadores que caracterizam o sistema partidário: posição
esquerda-direita; polarização esquerda-direita; volatilidade dos blocos
ajustados; número de blocos efetivos. A posição esquerda-direita mede a
distância média dos partidos de esquerda e de direita em cada eleição. A
polarização esquerda-direita mede a dispersão dos votos de esquerda e de
direita em relação ao centro. A volatilidade dos blocos ajustados mede a
diferença de votos de partidos de esquerda e de direita de uma eleição para
outra. Para a realização do teste, aos partidos de esquerda foi atribuído valor
-1; aos de centro-esquerda, valor -0,5; aos de centro, valor 0; aos de centro-
direita, valor 0,5; e aos partidos de direita atribuiu-se valor 1.
20. Os dados dessa variável me foram gentilmente cedidos por Hugo Borsani.
21. Média da estabilidade ministerial por ano. Ou seja, duração média, em dias,
da permanência de todos os ministros nomeados pelo governo em um dado ano
dividida por 365. De acordo com esse indicador, a estabilidade ministerial pode
variar entre um mínimo de 0,003 (= 1/365; situação extrema em que cada ministro
permanece apenas um dia no cargo) e um máximo de 1 (quando permanece os 365
dias do ano).
22. Em inglês, pooled time series - cross-section analysis.
23. Os dados foram ordenados por país, ou seja, a segunda observação da base
(anual) é a observação do país codificado com o número 1 (Argentina) no segundo
período (ano). A observação seguinte à correspondente ao país i no período t é
a observação correspondente ao país i no período t + 1. A última observação do
país i é seguida pela primeira observação do país i + 1. Não foram incluídas
variáveis dummies para ano a fim de não criar problemas de perda de graus de
liberdade, o que prejudica a precisão do modelo.
24. A inclusão de um valor defasado (auto-regressivo) da variável dependente
implica que o valor dessa variável no ano t esteja sendo explicado, em parte,
pelo valor dessa variável no ano anterior (t - 1) (Beck e Katz, 1995).
25. Na escolha dos modelos econométricos, optou-se pelo modelo mais recorrente
na ciência política nas análises similares às do presente artigo.
26. Uma interessante observação de um dos pareceristas, segundo o qual "parte
dos países da América Latina rompeu o monopólio da representação pelos partidos
políticos e, especialmente, os governos que se dizem de esquerda conquistaram o
poder por meio de movimentos não-partidários, como ocorreu com Hugo Chávez, na
Venezuela, e, mais recentemente, com Evo Morales, na Bolívia", de certa forma
não afeta o argumento central deste texto. O que o estudo mostra é que, no
período em análise (anos 1980 e 1990), existem variações importantes entre
partidos políticos e políticas públicas. No contexto atual latino-americano,
observa-se um fenômeno social complexo que repercutiu na política e redefiniu a
natureza do conflito político, reconfigurando todo o sistema partidário. Na
Bolívia, por exemplo, Evo Morales é eleito pelo Movimiento al Socialismo - MAS,
que só no nome se trata de um movimento. Na verdade, o MAS é um partido com
representação legislativa e que aos poucos foi consolidando sua força no
sistema partidário boliviano. Na Venezuela de Hugo Chávez, de fato o Movimiento
Quinta República - MQR passa a ter hegemonia em meados dos anos 1990, mas
atualmente todo o bloco chavista se concentra em torno do Partido Socialista
unificado, o que, mais uma vez, aponta para o interesse de, por meio de
partidos, institucionalizar o conflito nesse país.