Parcerias estratégicas no contexto da política exterior brasileira: implicações
para o Mercosul
Introdução
A construção de parcerias pelo Brasil tem sido objeto de pouco estudo nos anos
recentes, apesar da crescente importância que vem assumindo no contexto da
política exterior brasileira enquanto forma de realizar objetivos e interesses
no plano externo e de definir padrões de relacionamento com países
individualmente e, também, com os principais blocos econômicos. O crescente
leque de opções que o Brasil vem procurando explorar, no âmbito regional, como
em outras áreas, não está desvinculado de sua projeção no Mercado Comum do Sul
(Mercosul), acarretando, por conseguinte, oportunidades e também possíveis
dificuldades no que se refere ao relacionamento nesse âmbito, notadamente, com
a Argentina, e às vinculações externas do próprio Mercosul.
Com o propósito de analisar as implicações para o Mercosul do esforço
brasileiro de construir parcerias internacionais, procuraremos, antes,
contextualizá-las historicamente, percorrendo distintos períodos da evolução da
política externa brasileira para identificar a natureza das mesmas e
caracterizar seu sentido de funcionalidade frente aos objetivos e prioridades
estabelecidas em cada período. Isso se faz necessário não apenas para prover
informações quanto aos antecedentes do esforço de construção de parcerias ora
empreendido, mas, sobretudo, porque a política externa brasileira reflete, em
sua evolução, um forte impulso de permanência, especialmente no que se refere à
projeção de interesses do Estado. O entendimento quanto ao sentido de parcerias
estratégicas a ser considerado na presente análise as associa à condição de
relacionamento privilegiado, em nível bilateral, para a realização de
interesses (não necessariamente comuns), tidos como importantes para consecução
de objetivos internos e/ou externos de parte dos Estados que as constituem.
Argumenta-se que a construção de parcerias, pelo Brasil, esteve sempre voltada
para o acesso a recursos, insumos e oportunidades a serem canalizados para o
processo de desenvolvimento, e que, nesse sentido, possui também funcionalidade
para o fortalecimento do Mercosul, ainda que não o seja de forma automática e
não exclua o risco de gerar áreas de divergência ou assintonia com seus sócios.
O texto está assim estruturado: na primeira parte, discute-se o caráter
universalista da política externa como condicionante da construção de
parcerias; na segunda, procede-se a uma breve análise retrospectiva de como as
parcerias estratégicas vincularam-se, em distintos momentos, às prioridades
definidas em sucessivos períodos da política externa brasileira a partir dos
anos cinqüenta. A terceira parte enfoca o redirecionamento das parcerias
estratégicas em razão das mudanças ocorridas no plano externo e internamente no
Brasil, com a introdução de um novo modelo econômico a partir do início dos
anos noventa; em seguida, são analisadas as prioridades da atual política
externa brasileira e as implicações em termos de construção de parcerias
internacionais e os desdobramentos destas para o Mercosul.
1- Universalidade da política externa brasileira como âmbito da construção de
parcerias estratégicas
São recorrentes, no discurso diplomático e nas análises sobre a política
externa brasileira, as alusões à sua universalidade. Esse caráter universalista
associa-se às características territoriais e à diversidade étnica e cultural do
país e exprime, segundo essa lógica, a pluralidade de interesses do Estado e da
sociedade brasileira, as afinidades históricas e a decorrente diversidade de
vínculos externos de natureza política, econômica e cultural, o que conduz à
opção de não estabelecer alinhamentos automáticos, ainda mais em um cenário
internacional marcado por elevado grau de incerteza quanto a sua evolução
futura. Assim, e segundo o ex-Chanceler Celso Amorim, "o Brasil, por suas
dimensões, por sua complexidade, pelo seu tecido social, pela composição étnica
e cultural de sua população, não cabe em nenhum bloco, político e econômico, ou
em nenhuma área de influência"2. No sentido econômico, o universalismo associa-
se ao grau de diversificação dos fluxos comerciais brasileiros em sua origem,
procedência e composição, caracterizando o país como o que se convencionou
denominar
global trader3.
No sentido político, exprime também o sentido de uma vocação orientada para uma
presença ativa na cena internacional exercida nos diferentes foros
multilaterais e em âmbito regional, bem como por meio de uma rede de relações
bilaterais que estende-se a distintas regiões4.
No entanto, esses aspectos ressaltados no discurso diplomático são
insuficientes para uma adequada compreensão do universalismo como dimensão
característica da política externa brasileira e como condicionante da
construção de parcerias internacionais do país. Isso porque sugerem ser o mesmo
um subproduto, uma decorrência quase natural ou inevitável das características
do país, seu território e população, de suas potencialidades e da aspiração de
exercer papel ativo na cena internacional. Ao lado desses fatores, o
universalismo deve também ser entendido como resultante do entrelaçamento de
injunções domésticas e externas, os quais, por sua vez, condicionam os
objetivos e estratégias de desenvolvimento, e, por conseqüência, as prioridades
de política externa, o leque de opções de relacionamento, e, por fim, o
estabelecimento de parcerias internacionais.
Portanto, a universalidade não é uma característica estática, nem em seu
conteúdo nem em sua consecução histórica. No caso brasileiro, a afirmação do
sentido universalista se deu, de forma gradual, a partir dos anos trinta,
concomitantemente e em sintonia com a consagração do desenvolvimento como
principal vetor da política externa5. A definição desse vetor requer, desde
então, responsividade da política externa às circunstâncias e transformações do
cenário internacional e, ao mesmo tempo, capacidade de adequação aos distintos
matizes assumidos pelo nacionalismo6 internamente até o final dos anos oitenta,
às inflexões da própria política externa, notadamente àquelas ocorridas a
partir de final da década de cinqüenta7, e à prevalência do liberalismo
econômico na condução da política interna e da política externa a partir dos
anos noventa. Tais exigências somavam-se, em seus respectivos tempos, a
necessidades a serem atendidas no plano internacional, e que, por sua vez,
traduziram-se em um sentido de seletividade na política externa, com o qual se
definiram e estruturaram as diferentes parcerias estratégicas do país.
Assim, a gradual formação de uma rede de parcerias estratégicas pelo Brasil vem
atendendo a visões pragmáticas, partilhadas pelas elites governamentais
(incluindo-se naturalmente o estamento diplomático) e pelos principais agentes
econômicos, sobre oportunidades de realização de seus interesses e de resposta
às necessidades colocadas pelo modelo de desenvolvimento, tomando em conta os
limitados recursos de que dispõe o país para fazê-lo de modo adequado8.
Portanto, o constante exercício do pragmatismo não implicou, em nenhum sentido,
o sacrifício do substrato valorativo e dos princípios orientadores da política
externa brasileira. Ao contrário, o pragmatismo, associado ao universalismo, é
percebido como elemento tradicional da política externa e que, ao lado de
valores e princípios por ela consagrados, lhe confere, enquanto política de
Estado, alto grau de previsibilidade e uma sólida base de continuidade9.
A construção de parcerias estratégicas pelo Brasil associa-se, segundo Lessa,
ao processo de escolha de parceiros preferenciais, no contexto do que ele
denomina "universalismo seletivo"10. Em suas palavras, "a construção de
parcerias estratégicas é fruto da compatibilização da vocação histórica do
Brasil para a universalidade com a necessidade de aproximações seletivas, o que
abre a possibilidade para movimentos de adaptação aos nichos de oportunidade e
aos constrangimentos internacionais que se apresentam conjunturalmente"11. Por
essa razão, universalismo, pragmatismo e o estabelecimento de parcerias
estratégicas orientadas por um sentido de flexibilidade e não-excludência vêm
representando, ao longo dos anos, importantes elementos operativos que conferem
funcionalidade e adaptabilidade à política externa brasileira frente às
mutantes condições do cenário internacional12, em suas expressões global,
multilateral, regional e sub-regional. Sua construção supõe, ademais, um
complexo (e nem sempre satisfatoriamente alcançado) ajuste de interesses,
prioridades e compromissos definidos em distintos eixos e em circunstâncias
igualmente diferenciadas.
Em razão do desafio que, em termos da implementação da política externa, essa
sorte de ajuste representa, é importante considerar ser natural que
inconsistências, incompatibilidades entre compromissos e objetivos assumidos no
marco de determinado eixo, suscitem constrangimentos ou mesmo obstaculizem
avanços em outros. Como nos faz recordar a historiadora Barbra Tuchman, não é
exatamente uma anomalia histórica o fato de os Estados perseguirem objetivos
não inteiramente compatíveis entre si, ou mesmo incongruentes com seus próprios
interesses a médio e longo prazos13. O Brasil, em razão do próprio sentido
universalista e pragmático de sua política externa e da diversidade de opções
de parcerias estratégicas que procura explorar dentro de um critério de não
excludência, tem sido suscetível a esse tipo de dificuldade ao longo dos anos,
o que permite assumir, como hipótese, que o exercício de sua opção
universalista realizada, dentre outros meios, por diferentes alianças
estratégicas, afeta, de forma nem sempre positiva, a evolução do Mercosul,
principal espaço e plataforma do protagonismo que o país procura exercer no
plano externo. Faz-se, então, necessário caracterizar e contextualizar
historicamente as iniciativas brasileiras voltadas para a construção de
parcerias, para melhor compreendê-las em sua natureza, funcionalidade e em suas
implicações para o Mercosul. Com esse propósito, nos parágrafos seguintes,
relacionaremos tais parcerias às prioridades de política externa e aos modelos
de desenvolvimento que as orientaram em diferentes momentos, para,
posteriormente, analisar sua construção e suas implicações para o Mercosul no
presente.
2. Prioridades de política exterior e a construção de parcerias estratégicas:
uma perspectiva histórica
Como visto antes, a eleição do desenvolvimento como principal vetor de
orientação da política externa brasileira ocorreu nos anos trinta, com a
chegada de Getúlio Vargas ao poder, em um contexto internacional marcado pelas
seqüelas da depressão econômica, traduzidas em acentuado protecionismo
comercial, indisponibilidade de recursos externos para investimento e, no plano
político, pela ascensão do totalitarismo. Com a contraposição do totalitarismo
em suas expressões nazista e fascista às democracias ocidentais, estabeleceu-se
uma clivagem política da qual o Governo Vargas buscou tirar proveito, assumindo
posicionamentos ambíguos, com o que esperava poder extrair benefícios para a
promoção do desenvolvimento econômico, sob uma visão nacionalista, que tenderia
a reforçar-se nos anos seguintes. No entanto, e por força da lógica do próprio
modelo de desenvolvimento vigente, como também dos desdobramentos da crise
internacional que culminaram com a Segunda Guerra Mundial, o Brasil terminou
por estreitar laços com os Estados Unidos, dando início a um padrão de
relacionamento com aquele país definido pela alternância de períodos de
aproximação e de relativo distanciamento, estando estes últimos relacionados a
esforços, pelo Brasil, de afirmação de autonomia externa. Esse padrão de
relacionamento desenvolveu-se, de forma geral, sob um marco cooperativo que
caracterizaria, a partir de então, as relações entre ambos países, sem chegar,
contudo, a configurar um relacionamento privilegiado, embora expectativas nesse
sentido tenham sido nutridas, a partir do Governo Dutra, por diferentes
governos, em circunstâncias específicas. A realidade, porém, viria a demonstrar
que, por razões afetas a ambos países, qualquer forma de relacionamento
especial com os Estados Unidos não seria factível. A própria cooperação no
campo militar, estabelecida por meio de acordo celebrado em 1953 (e que fora
objeto de polêmica no Brasil), terminaria por desenvolver-se sem sincronismo
direto com a cooperação econômica, que fora fortemente condicionada pelo
nacionalismo brasileiro, por um lado, e, por outro, pela prioridade conferida
pelos Estados Unidos ao enfrentamento ideológico ao comunismo no Continente.
Assim, ao não estabelecer-se um alinhamento automático com os Estados Unidos
durante a segunda metade dos anos cinqüenta e nos primeiros anos da década de
sessenta, a política externa brasileira logrou ser conduzida com base na
flexibilidade e no pluralismo, permitindo ao Brasil exercer relativa autonomia
no aproveitamento de oportunidades nos planos político e econômico, sem
descaracterizar, contudo, seu comprometimento ideológico com o Ocidente no
contexto da Guerra Fria14, coincidindo com "um dos raros períodos (na política
externa brasileira) no qual o eixo da política latino-americana aparece em
relativa sintonia com o da relação norte-americana(...)"15.
Esse quadro viria a alterar-se em favor de um mais intenso alinhamento do
Brasil aos Estados Unidos entre 1964 e 1967, sendo, contudo, superado logo em
seguida, embora em um contexto externo já marcado pela crescente
multipolaridade no plano econômico e com a economia brasileira crescendo a
taxas elevadas e com uma base industrial já consolidada. Isso trouxe dois
desdobramentos importantes em termos de formação de parcerias externas: em
primeiro lugar, fortaleceram-se as condições para o exercício do pragmatismo na
política externa, estando esta voltada para fins definidos em uma perspectiva
nacionalista16; em segundo, consagrou-se o universalismo seletivo com a
consecução de uma estratégia de diversificação de parcerias com as quais o
Brasil almejaria extrair benefícios para seu projeto de desenvolvimento e,
concomitantemente, exercer maior influência externa e elevar sua capacidade de
barganha nos foros multilaterais e em eixos bilaterais.
Autonomia, pragmatismo e diversificação das parcerias: Alemanha e Japão
Como parte desse esforço de diversificação de parcerias, surgiram, no Governo
Geisel (1974/79), as primeiras iniciativas visando ao estabelecimento de
alianças estratégicas com países industrializados e que implicaram o
acirramento de divergências com os Estados Unidos e com a Argentina17. Dois
países, Alemanha e Japão, representavam, para o Brasil, opções de
relacionamento que lhe permitiriam, por um lado, aprofundar suas relações com
os países industrializados ao mesmo tempo em que afirmava seus esforços de
"autonomia periférica"18 frente aos Estados Unidos; por outro, permitir-lhe-iam
aceder a recursos indispensáveis à construção da potência, objetivo
incansavelmente perseguido pelos governos militares, e, por fim, responder a
necessidades financeiras e aos entraves estruturais postos em questão pela
crise do petróleo e pela recessão econômica generalizada que a esta se seguiu.
Cumpre notar que essas parcerias foram construídas a partir de vínculos
políticos, econômicos e sócio-culturais pré-existentes19, e que conferiam bases
para o adensamento das relações bilaterais por meio de arrojadas iniciativas de
cooperação. Com a Alemanha, o Brasil mantivera intenso relacionamento econômico
desde os anos cinqüenta e que aprofundara-se ainda mais ao final da década de
sessenta, quando aquele país tornou-se o maior exportador mundial líquido de
capitais20. A intensificação das relações econômicas, a partir das décadas de
setenta e oitenta, levou a Alemanha à condição de segundo principal investidor
estrangeiro no Brasil, respondendo então por cerca de 13% dos investimentos
diretos realizados no país21, com peso muito importante no desenvolvimento
industrial brasileiro. No tocante ao comércio, a Alemanha passou a ser o
terceiro parceiro comercial do Brasil e o primeiro no âmbito da Europa
Ocidental, passando a ser o Brasil, por sua vez, o mais importante parceiro
alemão fora do âmbito da OCDE. Nas áreas de cooperação financeira, técnica e
científica tecnológica há igualmente um intenso relacionamento englobando áreas
como proteção ambiental, formação de recursos humanos, energia, biotecnologia e
o setor aeroespacial, dentre outros.
No entanto, foi o Acordo sobre Cooperação no Campo dos Usos Pacíficos da
Energia Nuclear firmado em 1975, e considerado então fundamental para o
pretendido domínio, pelo Brasil, do ciclo do combustível nuclear, que sinalizou
a disposição de ambos países de construir sólida parceria para além dos planos
comercial e financeiro. Assim, apesar dos inúmeros percalços na implementação
do Acordo e dos resultados muito aquém do esperado, o mesmo teve importante
significado político em nível bilateral, dado ter sido a Alemanha o único país
então disposto à cooperação nuclear com o Brasil nos termos por este
desejados22. As dificuldades econômicas do Brasil, com o aprofundamento da
crise financeira na segunda metade dos anos setenta, acentuaram as contradições
do modelo de substituição de importações; posteriormente, a superação da
bipolaridade e a reunificação alemã, e os compromissos assumidos pela Alemanha
no âmbito da integração européia praticamente inviabilizaram a continuidade da
parceria nos termos originalmente concebidos, e gradualmente minaram as
condições que a haviam sustentado.
As relações com o Japão, por sua vez, ganharam intensidade igualmente a partir
da segunda metade dos anos 50, com um primeiro ciclo de investimentos voltados
para o fornecimento regular de matérias-primas e a expansão das exportações de
manufaturas japonesas. A esse ciclo, seguiu-se outro no qual foram expandidas e
diversificadas as exportações japonesas para o Brasil. Nesse sentido, a
dimensão estratégica da parceria com o Brasil associava-se, pelo lado japonês,
ao interesse em assegurar o suprimento de matérias-primas e alimentos,
reduzindo, ao mesmo tempo, sua dependência nesses campos em relação aos Estados
Unidos; pelo lado brasileiro, associava-se ao acesso a recursos e tecnologias
para o desenvolvimento de grandes projetos industriais (siderurgia notadamente)
e à diversificação de mercados de exportação. Assim, do ponto de vista dos
investimentos, o Japão passou a representar o quarto principal investidor
estrangeiro no Brasil, respondendo por cerca de 6% dos investimentos diretos23.
As relações comerciais também incrementaram-se à medida em que também maturaram
os investimentos japoneses e em que a economia brasileira expandia-se. Porém, e
à despeito da industrialização brasileira, consolidou-se um padrão tradicional
de comércio entre ambos países, com o Brasil importando bens industrializados e
exportando produtos primários24.
A parceria com o Japão, portanto, foi construída sobre uma base de
complementaridade, com o Brasil fornecendo matérias-primas em troca de
investimentos e produtos industrializados. Apesar desse perfil que supostamente
induziria a noção de serem as relações econômicas de maior interesse relativo
para o Brasil, o relacionamento nipo-brasileiro foi muito mais marcado pelos
interesses e iniciativas japonesas25, como o atestam sua presença no setor
siderúrgico e o desenvolvimento de projetos de cultivo de soja no Cerrado
brasileiro, que retiraram o Japão da dependência dos Estados Unidos em relação
ao suprimento desses produtos e inviabilizaram o controle que aquele país
exercia sobre seus preços no mercado internacional. Assim como ocorrido com a
Alemanha, a parceria com o Japão enfrentou dificuldades crescentes com o
aprofundamento da crise econômica brasileira e com a emergência dos países do
Sudeste Asiático como opções mais funcionais aos interesses japoneses então.
Alguns aspectos presentes em ambas parcerias devem ser ressaltados para a
melhor compreensão de sua natureza e características. Elas adquiriram
funcionalidade para o Brasil, em primeiro lugar, ao permitir a consecução da
defesa de interesses de comércio exterior e a garantia de suprimento adequado
de insumos, recursos, produtos e tecnologias essenciais ao desenvolvimento
econômico, cuja promoção representou o objetivo fundamental da política externa
tal como definido pelo pragmatismo responsável que a orientou até meados dos
anos oitenta26; em segundo lugar, permitiram ao país maior margem de autonomia
frente aos Estados Unidos, ao diversificar as opções de acesso a mercados e a
fontes de investimentos e tecnologias em um contexto em que acentuavam-se suas
vulnerabilidades frente à crise econômica que instaurava-se internacionalmente
a partir do primeiro choque do petróleo; em terceiro lugar, atenderam ao
propósito de diversificar as relações econômicas com os países
industrializados; e, por fim, contribuíram para projetar internacionalmente o
país a partir de um perfil calcado em interesses nacionalmente definidos.
No entanto, cabe salientar também que a funcionalidade das parcerias
estabelece-se não somente em razão dos objetivos e prioridades da política
externa, mas associa-se também a aspectos conjunturais que realçam seu valor e
favorecem sua implementação27. Assim, as parcerias do Brasil com Alemanha e
Japão puderam beneficiar-se de um conjunto de fatores contextuais que lhes
conferia operacionalidade: foram estabelecidas na esteira de longo período de
crescimento e de afirmação da crescente multipolaridade econômica que, ao lado
de outros fatores, lhes permitia, respectivamente, afirmar interesses de maior
autonomia relativa frente aos Estados Unidos concomitantemente à busca de um
reposicionamento no jogo de poder internacional. Em outras palavras, as
parcerias do Brasil com a Alemanha e o Japão, além do sentido de
complementariedade que as orientava, foram também condicionadas pelas relações
de cada país considerado com os Estados Unidos e não estavam desvinculadas,
pois, das transformações que afetavam o próprio sistema internacional e as
bases da hegemonia norte-americana. Eram, antes, respostas a tais mudanças e
formas parciais pelas quais procurava-se avançar interesses, reduzir
vulnerabilidades e auferir ganhos.
Portanto, ao exaurirem-se as condições que favoreceram e impulsionaram a
construção dessas parcerias, elas perdem gradativamente sua operacionalidade
até serem reformuladas ou, mesmo, temporariamente, suplantadas.
Eram, ademais, parcerias assimétricas quanto às dimensões econômicas dos países
envolvidos, quanto a seu peso específico no cenário internacional e quanto aos
distintos significados e alcance político para cada parte: para o Brasil, elas
possuíam caráter instrumental de alavancagem do desenvolvimento, de redução de
vulnerabilidades e de elevação de seu status de poder e de questionamento da
legitimidade da própria ordem econômica internacional; para Alemanha e Japão, o
relacionamento com o Brasil contribuía parcialmente para consolidar seu poder
econômico, sem, contudo, representar qualquer forma de questionamento ao
ordenamento econômico internacional vigente. Daí porque o potencial de fricção
que delas decorria ter sido maior para o Brasil que para suas contrapartes,
notadamente em relação aos Estados Unidos.
Porém, no caso brasileiro, além dos Estados Unidos, esse potencial de fricção
também estendeu-se às relações com a Argentina, exacerbando momentaneamente
desconfianças quanto ao que se interpretava como pretensão hegemônica por parte
do Brasil e fomentando percepções confusas sobre o protagonismo que o país
buscava exercer no plano regional. Esse protagonismo retratava, de forma
coerente, a prioridade conferida, a partir do Governo Geisel, à América Latina
enquanto espaço geográfico a partir do qual se deveria desenvolver o esforço de
auto-afirmação brasileira e onde o país procuraria exercer papel de
"catalisador" do diálogo28.
No entanto, a prioridade então assignada à América Latina e, secundariamente, a
outras regiões em desenvolvimento, dentre as quais a África, não esteve
apoiada, em sua execução, em nenhum eixo bilateral em particular, que denotasse
um sentido de construção de parceria estratégica. E isso porque, para o Brasil,
as relações com a região, e mais particularmente com os países do Cone Sul,
refletiam uma preocupação justificada com a manutenção de equilíbrio e da
estabilidade29; além disso, a importância relativa da América Latina para o
Brasil fixava-se inicialmente muito mais no sentido político que econômico: os
fluxos comerciais estavam direcionados, em sua maior parte, para os países
industrializados enquanto principais fornecedores de capitais e insumos para o
desenvolvimento econômico do país; ademais, frente às vulnerabilidades externas
que se acentuaram ao longo dos anos setenta e oitenta e à própria natureza dos
regimes políticos então vigentes, tornou-se muito difícil para o Brasil e para
os demais países da região estabelecerem entre si, naquele contexto, qualquer
forma de vínculo associativo privilegiado, mesmo que o fosse para fazer frente
à crise econômica que atravessavam30.
Portanto, sob este ponto de vista, pode-se afirmar que as prioridades da
política externa definidas em termos de espaços geográficos não correspondiam
plenamente, no que se refere à construção de alianças estratégicas, às
prioridades temáticas, estas de fundo essencialmente econômico, com exceção
talvez ao que respeita ao suprimento de petróleo que levou a uma maior
aproximação do Brasil com a Venezuela e, em menor medida, com o Equador. E foi
precisamente em torno das questões de acentuado conteúdo econômico, embora
destinadas a finalidades também políticas, que o país procurou estruturar suas
principais parcerias internacionais naquele contexto, o que tornava natural
terem recaído precisamente em dois países industrializados as opções do Brasil
para tal fim. Disso, contudo, não se deve inferir ter a opção pelo
estabelecimento de parcerias com países industrializados induzido o Brasil a
distanciar-se de seus vizinhos; ao contrário, ao referido acirramento de
conflitos e desconfianças que provocou junto à Argentina, e, de forma menos
intensa, a outros países da região, seguiram-se esforços de aproximação
iniciados ainda durante o Governo Geisel, intensificados no Governo Figueiredo
e que conduziram à celebração do Acordo de Itaipú-Corpus com a Argentina,
abrindo caminho para a superação definitiva do padrão conflitivo que marcara
historicamente o relacionamento entre ambos e inaugurando uma nova fase de
integração; conduziram ainda ao Tratado de Cooperação Amazônica de 1978,
aproximando o Brasil dos países andinos, em uma outra frente, marcando a
disposição brasileira de dissipar, junto aos seus vizinhos, as percepções
desfavoráveis baseadas na inércia e na desconfiança.
O que se pode notar, enfim, é que, durante a prevalência do "pragmatismo
responsável" como expressão de sua política externa, as parcerias construídas
pelo Brasil, se, por um lado, não implicaram o afastamento de seu entorno
regional, por outro, não representaram também fator de estímulo direto ou
indireto, em seus desdobramentos, para uma maior aproximação brasileira aos
seus vizinhos. Essa aproximação deveu-se mais à afirmação do próprio interesse
brasileiro em exercer papel protagônico e à crescente convergência que passaria
a marcar o próprio relacionamento com os países da região que a qualquer
vínculo indeclinável entre a realização de seus interesses por meio de
parcerias com países industrializados e o atendimento de condições necessárias
para a maior cooperação no plano regional. Ao mesmo tempo, a aproximação
iniciada, no plano regional, não esteve amparada na busca de nenhum
relacionamento especial, em nível bilateral, que atuasse como catalisador para
a consecução dos interesses de política externa na região. Assim, até a metade
dos anos oitenta, o estabelecimento de parcerias estratégicas foi elemento
muito mais operacional de prioridades definidas em relação ao mundo
industrializado que daquelas definidas em relação à América Latina e outras
regiões do mundo em desenvolvimento.
Esse quadro, no entanto, viria a alterar-se a partir do Governo Sarney (1985/
90), quando convergiram importantes mudanças no cenário internacional e
regional que inscreveram, de forma definitiva, a América Latina, e
particularmente o Cone Sul, como espaço essencial de projeção de interesses
brasileiros e no qual o país construiria sua mais importante e abrangente
parceria estratégica.
O ocaso do nacional-desenvolvimentismo e a redefinição de parcerias: a
aproximação com a Argentina
O comprometimento com a plena restauração e consolidação da democracia
condicionou a política externa do Governo Sarney (1985/1990) e refletiu-se,
sobretudo, na forma com que suas prioridades passaram a ser
operacionalizadas31. O Governo Sarney confrontou o desafio de adaptar a
política externa do país às novas condições do cenário internacional e do
próprio país, procurando superar desconfianças geradas regional e globalmente
pela orientação autárquica e baseada em uma leitura hobbesiana com a qual os
governos militares conduziram a política externa. Procurou ainda restabelecer a
interlocução com os países industrializados em diversos planos, inclusive nos
foros multilaterais, que havia igualmente sido afetada pelo sentido muitas
vezes dissonante conferido à condução externa do país em períodos anteriores.
Manteve-se, assim, a projeção universalista da política exterior, mas, dentro
dela, foi fortalecida e ampliada a prioridade às relações com a América Latina,
relações estas que, apesar e em razão mesmo da crise econômica que assolava a
região, encontravam, finalmente, um sentido de funcionalidade no plano
econômico32. Também tornara-se imperioso reorientar vários projetos de
desenvolvimento concebidos no regime militar, seja pela absoluta carência de
recursos, dramatizada pelos efeitos da crise econômica, seja pela falta de
legitimidade que, em um marco de redemocratização, os tornava além de
econômica, politicamente inexeqüíveis. Tornara-se evidente o esgotamento do
modelo de desenvolvimento que o país havia perseguido por décadas, e ao qual a
política exterior e as alianças até então entabuladas haviam servido, sem que o
Governo então lograsse imprimir nova estratégia para orientar o desenvolvimento
econômico e a inserção externa do país.
No entanto, a retificação de muitas das linhas de política externa então
conduzidas não implicou o abandono das prioridades já consolidadas, sobretudo
daquelas definidas em termos de espaços geográficos. Foi, sobretudo, a forma de
dar conteúdo e concretude a tais prioridades que modificou-se sensivelmente, o
que foi evidenciado, de forma particular, no plano das relações com a América
Latina33. Até então, como dito acima, estas estavam definidas muito mais por
sua importância política que por sua densidade econômica, diferentemente do que
ocorria com as parcerias buscadas no Primeiro Mundo. A partir de então, essa
importância política passaria a encontrar correspondência também no campo
econômico, tanto por meio de iniciativas bilaterais como pela retomada da
cooperação multilateral.
No início dos anos oitenta, os países latino-americanos procuraram, com pouco
êxito, revigorar os esforços de integração econômica regional, como estratégia
de resposta parcial à crise econômica; dadas as dificuldades com o regionalismo
econômico, em sua vertente multilateral, restava a valorização de eixos
bilaterais como única opção viável de dar operacionalidade política e econômica
à prioridade conferida à América Latina no âmbito da política externa
brasileira. E, como sabido, o advento de governos civis no Brasil e na
Argentina veio a gerar uma base de convergência política com a qual buscariam,
por meio do aprofundamento da interdependência econômica e uma inédita
cooperação no campo nuclear, retirar definitivamente dos militares os
argumentos confrontacionistas do passado e buscar o afiançamento recíproco da
democracia, reduzindo possibilidades de retrocesso político.
Assim, a parceria com a Argentina, desenhada gradualmente a partir de 1985,
estava orientada por um claro sentido político, relacionado à consolidação
democrática, e tendo, como elemento instrumental, o alargamento da
interdependência econômica que se procurou construir mediante ações de
cooperação em um amplo espectro de setores. São muito bem conhecidas as
motivações e a forma com que transcorreram as relações entre Brasil e Argentina
a partir de então, não sendo nosso propósito aqui recapitulá-las. No entanto,
alguns aspectos devem ser explicitados no que se refere à parceria com a
Argentina em relação às demais entabuladas pelo Brasil e que a diferencia
substantivamente destas.
Em primeiro lugar, diferentemente do que ocorrera em relação à Alemanha e ao
Japão, e pela primeira vez, o Brasil constrói uma parceria simétrica e calcada
em uma convergência de interesses e de propósitos políticos definidos em um
marco de restauração da democracia. A maior simetria e o conteúdo abrangente
proposto para essa parceria, refletidos nos protocolos bilaterais assinados em
1986, e posteriormente no Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento,
de 1988, demandavam mecanismos mais complexos de articulação de interesses, e,
consequentemente, de legitimação; refletiam também os objetivo pretendidos: a
longo prazo, a promoção de desenvolvimento conjunto no quadro de uma integração
a ser construída a partir do enlace de setores produtivos e de iniciativas em
campos fundamentais como energia, transporte, telecomunicações, dentre outros.
Ao mesmo tempo, e de forma imediata, almejava-se atuar cooperativamente, no
sentido do afiançamento e reforço mútuo frente a problemas comuns tanto no
campo político como no econômico, onde alta inflação e o endividamento externo
constituíam um desafio comum.
Embora as condições para a construção da parceria com a Argentina estivessem
sendo gradativamente dadas desde os dois últimos governos militares
brasileiros, e apesar do decisivo exercício de uma intensa diplomacia
presidencial e do ainda escasso envolvimento de outras instâncias sócio-
políticas no debate e na condução das relações com a Argentina naquele momento,
as iniciativas de integração passaram a representar um campo privilegiado de
exercício de diálogo entre o Executivo e o Legislativo e outros segmentos
sociais, notadamente o empresariado e os trabalhadores, o que se acentuaria a
partir da criação do Mercosul em 1991.
Outro aspecto a merecer destaque é o fato de, também pela primeira vez, ter se
construído uma parceria envolvendo temas sensíveis, como cooperação no campo
nuclear, e, igualmente, no campo da segurança, sem suscitar conflitos com os
Estados Unidos. E isso se deveu basicamente aos seguintes fatores: em primeiro
lugar, a própria aproximação entre Brasil e Argentina teve, como pano de fundo,
um sentimento de relativa frustração, de parte de cada país, quanto aos seus
intentos, levados a efeito em diferentes momentos, de estabelecer um
relacionamento privilegiado com os Estados Unidos34; desse modo, a aproximação
Brasil-Argentina não destinava-se a representar oposição ou confrontação aos
Estados Unidos. Em segundo lugar, por resultar em sensível melhora dos níveis
de estabilidade política no Cone Sul e por reforçar o sentido da consolidação
da democracia na região, essa aproximação permitiria aos Estados Unidos
concentrar atenção em outras áreas e temas em que percebiam maior
comprometimento de seus interesses; finalmente, não eram percebidas, até então,
possibilidades de que a cooperação que se arquitetava pudesse implicar maiores
embaraços aos interesses econômicos dos Estados Unidos. Apesar da emergência de
blocos comerciais, o esforço de liberalização comercial, naquele momento,
estava sendo canalizado para as negociações no âmbito do Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (GATT), não se prestando muita credibilidade aos esforços de
integração regional na América Latina.
Importante notar também que a construção da parceria estratégica com a
Argentina iniciou-se em um contexto em que as variáveis tanto de índole interna
quanto externa que haviam contribuído para forjar e dar objetividade às
parcerias com os países industrializados haviam se modificado profundamente,
tornando-as, em grande medida, inoperantes quanto aos seus objetivos maiores.
Para isso, muito contribuíram as condições internas da economia brasileira
então, e, ainda mais, as posições assumidas pelo Brasil quanto à dívida
externa, particularmente a moratória decretada em 1987 e que indispôs
fortemente o país com seus principais credores que também eram suas
contrapartes nas principais parcerias estratégicas.
Assim, no Governo Sarney, deram-se as condições para que o Brasil estabelecesse
sua principal e mais abrangente parceria estratégica e que serviria de
plataforma para redefinir suas relações no plano regional e, no momento
seguinte, instrumentalizar sua inserção externa já em um contexto internacional
profundamente modificado pela superação da confrontação Leste-Oeste, pela
emergência de blocos econômicos, pela gradual afirmação do liberalismo
econômico e da democracia como valores fundacionais da ordem internacional
emergente. Ao mesmo tempo, esse esforço esteve condicionado pelas restrições de
ordem econômica que, interna e externamente, enfrentavam ambos países, mas que,
simultaneamente, representaram estímulo para uma maior aproximação política. No
entanto, embora aproveitando plenamente as possibilidades que emanavam do novo
quadro político interno em favor da integração bilateral, o Governo Sarney,
assim como o Alfonsín, não logrou definir um novo paradigma de desenvolvimento
capaz de orientar o sentido de sua política externa. Assim, esgotara-se o
antigo paradigma ao qual a política externa servira, e, por conseqüência,
perderam funcionalidade as alianças estratégicas então forjadas, sem que se
introduzisse, naquele momento, outro paradigma, o que somente viria a ocorrer a
partir de 1990, com a chegada de Collor de Melo ao poder.
3. A política externa em tempos de abertura econômica e globalização: a lógica
das novas parcerias
A curta passagem pelo poder de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente
eleito diretamente em quase três décadas, impactou de forma significativa na
política externa brasileira. Tratava-se, já nos albores do pós-Guerra Fria, de
implementar reformas econômicas de corte liberal e que tinham a abertura, a
desregulamentação e a privatização como medidas indeclináveis para a retomada
do desenvolvimento e para tornar a economia brasileira competitiva
internacionalmente. Ao mesmo tempo, procurar-se-ia restaurar a credibilidade
externa do país, que seguia ainda abalada por um legado de projetos herdados do
regime militar e não totalmente suplantados pelo Governo Sarney, por medidas
como a moratória da dívida externa e, também, pelos fracassos no controle da
inflação e no combate à corrupção internamente.
De forma imediata, a política externa passaria a servir a um duplo propósito:
instrumentalizar, no âmbito externo, o processo de reforma e de abertura
econômica e restaurar a credibilidade externa do país junto aos seus
interlocutores, principalmente, no âmbito dos países desenvolvidos. Procurava-
se romper com a identificação do país com o contexto do subdesenvolvimento e
imprimir um perfil renovado e convergente com as teses e postulações de
modernidade dos países desenvolvidos. Segundo Hirst, três metas foram então
estabelecidas para atender a esses objetivos: atualizar a agenda internacional
do país, construir uma agenda positiva com os Estados Unidos e descaracterizar
o perfil terceiro-mundista do Brasil35. Em uma perspectiva mediata, a política
externa estaria voltada para o aumento da competitividade internacional do país
mediante a abertura econômica e a busca de condições favoráveis de acesso a
mercados, créditos e tecnologias36. Frente a esses objetivos, reafirmava-se a
funcionalidade e o sentido predominantemente econômico a ser imprimido às
parcerias internacionais37.
Cumpre notar, pois, um elemento recorrente: a preocupação em alterar o perfil
do relacionamento com os países industrializados e, em particular, com os
Estados Unidos. Isso, contudo, sem desqualificar o sentido universalista da
política externa e, mais particularmente, sem comprometer os avanços obtidos
nas relações com os países do Cone Sul. Tais esforços, matizados por posturas
por vezes voluntaristas e por um conjunto de medidas unilaterais com as quais
se procurava ganhar a confiança dos principais interlocutores externos, não
resultaram no estabelecimento de parcerias, nos moldes até então empreendidos.
A rigor, seguia-se rejeitando a possibilidade de alinhamento ou relação
privilegiada com os Estados Unidos, mesmo reconhecendo sua condição inconteste
de única superpotência global.
A leitura que orientaria, a partir de então, a formulação da política externa
assumia que o sistema internacional passava a caracterizar-se, do ponto de
vista da distribuição do poder, por "polaridades indefinidas", pela
persistência e alargamento de assimetrias, e pela coexistência de forças de
integração e de dispersão38. Em um tal contexto, assumia-se que a estratégia
visando projetar os interesses brasileiros e redefinir o perfil externo do país
deveria pautar-se na ação simultânea e com sentido de reforço mútuo, tanto no
plano das vinculações bilaterais, no âmbito regional e nos foros multilaterais,
objetivando o aproveitamento de possibilidades que revertessem em favor da
modernização da economia e da restauração da credibilidade externa do país.
Essa mesma lógica passaria a orientar o processo de integração com a Argentina,
o que implicou o abandono da estratégia integracionista perseguida
anteriormente, baseada na aproximação setorial enquanto alavanca de maior
interdependência, em favor da liberalização progressiva, automática e linear do
comércio, e com a qual, além do avanço em termos da integração econômica, se
procurava sinalizar aos países industrializados e aos investidores
internacionais a disposição quanto à abertura econômica do país em sentido
geral.
A integração, e, consequentemente, a parceria com a Argentina, ganhou então
novo sentido de funcionalidade imediata: passou a representar espaço e
oportunidade de aprendizado e adaptação dos setores privados para a abertura
econômica e para a exposição à concorrência39, segundo a lógica do mercado,
representando também uma resposta adaptativa à formação de blocos econômicos. O
Mercosul constituiria, segundo essa lógica, o espaço no qual as agendas
econômicas domésticas se vinculariam às tendências da economia mundial e a
partir do qual os países membros negociariam sua inserção internacional, sendo
esse então o sentido estratégico a ele outorgado.
Desde então, e de forma crescente, as relações externas do Brasil, no campo
econômico, passaram a tomar como referência os desenvolvimentos no âmbito do
Mercosul, o que se torna mais nítido particularmente a partir da assinatura do
Protocolo de Ouro Preto que culminou o período de transição no qual se
procedera a liberalização do comércio entre os países membros e que definiu o
arranjo institucional do Mercosul, dotando-o de personalidade jurídica no plano
internacional. Significa dizer que, através do Mercosul, e das vinculações
externas que este passou a construir, desdobrando em outras vertentes, é que se
vem definindo, parcialmente, as próprias vinculações econômicas externas do
Brasil e sendo forjadas novas parcerias internacionais.
O afastamento de Collor de Melo, e a ascensão de seu Vice, Itamar Franco, não
implicou rupturas na política externa. Foram reafirmadas as linhas gerais
introduzidas em 1990 e procedidas correções que visaram corrigir excessos da
postura voluntarista com a qual Collor procurou descaracterizar o perfil
terceiro-mundista do Brasil, reenquadrando, no discurso diplomático, sua
condição de país em desenvolvimento identificado com as causas e necessidades
do Sul, mas igualmente buscando restabelecer e renovar seus vínculos com o
mundo industrializado40. Se, em linhas gerais, a política externa refletia
continuidade, houve, contudo, uma mudança importante quanto ao protagonismo
brasileiro em âmbito regional: o Governo Itamar Franco, apesar de uma breve
fase de indecisão inicial, reafirmou e acentuou a prioridade à consolidação do
Mercosul e, ao mesmo tempo, procurou articular novas iniciativas que ampliassem
à toda a América do Sul o alcance da integração iniciada no Cone Sul41. Apesar
de não haverem prosperado, essas propostas tiveram o mérito de inscrever a
perspectiva de integração regional como elemento no cálculo estratégico dos
países do Mercosul frente às propostas de integração de alcance continental,
como a formulada pelos Estados Unidos em dezembro de 1994.
Outro aspecto a ser destacado na política externa de Itamar Franco, por sua
relação direta com o tema ora considerado, foi a revalorização da dimensão
africana42, desta vez incorporando as relações com a África do Sul como
principal vetor de reaproximação com os países daquele continente e para a
retomada de propostas políticas, como a criação da Zona de Cooperação do
Atlântico Sul. A partir das transformações políticas que conduziram ao fim do
regime de apartheid, e com o reconhecimento do governo e dos empresários
brasileiros da importância da África do Sul em termos políticos e econômicos e
de sua influência e potencialidades em termos regionais, colocaram-se as
condições para construir uma relação que, claramente, reveste-se de importância
estratégica para o país e que tem implicações potenciais e possibilidades
positivas para o Mercosul, como se explicitará adiante.
Enfim, o Governo Itamar Franco empreendeu esforços no sentido de ampliar os
vínculos do país no próprio continente sul-americano e na África. Fê-lo, no
entanto, a partir de iniciativas de caráter multilateral: exemplos foram a Área
de Livre-Comércio da América do Sul (ALCSA), a Iniciativa Amazônica e a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Desse modo, em termos de construção
de parcerias com países em desenvolvimento, os avanços restringiram-se à
Argentina, com a consolidação da área de livre-comércio e da feição
institucional do Mercosul, e à emergência da África do Sul como parceiro
potencial.
No plano de parcerias com países industrializados, houve pouco ou nenhum
progresso, o que se explica pela concentração de esforços em foros
multilaterais43, por um lado, e pelo relativamente elevado grau de incerteza de
parte dos próprios países industrializados e dos seus respectivos setores
empresariais quanto às perspectivas econômicas do Brasil, mesmo diante do êxito
das medidas de estabilização postas em marcha a partir de junho de 1994, já
praticamente ao final da gestão Itamar Franco. Além disso, conjunturalmente, as
atenções estavam, de forma geral, voltadas para os resultados da Rodada Uruguai
e para seus desdobramentos no plano econômico, não tendo sido, portanto, um
período oportuno para iniciativas bilaterais.
4. A política exterior a partir de 1994: a conjunção da democracia com a
estabilidade econômica ' velhas e novas parcerias e desdobramentos para o
Mercosul
Com a implantação das medidas de estabilização econômica em 1994, inicia-se,
para o Brasil, uma fase em que estão presentes duas condições cruciais para o
desenvolvimento do país e que impactará em sua política externa e,
consequentemente, no exercício de construção de parcerias: estabilidade
política em um marco democrático e crescimento com abertura econômica. Esse
novo quadro interno, aliado às incertezas que continuaram marcando o cenário
internacional, passou a exigir maior abertura à participação social e
criatividade no campo da política externa, o que se tem realizado, mas sempre
com a preocupação de não descaracterizar seus elementos de continuidade. Em
face disso, o Brasil vem procurando adotar uma postura na qual procura ajustar
os imperativos do novo modelo de desenvolvimento, calcado no liberalismo
econômico, com a opção de preservar e exercer autonomia relativa na condução de
sua política exterior, mesmo que, para tanto, sejam redefinidos
substantivamente o sentido dessa autonomia e a forma de atuar para resguardá-
la. Trata-se claramente de resposta que, em termos de condução da política
exterior, reflete os próprios paradoxos do sistema internacional contemporâneo.
O esforço de equilibrar necessidades nacionais e as possibilidades e restrições
colocadas por um contexto de crescente globalização passa a requerer
formulações que racionalizem e permitam expressar, de modo coerente, a
orientação da política externa, e que a legitimem internamente. Nas palavras do
atual Chanceler, "É essencial ter presente, portanto, que a defesa de margens
para escolhas próprias não se confunde mais, como ocorreu no passado, com a
noção de auto-suficiência. Muito pelo contrário: em nossos dias, autonomia
passa necessariamente pela integração com outros países, e não apenas no âmbito
regional, mas também por parcerias internacionais cuidadosamente construídas e
aprofundadas. Passa, ainda, diferentemente do que se poderia intuir, por um
mundo governado não por menos e sim por mais regras internacionais; sobretudo
por decisões e acordos que atendam às nossas necessidades e interesses"44.
Como se percebe, a construção de parcerias internacionais mantém, no presente,
o mesmo sentido de funcionalidade que em períodos anteriores, dado que a
política externa continua fundamentalmente voltada para a realização de
interesses de desenvolvimento: "De modo geral, entretanto, parece correto dizer
que, no caso do Brasil, (...) o objetivo principal é conseguir do intercâmbio
externo elementos úteis à realização da meta prioritária do desenvolvimento,
tanto em sua dimensões econômica e social, como também em áreas como direitos
humanos, políticas públicas e meio ambiente. Em síntese, elementos que sirvam
ao desenvolvimento na acepção mais abrangente do conceito. As parcerias
externas são um complemento indispensável para os esforços de desenvolvimento,
embora não tenha deixado de ser verdade que o fator determinante continuam a
ser as boas políticas internas"45. O que se redefine, na verdade, é o modelo de
desenvolvimento ao qual a política externa se põe a serviço. No caso
brasileiro, no entanto, a mudança radical quanto ao estilo de desenvolvimento
não refletiu-se de forma simétrica na política externa, que, como dito antes,
comportará muito mais ajustes à orientação liberal, sem relegar, contudo,
elementos que a definiram em períodos anteriores.
Ao mesmo tempo, a consolidação de um quadro de estabilidade econômica, a firme
disposição do governo brasileiro de propiciar condições favoráveis aos
investimentos externos, o avanço do processo de privatização e as crises que
enfrentaram as economias mexicana e dos países do Sudeste Asiático
representaram fatores favoráveis à ampliação de espaços para a concertação de
interesses econômicos externamente, tanto a nível governamental como privado.
Nesse contexto, a diplomacia foi incumbida de "apresentar o Brasil como país
que está superando seus passivos e hoje se afirma pela estabilidade e robustez
de sua economia, por sua democracia amadurecida, e por um comportamento de
mainstream, isto é, sintonizado com a convergência internacional de posições em
matéria de segurança, preservação ambiental, direitos humanos, e de combate ao
crime organizado"46. Desse modo, tanto em razão das circunstâncias internas
quanto da perspectiva externa, o reforço das parcerias internacionais é
recontextualizado e retomado dentre as prioridades da política externa
brasileira, agora não restringindo-se a países individualmente, como no
passado, mas tendo por referência os principais blocos econômicos que passaram
a compor o panorama da economia mundial.
Assim, a prioridade ao reforço de parcerias está voltada, segundo o discurso
oficial, para Estados Unidos, Argentina, União Européia e Japão47. No entanto,
é preciso qualificar cada caso com o propósito de avaliar em que medida se está
tratando realmente de reforçar ou de construir parcerias, uma vez que, se
consideradas em sua evolução até o presente, é inadequado atribuir às relações
com os Estados Unidos e com a União Européia a conotação de parceria ou de
aliança estratégica. Ao mesmo tempo, independentemente de prestar-lhes tal
conotação ou não, reconhece-se que as mesmas trazem implicações importantes
para o Mercosul e que devem ser também qualificadas.
Com relação aos Estados Unidos, constata-se que, historicamente, as relações
oscilaram em fases de maior aproximação e outras de relativo afastamento.
Apesar de sua importância (obviamente maior para o Brasil), e à despeito dessas
oscilações, não se pode dizer que chegaram a configurar-se em parceria
estratégica no sentido aqui propugnado. Principalmente por haverem sido
marcadas por divergências em torno de temas considerados, a seu tempo, e por
cada país, fundamentais para a consecução de seus respectivos interesses. É
verdadeiro que, no presente, as relações com os Estados Unidos atravessam um
muito bom momento, apesar das divergências magnificadas pela amplitude e
complexidade dos temas que compõem a agenda bilateral e dos interesses que a
animam. No entanto, persistem divergências sobre a forma de encaminhar
interesses comuns, são ainda suficientemente acentuadas para permitir
caracterizar as relações como convergentes a ponto de gerar ou compor uma
parceria estratégica. São exemplificativas as divergências em torno do
interesse brasileiro no domínio de tecnologias no campo nuclear e aeroespacial,
a vinculação de temas como meio ambiente e direitos sociais e comércio
internacional e, principalmente, a estratégia de construção da ALCA. Além
disso, são marcadamente ambíguas as posições norte-americanas em relação ao
Mercosul, precisamente uma das prioridades da política externa brasileira,
afora o desequilíbrio comercial e sucessivos conflitos nesse campo.
Não é, em absoluto, o propósito aqui reificar as divergências entre Brasil e
Estados Unidos, mas apenas assinalar que as mesmas estão estabelecidas em torno
de temas de grande importância para o desenvolvimento brasileiro, o que, por
sua vez, não reduz, em nenhum sentido, a importância e a prioridade assignada
às relações bilaterais; por outro lado, as linhas de convergência de interesses
estão definidas em torno de grandes questões da agenda internacional, cujo
tratamento se dá, sobretudo, em outras instâncias multilaterais nas quais o
sentido de parceria estratégica entre ambos países se dilui em um conjunto
maior de alinhamentos que a tornam virtualmente inoperante nesse plano. Esses
fatores nos parecem ser significativos o suficiente para desqualificar o
sentido de parceria estratégica, tal como considerado no presente trabalho.
No entanto, independentemente da caracterização que se possa dar às relações do
Brasil com os Estados Unidos, a sua incidência sobre o Mercosul tende a ser
definida, em grande medida, pela maior ou menor margem de convergência entre
ambos países nos temas comerciais a nível bilateral, regional e multilateral e
pelos termos em que se definir a competição por mercados em âmbito regional. A
esse respeito, deve-se tomar em conta que os interesses econômicos brasileiros
estão hoje muito dirigidos à América do Sul por ser esta não apenas um mercado
crescente (cerca de 25% das exportações), mas por ser aquele mercado no qual as
exportações de bens manufaturados continuam a expandir-se, contrariamente do
que ocorre em outras regiões.
Nesse sentido, a perspectiva da ALCA, enquanto projeto político e estratégico
dos Estados Unidos, não deve ser desconsiderada em seus desdobramentos
potenciais para o modelo de desenvolvimento de forma geral e para as políticas
industrial e de comércio exterior do Brasil e dos países do Mercosul, além,
obviamente, do potencial de conflito já claramente evidenciado durante a fase
preparatória que culminou com a II Cúpula das Américas de abril de 1998. Esse
potencial, no entanto, parece ter sido mitigado com a prevalência dos termos
defendidos pelos países do Mercosul, liderados pelo Brasil, e pela decisão de
serem as negociações co-presididas em sua fase final por Brasil e Estados
Unidos, cada qual com poder de veto. Ainda assim, não há incentivos, para o
Brasil, que justifiquem, nas atuais circunstâncias, exercer qualquer tipo de
unilateralismo dentro desse contexto, e nem tampouco de buscar qualquer forma
de relacionamento com os Estados Unidos que implique o enfraquecimento do
Mercosul. Assim, o Brasil está obrigado a atuar dentro de uma margem muito
estreita e de um delicado equilíbrio de interesses econômicos que envolve suas
próprias leituras e objetivos nacionalmente definidos, aqueles definidos e
concertados regionalmente e aqueles direcionados ao aproveitamento, em conjunto
com os demais sócios do Mercosul, de possibilidades que um melhor
relacionamento com os Estados Unidos pode suscitar, mesmo que não
exclusivamente restritas a aspectos econômicos.
As relações com a União Européia, por sua vez, têm sido marcadas por uma
crescente diversificação de interesses no plano econômico. Outrora muito
centradas nos principais países (Alemanha, França e Inglaterra), atualmente
contemplam, de modo mais intenso, outros pólos, não se circunscrevendo apenas
ao campo comercial. Há importantes iniciativas no plano dos investimentos que
têm produzido uma crescente diversificação quanto à origem de fluxos de capital
para o Brasil. O destaque, nesse sentido, recai sobre os países da Península
Ibérica que, até 1995, detinham participação muito modesta nos fluxos de
investimentos para o Brasil, tendo a ampliado significativamente: basta tomar
em conta que o estoque de investimentos de Portugal e Espanha no Brasil, até
1995, atingia US$ 360 milhões, tendo os investimentos diretos por eles
realizados nos últimos dois anos atingido cerca de US$ 2 bilhões, ou seja,
cerca de cinco vezes mais do que aquele valor, sem considerar ainda as
participações na privatização de empresas de telecomunicação48. Tendência
semelhante é observada em relação aos Países Baixos. Ao mesmo tempo, dos três
principais países acima mencionados, apenas a França aumentou de forma
significativa seus investimentos no Brasil, chamando atenção o declínio da
participação relativa da Alemanha nesse contexto, apesar de manter-se, ainda,
como terceira principal origem de investimentos diretos para o Brasil, dados os
grandes investimentos realizados em décadas anteriores.
Esse tendência de diversificação quanto a origem e destinos dos fluxos de
capital começa a projetar-se, embora em ritmo obviamente menos intenso, também
no plano comercial. A União Européia absorve 30% das exportações brasileiras,
sendo ainda a Alemanha o principal destino, seguida de Países Baixos, Itália,
França e Reino Unido49. No entanto, observa-se o aumento da participação
relativa destes últimos, e, embora em patamares menores, dos países ibéricos
como destino das exportações brasileiras50. No tocante às importações, observa-
se um panorama semelhante: 27% das importações brasileiras procedem da União
Européia. Dentre os dez principais países de origem das importações brasileiras
em todo o mundo, cinco pertencem à UE: Alemanha, Itália, França, Reino Unido e
Espanha.
Em conjunto, esses fatos significam que alteraram-se as condições que, no
passado, permitiram ao Brasil a opção de manter relacionamento privilegiado com
um país, a Alemanha, apesar de esta ainda apresentar-se como principal parceiro
individual para o Brasil na União Européia. O Brasil é, hoje, levado a
considerar a maior diversidade de vínculos econômicos com os países daquela
região, fato que se fortalecerá à medida em que avance o processo de integração
européia, por um lado, e aprofunde-se o Mercosul, por outro. No que se refere
aos seus desdobramentos para o Mercosul, há que se notar, em primeiro lugar,
que tal tendência reforça, de modo geral, o sentido de valorização do
relacionamento interblocos, não somente por ratificar a importância recíproca
de ambos blocos nos planos comercial e financeiro, mas também porque fortalece
um capital político importante para o Mercosul e que deve ser tomado em conta
tanto nas relações com a própria União Européia, como também em relação a
outros contextos de negociação. Em segundo lugar, há que se observar que a
maior presença dos países ibéricos nas relações do Brasil com a União Européia
também representa um fator positivo e que reforça tendência, já observada desde
a admissão destes à então Comunidade Econômica Européia, de atuarem no sentido
de promover maior aproximação com a América Latina, fator este que seguramente
será de particular relevância quando efetivamente tiverem início as negociações
visando a criação de área de livre-comércio entre Mercosul e União Européia, a
partir de 1999, como se espera.
Por outro lado, cabe indagar se o incremento das relações econômicas do Brasil
com a União Européia implica risco de desvio de comércio e de investimentos em
desfavor de seus sócios no Mercosul. Nesse sentido, há que se observar que o
fortalecimento dessas relações vem sendo orientado fundamentalmente por força
das oportunidades comerciais e financeiras e pela lógica da ação empresarial, e
não por instrumentos preferenciais que pudessem ocasionar tais desvios. O
impulso político que vem sendo imprimido pelo governo brasileiro se dá no
sentido de gerar condições facilitadoras de negócios, e de buscar melhores
condições de acesso ao mercado europeu, o que não representa, per se,risco de
alienar os interesses dos demais sócios do Mercosul. Ademais, o relacionamento
econômico a nível bilateral tende a ser cada vez mais condicionado e a
refletir-se no diálogo político que vem sendo arquitetado a nível inter-
regional, e que teve como marco recente mais importante a Cúpula Mercosul-União
Européia ocorrida ao final do primeiro semestre de 1999.
Portanto, a natureza estratégica das relações com a União Européia, além da
intrínseca importância econômica, encontra-se hoje estreitamente vinculada ao
sentido associativo que possa permitir entre o Mercosul e aquele bloco e ao
capital político que elas podem aportar para negociações inter-regionais e em
outros foros regionais ou multilaterais. Muito desse sentido estratégico vem
sendo também delineado nos cada vez mais freqüentes diálogos em nível político
conduzidos por meio do Grupo do Rio com a União Européia, e que conformam uma
agenda muito ampla integrada por temas tradicionais como diálogo político,
comércio, investimentos, mas que incorpora também novos temas no diálogo inter-
regional como segurança e educação51. A ampliação desse diálogo em torno de tal
sorte de temas revela a preocupação da União Européia de também exercer um
papel mais protagônico na região com o sentido de preservar seus interesses
face a um percebido intento de parte dos Estados Unidos de estabelecer
mecanismos de acesso privilegiado ao mercado latino-americano, o que abre
possibilidades para o Brasil e para o Mercosul de exercitarem conjuntamente uma
política que vise melhores níveis de equilíbrio entre seus interesses e os de
seus respectivos parceiros no mundo industrializado, notadamente os Estados
Unidos. Trata-se, enfim, de uma parceria que tende a incorporar a dimensão
inter-regional, afastando-se do padrão vigente em décadas anteriores, e, nesse
sentido, mais favorável em termos de oportunidades e implicações para o
Mercosul.
Com o Japão, o Brasil vem procurando revigorar a parceria construída ao longo
das últimas quatro décadas. Isso porque, tanto no plano comercial quanto no
financeiro, constata-se estarem as relações aquém de sua potencialidade. No
entanto, é no campo dos investimentos que observa-se mais nitidamente a
retração da presença japonesa: apesar de ainda deter um estoque de investimento
que o coloca como o principal investidor no Brasil, o fluxo de investimentos
japoneses para o Brasil vem reduzindo-se. Essa tendência reflete o
amadurecimento de investimentos realizados em setores industriais, como a
siderurgia, e no setor agroindustrial em décadas anteriores e a maior dispersão
dos investimentos em relação a outros países em desenvolvimento, com ênfase
àqueles situados no próprio contexto asiático; reflete, por fim, a dificuldade
de ambos governos, em redefinir o conteúdo econômico de suas relações em face
das oportunidades suscitadas com o advento do Mercosul, a abertura e
estabilização da economia brasileira e com o processo de privatização em curso.
A essa dificuldade, somaram-se, nos últimos anos, outras que afetaram projetos
bilaterais importantes, a exemplo do Programa de Desenvolvimento Agrícola dos
Cerrados, a persistência de obstáculos de acesso ao mercado japonês, sobretudo
de produtos agrícolas, e, mais recentemente, a própria crise da economia
japonesa que, seguramente, incidirá nos fluxos comerciais e financeiros com o
Brasil.
Em que pese os fatores que dificultam o fortalecimento da parceira com o Japão,
há, no entanto, oportunidades que, ao serem perseguidas bilateralmente, podem
estender-se ao Mercosul. A primeira delas decorre precisamente do fato de
estar-se redefinindo e revigorando os termos dessa parceria quando consolida-se
a união aduaneira do Mercosul, tornando-o uma variável fundamental e
indeclinável nesse contexto; em segundo lugar, porque, ao avaliar-se
possibilidades de intensificar as relações bilaterais, alguns setores, como a
agroindústria em vários de seus segmentos, biotecnologia, eletrônica e
informática, tendem a ser priorizados, abrindo possibilidades de buscar
conjuntamente melhores condições de acesso ao mercado japonês e de
estabelecimento de parcerias comerciais, financeiras e tecnológicas mais
abrangentes e que envolvam também atores econômicos dos demais países do
Mercosul.
No plano dos países em desenvolvimento, são enunciadas como prioritárias as
relações com China, Índia e África do Sul. A pretendida parceria com a China
reveste-se efetivamente de caráter estratégico, pelo que representa aquele país
em termos econômicos e políticos no plano regional e global, em sua projeção
presente e futura, como também pelo sentido de complementaridade de interesses
em áreas importantes para o desenvolvimento brasileiro. Trata-se, no entanto,
de relacionamento cujas bases econômicas estão ainda aquém de seu potencial,
embora venham expandindo-se, no plano comercial, particularmente nos últimos
anos. Somado a isso, há igualmente uma estreita cooperação técnico-científica
que envolve setores tradicionais, mas que abarca setores de ponta, como
atividades aeroespaciais, com destaque, nesse âmbito, para a construção e
lançamento de satélites de comunicação e de monitoramento ambiental, o primeiro
deles ocorrido em outubro de 1999, segmento que abre, aos dois países, amplas
oportunidades econômicas, mas que é, ao mesmo tempo, objeto de acirrada
concorrência internacional.
As relações sino-brasileiras, no entanto, seguem condicionadas, sobretudo, aos
desdobramentos das reformas econômicas chinesas e das oportunidades que estas
possam suscitar para a diversificação e aprofundamento dos laços econômicos com
o Brasil, mas encerram, também, grande potencial de projeção e realização de
interesses brasileiros na Ásia. No entanto, diferentemente do que ocorre com
relação aos países antes mencionados, não são claras suas implicações para o
Mercosul, uma vez que seu encaminhamento tem se dado tendo por referência os
interesses bilaterais, não estando, ao mesmo tempo, a China ainda incorporada
efetivamente à agenda externa do Mercosul. No entanto, não há razões para
admitir que a construção de parceria com a China não venha a ter o mesmo
sentido de convergência com os interesses do Mercosul, a exemplo dos casos
anteriores.
Diferentemente, as relações com a África do Sul já estão claramente enquadradas
nessa perspectiva, e revestem-se de sentido estratégico pelo que implicam em
termos de aproximação do Mercosul com a África Austral, incluindo os países da
SADECC, como também enquanto componentes de construção e manutenção de
estabilidade política e estratégica no Atlântico Sul. A visita do Presidente
Nelson Mandela ao Brasil e à Argentina, e sua participação na Cúpula dos
Presidentes do Mercosul realizada em Ushuaia, Argentina, são sinalizadoras da
disposição política no sentido da construção dessa parceria. Suas bases
econômicas, tanto do ponto de vista comercial quanto de investimentos, são
ainda, no entanto, modestas. Portanto, por suas afinidades culturais, sociais e
políticas, o Brasil deve desempenhar um papel chave na construção do
relacionamento entre Mercosul e os países da África Austral, e, em particular
com a África do Sul.
Em relação à Índia, há um conjunto de elementos de convergência que, até o
momento, não foram traduzidos em resultados econômicos efetivos. Assim, apesar
do porte de ambas economias e de sua diversificação, das dimensões de mercado e
de também terem iniciado o processo de abertura econômica no mesmo período, o
comércio bilateral é pequeno. Ainda assim, e em que pese a disposição política
dos respectivos governos de aprofundarem as relações tanto no campo econômico
como no da cooperação científica e tecnológica, há uma forte susceptibilidade a
considerações de ordem política decorrentes, sobretudo, da instabilidade que
marca o relacionamento da Índia com o Paquistão e, consequentemente, das
posições assumidas pela Índia no tocante à proliferação nuclear. Assim como
ocorre em relação à China, a agenda com a Índia tem sido construída
fundamentalmente a partir dos interesses definidos em termos bilaterais, embora
haja o interesse e a percepção, por parte do governo indiano, da importância e
do potencial do Mercosul. No entanto, são ainda frágeis as bases de interesses
privados que possam dar substância, no campo econômico, ao relacionamento com o
Mercosul. Isso coloca, ao mesmo tempo, a oportunidade, para este, de buscar
desenvolver um trabalho conjunto de promoção de oportunidades comerciais e de
investimentos, e de cooperação científica e tecnológica, e de, simultaneamente,
racionalizarem seus esforços de presença naquele mercado.
Finalmente, no âmbito latino-americano, é importante a referência à Venezuela,
país com o qual o Brasil vem incrementando relações nos últimos anos com base
em um conjunto de projetos de grande relevância estratégica para o país,
sobretudo nas áreas de infra-estrutura, energia e meio ambiente, e que assumem
particular significado no contexto da aproximação do Brasil com seus vizinhos
ao norte e com o Grande Caribe, e do Mercosul com o Pacto Andino. Apesar da
instabilidade que acomete a economia venezuelana, e também de vicissitudes
internas relacionadas à implementação das reformas políticas introduzidas pelo
Presidente Hugo Chávez, os dois países vêm empreendendo intenso esforço no
sentido de dinamizar seus vínculos bilaterais com base em interesses concretos.
Estes referem-se, do lado brasileiro, ao desenvolvimento de uma política ativa
no contexto amazônico, voltada para o desenvolvimento regional e para o
exercício de controle efetivo sobre seu território e sobre os fluxos de
contrabando e narcotráfico, atendendo, ao mesmo tempo, necessidades de suprir
oferta energética e infra-estrutura viária e de comunicação e na geração de
bases para o desenvolvimento sustentável da região; na perspectiva venezuelana,
apresenta-se a possibilidade de ampliar e diversificar exportações e de aceder
ao mercados brasileiro e dos demais países do Mercosul de forma eficiente, de
explorar o potencial econômico de atividades que ensejem o desenvolvimento
sustentável de seu território amazônico, como o ecoturismo, e de gerar
condições de estabilidade nas áreas fronteiriças, evitando a evasão e a
degradação de recursos naturais, e, em particular, dos recursos hídricos da
cabeceira do Rio Orenoco.
Em razão desses esforços, as relações econômicas passaram a exibir indicadores
positivos: a corrente de comércio vem crescendo sustentadamente desde 1992,
tendo atingido, em 1998, cerca de US$ 2,5 bilhões, com déficit comercial para o
Brasil, determinado, em grande medida, pelas compras de petróleo: cumpre
destacar ser, no presente, a Venezuela, ao lado da Argentina, o principal
fornecedor ao Brasil. O grande desafio que se coloca, em termos de parceria
estratégica, associa-se à diversificação dos fluxos comerciais e a alavancagem
de investimentos, por um lado, e de dar operacionalidade à efetiva aproximação,
no plano econômico, entre o Mercosul e o Pacto Andino. Sem que este último
aspecto seja adequadamente atendido, perder-se-á muito do sentido estratégico
que se identifica nas relações com a Venezuela, embora haja um componente
associado à problemática amazônica que inevitavelmente o seguirá definindo.
Conclusões
A construção de parcerias estratégicas pelo Brasil tem assumido, em diferentes
contextos, um caráter instrumental para a promoção do desenvolvimento do país,
constituindo-se a partir de interesses e oportunidades definidas em cada caso,
sem caráter excludente e, portanto, dentro da perspectiva universalista que
caracteriza a política externa brasileira. A funcionalidade e o conteúdo dessas
alianças não estão definidos de forma estática; pelo contrário, respondem mais
às mudanças no contexto interno e externo e ao modelo de desenvolvimento a que
servem, e menos a considerações de ordem ideológica e cultural.
Trata-se, portanto, de uma estratégia versátil e orientada por um sentido de
oportunidade, de caráter realista e pragmático. Por essa razão, é possível
identificar, ao longo da evolução histórica da política externa brasileira,
diferentes formas de parcerias definidas segundo a natureza dos interesses em
jogo, dos sócios mesmos e das circunstâncias internacionais: aquelas indutoras
do desenvolvimento, como as que envolvem os países do Primeiro Mundo; aquelas
voltadas para a sustentação do desenvolvimento, como as estabelecidas,
sobretudo, com países em desenvolvimento; e formas mistas.
Nesse sentido, suas implicações para o Mercosul devem ser consideradas a partir
de condições específicas, considerando o grau de convergência entre as
prioridades a que se vinculam e aquelas definidas pelos demais sócios do
Mercosul, com particular ênfase à Argentina. De forma geral, o esforço
brasileiro no sentido de reforçar e diversificar parcerias não é incompatível
com a prioridade conferida ao aprofundamento do Mercosul; ao contrário, abre
possibilidades importantes em termos das relações externas do bloco.
No entanto, não o fazem de modo automático. Isso ocorrerá à medida em que
exista uma sólida base de convergência entre os países do Mercosul em torno de
prioridades nas relações com os países vizinhos e com regiões com as quais tais
parcerias sejam consideradas importantes para a realização dos interesses de
cada país e do próprio bloco. Não se trata, evidentemente, de uniformizar
políticas externas, senão de estabelecer formas de coordenação que permitam
maximizar esforços e que sejam, ao mesmo tempo, suficientemente flexíveis para
resguardar os interesses e necessidades de cada país, sem desqualificar os
compromissos recíprocos no âmbito do Mercosul.
A agenda externa cada vez mais ampla do Mercosul, ao lado do sentido mais
participativo que a formulação da política externa vem assumindo em cada país,
ratifica e nutre a demanda por maior coordenação de posições no plano externo,
o que coloca para o Brasil o grande desafio de harmonizar, de um lado, a
vocação universalista de sua política externa e o interesse de resguardar
relativa margem de autonomia na construção de parcerias e, de outro, os
requerimentos de coordenação e de equilíbrio que devem fundamentar a dinâmica
do Mercosul e suas relações com seus sócios nesse mesmo âmbito.
Ao mesmo tempo, a tendência no sentido de que as parcerias sejam cada vez mais
estruturadas tanto em âmbito bilateral como inter-regional implica a
necessidade de melhor coordenação entre as ações que cada país conduz em nível
bilateral com os objetivos definidos regionalmente. Nesse sentido, o processo
de negociação entre o Mercosul e a União Européia constitui uma oportunidade
para definir linhas de convergência entre os países membros que se projetem
para além do âmbito comercial, uma vez que tal negociação, ainda que
estabelecida em torno de temas relacionados a um regime de livre-comércio, traz
importantes conseqüências desde o ponto de vista político, uma vez que sinaliza
a disposição de parte do Mercosul de manter um conjunto equilibrado de vínculos
externos e de extrair os benefícios que estes possam aportar.
No mesmo sentido, as negociações no âmbito da ALCA deverão fortalecer o perfil
comunitário do Mercosul frente a seus interlocutores no continente. O que é
necessário avaliar doravante é em que medida esses avanços estarão também
refletidos na disposição e nas possibilidades de parte de cada país do
Mercosul, e sobretudo do Brasil, de incorporar o âmbito comunitário aos
distintos eixos bilaterais que conformam opções de parcerias estratégicas no
presente.
Notas
1 Texto apresentado no seminário "Integración y seguridad en el Mercosur +
Chile", Universidad Torcuato di Tella, Buenos Aires, 07 e 08 de setembro de
1998. O autor agradece os comentários e sugestões dos
Professores Fernando Augusto Albuquerque Mourão, Antônio Carlos Lessa e Amado
Luiz Cervo.
2 Celso L.N. Amorim, "Uma diplomacia voltada para o desenvolvimento e a
democracia", em FONSECA Jr., Gelson e NABUCO DE CASTRO, Sérgio H. Temas de
Política Externa Brasileira II,vol. I, 2 ed. São Paulo: FUNAG/Paz e Terra, p.
16.
3 Para uma discussão conceitual do tema, ver Rubens Antônio Barbosa e Luis
Fernando Panelli César, "O Brasil como Global Trader", em
FONSECA Jr, Gelson e NABUCO DE CASTRO, Sérgio Henrique, op. cit., vol. I , p.
285-304.
4 LESSA, Antônio Carlos. "A diplomacia universalista do Brasil: a construção do
sistema contemporâneo de relações bilaterais".Revista Brasileira de Política
Internacional, ed. Especial, julho de 1998, p. 30.
5 Amado Luiz Cervo, "Relações Internacionais do Brasil", em CERVO, Amado L.
(org.), O Desafio Internacional. Brasília: UnB, 1994, p. 28.
6 A respeito, ver Amado Luiz Cervo, op. cit., p. 31-50.
7 Ver SATO, Eiiti. "40 anos de política externa brasileira, 1958-1998: três
inflexões". Revista Brasileira de Política Internacional, ed. Especial, julho
de 1998, p. 8-28. Sato aponta o abandono dos Estados Unidos
como eixo pivotal da política externa do Brasil, a ampliação das opções de
parcerias internacionais e a crescente importância do multilateralismo como as
principais inflexões ocorridas no período.
8 Antônio Carlos Lessa, op. cit., p. 36.
9 Amado Luiz Cervo, op. cit., p. 26-27.
10 Antônio Carlos Lessa, op. cit., p. 31.
11 Idem.
12 Lessa argumenta que a universalidade provê uma válvula de escape em
situações em que há estreitamento das margens de atuação e decisão em razão da
dinâmica do próprio sistema, como no caso de crises, da incapacidade de
obtenção de insumos para o desenvolvimento por meio dos relacionamentos
tradicionais ou da deterioração das relações políticas e econômicas com a
potência hegemônica. No mesmo sentido, enxerga funcionalidade de parcerias
estratégicas em situações de exacerbação da competição por recursos e
influência. Op. cit., p. 32.
13 TUCHMAN, Barbra, A marcha da insensatez: história e política externa de 1500
a 1975. São Paulo: Ed. Campus, 1987.
14 Rubens Ricúpero, "O Brasil, a América Latina e os Estados Unidos desde 1930:
60 anos de uma relação triangular", em GUILHON DE ALBUQUERQUE, José A (org.),
Sessenta anos de política externa brasileira: 1930-1990, crescimento,
modernização e política externa. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1996,
p. 44.
15 Rubens Ricúpero, op. cit., p. 45.
16 Na formulação de Amado L. Cervo, "o nacionalismo determinava os fins da
política e o pragmatismo lhe confiava os meios multiplicados: esse era o
esquema. " Amado L. Cervo, op. cit., p. 43.
17 Amado Luiz Cervo, op. cit., p. 47.
18 A expressão "hegemonia cêntrica e autonomia periférica" foi cunhada por
Hélio Jaguaribe para descrever o contexto externo e o interesse de afirmação de
autonomia que orientavam a política externa brasileira na segunda metade dos
anos setenta e primeira metade dos anos oitenta. Ver: JAGUARIBE, Hélio. A
América Latina e o Cenário Internacional. Rio de Janeiro, 1985.
19 As relações com a Alemanha tiveram como marco o Tratado de Comércio e
Navegação de 1827 e foram intensificadas a partir da unificação alemã em 1871 e
com a migração de colonos alemães para o Brasil, o que favoreceu um intenso
intercâmbio também no campo cultural posteriormente. Para uma análise histórica
das relações teuto-brasileiras, ver MENEZES, Albene M. e KOTHE, Mercedes.
Brasil e Alemanha: 1827 -1997: Perspectivas Históricas. Brasília: Thesaurus,
1997.
20 Francisco Thompson-Flores Netto, "As Relações Brasil-Alemanha", em FONSECA Jr., Gelson e CASTRO, Sérgio N., op. cit., p 105.
21 Banco Central do Brasil. Censo de Capitais Estrangeiros no Brasil, ano-base
1995. Nos últimos dois anos, registrou-se declínio do fluxo de capitais alemães
para o Brasil, apesar do processo de privatização em curso, o que explica-se
fundamentalmente pela intensa demanda por investimentos na ex-Alemanha Oriental
a partir da reunificação, bem como pelo próprio processo de privatização
alemão.
22 Francisco Thompson-Flores Netto, op. cit., p. 110.
23 Banco Central do Brasil. Censo de Capitais Estrangeiros no Brasil, ano-base
1995.
24 Secretaria de Comércio Exterior. Balança Comercial Brasileira, 1997.
25 Henrique Altemani de Oliveira, "O Brasil e o Japão nos anos 90", em FONSECA Jr. Gelson e NABUCO DE CASTRO, Sérgio H., op. cit., p.
175.
26 Luis Augusto P. Souto Maior. "O Pragmatismo Responsável".
GUILHON DE ALBUQUERQUE, José op. cit., p. 337-338.
27 Antônio Carlos Lessa, op. cit., p. 31.
28 Essa expressão foi freqüentemente empregada, durante os Governos Geisel e
Figueiredo, para caracterizar o papel a que o Brasil se dispunha, em
contraposição a qualquer sentido de liderança ou hegemonia que pudesse fomentar
ou acentuar desconfianças já presentes em seus vizinhos e acentuar o propósito
cooperativo que orientava a política externa para a região.
29 Luiz Augusto Souto Maior, op. cit., p. 346.
30 Daí o estancamento do processo de integração regional no âmbito da ALALC e,
posteriormente, da ALADI nos anos oitenta, bem como de iniciativas de caráter
regional como o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978.
31 Luis Felipe Seixas Corrêa, "A política externa do Governo Sarney", in GUILHON DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 370.
32 Cumpre lembrar que o comércio intra-regional crescera, na segunda metade dos
anos setenta e início dos anos oitenta, a taxas superiores que o comércio
internacional.
33 São importantes, nesse sentido, o reatamento de relações com Cuba, o papel
que o Brasil passou a desempenhar no Grupo de Apoio ao processo de Contadora e,
subseqüentemente, no Grupo do Rio, e a intensa diplomacia presidencial
conduzida na região. A propósito, ver Luis Felipe S. Corrêa, op. cit., p. 370-
373.
34 Pelo lado do Brasil, foram característicos os esforços frustrados dos
governos de Dutra, e, já no período autoritário, de Castelo Branco, e, em menor
medida, de Garrastazu Médici no início dos anos setenta.
35 Mônica Hirst e Letícia Pinheiro. "A política exterior do Brasil em dois
tempos". Revista Brasileira de Política Internacional, 38 (1), p. 6.
36 Marcos C. de Azambuja.A política externa do Governo Collor, citado em HIRST,
Mônica e PINHEIRO, Letícia, op. cit., p. 7.
37 Ver Celso Lafer, "Perspectivas e possibilidades da inserção internacional do
Brasil", Política Externa, vol 1, n. 3, dez. 1992, p. 117.
38 Celso Lafer, Ministro das Relações Exteriores durante os meses finais do
Governo Collor, referia-se às forças centrífugas e centrípetas atuando no
sistema internacional.
39 Cumpre recordar que a desgravação tarifária no âmbito do Mercosul se deu em
ritmo mais intenso que a abertura comercial para com as demais regiões.
40 Segundo as palavras do então Chanceler Celso Amorim, "a agenda diplomática
deve mesclar de forma cuidadosa elementos de continuidade e de inovação e
evitar as guinadas abruptas, ditadas por conversões precipitadas ou descabidos
sentimentos de rejeição, que por vezes chegam à auto-rejeição. Sem assumir o
que de fato somos ' país em desenvolvimento, pluriracial e com enormes desafios
a vencer, nos planos social, econômico e tecnológico ' não lograremos alcançar
as condições e os instrumentos necessários à superação de nossos problemas e a
uma inserção internacional adequada". Discurso no Instituto Rio Branco em 16 de
março de 1994.
41 São exemplos de tais iniciativas as propostas de criação da Área de Livre-
Comércio da América do Sul (ALCSA) e a Iniciativa Amazônica.
42 Mônica Hirst e Letícia Pinheiro, op. cit., p. 19.
43 Esse período coincidiu com a etapa final da Rodada Uruguai e com a transição
para a Organização Mundial do Comércio, com o retorno do Brasil ao Conselho de
Segurança, além de outras iniciativas de âmbito multilateral como a Conferência
de Teerã sobre Direitos Humanos.
44 Luis Felipe Lampreia, discurso proferido no Fórum Nacional em maio de 1998.
45 Idem.
46 Idem.
47 Idem.
48 Banco Central do Brasil, op. cit., p.19-20.
49 Deve-se observar que grande parte das exportações brasileiras destinadas à
União Européia entra pelo Porto de Roterdã, o que faz com que os valores das
exportações para a Holanda sejam muito elevados, uma vez que o registro das
estatísticas brasileiras toma em conta o porto de desembarque, e não o destino
final das mercadorias.
50 A Alemanha absorve 5,8%, os Países Baixos (inclusive Holanda) 11%, a Itália
4,3%, a França 2,2% e o Reino Unido 2,5% do total das exportações brasileiras
em geral.
51 VIII Reunião Interministerial UE-Grupo do Rio. Documento de Base, fevereiro
de 1998.
Outubro de 1999