Antecipando o futuro: a agenda política para a governança econômica global
Nos próximos cinqüenta anos, haverá um crescimento da população mundial da
ordem de cinqüenta por cento, passando dos atuais seis bilhões para nove
bilhões de pessoas até 2050. Todo esse crescimento será proveniente dos países
pobres situados fora do mundo europeu, norte-americano, japonês, australiano e
neozelandês da OCDE e fará pressão sobre os recursos naturais, o meio ambiente,
os sistemas de saúde publica e educação, a economia mundial e os governos
nacionais. Essa transição demográfica com todas as suas implicações representa
o maior desafio para a próxima geração.
I. Maiores desafios
A partir dessa perspectiva de longo prazo, há algumas razões mais imediatas
demonstrando que, atualmente, o fortalecimento da governança econômica global é
necessário. Quatro grandes desafios são encarados pelos líderes mundiais,
ressaltando mundialmente que um forte sistema de governança global precisa
entrar em vigor. São eles: (i) instabilidade econômica crônica desde 1973; (ii)
os novos desafios gerados pela globalização como uma forma distinta de
interação internacional; (iii) a crescente disparidade de renda na nova
economia global, onde os ricos parecem ficar mais ricos e os pobres
relativamente mais pobres; e (iv) o desproporcional pequeno poder de voz entre
as grandes nações do futuro na atual governança global relativamente à grande
voz das nações que somam um bilhão de pessoas e que formam o mundo da OCDE.
a) Instabilidade econômica crônica
Durante os trinta anos em que o mundo esteve fora do sistema de paridade
cambial fixa, as tendências da economia mundial caracterizaram-se por uma
seqüência de choques econômicos: o choque do petróleo dominou a década de 1970;
a crise das taxas de juro, no início dos anos 1980, gerou a crise da dívida
nesse mesmo período; e o choque dos fluxos de capital que engatilhou a crise
financeira asiática em 1997-1998 criou, como seqüela, distúrbios e choques
subseqüentes no mundo financeiro. Originados a partir de desequilíbrios na
política macroeconômica das grandes economias, esses choques alcançaram toda
economia internacional. O déficit fiscal norte-americano, no final da década de
1960, elevou as taxas de inflação dos países membros da OCDE, reduzindo o preço
real do petróleo, que por sua vez gerou o dramático reajuste de preços por
parte da OPEP nos anos 1970. A elevação dos preços do petróleo gerou enormes
superávits para os países da OPEP, sendo reciclados por países em
desenvolvimento importadores de petróleo.
A contração da política monetária norte-americana por meio de uma política
fiscal frouxa, no início dos anos 1980, levou a taxa de juros e o dólar a
valorizações nunca vistas até então, desencadeando a crise da dívida externa na
América Latina, que durou praticamente toda a década. Os déficits nas contas de
capital e fiscal e na balança comercial norte-americanas foram compensados
pelos superávits na conta de capital, na balança comercial e na poupança
interna japonesas. Novamente, assim como nas crises do petróleo, a economia
mundial alcançou o equilíbrio por meio da compensação de forças, apresentando,
todavia, a necessidade de a economia mundial percorrer um caminho tortuoso para
que ele fosse alcançado.
A crise financeira asiática foi originada a partir do déficit em conta corrente
norte-americano em oposição ao significativo superávit em conta corrente de
alguns membros da OCDE, como Japão, países da União Européia e outras economias
avançadas, provocando a transferência de capital dos países membros da OCDE
para os não-membros. Esse superávit financeiro migrou, desproporcionalmente,
para apenas poucos países do Sudeste asiático, fomentando grande crescimento em
já inchadas economias, criando, assim, uma bolha financeira. Quando a bolha
estourou, o mesmo ocorreu com o regime de câmbio fixo desses países e uma
imensa e custosa crise financeira alastrou-se pelo leste asiático, repercutindo
em toda economia mundial.
Não que as três décadas após o fim do sistema de paridade fixa de Bretton Woods
tenham sido marcadas por choques econômicos, mas percebe-se que as crises
ocorrem em seqüência. A queda nos preços do petróleo, em meados da década de
1960, levou a uma supervalorização nos preços nos anos 1970. A recessão nos
países da OCDE significou que, virtualmente, o superávit de US$ 450 bilhões
obtido pelos países da OPEP entre os anos de 1973 e 1982 não foi por eles
absorvido, forçando a reciclagem de petrodólares em países em desenvolvimento
não-exportadores de petróleo. Enquanto esses países utilizavam os petrodólares
para financiar o investimento ao invés do consumo e dos gastos governamentais,
grande parte da dívida foi neles concentrada. Isso colocou os países devedores
em uma posição vulnerável quando o déficit fiscal norte-americano saltou de
zero para seis por cento do PIB entre o final de 1979 e a metade de 1982. A
subseqüente combinação da elevação da taxa de juros, do fortalecimento do dólar
e da redução mundial das poupanças internas como forma de financiar o déficit
fiscal norte-americano provocou um triplo impacto nos países devedores,
induzindo a crise da dívida nos anos 1980. Dessa forma, percebe-se que os
desequilíbrios da década de 1970 consolidaram as vulnerabilidades que iniciaram
a crise dos anos 1980.
A troca maciça do superávit dos países da OPEP e déficit dos países em
desenvolvimento na década de 1970 para o déficit norte-americano e superávit
japonês na década de 1980 dividiu a economia mundial em dois diferentes eixos.
Gradualmente, o déficit fiscal dos Estados Unidos foi reduzido, fazendo com
que, já na primeira metade da década de 1990, não mais guiasse o crescimento
norte-americano ou o desequilíbrio global. O crescimento do déficit comercial
norte-americano foi um reflexo do excessivo investimento nos títulos internos
do país a partir do fluxo de capitais, que, paralelamente, no entanto acabou
financiando-o. A nova política fiscal norte-americana reduziu seu papel na
poupança mundial. O baixo crescimento em outros países da OCDE gerou um
conjunto de compensações na poupança global, canalizando-a, em meados dos anos
1990, principalmente para alguns países do sudeste asiático e também para
outros países da América Latina. Novamente, muito capital foi direcionado para
poucos países, criando bolhas de crescimento como resultado.
Assim, percebe-se uma longa história de subseqüentes turbulências e reações
políticas compensatórias, gerando uma nova gama de turbulências que, não sendo
estáveis, induzem novas reações fomentando novos desequilíbrios. O problema
está no fato de as crises econômicas globais serem originadas a partir de ações
políticas nacionais: desequilíbrios internos necessariamente geram (por
identidade contábil) desequilíbrios externos, que por sua vez são compensados
por outros países, criando, dessa forma, desequilíbrios domésticos na direção
inversa. Uma vez que a origem da ação política está na macroeconomia doméstica,
não há, por definição, governança global capaz de reequilibrar as políticas
nacionais de uma maneira coordenada, evitando o próximo choque e a subseqüente
crise. Nem a cúpula do G-7, nem o FMI, nem o comitê ministerial do FMI e do
Banco Mundial foram capazes de chegar a um consenso acerca da coordenação de
políticas para amenizar a oscilação na economia global e prevenir choques
financeiros nos últimos trinta anos.
b) Globalização em oposição à internacionalização
Os princípios fundamentais da economia mundial têm mudado a partir do momento
em que ela se tornou uma economia global. Globalização tem significado e
conteúdo diferentes de internacionalização. Como o mundo econômico tem se
tornado mais internacionalizado, fluxos comerciais e financeiros foram
fomentados entre economias nacionais relativamente autônomas, elevando a
interação entre elas. Atualmente, a globalização tem transformado a natureza
dessa interação, incrementando a interpenetração da economia doméstica nos
assuntos internos dos países. Em parte, isso tem ocorrido devido às mudanças
nas empresas que se transformaram em grandes corporações, atuando dentro e fora
das fronteiras nacionais. Como conseqüência, o comércio intrafirma e intra-
empresa tem crescido à medida que se reduz o comércio de bens finais. Contudo,
essa é apenas uma das mudanças nos fundamentos principais. A integração do
mercado financeiro mundial tem criado, essencialmente, um único mercado global
de capitais. Migração tem transformado o mercado de trabalho; redes de
comunicação e de transporte têm tornado o espaço geográfico cada vez mais
poroso; mudando, assim, a definição do significado de fronteiras e limites
nacionais.
Não apenas os canais para a transmissão dos interesses econômicos têm sofrido
transformações, mas também a relação entre diferentes formas de interação.
Comércio, finanças, crescimento econômico, eliminação da pobreza,
sustentabilidade ambiental, questões sociais e governança estão intrinsecamente
associados uns aos outros no momento de definição dos objetivos a serem
alcançados. Essa interpenetração dos temas é apenas outra faceta da
interpenetração das economias e sociedades e uma das forças motrizes de todo o
processo.
Essas transformações na natureza das interações na economia internacional
elevam a demanda por mecanismos, instituições e políticas de governança
econômica global.
c) Apartheid econômico global
Mesmo que o mundo não estivesse caminhando para um crescimento populacional de
seis para nove bilhões, sendo esses três bilhões provenientes dos países
pobres, a atual configuração dos rendimentos globais cria um mundo em que a
maioria da população é pobre. No ano 2000, dois e meio bilhões de pessoas
viviam em países com baixa renda per capita, não ultrapassando o valor de US$
400 por pessoa. Apesar das recentes conquistas na redução do número de pessoas
vivendo em extrema pobreza, mais de um bilhão ainda vivem com menos de um dólar
por dia.
Há crescentes preocupações acerca da elevação das taxas de rendimento entre os
ricos, uma vez que mais da metade da população mundial vive em condições de
completa miséria, muitas vezes até sem referência de riqueza. A legitimidade de
um sistema econômico que falha em produzir resultados positivos para o mundo
pobre, mas que gera e eleva a riqueza de alguns, é colocada em questão. Tal
fato reduz a credibilidade das instituições internacionais que são vistas como
mantenedoras da igualdade do sistema, limitando sua capacidade e habilidade de
elaborar a agenda para a economia mundial. Como resultado, as questões acerca
da pobreza mundial tornaram-se tão importantes para as instituições econômicas
globais quanto as referentes à instabilidade financeira global, que há algum
tempo foram encaradas como a grande prioridade.
d) A voz da maioria global
Ao olharmos para a configuração futura da população mundial, percebe-se que,
até o ano 2050, Índia, China e África constituirão a grande maioria da
população, com um total de cinco bilhões de pessoas. Brasil, México, Indonésia
e Paquistão facilmente acrescentarão outro bilhão. Em contrapartida, Estados
Unidos, Japão e Europa juntos consolidarão uma população de um bilhão de
pessoas em 2050, praticamente o mesmo de hoje. Dessa forma, baseado somente nas
projeções populacionais, nota-se que os grandes países subdesenvolvidos não-
membros da OCDE deveriam ocupar um papel mais atuante na governança econômica
global.
Em um mundo no qual os Estados Unidos atuam de uma forma tão dominante, torna-
se difícil aceitar que a economia global carregue o título de mundo econômico
multipolar. A China é a quarta maior economia do mundo, logo após os Estados
Unidos, Japão e União Européia. Brasil (sexta economia, logo atrás do Canadá),
México (oitava, logo atrás da Espanha), Índia (nona) e Coréia do Sul (décima)
já são grandes economias, constituindo, além dos três maiores membros da OCDE,
a multipolaridade da economia global.
Todavia, os motivos que demonstram que os grandes países em desenvolvimento
deveriam ter um papel mais atuante da governança global vão além de simples
projeções econômicas e populacionais. No caso da China e da Índia, suas
civilizações remontam milênios, não apenas séculos, como ocorre na América do
Norte. Sua participação seria fortalecida na governança global pela necessidade
de inclusão de diferentes perspectivas culturais. Michael Sullivan, historiador
da arte de Oxford, escreveu, na abertura da nova edição de seu livro The
meeting of Eastern and Western art (1977), "que, atualmente, mais e mais
pessoas têm acreditado que a interação entre as culturas asiática e ocidental é
um dos acontecimentos mais significativos da história mundial desde o
Renascimento." Claramente, um dos maiores desafios para as próximas gerações no
Ocidente e na Ásia está em melhor entender a força de cada um e as
contribuições que podem ser obtidas na nova ordem global. Aproximadamente
metade da população mundial vive na Ásia.
Porém, essa abertura do Ocidente para o Oriente é, apenas, emblemática da ampla
abertura requerida. O mundo tem se tornado cada vez mais multicultural, assim
como multipolar. Enquanto há opiniões no Ocidente de que modernização nada mais
é do que Ocidentalização (ver Huntington, capítulo 3), há consideráveis
evidências de que outras culturas estão definindo suas próprias perspectivas
acerca da modernização. Isso não necessariamente toma a forma de uma variante
ao modernismo Ocidental, mas sim autênticas versões do modernismo, únicas,
distintas e específicas de cada cultura. "Atualmente, artistas nascidos na
Índia, Coréia, Japão, China, Turquia e outras nações latino-americanas estão,
conscientemente, criando estilos que, simultaneamente, honram identidades
culturais particulares ao mesmo tempo em que incorporam tradições Ocidentais"
(McEvilley, p. 19). Assim, como a economia global está se tornando mais
multipolar e a sociedade global mais multicultural, novas versões do modernismo
remetem o movimento em direção ao multimodernismo, para além da prévia
identidade do modernismo com o Ocidente. "Multimodernismo oferece um diferente
enfoque acerca do modernismo, um vez que afirma que nem todas as variáveis do
modernismo são desenvolvidas dentro do paradigma do Ocidente" (Supangkat, p.
78). Isso fica evidente em manifestações artísticas na África, Ásia e América
Latina. Sua autoconsciência acerca das distintas versões do modernismo na arte
está intrinsecamente ligada às idéias de modernização, ao desenvolvimento e seu
papel na agenda global e na comunidade internacional. "O desenvolvimento da
linguagem moderna na arte africana está intimamente conectado à busca pela
identidade da moderna África" (Hassan, p. 224). Essa base cultural para idéias
pluralistas sobre o futuro global fornece modernas e pós-modernas noções de
progresso, proporcionando outras razões para trazer a presença não-Ocidental
para a participação na governança global. "Modernismo é um fenômeno plural e o
pluralismo não nega aspetos universais" (Supangkat, p.77).
II. A agenda política para o fortalecimento da governança econômica global
Partindo desse conjunto de desafios, devemos concluir pela necessidade de uma
grande reforma e reestruturação dos mecanismos de governança global. Trinta
anos de instabilidade financeira crônica podem transparecer inabilidade por
parte das instituições responsáveis em prover os mecanismos necessários de
defesa contra as crises econômicas globais e os desequilíbrios da política
macroeconômica doméstica. As forças da globalização parecem manifestar uma
mudança nos princípios fundamentais que fazem da gerência econômica global algo
extremamente diferente da gerência da interdependência em um mundo econômico
composto por economias nacionais relativamente autônomas. A inter-relação entre
as forças e os fatores, vistos outrora como distintos, parecem sugerir a
necessidade de uma completa mudança nas instituições internacionais, lidando
com a nova economia global e trazendo os novos desafios para os grupos de
discussão, integrando todos os elementos em um enfoque mais abrangente para a
orientação do sistema. O contínuo flagelo da enorme pobreza global e o baixo
crescimento de muitos países pobres, apesar das novas forças da globalização,
indicam a necessidade de novas e mais intensivas abordagens dos problemas. A
necessidade de incorporar as vozes da maioria global no sistema internacional
deve ser vista como a necessidade de reformulação das estruturas de governança
das instituições existentes.
A defesa de uma ampla reforma, de novos mecanismos e de reformulações nas
instituições apresenta a virtude de fornecer uma interessante nova agenda que
se encaixe na nova era global. Todavia, não necessariamente será preciso uma
reestruturação radical. De fato, algumas atitudes poderão ser tomadas no
sistema atual no intuito de melhorar, significativamente, a governança
econômica global, sem que haja, no entanto, perturbações em função da
reestruturação. Apesar da importância dos desafios, o sistema internacional vem
amadurecendo e se desenvolvendo, assim como a natureza dos problemas tem
mudado. Seria apropriado que as instituições internacionais e os mecanismos de
governança se desenvolvam e mudem à medida que as circunstâncias necessitem,
evitando, assim, descontinuidades.
Mais importante, o princípio fundamental para a governança global está no fato
de que os governos nacionais devem ser o centro de autoridade e não as
instituições internacionais. As instituições financeiras e econômicas
internacionais são instituições que requerem associação. Governos nacionais são
as unidades fundamentais de soberania, arrecadação e contabilidade pública,
sendo também responsáveis pelas instituições internacionais. Recomendações
acerca do fortalecimento do sistema de governança econômica global para a
construção da comunidade internacional devem ter como base os governos
nacionais, sendo necessárias coalizões entre eles.
Partindo do princípio fundamental de que os governos nacionais devem servir de
base para a construção do novo sistema de governança global, há várias maneiras
de fortalecer os mecanismos e as instituições já existentes.
a) A nova agenda para o período de interfase
Primeiramente, há necessidade de concentrar atenção política no comércio
internacional, nas finanças, no desenvolvimento e na redução da pobreza durante
o período de reestruturação. Isso traduz a necessidade de concentrar atenção na
inter-relação entre as principais instituições responsáveis por esses temas e
as interações, sinergias e complementaridades entre eles. Essa necessidade é
guiada pelos princípios da natureza da globalização. Tal recomendação contrasta
com os recentes apelos em estabelecer a clara divisão de trabalho entre as
instituições, remetendo-as às suas funções originais, rejeitando assim as
intromissões.
A maneira de se implementar essa agenda está na distinção entre as instituições
internacionais de primeiro e segundo escalão. As de primeiro são claras: o FMI
é responsável, principalmente, pelas finanças; o Banco Mundial pelo
desenvolvimento e redução da pobreza; e a OMC pelo comércio internacional.
Essas funções proporcionam a cada uma das instituições uma clara liderança em
cada um dos principais assuntos internacionais. A responsabilidade em prover a
direção estratégica para o sistema internacional como um todo cabe aos líderes
dos governos nacionais. Sugere-se que, a partir dos atuais mecanismos de
governança global, os líderes nacionais dêem enfoque prioritário aos assuntos
sistêmicos, à inter-relação e aos papéis relativos das instituições
internacionais.
Os mecanismos por meio dos quais os conselhos podem ser elaborados e
representados são: Comitê Monetário e Financeiro Internacional (CMFI), que
aconselha o FMI; Comitê para o Desenvolvimento (CD), que aconselha o Banco
Mundial; e o Grupo dos 20, que prepara a posição dos grandes países tanto no
CMFI e no CD para as reuniões semestrais. A vantagem de trabalhar por meio
dessas organizações está no fato de que o G-20 é, basicamente, formado por
forças globais multipolares, e o CMFI e o CD são encravados na estrutura
governamental do FMI e do Banco Mundial, tendo fortes ligações com a OMC e
outras instituições internacionais relevantes.
O G-20 é formado por onze países não-membros da OCDE: Argentina, Brasil, China,
Índia, Indonésia, Coréia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul e
Turquia; e oito países membros da OCDE: Austrália, Canadá, França, Alemanha,
Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos (e o presidente da União Européia
quando não é proveniente de um dos quatro países membros da OCDE). Essa
representação do mundo em desenvolvimento engloba as principais economias de
fora da OCDE, assim como importantes civilizações, com três países islâmicos,
cinco países asiáticos, três nações latino-americanas e um país africano.
Acrescenta-se o fato de que, além do enfoque do G-20 em temas sobre a
instabilidade financeira internacional, a instituição é também conhecida por
atuar além de suas responsabilidades, obtendo maior autonomia que as demais
instituições internacionais.
A principal responsabilidade desse grupo de vinte representantes está na
formação de liderança e orientação em uma forma mais responsável e energética
para as principais peças do sistema internacional, o FMI, o Banco Mundial e a
OMC em primeiro plano, e outras organizações internacionais caso seja
necessário, como ONU, OMS, Unesco, Pnuma (Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente), Fundo Global para o Meio Ambiente, Fundo das Nações Unidas para
a Aids/HIV, OCDE, e outras. A vantagem desse processo encontra-se no fato de
que os governos nacionais estariam trabalhando uns com os outros as principais
responsabilidades dentro do sistema internacional, ao invés de deixá-las a
cargo dos antigos administradores das instituições internacionais, visto que a
responsabilidade não lhes recai. Nenhuma burocracia das instituições
internacionais tem a autoridade de ordenar os temas da agenda internacional de
relativa importância, nem mesmo o Secretário Geral das Nações Unidas. Esses
tópicos também não devem ser deixados à mercê das pressões competitivas entre
as instituições enquanto elas lutam para cumprir suas obrigações e estabelecer
suas funções, nem serem considerados como de exclusividade do G-7 (Canadá,
França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos ) como vem
ocorrendo. Esse grupo não é suficientemente representativo para estabelecer um
consenso global.
Duas sugestões acompanham essa recomendação. Primeiramente, poderia ser
apropriado que o G-20, levando em conta sua importância global, reunisse todos
os chefes de Estado dos países membros, algo que nunca ocorreu. Isso
proporcionaria visibilidade e validade política para o papel de liderança
global que esses vinte países deveriam ter na nova economia global e no mundo
do futuro. Reuniões em nível governamental do grupo representariam para o mundo
a necessidade de uma participação plural na governança global, uma vez que
falta tal perspectiva ao G-7 devido à sua visão deturpada de riqueza do
Atlântico Norte. Tal atitude contribuiria para a reestruturação da legitimidade
das principais instituições internacionais pelo fato de os governos nacionais
serem os responsáveis diretos por elas.
Acrescenta-se a necessidade de um esforço mais explícito no melhoramento da
comunicação, da visibilidade e das relações públicas do G-20, do CMFI e do DC,
divulgando para o mundo o importante papel que eles representam. Uma forma de
se realizar isso estaria na abertura das reuniões, ou algum momento de uma
reunião específica, para a mídia. Maior destaque nos participantes individuais
e suas preocupações e prioridades acrescentaria interesse por parte da
sociedade às reuniões. Perspectivas conflituosas deveriam ser divulgadas ao
invés de camufladas, revelando a realidade da governança global e impedindo a
criação de uma virtual tranqüilidade como é mostrado nos atuais discursos sobre
o desenvolvimento.
b) O papel do parlamento
Em segundo lugar, um importante elemento que falta à governança econômica
global é a atuação dos parlamentos. Na grande maioria dos governos nacionais, a
autoridade de arrecadação tributária recai sobre os parlamentos, tornando-os
muitas vezes mais próximos da população, no sentido contábil, que muitos órgãos
do executivo apontados como os principais líderes do Estado. Entretanto, os
parlamentos ao redor do mundo não têm se engajado nos temas de política externa
da forma como se engajam com os assuntos domésticos. Em um mundo globalizado no
qual a distinção entre política externa e política interna tem se reduzido,
torna-se necessária a reformulação da forma de atuação dos parlamentos na
governança interna e externa. Tal fato pode ser verdadeiro para todos os
países, mais especificamente para aqueles em desenvolvimento.
Inicialmente, os parlamentos dos países em desenvolvimento poderiam expandir
sua atuação no processo orçamentário nacional e priorizar a forma de como se
daria sua alocação dentro das nações. O Documento de Estratégia de Luta contra
a Pobreza estimula os países de baixa renda e a participação mundial no alcance
das Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs) em todos os países em
desenvolvimento até o ano de 2015, fornecendo, assim, meios para que o
parlamento, em sua atuação política e orçamentária, expanda seu papel na
mediação entre as prioridades nacionais e os temas da agenda global. Esse
esforço claramente expandiria e divulgaria a atuação dos parlamentos na
governança global, sendo, todavia, importante respeitar a posição de seu
governo nacional dentro do sistema internacional e o papel das instituições
internacionais na governança global. A inclusão de parlamentares nas delegações
governamentais durante as reuniões semestrais do CMFI e do Comitê para o
Desenvolvimento fomentaria o engajamento dos parlamentos na governança
econômica global. Caso isso venha a ocorrer, reuniões paralelas dos
parlamentares do G-20 poderiam ser úteis no incremento da comunicação, do
entendimento, da participação, da visibilidade e da legitimidade da governança
global.
Durante uma reunião de 120 parlamentares provenientes de 50 países (nenhum
deles dos Estados Unidos ) em Berna, Suíça, em maio de 2002, o Presidente do
Banco Mundial falou que todos são "parlamentares de um único planeta",
confirmando, por meio dessa declaração, a nova realidade global. A globalização
tem transformado tanto o modo de fazer negócios como também sua forma.
Parlamentares com uma perspectiva global são peças-chave na ligação entre o
local e o nacional com o global, sendo responsáveis em interpretar e mediar as
diferentes visões de mundo para sua audiência. Eles são elos políticos em
potencial, que podem dar sentido às diferentes forças que atualmente moldam o
mundo para a sociedade, sendo interessante utilizar os mais diversos foros e
assembléias no intuito de lhes dar voz e reconhecimento na governança global.
c) Mercados emergentes e estabilidade global.
A evolução da economia global trouxe consigo, a partir de 1973, o aparecimento
dos mercados emergentes (MEs). Países em desenvolvimento de renda mediana têm
alcançado taxas de crescimento acima da média e, simultaneamente, vêm se
integrando à economia mundial por meio do comércio e das finanças de uma forma
que, tanto eles como a economia internacional têm se transformado. O FMI e o
Banco Mundial têm sido serviçais dessas transformações. "Entre 1993 e 1999,
onze países (China 12%, Argentina 10%, Rússia 9%, México 7%, Indonésia 7%,
Coréia 6%, Índia 4%, Tailândia 3%, Filipinas 2%) receberam 70% de todo auxílio
fornecido pelo Bird". Como conseqüência desse desenvolvimento, as instituições
financeiras internacionais se tornaram importantes para os mercados emergentes
e vice-versa. Assim, a economia multipolar mundial foi trazida a esse estágio
como resultado dessas transformações.
Pode-se afirmar que o papel das instituições financeiras internacionais, assim
como o dos MEs, não se restringe apenas ao setor financeiro, visto que as
instituições, especialmente o Banco Mundial e o FMI, tornaram-se importantes
atores no diálogo com os governos dos MEs acerca da reforma política e da
governança global. A segunda reunião anual dos Ministros das Finanças dos MEs
tornou-se uma forma de exercer liderança nas conversações sobre a governança
econômica. Essas oportunidades de diálogo político foram muito importantes ao
longo da década de 1990, como no caso da crise do México em 1994, da crise
financeira asiática em 1997-1998, da crise da Rússia em 1998 e da crise do
Brasil em 1999. Por todos esses motivos, os MEs tornaram-se atores vitais na
evolução da economia global e na manutenção da estabilidade financeira global.
O importante papel dos MEs e os subseqüentes desequilíbrios e choques
característicos da economia global tornam necessária uma expressiva expansão da
atuação dessas economias na governança econômica global.
Além disso, com o incremento das relações financeiras entre as instituições
internacionais e os MEs, essas economias passaram e ter uma maior participação
nas políticas dessas instituições e na utilização de seus recursos. O contínuo
pagamento de juros transformou-se em uma importante fonte de renda às
instituições financeiras internacionais. Juntando todos os bancos multilaterais
de desenvolvimento (o Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento),
foi estimado que, no ano 2000, trinta por cento do todos os recursos desses
bancos foram provenientes de pagamentos de juros por parte dos grandes
devedores. De acordo com a Comissão sobre o Papel dos Bancos Multilaterais de
Desenvolvimento nos Mercados Emergentes, a grande participação na origem dos
recursos dos bancos multilaterais legitima a expansão da governança nas
instituições financeiras internacionais por parte dos MEs. Eles entendem que
deveriam ter maior voz na alocação dos recursos provenientes do pagamento de
juros por eles efetuado.
d) Redução da pobreza global como high policy
A Cúpula de Financiamento do Desenvolvimento da ONU em Monterrey, México, em
março de 2002, representou a chegada ao consenso, após doze anos, sobre os
objetivos a serem atingidos até o ano 2015 (Bradford, 2002a). Esses objetivos,
redução da pobreza, igualdade entre os sexos, saúde, educação e meio ambiente,
foram incorporados às Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs), uma vez que
haviam sido estabelecidos em uma reunião anterior dos governos dos países
membros e não-membros da OCDE. Isso dá consistência às raízes da nova
governança global a partir da decisão das autoridades nacionais. As MDMs não
foram estabelecidas pela ONU; mas sim, por governos nacionais em várias
reuniões de líderes de Estado. A importância da cúpula deve-se não apenas à
incorporação ao "consenso de Monterrey" das MDMs estabelecidas na Cúpula do
Milênio da Assembléia Geral da ONU em setembro de 2000, mas também à expansão
do consenso com a inclusão da participação dos objetivos para os membros da
OCDE. Os doze anos que foram tomados para se alcançar o consenso forneceram
ímpeto à mobilização política e dos recursos em favor do alcance das MDMs até o
ano 2015 (Bradford, 2002b). Tal fato destacou e priorizou a busca pela redução
da pobreza global em quinze anos de cooperação para o desenvolvimento.
Apesar de o foco estar nos países pobres, a maioria da população pobre vive em
países que apresentam renda média, como em alguns países da OCDE, que também
apresentam pessoas vivendo em pobreza e têm interesse e responsabilidade pela
saúde global, educação e pelas condições do meio ambiente. O papel dos países
desenvolvidos e dos em desenvolvimento do G-20 na atuação em favor das MDMs é
vital para sua concretização. O Comitê de Desenvolvimento já vem atuando de
forma a acelerar o alcance do ensino básico universal ' objetivo número dois
das MDMs.
Com a entrada da comunidade internacional na fase de implementação do consenso
de Monterrey, o engajamento da população e dos parlamentos, da sociedade civil
e do setor privado, dos políticos e dos formadores de opinião, será fundamental
na mobilização do esforço mundial para o alcance das MDMs antes de 2015. Isso
requer vontade política, como a necessidade de atuação do G-20 na manutenção do
ímpeto e da prioridade aos objetivos de 2015. As MDMs têm se tornado o foco de
unificação, de coordenação e de operacionalização da atuação do Banco Mundial,
do FMI, da ONU e da OCDE, assim como de outras agências nacionais e
internacionais. Chegou o momento de os governos nacionais darem sua
contribuição, induzindo ações específicas que gerem recursos e políticas
necessárias. Ao indicar o ex-Ministro holandês de cooperação e desenvolvimento
Eveline Herfkins para encabeçar a Campanha do Milênio, o Secretário Geral da
ONU, Kofi Annan, criou forte estímulo nesse sentido. A mobilização de auxílios
na forma de recursos e atuação política é fundamental não apenas em função dos
objetivos de 2015, mas também da reestruturação da credibilidade e da
legitimidade das instituições internacionais como símbolos da economia global,
percebida por muitos como símbolo de incremento de crescentes desigualdades
globais.
"Para todos aqueles que têm, mais lhes será dado, e eles terão em abundância;
mas para aqueles que nada têm, mesmo o que lhes pertence será tomado" (Mateus
5:29). Um sermão de Washington, em novembro de 2002, poderia ter sido proferido
em qualquer lugar, refletindo que "isso não deve ser encarado como um aval da
atual ortodoxia na qual os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres".
Essa posição ortodoxa não deve imperar, demonstrando que a economia global pode
gerar tanto justiça como riqueza para todos.
e) Pluralismo e receitas políticas
Finalmente, talvez nenhum outro assunto tenha intrigado tanto as três maiores
instituições internacionais ' Banco Mundial, FMI e OMC ' nos debates acerca da
globalização do que a percepção de versatilidade para a estabilidade
financeira, desenvolvimento e liberalização de mercado no mundo em
desenvolvimento e nos MEs. Todavia, tal percepção é exagerada. O Documento de
Estratégia de Luta contra a Pobreza reverte o papel dos governos e das
instituições internacionais no processo de definição da assistência externa,
pois dá aos governos a iniciativa na determinação das prioridades e das
políticas a serem, mais tarde, revisadas pelas instituições, ao invés do
contrário, como ocorreu no passado. Entretanto, há também alguma verdade na
percepção da necessidade, entre outras coisas, de existirem padrões
relativamente uniformes no tratamento das nações pelas organizações
internacionais.
Recentes experiências de desenvolvimento levaram à firme convicção de que o
"controle" das estratégias de desenvolvimento é fundamental na aceleração do
crescimento econômico. Isso sugere a necessidade por parte dos países de criar
seu próprio caminho em direção às políticas de desenvolvimento, adequando-as às
circunstancias históricas, aos valores, às prioridades, às instituições e à
cultura. A partir desse histórico e das ondas de expressões artísticas em
países não-Ocidentais rumo às suas próprias versões de modernismo, dar maior
importância e poder aos países do G-20 na governança global é uma forma de
introduzir o pluralismo cultural no processo de chegada ao consenso político e
econômico. Em um mundo que pulará de seis para nove bilhões de habitantes, a
diversidade de acordos institucionais, de estratégias de desenvolvimento, de
modalidades de governança e de políticas econômicas precisa ser posta em marcha
como forma de facilitar essa transição demográfica. É fundamental que a
modernização não seja confundida com a Ocidentalização no mundo não-Ocidental,
onde, aliás, se dá o maior crescimento populacional. O desafio do Ocidente está
na acomodação das visões pluralistas do modernismo não apenas no meio
artístico, mas também na formulação da política econômica e de governança. As
diretrizes do "Consenso de Washington" acerca da política econômica são
obsoletas em uma era de mundo multipolar, multicultural e multimodernista
(Commission, 2001b). A expansão do papel e da presença dos governos dos grandes
países não-membros da OCDE na governança econômica global é uma forma de
assegurar uma maior participação do pluralismo nas políticas das mais
importantes instituições internacionais, substituindo o internacionalismo do
Atlântico Norte pelo multilateralismo global.