A síntese imperfeita: articulação entre política externa e política de defesa
na era Cardoso
Introdução
O presente artigo tem por fundamento a dissertação de mestrado defendida pelo
autor, em dezembro de 2002, junto ao Departamento de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB). O título do trabalho apresentado à UnB, "A
síntese imperfeita: articulação entre política externa e política de defesa na
Era Cardoso (1995-2002)", pretendeu dar conta de uma questão central: como se
processaria a articulação entre a política externa e a política de defesa
durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC) a partir da análise de dois
episódios específicos e inter-relacionados - a formulação da Política de Defesa
Nacional (PDN), em 1996, e a criação do Ministério da Defesa (MD), em 1999. Por
corresponder ao que de mais significativo ocorreu em termos de modificações do
arcabouço institucional relacionado ao setor de defesa e por suas claras
implicações para a interface diplomacia-forças armadas, optou-se por realizar
um estudo de caso sobre o processo de delineamento da PDN e de suas
repercussões para a posterior implantação do MD. Em vista das limitações de
espaço, este artigo abordará de maneira muito pontual a inter-relação entre a
publicação da PDN e a constituição do MD.
Ainda que os processos de formulação da PDN e do MD tenham ambos contado com a
participação de diplomatas e militares, faz-se necessário um esclarecimento: a
publicação da PDN e a criação do MD representaram acontecimentos interligados.
Contudo, mesmo que se suponha que uma política necessite de um agente capaz de
implementá-la, há uma distinção entre os exercícios que deram origem à primeira
e ao último no que tange à articulação entre política externa e de defesa.
Enquanto a PDN implicava necessariamente uma avaliação do quadro político-
estratégico internacional à luz dos objetivos de política externa brasileiros,
o MD suscitava o estabelecimento de novas formas de coordenação (diálogo
unificado) entre o Itamaraty e as forças singulares. Embora tanto um quanto o
outro constituam exemplos de processos em que algum tipo de interação entre as
duas políticas teria forçosamente que se processar, não se pôde abordar os dois
de forma idêntica. Prioridade foi atribuída à análise da PDN em face de sua
natureza, uma vez que se pretendeu determinar os padrões de articulação
existentes a partir do ponto de vista da instrumentalidade da política de
defesa para a política externa.
Algumas palavras sobre conceitos
Conceitos all-encompassingcomo os de segurança, poder, democracia etc., são
extremamente difíceis de abordar em função de sua infinita complexidade. Esse
fato, no entanto, não pode desestimular o analista. Acredita-se, portanto, que
uma das mais importantes contribuições recentes à discussão sobre segurança
tenha sido dada por Barry Buzan et al.1 Os mencionados autores procuraram
elaborar uma moldura conceitual capaz de romper com a dicotomia existente, na
literatura anglo-saxã, entre os Traditional Security Studies (TSS) e os
Critical Security Studies (CSS). Fundamentalmente, argumentam que não é
possível determinar de maneira objetiva o que seria uma ameaça a um objeto
referente da segurança - seja ele um indivíduo, um Estado ou qualquer outro.
Adotando uma posição radicalmente construtivista, supõem que a percepção de
ameaça ocorre por meio da relação intersubjetiva entre atores "securitizadores"
e o público-alvo do ato de fala que enuncia a tentativa de securitização (essa,
uma vez efetivada, corresponderia à elevação, acima dos constrangimentos
procedimentais inerentes ao tratamento político de um problema coletivo em
poliarquias institucionalizadas, das ações adotadas para debelar a ameaça à
existência de um determinado objeto referente da segurança). Ademais, Buzan et
al. estendem a abrangência da aplicação do conceito de segurança para além do
tradicional domínio militar, incorporando também os setores econômico,
político, ecológico e societal.
A partir das ferramentas conceituais fornecidas pela definição acima citada,
torna-se necessário dar um passo adicional e imprescindível: se se aceita que
os processos de securitização são intersubjetivamente determinados - não
havendo metodologias eficazes para a determinação objetiva de ameaças a objetos
referentes da segurança, qual é o limiar que permite estabelecer a distinção
entre um processo de securitização bem sucedido e outro que se encontra em vias
de se concretizar - e que talvez não venha a sê-lo? O aparato conceitual
mencionado não dá conta satisfatória desse problema. Permanece a questão sobre
onde se deve estabelecer a cut-off line para a separação daquilo que é
securitizado daquilo que não é. No caso brasileiro, a aplicação da idéia de
securitização tal como formulada por Buzan et al., a despeito de suas
deficiências, tem a vantagem de livrar o estudioso da camisa de força
representada pela perspectiva objetivista e funcionalista da Escola Superior de
Guerra (ESG) sobre segurança. Nessa linha, considera-se que é possível analisar
a problemática de defesa no Brasil a partir do arcabouço conceitual delineado
por Barry Buzan e seus colaboradores.
Ora, se as ameaças à segurança podem ser encaradas como um construto cujo
conteúdo será determinado por meio de processos de securitização específicos,
como considerar o conceito de defesa? Seguindo a posição aqui adotada, deduz-se
logicamente que a defesa não é senão um dos setores em que a segurança pode ser
subdividida para fins analíticos. Assim, a defesa é o que se poderia denominar
de segurança militar externa, pois não se pode negar o fato de que as forças
armadas, na condição de burocracias especializadas na utilização racionalizada
dos meios de coerção, possuem, na maior parte dos países, e também no Brasil,
funções concernentes à segurança interna - manutenção da lei e da ordem, por
exemplo. Em conseqüência, uma política de defesa deve ser encarada como uma
política pública responsável por regular não somente a estruturação das forças
armadas como instrumentos do poder político nacional, mas, sobretudo, garantir
que o poder militar gerado por estas estruturas (Marinha, Exército e
Aeronáutica) seja capaz de equilibrar as relações de força existentes entre os
Estados no plano internacional. Decorre desse fato primordial a conexão entre a
política externa e a política de defesa.
O mundo, a América do Sul e o Brasil: os limites das políticas externa e de
defesa da era Cardoso
É possível estabelecer três linhas de força da política externa ao longo dos
anos 1990: a afirmação da dinâmica democrática brasileira e de seus
desdobramentos no plano internacional (e vice-versa, ou seja, a influência do
contexto externo sobre o processo político local); a tentativa de inserção
competitiva do Brasil na economia mundial por meio da assimilação da lógica do
livre mercado como elemento propulsor do desenvolvimento nacional; e a
reiteração da compatibilidade entre os valores esposados pelos brasileiros e os
pressupostos de uma ética cosmopolita relacionada ao respeito aos direitos
humanos, à preservação do meio ambiente, o combate ao crime transnacional,
entre outros. Poder-se-iam resumir as três linhas mencionadas em conceitos-
síntese, que seriam os seguintes: Democracia, Mercado e Direitos Humanos (a
divisão mencionada justifica-se na medida em que se possui como objetivo
representar as esferas política, econômica e valorativa respectivamente). É
evidente que esses conceitos, por sua generalidade, não explicam nem abarcam
todas as dimensões da política externa. São úteis, contudo, para delinear o
sentido geral das políticas adotadas.
Com maior ou menor ênfase em alguma das dimensões expressas pelos conceitos-
síntese, modulações aqui ou acolá, a política externa brasileira não sofre
rupturas significativas ao longo do período que se inicia com a presidência de
Fernando Collor e estende-se à gestão de Fernando Henrique Cardoso. A
inexistência de rupturas importantes não elide o fato de que houve modulações
ao longo dos três governos cujos mandatos correspondem à década de 1990 e ao
início da primeira década do século XXI. Nesse sentido, acredita-se ser
possível apontar uma leve inflexão do discurso diplomático brasileiro dentro da
própria presidência FHC, ainda que não admitida ou alardeada. Pode-se dividir a
gestão FHC em dois períodos no que se refere à política externa. Esses
corresponderiam, grosso modo, aos dois mandatos presidenciais: 1995-1999 e
1999-2002. A hipótese aqui formulada é de que houve uma mudança na percepção do
caráter do processo de globalização, sobretudo a partir do fracasso da
Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em Seattle. Desse
momento em diante, a diplomacia brasileira passa a ter uma posição mais
assertiva no tocante à crítica do modelo vigente de estruturação da economia
internacional. A percepção da injustiça representada pelas normas da OMC,
tendencialmente favorável às nações ricas, e pelo protecionismo dos países
centrais, especialmente no que se refere ao mercado de produtos agrícolas,
teria motivado o início da inflexão mencionada.
Não foi somente a impossibilidade de se lançar uma nova rodada de liberalização
comercial em Seattle que motivou a inflexão do discurso. Contribuiu para isso
toda a série de crises financeiras pelas quais passaram os países "emergentes"
a partir de 1997. A crise da Tailândia, seguida das crises da Ásia, da Rússia
e, finalmente, do Brasil, em 1998/1999, demonstraram a fragilidade dessas
economias diante dos efeitos potencialmente explosivos do capital financeiro
internacional. Pode-se supor, ainda, que, no plano político, o crescente
esvaziamento da Organização das Nações Unidas (ONU) patrocinado pelos norte-
americanos (ou a substituição das ações concertadas no âmbito do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) pelo consentimento plurilateral restrito da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) - no caso do conflito da
Bósnia), a não-ratificação pelo senado dos Estados Unidos do CTBT (Tratado para
o Banimento Total de Testes Nucleares), a acomodação, pelas grandes potências,
das explosões de artefatos nucleares por parte de Índia e Paquistão, entre
outros eventos, teriam introduzido uma nota de cautela em relação à
possibilidade de que estivesse havendo uma modificação estrutural do sistema
internacional tão profunda a ponto de diminuir as clivagens e as assimetrias
existentes entre os havee have nots. Finalmente, a modulação de discurso
percebida na transição do primeiro para o segundo mandato também pode ter sido
influenciada pelo fato de que Cardoso não poderia mais ser reeleito. Tratava-
se, nessa linha, de incorporar discretamente críticas da oposição no discurso
da política externa como forma de anular, pela absorção, a validade da retórica
oposicionista - sobretudo aquela propalada pela esquerda.
É em contextos doméstico e internacional complexos, em que o nível de incerteza
se sobrepõe claramente ao já conhecido e mapeado, que transitará a política
externa de Fernando Henrique Cardoso. Apesar disso, cabe mencionar que, em
poucas ocasiões na história republicana, um Presidente possuiu tantas
credenciais para o exercício efetivo de formulação da política externa. Embora
Sérgio Danese mencione o fato de que foi o Itamaraty o responsável pela
elaboração do conceito de diplomacia presidencial, não há dúvida de que o
perfil do primeiro mandatário foi determinante para que se pudesse deslanchar
um intenso programa de visitas ao exterior a partir de sua posse.2 Os objetivos
centrais da mencionada iniciativa eram os de garantir uma adequada avaliação do
Brasil, a partir do advento do Plano Real, por parte de seus principais
parceiros - sobretudo com base na necessidade de atração de investimentos e
capitais - bem como o de elevar o nível de interlocução do País com as
lideranças das nações visitadas. Em suma, a partir de 1995, o Brasil passou a
contar com um primeiro mandatário claramente consciente da importância da
política externa para seu projeto de governo e interessado em traçá-la
pessoalmente.
Democracia, Mercado, Direitos Humanos
O conceito de democracia expresso de forma incisiva no discurso da diplomacia
brasileira ao longo da gestão Cardoso não se confunde com qualquer concepção
teórica específica. Dessa forma, deve-se procurar definir o escopo de sua
utilização no plano declaratório da política externa. Em primeiro lugar, é
preciso admitir que o grau de generalidade com que foi utilizado dá margem a
inúmeras interpretações. Análise mais detida parece indicar, contudo, que o
conceito de democracia, tal como foi enunciado, possuía dupla função: descrever
uma realidade doméstica e enfatizar a compatibilidade entre essa realidade e os
standardsde organização política prevalecentes nos países desenvolvidos do
Ocidente. A reiteração da democracia teve como fulcro as idéias de valores
compartilhados e de afirmação da identidade existente entre o Brasil e os
membros do mundo democrático. Apesar da retórica prudente, característica da
diplomacia brasileira3, acreditava-se cautelosamente que o processo histórico
em marcha apontava para a transformação qualitativa do mundo. Supunha-se que
essa permitiria aos países em desenvolvimento maior participação nos diversos
tabuleiros onde se desenrolavam as relações internacionais.
Seria incorreto, apesar do acima exposto, alegar que os formuladores da
política externa teriam se deixado seduzir, ingenuamente, pela esperança de uma
nova ordem mundial estável, livre de assimetrias de poder e mais favorável aos
países de menor peso relativo. A ênfase do discurso diplomático de Cardoso na
possibilidade de um sistema internacional mais democrático possuía, portanto,
importante conteúdo retórico (tático). Tratava-se, assim, de reforçar um
conceito difuso de democracia como a causa/conseqüência de um mundo tendente à
diminuição dos desequilíbrios que historicamente o caracterizaram. O Brasil,
como país onde a liberdade política se consolidara, teria uma contribuição a
dar nesse sentido, incrementando seu capital de legitimidade ao defender o
vínculo entre a democracia e um processo decisório menos concentrado no plano
internacional.
Se a tradição de prudência e realismo da política externa brasileira não
permitiu que se adotasse uma perspectiva transformacionista do mundo 4, pode-se
observar, contudo, uma tendência muito forte, no primeiro mandato de Cardoso, a
retratar a processo de globalização como algo inevitável, irreversível, que
impunha enormes restrições à capacidade de atuação do Estado. Nessa linha, é
preciso enfatizar a existência de flutuações, até mesmo de certa ambigüidade,
no que se refere à avaliação da margem de manobra do País no contexto de um
mundo cada vez mais complexo. Embora o Presidente tenha criticado, em diversas
ocasiões, a ausência de regras que permitissem aos Estados nacionais controlar,
por exemplo, os efeitos potencialmente devastadores dos fluxos internacionais
de capitais, parece lícito argumentar pela existência, em seu primeiro mandato,
de um alto grau de cautela em relação ao aumento do perfil da crítica aos
efeitos perversos da globalização. Partia-se da constatação de que os novos
meios de transporte e comunicação mudaram a lógica de organização produtiva, o
que permitia a dispersão das cadeias de manufaturas por vários pontos do
planeta onde houvesse um ambiente amigável ao investimento. Avaliava-se,
igualmente, que, ao menos no horizonte previsível, a preponderância (ou mesmo
hegemonia) americana constituiria fator estruturador do sistema internacional,
assim como a força homogeneizadora dos valores exportados pelos Estados Unidos:
democracia, livre mercado, direitos humanos. Esses valores seriam
crescentemente aceitos e adotados em escala global, restando aos recalcitrantes
a marginalidade.
Gélson Fonseca Jr., por exemplo, avaliava como correta a idéia de que o mais
convincente quadro explicativo das relações internacionais do período em tela
seria aquele que identificava a existência de um sistema de concerto entre as
grandes potências. Ao contrário do concerto europeu do século XIX, composto por
um grupo de países com recursos de poder semelhantes, o atual singularizar-se-
ia pela gravitação de várias potências secundárias em torno dos Estados
Unidos.5 A preponderância de valores compartilhados e a inexistência de
divergências fundamentais entre os principais atores fariam com que o concerto
permitisse uma melhor administração da ordem mundial ao estabelecer regimes
universais capazes de dar conta das questões que, por seu caráter sistêmico,
não poderiam ser adequadamente resolvidas por nenhum país isoladamente. Resulta
evidente a pergunta: se se está falando em um sistema de concerto, como
ocorreria no plano concreto a formulação dos regimes e qual o seu sentido? Na
linha do que parece ser a percepção dominante da diplomacia de Cardoso, durante
seu primeiro mandato, acreditava-se na possibilidade de que a formulação dos
regimes internacionais fosse franqueada a um maior número de países e de que
seu sentido seria o da inclusão (da "democratização"), uma vez que a
legitimidade estaria condicionada ao multilateralismo.
O desdobramento lógico dessa avaliação era a necessidade de adequação do País
ao mainstreaminternacional (aos regimes das mais diversas naturezas, em
especial) como requisito essencial para participar do jogo. Percebe-se que os
custos da não-adequação seriam altos demais e que prejudicariam a pretensão
brasileira de ver aumentado o seu espaço de proposição nos debates que levavam
à construção da ordem internacional. A exaltação dos valores democráticos
aparece nesse quadrante alinhada ao rumo supostamente escolhido pela sociedade
brasileira quanto a seu sistema político e inserção externa. Além da percepção
sobre as tendências prevalecentes no plano mundial, a avaliação dos atributos
domésticos contribuiu decisivamente para a conformação da política externa de
Cardoso. Um dos principais fatores que determinaram o impulso em direção à
busca de "autonomia pela participação" foi a constatação de que o País não mais
teria condições de arcar com os custos de transgressão dos regimes e tampouco
capacidade de aspirar à construção da potência.6
Tratava-se, então, de priorizar a economia em detrimento da política. E foi
exatamente isso que aconteceu, sobretudo, na primeira gestão Cardoso. A
integração regional, traduzida pelo projeto do Mercosul, tornar-se-ia, nas
palavras de um analista, o alfa e o ômega da política externa brasileira.7
Nessa linha, clara foi a tendência à adoção de uma não-explicitada identidade
entre concessões no plano político internacional e supostos benefícios na
esfera econômica. Ora, não é possível identificar, por exemplo, onde a alegada
transferência de tecnologia decorrente da adesão brasileira a, praticamente,
todos os regimes internacionais de não-proliferação teria se processado. Da
mesma forma, difícil é admitir como a simples reiteração da relativa identidade
de valores do Brasil, na condição de membro de um "outro Ocidente", com o eixo
euro-atlântico fosse capaz de minimizar as acentuadas discrepâncias de
interesses relacionados à posição estrutural ocupada por países desenvolvidos e
em desenvolvimento na divisão internacional do trabalho e do poder.
Finalmente, supõe-se aqui que a já mencionada modulação percebida no plano
declaratório da política externa brasileira, no segundo mandato de Cardoso, não
tem correspondência em uma mudança de rumo acentuada no plano empírico. A
fragilidade do Brasil no campo econômico, a permanência da agenda negativa na
área social, a elevação dos temas de segurança à condição de prioridade
internacional número um impulsionada pelos Estados Unidos, entre outros
fatores, tornaram mais difícil traduzir em ações efetivas a postura
internacional mais crítica assumida pelo País a partir de 1999.
A dimensão da segurança internacional
No que se refere ao sistema internacional de segurança, uma série de fenômenos
inter-relacionados se produziram ao longo da era Cardoso: o fortalecimento
simultâneo da globalização e da regionalização dos arranjos de segurança
coletiva, a aceleração do avanço tecnológico verificado no setor de armamentos
- com o decorrente aumento do hiato tecnológico entre os países desenvolvidos
(os Estados Unidos, em especial) e os países em desenvolvimento - bem como o
fortalecimento dos regimes de não-proliferação de armas de destruição em
massa.8 Alguns analistas chegaram a formular a tese de que, cada vez mais,
consolidava-se o que qualificaram como uma "bifurcação estrutural" no mundo.9
De um lado, o norte próspero e democrático, vivendo em uma comunidade de
segurança pluralista (onde o recurso à guerra seria impensável entre seus
membros), e o sul pobre e violento, onde a guerra seria recorrente e
disseminada. Os Estados Unidos exerceriam sua hegemonia incontestável no plano
militar e escolheriam, à sua discrição, intervir onde quer que fosse de acordo
com o interesse nacional norte-americano.
No plano regional, a predominância da democracia em todo o subcontinente sul-
americano, os processos de aproximação comercial, a identidade de valores
(incluindo a tradição jurisdicista da região), a sombra da superpotência no
hemisfério, a baixa capacidade de projeção de poder (mesmo do Brasil), entre
outros fatores, reforçariam a tese de que a América do Sul constituiria uma
zona de paz ou, ao menos, uma zona sem guerras.10 No plano doméstico, a severa
crise fiscal do Estado, a ausência de percepções de ameaça externa clássica
(estatal), a prioridade atribuída a programas sociais, a generalizada falta de
conhecimento sobre a instrumentalidade do poder militar e o desinteresse do
poder político por assuntos castrenses contribuíram para o baixo perfil adotado
pela gestão FHC no setor de defesa. A baixa prioridade atribuída ao setor se
viu reforçada, igualmente, pela percepção dominante no seio dos formuladores da
política externa brasileira. À tradição de cautela, jurisdicismo e não-
intervencionismo da diplomacia local, somou-se a noção de que as relações de
força no plano internacional seriam cada vez mais limitadas em conseqüência,
basicamente, da convergência de valores, da expansão do comércio e da crescente
dificuldade de legitimação do recurso à guerra junto à opinião pública mundial.
A formulação da PDN
Ainda na campanha eleitoral de 1994, FHC expressara sua intenção de criar no
Brasil um Ministério da Defesa (MD) que incorporasse a Marinha, o Exército, a
Aeronáutica e o Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa).11 Não há dúvida de que
o supremo mandatário conhecia as resistências castrenses à interposição de um
escalão hierárquico entre as forças singulares e ele. Essa resistência, aliás,
não era nova e podia ser traçada nas discussões que deram origem à Constituição
de 1946 - quando alguns legisladores brasileiros cogitaram a hipótese de
criação do MD.12 Para além da frustrada tentativa de Castelo Branco visando à
reformulação da estrutura de defesa brasileira no âmbito do Decreto-lei 200, no
passado mais recente, aproveitando o capital político derivado de uma transição
pactuada, os militares se oporiam tenazmente à idéia do MD aventada por
parlamentares durante a Assembléia Nacional Constituinte (ANC).13
Ao convidar os oficiais-generais que ocupariam os cargos de Ministros da
Marinha (almirante Mauro César Pereira), do Exército (general Zenildo Zoroastro
de Lucena), da Aeronáutica (brigadeiro Mauro Gandra) e do Emfa (general
Benedito Bezerra Leonel) - esse último novamente elevado à categoria de
ministério, FHC deixou clara sua intenção de criar o MD.14 Aqui cabe uma nota
de esclarecimento: o general Leonel ressaltará o sentido do termo intenção, que
seria bastante diferente de decisão.15 Essa diferenciação não se reduz,
evidentemente, a uma sutileza semântica. Ao enfatizar a palavra intenção, o
Ministro-Chefe do Emfa introduz um elemento de condicionalidade no processo que
redundaria na criação do MD. Logo, à medida que afirmava sua intenção, o
Comandante-em-Chefe estaria deixando espaço aberto para a negociação e, em
conseqüência, para a assimilação gradual da idéia pelo estamento militar. Não
se trataria, portanto, de uma imposição a partir de decisão previamente tomada,
mas de uma paulatina construção de consenso que poderia, em última instância,
não resultar no MD. A corroborar a interpretação do referido oficial-general,
está a ausência de menção ao novo ministério no discurso de posse do supremo
mandatário.
Independentemente dessa qualificação, todos os oficiais que viriam a assumir os
ministérios militares, além do diplomata apontado para a chefia do Itamaraty,
são unânimes em admitir que FHC tratou do tema quando do convite para a
assunção de suas respectivas pastas.16 Se parece difícil supor, como decorre do
depoimento do general Leonel, a possibilidade de não-constituição do MD -
contrariamente à intenção do Presidente, é forçoso constatar que todo o
processo foi marcado pelo gradualismo e pelo comedimento. Tratava-se de deixar
a idéia "decantar", tornando-a digerível pela caserna. Nessa linha, vale
registrar a afirmação do Ministro-Chefe do Emfa de que, em suas conversas com o
supremo mandatário, teria ponderado que pelo menos 70% dos oficiais do Exército
seriam contrários à criação do MD, mas que a vasta maioria deles possuiria
informação insuficiente para formar uma opinião fundamentada.17 Difundida entre
o oficialato era a suposição de que a iniciativa presidencial seria fruto de
pressões internacionais, provenientes especialmente dos Estados Unidos - país
cuja política externa teria como objetivo transformar as Forças Armadas latino-
americanas em unidades de combate ao narcotráfico.
Logo, ao aceitar a diretiva do Comandante-em-Chefe, o general Benedito Leonel
estava convencido de que, com tempo e esforço de convencimento, as resistências
corporativas poderiam ser quebradas. Afinal, os conflitos bélicos
contemporâneos haviam demonstrado que a capacidade de atuação combinada das
forças era cada vez mais um elemento decisivo para o sucesso na guerra. O MD
poderia representar, assim, avanço no sentido de maior integração entre
Marinha, Exército e Aeronáutica - sobretudo no campo da logística.18 Nessa
linha, é preciso assinalar que ao Emfa, em vista de seu papel de coordenação,
caberia a tarefa de formar o núcleo a partir do qual seria constituído o futuro
Ministério da Defesa. As resistências detectadas no Exército não eram isoladas.
A Marinha, em especial, via com enorme reticência a possibilidade de
constituição do Ministério da Defesa. Da mesma forma, a Aeronáutica não era
inicialmente simpática à idéia. Os estudos iniciados pelo Emfa, com a
finalidade de recolher subsídios para a análise dos modelos de estruturação dos
MDs existentes no mundo, foram conduzidos sem açodamento. Ocorre que em face
das informações acumuladas pelo Estado-Maior das Forças Armadas, resultantes
dos estudos iniciais denominados "exploratórios", tornava-se gritante a
singularidade da estrutura administrativa nacional relacionada à defesa: entre
179 países pesquisados, somente 23 não possuíam MDs, sendo que a maior parte
era formada por nações pouco expressivas (ilhas, arquipélagos, países
minúsculos etc.). Entre os Estados mais importantes, apenas Japão, México e
Brasil mantinham o formato de dispersão dos temas militares em vários
ministérios.19
Cabe assinalar um outro aspecto importante dos trabalhos que visavam ao
recolhimento das informações que embasariam a modelagem institucional do futuro
ministério. Esse era o do virtual monopólio exercido pelo estamento militar
sobre sua condução. Coube exclusivamente ao Emfa coordenar os estudos
exploratórios e estabelecer os princípios que fundamentariam a seleção dos
dados obtidos. Esses últimos seriam, sucintamente: a não-importação de modelos
alienígenas, a mudança com moderação, a não-confrontação da tradição militar
brasileira e a rejeição de artificialismos.20 Diante do que precede, a
sinalização emitida pelo Presidente ao encarregar o general Leonel da tarefa,
para além do objetivo de evitar melindres, indica a baixa prioridade atribuída
aos aspectos administrativos daquilo que viria a ser o MD. Embora a idéia de
avançar gradualmente e de forma segura fosse um valor fundamental a permear o
processo, no momento em que FHC deixa nas mãos dos próprios militares a
construção institucional do pretendido ministério, não estaria ele permitindo
que fosse adotada uma estratégia a laLampedusa por parte da caserna?
Assim, a determinação presidencial de reconfigurar o formato institucional do
tratamento das questões de defesa no Brasil parece ter obedecido a uma lógica
complementar. Se, por um lado, tratava-se de avançar no caminho da submissão
das Forças Armadas ao poder civil, por outro, pretendia-se dotar o País de um
arcabouço mais moderno para o encaminhamento da problemática em tela,
compatível com o padrão identificado na grande maioria das nações
democráticas.21 Embora seja temerário sustentar que o argumento da modernização
e da racionalização do sistema de defesa tenha sido determinante para a ação
governamental (até porque, conforme o anteriormente aludido, estava nas mãos
das próprias forças dar feição ao MD), não se pode deixar de considerar a sua
relevância. Como o governo FHC levava a cabo um programa de reforma do Estado,
é difícil assumir que o setor militar permanecesse completamente alheio a esse
contexto. Nessa linha, ao se buscar a afirmação de uma nova sistemática de
planejamento, traduzida no Plano Plurianual (PPA) 1996/1999, criou-se um Comitê
de Assuntos de Defesa.22 Em um primeiro momento, contudo, o Ministério do
Planejamento e Orçamento (MPO) não previa a existência do citado Comitê. Esse
foi criado posteriormente em função de pedido encaminhado pela SAE em face de
solicitação das forças singulares. O Comitê em questão, que reunia militares,
diplomatas, acadêmicos e técnicos das áreas de orçamento e planejamento, foi
inovador por ter possibilitado o diálogo e o intercâmbio de visões sobre a
temática da defesa nacional entre civis e representantes da caserna. A partir
de uma definição genérica do quadro internacional, procurou-se estabelecer um
elenco de prioridades - em termos de programas e de aquisição de sistemas de
armas - e as dotações orçamentárias correspondentes. Para tanto, os membros do
Comitê decidiram aproveitar como subsídio o documento "Bases para uma Política
de Defesa", elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) em 1994.
Em entrevista ao autor, o general Benedito Leonel admitiu que somente no
segundo semestre de 1996 os estudos exploratórios foram finalizados e
apresentados aos ministros militares. Até essa data, "não se fez nada" em
termos de coordenação das posições das forças singulares a respeito do formato
projetado para o Ministério da Defesa.23 Havia uma espécie de resistência
passiva à determinação presidencial: Marinha, Exército e Aeronáutica
permaneciam em silêncio, esperando para ver o que iria acontecer. A contribuir
para a paralisia, pode-se citar, entre outros motivos, a suspeita das forças
singulares de que o Ministro-Chefe do Emfa estaria trabalhando nos bastidores
por sua nomeação para o futuro cargo de Ministro da Defesa.24 A apresentação
dos estudos exploratórios, contudo, ensejou a constituição de um Conselho de
Vice-Chefes de Estado-Maior (Convice) - reunindo as três forças e coordenado
pelo Emfa - cuja tarefa era formular uma posição comum sobre o assunto. Embora
inesperado, não é de causar espanto o fato de que o referido Conselho tenha
elaborado trabalho em que a principal conclusão é a da inconveniência de se
criar o MD.25
Não poderia ser mais explícita a enumeração dos motivos pelos quais as Forças
Armadas rejeitavam a criação do MD. O referido estudo mencionava também que,
caso houvesse a necessidade inevitável de estabelecimento do MD, esse deveria
suceder o Emfa a médio ou longo prazo, sem que se procedesse necessariamente à
extinção dos demais ministérios militares.26 Essa posição seria depois
publicamente defendida pela Marinha. Há, contudo, uma discrepância essencial
entre a visão do Ministro Leonel, responsável em última instância pela
coordenação do Convice, e a de Eliézer Rizzo sobre o destino atribuído ao
documento em questão: para o primeiro, o divórcio entre aquilo que foi
produzido e a intenção do Presidente era tão flagrante que teria obrigado os
seus autores a desistir de apresentá-lo (o próprio general teria se recusado a
mostrar o documento a FHC); para o último, o documento teria sido apresentado
ao Comandante-em-Chefe e por ele descartado.27 Independentemente dessa
divergência, o essencial é notar que o teor do referido documento não obteve
acolhida no âmbito do executivo.
A retomada do ímpeto reformador: a criação da Creden e a formulação da PDN
Até o primeiro semestre de 1996, o processo de criação do MD encontrava-se
atolado no pântano das resistências corporativas. Assim, embora não
representasse novidade o fato de haver divergências de entendimento entre as
forças singulares quanto aos seus respectivos papéis institucionais, um
episódio específico teve peso decisivo na aceleração das mudanças em curso no
setor: a querela entre a Marinha e a Aeronáutica em torno da aviação naval
embarcada. Não há dúvida de que essa se constituiu em importante elemento para
a decisão presidencial de determinar a criação da Câmara de Relações Exteriores
e Defesa Nacional (Creden) no âmbito do Conselho de Governo - efetivada em 06
de maio de 1996 pelo Decreto nº1895.28 Calcada no modelo de Câmaras Setoriais
adotado pela gestão FHC, entre as atribuições da Creden constavam a formulação
de políticas, o estabelecimento de diretrizes, a aprovação e o acompanhamento
de programas governamentais nas seguintes áreas: cooperação internacional em
assuntos de segurança e defesa, integração fronteiriça, populações indígenas e
direitos humanos, operações de paz, narcotráfico e outros delitos
internacionais, imigração e atividades de inteligência.29 De acordo com seu
decreto de criação, eram membros da mencionada Câmara: os Ministros das
Relações Exteriores, Justiça, Marinha, Exército, Aeronáutica, Emfa, Casa Civil,
Casa Militar e da SAE - cabendo ao Ministro-Chefe da Casa Militar atuar como
secretário da Creden. Vê-se que o escopo de atuação dessa última é bastante
amplo e que a questão dos delitos transnacionais aparece como uma de suas
responsabilidades. Interpretação possível a esse respeito é a de que a
iniciativa norte-americana de reformulação do conceito de segurança
hemisférica, tendo como elemento impulsionador a 1ª Reunião Ministerial de
Defesa das Américas, em outubro de 1995, somada à realização, em seqüência,
pelos Estados Unidos e alguns países andinos, de duas grandes operações
conjuntas de combate ao narcotráfico (Green Clover e Laser Strike) na fronteira
norte do Brasil, tenham chamado a atenção do governo para a sensibilidade desse
tema.30 Seriam, portanto, fatores a contribuir incrementalmente para a decisão
de criar a Creden.
Não existe, porém, consenso entre os envolvidos no processo sobre o grau de
relevância das fricções entre Marinha e Aeronáutica para a iniciativa do
Presidente. Embora todos admitam a importância do evento, os então Ministros da
Marinha e do Emfa consideram que a celeuma em torno da aviação de asa fixa
embarcada não teria sido a causa eficiente da decisão presidencial, mas apenas
um elemento adicional a contribuir de maneira progressiva para essa última. O
ex-Ministro da Marinha afirmará, inclusive, que teria sido ele um dos maiores
defensores da idéia da Creden, por acreditar que o Brasil não poderia furtar-se
a ter um locusonde fosse possível debater conjuntamente os temas relacionados à
defesa nacional. Os críticos da atuação do Almirante Mauro César afirmam, em
outro sentido, que o apoio da Marinha à constituição da Creden - que reunia
ministérios civis como o Itamaraty, Justiça, Casa Civil e SAE - derivava de uma
estratégia para diluir a desvantagem política que essa arma tinha em função do
estreitamento das relações entre Exército e Aeronáutica.31
A aproximação acima aludida teria se intensificado por causa da mencionada
disputa de bastidores em torno da aviação naval. Quanto a esse tema, vêm de
longa data as divergências entre as duas forças singulares em questão. Em 1965,
depois de uma intensa batalha interburocrática, o Ministério da Aeronáutica
(Maer) convenceu o Presidente Castelo Branco a proibir a operação, pela
Marinha, de aviões de asa fixa em navio-aeródromo. A essa arma era somente
permitido pilotar helicópteros. Dessa forma, cabia ao Maer a operação dos
aviões de patrulha nucleados no Minas Gerais. No final do governo Itamar
Franco, baseada na concepção de que os meios de superfície da esquadra
precisariam de cobertura aérea para atuar afastados do litoral brasileiro (e de
que essa não era nem poderia ser provida pela Força Aérea Brasileira (FAB) a
curto prazo), a Marinha começou a treinar pilotos na Argentina e no Uruguai -
antes mesmo de adquirir os aviões pretendidos para essa tarefa.32 A Marinha
estava convencida da necessidade de possuir uma "esquadra equilibrada", o que
significava deter a capacidade de desempenhar autonomamente todo o espectro de
modalidades de combate atinentes a uma força naval.33 Essa intenção esbarrava,
contudo, na inexistência de vetores que pudessem prover a cobertura aérea dos
navios em alto-mar. A solução contemplada para sanar a carência em tela seria a
compra de aviões habilitados a operar a partir do navio-aeródromo Minas Gerais.
Diante desse rationale, a posse dos meios materiais capazes de suprir essa
lacuna passaria a ser a prioridade número um da Marinha - ainda que em
detrimento do projeto de construção do submarino nuclear. Argumento contrário a
esse, por sua vez, ressaltava o fato de que os obsoletos aviões de ataque que
poderiam ser adquiridos, de qualquer forma, não seriam capazes de fornecer
cobertura aérea para a esquadra em alto-mar. Isso, pois dificilmente teriam
condições mínimas de operacionalidade em vista da ausência de suporte logístico
adequado (contemplava-se adquirir o super etendard francês ou o A-
4 Skyhawkamericano). Além do mais, a aquisição traria como conseqüência a
drenagem de recursos escassos que poderiam ser investidos em projetos até então
considerados prioritários como o do submarino de propulsão nuclear.
Apesar das ponderações dos críticos, desde que assumiu o cargo, em 1995, o
Ministro Mauro César empreenderá uma intensa campanha para derrubar a proibição
de operação, pela Marinha, de aviões de asa fixa em navio-aeródromo,34 o que se
chocava com a percepção da Aeronáutica de que somente ela poderia fazê-lo.
Embora tenha havido conversas entre marinheiros e aviadores sobre o assunto,
não se chegou a uma conclusão definitiva. O então Ministro da Aeronáutica,
Lélio Lôbo, salientava que a prioridade de sua força era o reforço da
capacidade de manutenção da soberania sobre o espaço aéreo nacional. Nessa
linha, a Força Aérea demonstrou não considerar prioritário o investimento na
aviação naval.35 A despeito disso, além de atentar contra a doutrina do poder
aeroespacial unificado - defendida por muitos dentro da força aérea, o intento
da Marinha soava como um acinte diante das dificuldades enfrentadas pela FAB.36
Essa passava por um dos piores momentos de sua história e se debatia, entre
outros problemas, com o penoso processo de revitalização da aviação de caça.37
Alguns analistas chegam a sustentar a tese de que a realidade vivida pelo
Ministério da Aeronáutica (Maer) naquele momento decorreria do fato de que esse
nunca foi uma burocracia militar propriamente. O Maer seria, antes, uma mistura
de agência regulatória do setor aeronáutico (Departamento de Aviação Civil -
DAC), entidade de fomento à pesquisa tecnológica (Departamento de Pesquisa e
Desenvolvimento - Deped) e força aérea (FAB). De acordo com essa linha de
raciocínio, o Maer seria apenas "um terço" militar.38 A multiplicidade de
missões e demandas decorrentes desse perfil teria levado ao colapso da
capacidade operacional da FAB em um contexto orçamentário declinante. Essa
situação foi responsável por agudizar a sensibilidade corporativa da força no
tocante à problemática da aviação naval.
Ao tratar do tema, o Ministro Lélio Lôbo indica claramente a posição de sua
arma e confirma a importância da querela para a aceleração do ímpeto reformista
de FHC:
Sempre tivemos em mente a necessidade de apoio aéreo para a Marinha.
Mas há um enfoque um pouco diferente entre a Aeronáutica e a Marinha.
Enfoque esse que, como disse ao Presidente, precisava ser equacionado
através de orientação de nível superior. A Marinha tinha um
planejamento bélico que não nos parecia afinado com a política de
defesa nacional. Aliás, cada força tinha sua própria "política de
defesa nacional", e isso não era bom. Foi em decorrência disso que
começou o trabalho que culminou, em 1996, com a aprovação da Política
de Defesa Nacional pelo Presidente da República. Foi uma tentativa de
colocar uma certa base comum no processo.39
Essa afirmativa evidencia as divergências interforças e expõe de maneira cabal
a ausência de direção política superior capaz de orientar o preparo militar em
sentido harmônico. A admissão explícita da existência de várias políticas de
defesa por uma alta autoridade castrense não poderia ser mais reveladora.
Diante da declaração do ex-Ministro da Aeronáutica, reforça-se a tese de que a
disputa envolvendo a aviação naval embarcada em porta-aviões teve caráter
instrumental para a criação da Creden. Como já mencionado anteriormente, também
contribuiu para tal a percepção de que era preciso constituir um foro
permanente de coordenação interministerial na área de defesa e assuntos conexos
(especialmente aqueles relacionados aos chamados delitos transnacionais, aí
incluído o narcotráfico). Nesse sentido, FHC já vinha realizando reuniões
informais com diplomatas e militares para a discussão de temas comuns a ambos,
desde o início de seu mandato.40 A instituição da Creden sinalizou o aumento
das preocupações de FHC com a falta de articulação prevalecente no setor.
Assim, se, por um lado, as sérias divergências existentes entre Marinha e
Aeronáutica foram relevantes para o estabelecimento, pelo governo, de um locus
de coordenação institucionalizado, por outro, não resta dúvida de que esse
episódio teve papel fundamental para a decisão do Presidente de determinar a
formulação da Política de Defesa Nacional (PDN).
A PDN surge não somente como resposta ao desconforto do supremo mandatário em
relação às dissensões existentes entre os ministros militares, e as decorrentes
pressões de parte a parte com o fito de convencê-lo sobre quem estava com a
razão, mas, sobretudo, pela insatisfação de FHC com a forma de condução do
assunto imprimida pelo Ministro da Marinha. A avaliação de um observador
privilegiado do processo é a de que esse último tentava, em última análise,
apresentar ao Presidente um fait accompli - versão negada veementemente pelo
Almirante Mauro César. 41 Ao perceber o que acontecia, FHC teve a convicção de
que aquele episódio era a representação definitiva da necessidade de elaboração
de um documento público que proporcionasse um quadro de referências comum às
forças singulares. Nessa mesma direção, embora muito pouco lembrado, um outro
episódio pode ter contribuído para a consolidação da idéia de convocar a Creden
e determinar a elaboração da PDN. Em meados de 1996, o Ministério da
Aeronáutica fez um pedido oficial de informações às empresas norte-americanas
Lockheed Martine Boeing sobre os caças F-16 e F-18. A FAB já vinha acalentando
há muito o sonho de renovar sua envelhecida frota desse tipo de aviões.
Solicitou as informações às empresas, contudo, sem nada informar ao Planalto e
ao Itamaraty. Nos bastidores, houve suspeitas de que a Força Aérea teria sido
induzida a agir assim para que lobbistas de Washington obtivessem argumentos
mais sólidos para pressionar as autoridades do governo norte-americano a
liberar a venda de armamentos sofisticados à América Latina até então proibida
pela legislação daquele país. Ao chegar aos ouvidos do Presidente, a atitude do
Ministério da Aeronáutica causou irritação. Em vista do que precede, ao
convocar a segunda reunião da Creden, em 06 de setembro de 1996, FHC instruiu
os membros da Câmara a iniciarem os trabalhos para a formulação de uma política
de defesa nacional.42
Na linha da diretiva presidencial, formou-se um comitê com representantes dos
membros natos da Creden - em nível de secretários-executivos (ministérios
civis) e de chefes de estado-maior (ministérios militares). Naquela ocasião, a
Marinha sugeriu que o documento preparado pela SAE, ainda na gestão Flores,
fosse tomado como referência inicial para as discussões - note-se que o "Bases
para uma Política de Defesa" tinha como características essenciais a
generalidade e a influência da nomenclatura esguiana. A partir de então, o
Secretário de Assuntos Estratégicos, Ronaldo Sardenberg, desempenhará papel
central. Respeitado Embaixador, com longo histórico de interesse pela área de
estudos estratégicos, Sardenberg possuía bom trânsito com o Presidente. Em
decorrência de sua posição institucional e da qualificação para o trato das
questões de defesa, passará a ser um dos principais interlocutores civis de FHC
para assuntos militares. Esse fato ensejará a elaboração, por parte do próprio
Secretário de Assuntos Estratégicos, de um outro texto que viria a subsidiar os
trabalhos do comitê designado pela Creden, intitulado "Apontamentos Tentativos
para uma Concepção Estratégica e Política de Defesa Nacional". Nesse texto, o
mencionado Embaixador ressaltará a necessidade de que as Forças Armadas
ofereçam respaldo à ação diplomática, bem como que se proceda a um
monitoramento conjunto do quadro estratégico internacional. Os "Apontamentos"
introduzem, ainda, a idéia de "defesa sustentável", que visava compatibilizar o
aparato militar brasileiro aos recursos disponíveis.43
Com base no anteriormente exposto, a formulação da PDN beneficiou-se bastante
dos aportes oferecidos pela SAE. Essa, ao que tudo indica, esteve fortemente
engajada no processo, espelhando a importância atribuída a ele pelo Secretário
de Assuntos Estratégicos. As Forças Armadas, por sua vez, aparecem em vários
depoimentos como não estando especialmente entusiasmadas pela elaboração da
PDN.44 A percepção compartilhada por essas últimas era a de que não se deveria
inovar: a política de defesa nacional limitar-se-ia `a sistematização daquilo
que cada uma das forças já vinha fazendo.45 De acordo com a perspectiva
castrense, portanto, a PDN teria o caráter de um somatório de consensos
genéricos. O corolário da generalidade seria, logicamente, a produção de um
documento que não implicasse qualquer reorientação expressiva das políticas
setoriais levadas a cabo pelas forças singulares - não é por acaso que a
Marinha publicará, em 1997, as suas "Diretrizes da Política de Defesa: Ações
Decorrentes", que, de forma nada surpreendente, se encaixa como uma luva na
PDN.46
A idéia da sistematização do que já existia será reforçada pela rapidez com que
a PDN foi elaborada: em apenas dois meses, com número não exaustivo de reuniões
semanais, foi possível chegar a um texto consensual.47 Note-se, no entanto, que
o Presidente teria estabelecido prazo de apenas vinte dias úteis para a
produção do documento! Nessas condições, seria de todo improvável chegar a uma
fórmula que contemplasse qualquer inovação substantiva em relação às convicções
arraigadas nos meios militar e diplomático - como de fato pode-se constatar por
meio de uma análise detida da PDN.
Mesmo tendo em vista a dificuldade de falar em posições unívocas, capazes de
produzir consensos abrangentes dentro de burocracias complexas como as Forças
Armadas e a Chancelaria, é preciso admitir que diplomatas e militares possuíam
visões discrepantes sobre política de defesa. Esquematicamente, à luz do
exposto, pode-se traçar duas posições básicas. A primeira, hegemônica no seio
do Itamaraty, trata a problemática de defesa como elemento menor da política
externa. A diplomacia brasileira do século XX atuou quase sempre de maneira
independente do poder militar. Consolidou-se, ao longo do tempo, a vertente de
pensamento diplomático de matriz grociana - que privilegia a dimensão da
cooperação.48 Embora essa constatação pareça insofismável, a matriz realista da
política externa nacional nunca foi completamente soterrada, o que explica a
contínua percepção (ainda que pouco enfatizada no plano declaratório) de que os
fatores tradicionais de poder permanecem relevantes, ainda que de maneira
matizada. No caso específico da formulação da PDN, a visão diplomática
dominante não correspondia exatamente àquela da liderança do Ministério das
Relações Exteriores (MRE). Dado o maior engajamento no processo demonstrado
pela SAE, o Itamaraty acabou se compondo com a primeira. Não há evidências,
contudo, de que houvesse divergências importantes entre essas instituições.
Logo, no bojo dos conceitos fundamentais que embasavam a posição da "burocracia
civil de Estado", encontrava-se o da relação entre democracia, integração
regional, desenvolvimento e paz: amplamente reiterada por meio da menção ao
papel do Brasil na construção de uma América do Sul livre de conflitos.49
Embora não haja qualquer elemento que sustente a tese de que havia consciência
da importância de utilização da política de defesa como meio de alavancar a
capacidade de projeção de poder do País (com exceção do caso das operações de
paz da ONU), não resta dúvida de que a consolidação da democracia no
subcontinente e a nova configuração do sistema internacional condicionavam a
redação da PDN, no entender dos diplomatas. Tratava-se, a um só tempo, de
afirmar o foco externo da política de defesa, assegurar as intenções pacíficas
perante os vizinhos e o mundo, demonstrar o engajamento nacional na construção
de uma ordem mundial estável e salientar o papel primordial da diplomacia na
resolução de diferendos. A tese da vinculação da defesa às ameaças provenientes
do plano internacional, contudo, respondia muito mais à necessidade de
renovação dos conceitos herdados da guerra fria do que a um projeto de inserção
estratégica global que considerasse a relevância do poder militar como
instrumento de respaldo da política externa brasileira.50
De outro lado, a posição das Forças Armadas encontrava-se plena de nuances. Em
poucas ocasiões é possível falar da existência de uma única perspectiva
castrense sobre o que quer que seja. As divergências entre as forças singulares
serão quase tão comuns quanto as convergências. No que tange à visão militar
sobre o relacionamento entre política de defesa e política externa, não será
diferente. O exemplo mais conspícuo desse fato é representado pelo antagonismo
Marinha versus Exército. Enquanto a primeira possui uma concepção mais
ambiciosa a respeito do papel a ser desempenhado pelo País no mundo, o último
privilegia uma postura modesta em que a idéia de projeção de poder é secundária
em relação à "estratégia da presença".51 A despeito do que precede, pode-se
traçar um painel genérico com alguns pontos que seriam objeto de consenso. Em
vista de suas atribuições constitucionais, todas as três forças possuem
responsabilidade pela defesa da soberania e da integridade territorial
brasileira em face de ameaças externas. Como decorrência lógica, procuram
realizar avaliações da conjuntura internacional de modo a obterem os
inputsindispensáveis à estruturação de seus respectivos planejamentos
estratégicos. Para tanto, mantêm interlocução permanente com o Ministério das
Relações Exteriores. Aqui reside o nó górdio da questão. Na ausência de
consenso político mínimo que forneça orientação de longo prazo à ação externa,
de documentos declaratórios abrangentes sobre defesa e de burocracia
efetivamente capaz de exercer a coordenação das diversas instituições que se
ocupam da temática em tela, cada ministério militar acaba por interpretar à sua
maneira as linhas de orientação existentes. Essas últimas podem ser resumidas
basicamente em: preceitos constitucionais, princípios tradicionais de política
externa e diretrizes tópicas emanadas do executivo. A generalidade e a
superficialidade das mencionadas guidelinesconferem ampla latitude de atuação
às forças singulares que as interpretam de acordo com suas lentes corporativas
específicas: "(...) as concepções de política externa e de defesa externa, elas
estão totalmente divorciadas, elas não têm conexão nenhuma."52 Dessa forma,
apesar da variedade de leituras do contexto internacional, calcados em
premissas realistas, Marinha, Exército e Aeronáutica possuem em comum a certeza
de que o poder militar continua sendo elemento fundamental para a projeção do
poder nacional no plano externo.
Mesmo diante de uma gama tão estreita de pontos de convergência, é possível
afirmar que a principal discrepância entre a visão das Forças Armadas e a do
Itamaraty reside na avaliação da importância do instrumento militar como
ferramenta política. Se as primeiras, por motivos óbvios, consideram o poder
das armas como essencial para a consecução dos interesses nacionais, o segundo
encara-o com grande ceticismo no caso do Brasil.53 Geraldo Cavagnari, ao tratar
do tema, aponta para o que seria uma incongruência da postura dominante no seio
da diplomacia:
A política externa brasileira é coerente com o perfil de potência
média. Seu objetivo maior é liderar o processo de integração
regional, desde que essa liderança implique, apenas, a busca do
consenso - sem custos nem riscos. No campo político-estratégico, a
diplomacia procura destacar esse perfil como se fosse sinônimo de
potência pacífica. Por ser o País vulnerável a condicionalidades e
constrangimentos, aposta, de certo modo, na desqualificação da força
como meio de solução dos conflitos de interesses. Embora reconheça
que a capacidade estratégico-militar ainda é significativa na
avaliação do poder, para ela nada impede o Brasil de construir um
projeto diplomático baseado na sua capacidade de persuasão -
"centrado na paz como instrumento das relações internacionais". (...)
Ou seja: ela descarta a força militar do jogo estratégico, ao
desqualificar a ação militar como substituto eventual da ação
diplomática.54
Em última análise, a política externa brasileira não considera a política de
defesa como um instrumento significativo para a consecução dos interesses
nacionais no plano externo - o que restringiria a margem de manobra do País
unicamente ao leito diplomático. Esse fato seria responsável por uma certa
alienação conceitual entre a política externa e as questões de defesa. Nesse
sentido, a reiteração do legado de Rio Branco pelo Itamaraty, como eixo a
partir do qual se plasmariam as linhas de força de nossa diplomacia, é
incompleta. Ao enfatizar o seu extraordinário trabalho de consolidação das
fronteiras nacionais por meios pacíficos, o pensamento diplomático
contemporâneo desconsidera o fato de que o patrono do MRE, apesar de ser um
estadista moderado e clarividente, tinha nítida noção da importância de que o
Brasil contasse com o respaldo de seu braço armado.55
Traço comum tanto a diplomatas quanto a militares, no entanto, é o zelo com que
procuram resguardar suas respectivas autonomias corporativas. Nessa direção,
não há relatos de que houvesse dissensões importantes entre Marinha, Exército e
Aeronáutica no que se refere à PDN. Quanto ao papel desempenhado pelo Itamaraty
na elaboração do documento, pode-se dizer que esteve muito alinhado à
perspectiva da SAE - até mesmo porque essa Secretaria possuía três diplomatas
entre os membros do comitê de elaboração da política de defesa.56 Os
representantes daquela Secretaria e o do Ministério das Relações Exteriores
uniram esforços com vistas a convencer os demais participantes do exercício a
eliminar do texto os termos tradicionais do linguajar da ESG - ainda muito
presentes no vocabulário castrense.57 O interesse da Chancelaria na redação da
PDN, contudo, é relativizado pelo Almirante Mauro César: "Para encerrar esse
quesito, a sua indagação direta sobre o interesse do Itamaraty na Política de
Defesa. Para ser sincero e honesto, como devo ser em um depoimento como esse,
não o vi muito elevado em instante algum."58 De outra perspectiva, Edmundo
Fujita, diplomata que participou do processo de elaboração do documento como um
dos representantes da SAE, em artigo que avalia o significado de sua
publicação, oferece algumas pistas sobre o pensamento prevalecente naquela
Secretaria.59 Havia, ali, duas ordens básicas de preocupações. A primeira, que
a política de defesa refletisse a subordinação militar ao poder civil
possibilitada pela consolidação do regime democrático no País. A segunda,
garantir que fosse incorporada a visão diplomática hegemônica sobre as
transformações ocorridas no sistema internacional pós-guerra fria - nos níveis
global, hemisférico e regional. Na linha do já mencionado anteriormente, a
diplomacia caminhava na direção de acoplar o tradicional conceito de dissuasão
às grandes linhas da política externa brasileira, explicitando a preeminência
dessa última sobre a primeira. Assim, a utilização dos conceitos de dissuasão e
autodefesa na PDN - ambos perfeitamente alinhados ao ponto de vista diplomático
- suscita uma série de interrogações. A principal delas é a de que estariam
calcados em uma avaliação estática e fatalista da inserção do Brasil no sistema
de segurança internacional, além de conterem imperfeições conceituais. O
pessimismo quanto à posição ocupada pelo País decorre da já sugerida exclusão
da força como instrumento político.
Nesse sentido, algumas questões de fundo precisam ser abordadas para que seja
possível compreender as várias dimensões do processo de formulação da PDN. De
acordo com a definição conceitual adotada pelo autor desse artigo, não seria
tecnicamente correto afirmar que o documento apresentado pelo Presidente, em 7
de novembro de 1996, constituiria uma política de defesa. No entender de
Domício Proença e Eugênio Diniz, a PDN poderia ser melhor classificada como uma
"harmonização de pontos de vista entre diversas agências responsáveis por
assuntos externos do país (...)".60 Mesmo que se admita que a iniciativa
presidencial tinha por objetivo desdobrar posteriormente a PDN em uma Política
Militar e uma Estratégia Militar brasileiras, não é possível considerá-la uma
política de defesa.61 Ao limitar-se à reiteração de princípios consagrados da
atuação diplomática do País, acrescidos de referências pouco específicas ao
papel das Forças Armadas nesse contexto, a PDN elide o estabelecimento de
diretrizes claras no tocante aos quatro elementos fundamentais de uma política
de defesa: as Forças Armadas, a estrutura integrada de comando e planejamento
militar, a institucionalidade governamental para a defesa e a articulação entre
política declaratória e prática concreta.
A constatação de que a PDN não é uma política de defesa propriamente dita,
contudo, não elimina sua centralidade para a reestruturação do arcabouço
institucional brasileiro relacionado ao setor militar. No entanto, há que se
admitir: para além da generalidade que permite o uso dos termos do documento
para a proposição das mesmas políticas setoriais praticadas antes de novembro
de 1996 o que constitui uma evidente perversão do sentido da PDN, restam outras
imperfeições que precisam ser apontadas. A mais flagrante é a que diz respeito
à confusão entre segurança e defesa: "A falta de firmeza quanto à aplicação dos
conceitos de segurança e defesa permeia toda a Política de Defesa Nacional,
tendo como resultado a indefinição se ela é uma política de defesa ou de
segurança."62 Dessa forma, vários trechos do documento fazem referência a temas
como os do desenvolvimento econômico, fortalecimento da democracia, redução das
desigualdades sociais e dos desequilíbrios regionais como relacionados à
defesa. De acordo com o arcabouço conceitual aqui adotado, não é correto
associar esses últimos à defesa, mas à segurança. Embora o entrelaçamento entre
os dois conceitos seja inescapável, parece totalmente impróprio incluir nas
"Orientações Estratégicas" da PDN o seguinte: "O escopo de atuação do Estado
brasileiro na área de defesa tem como fundamento a obrigação de prover
segurança à Nação, tanto em tempo de paz, quanto em tempo de conflito."63 Ora,
a idéia de segurança tal como expressa no item mencionado é abrangente demais
para ter qualquer significado apreensível. Além do mais, essa "orientação
estratégica" atribui à defesa um sentido que ela não tem, qual seja o de prover
segurança de maneira abstrata e irrestrita. Decorre desse fato a pergunta: a
defesa proverá segurança em que setores (militar, societal, econômico,
político, ecológico)? Trata-se de segurança interna, externa ou ambas? Assim,
mesmo que se suponha, corretamente, a existência de um vínculo necessário entre
defesa e segurança e a importância do desenvolvimento, da coesão social e da
diminuição dos desequilíbrios para o fortalecimento da capacidade de defesa
nacional, ao não fornecer nenhuma orientação nem representar uma estratégia, o
item mencionado é detrimental para a coerência da PDN.
Deve-se aludir a outra seção do documento em que há graves imprecisões: a dos
"Objetivos". Ao salientar a necessidade de que sejam explicitadas as
prioridades estratégicas do País a partir dos interesses nacionais e dos
objetivos básicos da defesa nacional, caberia uma definição precisa desses dois
últimos. No entanto, não há qualquer detalhamento do que efetivamente
significam. Esse fato, por si só, torna dispensável a existência daquela seção,
porquanto calcada em algo que não se sabe o que é. Nesse ponto, há que se
constatar que o documento em análise ainda reflete a influência dos conceitos -
esguianos até hoje muito presentes na mentalidade do estamento militar. Tanto é
assim que, no item 3.2 da seção "Objetivos", lê-se: "(...) Esse é o sentido da
formulação de uma política de defesa nacional, com recursos para implementá-la,
que integre as visões estratégicas de cunho social, econômico, militar e
diplomático, e que conte com o respaldo da Nação." Como não identificar as
"visões estratégicas de cunho social, econômico, militar e diplomático" com as
conhecidas "expressões do poder nacional" tão propaladas pela Escola Superior
de Guerra? Ainda na seção em tela, outros itens que precisariam de revisão são
os que relacionam como objetivos da defesa nacional a "garantia do estado de
direito e das instituições democráticas" e a "preservação da coesão e da
unidade da Nação".64 Quanto ao primeiro, não cabe dúvida de que é inapropriado
mencionar o papel de uma política de defesa voltada para ameaças externas na
garantia do estado de direito e da democracia, tema de caráter essencialmente
doméstico. Ademais, não parece haver processos de securitização no plano
internacional que apontem para eventuais tentativas de obliteração das
instituições brasileiras. Em relação ao segundo, foge ao espírito da PDN, nos
termos em que foi formulada, a defesa de algo tão genérico quanto a coesão
nacional. O que isso quer dizer? Em que termos se daria essa defesa? Estaríamos
diante de uma concessão do grupo de trabalho que redigiu o documento ao ideal
tão caro às Forças Armadas, em especial ao Exército, da importância da caserna
para a integração e a formação da nacionalidade? Ou para o fortalecimento do
civismo e do amor à pátria? Caso contrário, como explicar a inserção desse item
na PDN?
As imperfeições enumeradas acima não refletem somente a dificuldade dos
formuladores da PDN de esconjurar a herança da ESG. Dessa forma, se, por um
lado, as mudanças percebidas no Brasil e no mundo determinavam uma revisão
profunda do papel dos militares - cujas missões prioritárias passavam a ser de
defesa e não mais de segurança interna, por outro, era impossível ignorar a
sensibilidade crescente de questões "não-tradicionais" como o narcotráfico e a
criminalidade. A PDN não fará menção a qualquer tipo de ameaça estatal ao
Brasil, mas citará especificamente: "(...) A ação de bandos armados que atuam
em países vizinhos, nos lindes da Amazônia brasileira, e o crime organizado
internacional são alguns dos pontos a provocar preocupação."65 Ocorre que, ao
enfatizar genericamente a vinculação do preparo da defesa às ameaças externas
e, ao mesmo tempo, singularizar a preocupação com problemas de caráter
essencialmente interno (no caso do narcotráfico e da criminalidade, é bem
verdade, há uma interface entre os dois planos), o documento acaba por
resvalar, na prática, em temas que nada têm a ver com a defesa.
A ambigüidade aludida pode ser parcialmente explicada pelo peso crescente que a
crise da segurança pública vem adquirindo no Brasil contemporâneo, em função,
sobretudo, dos efeitos deletérios do tráfico de drogas nos grandes centros
urbanos. Nesse contexto, a Amazônia adquire transcendência especial.66 Essa
vasta porção do território nacional tornou-se o principal objeto de tentativas
de securitização por parte das Forças Armadas brasileiras. Nela, identificam-se
diversos focos de preocupação que, na perspectiva castrense, seriam passíveis
de solapar a soberania do País sobre a área: guerrilheiros, narcotraficantes,
garimpeiros, ONGs inescrupulosas, grupos econômicos transnacionais, interesse
de terceiros Estados sobre as riquezas amazônicas etc. A variedade de possíveis
ameaças fornece uma clara dimensão da abrangência das questões envolvidas.
Todas, à exceção da hipótese de tomada da região por uma ou várias potências
coligadas, possuem caráter não-estatal. Esse fato, contudo, introduz um
elemento de incerteza para a preparação castrense. Se a Amazônia passa a ser a
prioridade estratégica número um, mas as ameaças mais prováveis são de natureza
não-estatal quase todas ligadas a problemas de segurança pública para os quais
as Forças Armadas não estão habilitadas a lidar, nem sequer do ponto de vista
legal como é possível dar conta dessa situação? Na prática, não há uma resposta
acabada para essa pergunta. Ela ajuda a entender, no entanto, porque a PDN
menciona o tema da ação de bandos armados e do crime internacional,
singularizando a necessidade de defesa da Amazônia.
Na última seção do documento, intitulado "Diretrizes", as deficiências já
citadas refletem-se inevitavelmente. Torna-se muito difícil derivar diretrizes
de defesa precisas a partir de objetivos nacionais muito genéricos. A
conseqüência lógica desse fato é a enumeração de vinte aspirações pouco
específicas e de escassa utilidade para a orientação do preparo militar. A
diretriz "q", por exemplo, que sugere o fortalecimento do sistema nacional de
transporte, energia e comunicações, apesar de ter óbvias implicações para a
capacidade bélica do Brasil, é tema afeto essencialmente à política de infra-
estrutura. Outra diretriz, a "s", pode ser classificada como imprópria, uma vez
que se ocupa da política científica do País em relação à Antártica. Essa, salvo
engano, não tem nenhuma relação claramente identificável com a política de
defesa, devendo antes ser objeto de política de ciência e tecnologia.
A despeito do acima exposto e do fato de que foi muito criticada em função da
generalidade com que aborda a problemática da defesa, a PDN também possui
aspectos positivos e inovadores. Considerando que os principais objetivos de
FHC eram os de adequar Marinha, Exército e Aeronáutica a mecanismos de controle
vigentes em democracias consolidadas (supremacia do poder civil), além de
conferir racionalidade ao sistema de defesa brasileiro a partir do
estabelecimento de um quadro de referências comum, o aspecto inovador mais
evidente é o da participação de civis no processo de formulação da PDN. Esse
fato rompe com o padrão de monopólio militar sobre a elaboração de documentos
relacionados à defesa, bem como com o caráter sigiloso até então atribuído a
instrumentos semelhantes. Outra característica a ser enfatizada, a despeito das
contradições já expostas, é a da determinação explícita de que a PDN tem por
base as ameaças provenientes do exterior, vinculando-a de maneira inequívoca às
relações exteriores ou, em outras palavras, conectando militares e
diplomatas.67
A relação informal existente até então entre o Itamaraty e as forças
singulares, quase sempre para o tratamento de questões pontuais que dissessem
respeito às duas burocracias, foi balizada de maneira abrangente por intermédio
da PDN. Pela primeira vez, formulou-se conjuntamente um documento declaratório
sobre defesa em que o vínculo institucional entre a diplomacia e as Forças
Armadas é claramente articulado a partir de uma base comum de entendimentos. A
embasar a redação da PDN, estava a percepção de FHC de que se deveria romper
definitivamente com as perspectivas que fundamentaram o preparo militar
(especialmente do Exército) no passado, atribuindo prioridade ao papel
castrense no respaldo às iniciativas de política externa do País. Não é à toa
que o texto da PDN faz inúmeras referências à articulação entre política
externa e política de defesa.68 Entre elas, talvez a mais significativa seja a
que afirma que "a presente política é centrada em uma ativa diplomacia voltada
para a paz e em uma postura estratégica dissuasória de caráter defensivo
(...)".69 Também digno de nota é o fato de que, naquele momento, o Brasil
postulava um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU), o que condicionava o preparo militar no sentido da participação em
missões de paz da ONU.70 Acreditava-se que o engajamento nessas missões poderia
trazer, como efeito colateral positivo, estímulo à profissionalização das
forças e elevação da estatura estratégica nacional.71 Ainda nessa linha,
aproveitou-se a oportunidade do lançamento da PDN para capitalizar dividendos
internacionais, tendo em vista que o documento foi imediatamente entregue aos
embaixadores residentes em Brasília, bem como diretamente aos governos com os
quais o País mantinha relações diplomáticas.
Coerentemente com a postura histórica adotada pelo Itamaraty e pelas Forças
Armadas, a PDN trata com acentuada prudência a possibilidade de participação
nacional em alianças militares. Ao contrário da contribuição às missões de paz
da ONU, encara-se com grande ceticismo o engajamento brasileiro em alianças
desse tipo. O fundamento dessa posição reside na avaliação de que não seria
conveniente ao País limitar sua margem de manobra vinculando-se a arranjos
internacionais potencialmente restritivos. A circunstância político-estratégica
da América do Sul, caracterizada pela prevalência de relações pacíficas entre
os Estados que a compõem, contribuiria adicionalmente para a baixa prioridade
atribuída ao tema. Dessa forma, e levando em conta a presença norte-americana
no hemisfério, a posição do governo brasileiro privilegia o reconhecimento da
existência de uma multiplicidade de ambientes estratégicos nas Américas, o que
dificultaria a adoção de soluções genéricas para os problemas de segurança dos
países da região. A PDN reflete essas preocupações e, embora saliente a
importância de que a política de defesa auxilie os esforços de integração e
acercamento com os Estados vizinhos, não menciona a participação nacional em
qualquer aliança de caráter militar. Assume-se, portanto, uma postura de self-
help em que o Brasil implicitamente admite que sua defesa dependerá,
exclusivamente, dele mesmo.
Como já citado anteriormente, embora os termos da PDN apontem para a
centralidade da articulação entre política externa e de defesa, há também
elementos que dão margem à ambigüidade quanto ao papel a ser exercido pelas
Forças Armadas no âmbito doméstico. Tendo em vista que no documento não há
menção a missões voltadas para o controle social, combate ao narcotráfico,
garantia da lei e da ordem etc., registra-se no plano prático uma discrepância
notável entre essa ausência e o número de vezes em que o governo FHC utilizou o
Exército para tais fins.72 A tensão esquematicamente apontada acima reflete-se
claramente em toda sua gestão. A prioridade conferida à vinculação da política
de defesa à política externa expressa na PDN, não estando calcada em um
abrangente consenso político - uma vez que o documento foi elaborado no âmbito
do executivo e somente depois apresentado ao Congresso - e tampouco em um
planejamento diplomático que incorporasse a utilização do poder militar como
ferramenta efetiva, representou muito pouco em termos objetivos. Mesmo a
participação em operações de paz da ONU, algo no qual o Itamaraty gostaria de
ver as Forças Armadas engajadas, não pôde ser conduzida a contento em vista de
sua baixa relevância para o preparo militar tradicional e de seus altos custos
de implementação.73
Há, portanto, ao longo da presidência FHC, uma clara incongruência resultante
da disjunção entre política declaratória e prática concreta. Isso não é
surpreendente na medida em que a temática de defesa nunca foi objeto de
preocupação prioritária durante a gestão FHC. Assim, exemplo cabal do acima
exposto pode ser encontrado na forma como se encaminhou a decisão de criar a
Creden e determinar a elaboração da PDN. Salvo melhor juízo, inexistia, até o
transbordamento da querela Marinha versus Aeronáutica, qualquer planejamento
por parte do Presidente no sentido de estabelecer uma política de defesa que
conferisse uma base de entendimentos comum às forças singulares e ao Itamaraty.
Ao que tudo indica, a idéia original de constituição do MD não incluía como
etapa prévia a produção da PDN. Essa, ao contrário, surge como uma espécie de
balizamento a partir do qual seria possível avançar no processo de constituição
do Ministério da Defesa, que até então patinava.
Embora, no limite, seja possível atribuir a elaboração da PDN a uma
circunstância aleatória, o fato é que os termos tradicionais da equação
institucional foram invertidos. Intuitivamente, supõe-se que a elaboração de um
documento declaratório sobre defesa, abarcando as três forças singulares,
deveria ser encaminhada pela instância governamental responsável pela
coordenação das políticas setoriais de cada uma delas. No caso brasileiro, essa
instância, para todos os fins, não existia, uma vez que o Emfa não cumpria essa
função e o processo de criação do Ministério da Defesa encontrava-se em estágio
incipiente. No plano concreto, delineavam-se as grandes linhas de ação no
tocante à postura estratégica do País sem que houvesse um órgão ou um colegiado
cuja tarefa fosse garantir que as diversas burocracias envolvidas caminhassem
no sentido desejado. Sugestivamente, a PDN não faz uma menção sequer ao MD,
embora cite a necessidade de integração das Forças Armadas "em seu preparo e
emprego, bem como da racionalização das atividades afins."74 Surgia, assim, uma
orientação governamental de alto nível para as burocracias direta ou
indiretamente responsáveis pela defesa que, na realidade, não poderia ser
implementada em vista da inexistência de um locusinstitucional adequado. Aliás,
a implementação do documento só poderia ser levada à frente a partir do momento
em que esse fosse desdobrado em uma política e uma estratégia militares. Nessa
linha, levando-se em conta que a PDN, como documento mais abrangente,
representava, ainda que somente no plano formal, mudança em relação ao que
existia no passado, tornava-se de fato inócuo o conteúdo da política militar
brasileira publicada pelo Emfa na administração Itamar Franco. Para que fosse
possível pensar em uma implementação efetiva, o primeiro passo seria a
reformulação desse último documento à luz da PDN.
A despeito de ter surgido de forma não-planejada, a PDN converteu-se em um
passo lógico em direção ao Ministério da Defesa. Se o procedimento ortodoxo
seria primeiro unificar Marinha, Exército e Aeronáutica sob o comando do MD e
depois elaborar uma política de defesa que fornecesse as linhas de orientação
para o preparo castrense, no plano concreto ocorreu o oposto. Inicialmente,
formulou-se um documento declaratório que, apesar de suas deficiências, serviu
como elemento impulsionador do processo de mudança que até então caminhava
lentamente: "Indicamos ainda que esse instrumento (a PDN) reforça a disposição
do Presidente em implantar o Ministério da Defesa no próximo ano, Ministério
que deverá apropriar-se de uma mentalidade civil no tratamento da Política de
Defesa Nacional..."75 Ainda que se considere que a PDN não faz nenhuma alusão
ao MD, o importante a reter é a idéia de gradualismo já mencionada em outra
parte desse texto. Em face das importantes resistências corporativas à
perspectiva de rebaixamento do status dos ministérios militares consubstanciada
na criação do MD, a redação do documento sobre política de defesa, centrada na
busca de consenso, evitou tocar no assunto. Contudo, ao prever a necessidade de
integração com a política externa e de interoperabilidade das forças
singulares, a PDN deixou aberta a porta para a justificação técnica e política
do Ministério da Defesa. A base comum de entendimentos possibilitada pelo
documento converteu-se em passo importante para o avanço do processo reformista
empreendido por FHC.
De início, a publicação da PDN cria um momentumfavorável ao sinalizar
publicamente o empenho do Comandante-em-Chefe em caminhar no sentido da
modernização do arcabouço institucional que instruía a ação de governo na área
de defesa: movimento claro nessa direção pode ser constatado a partir do
resultado do trabalho do Convice, finalizado em data muito próxima à da PDN e
que não obteve qualquer ressonância no âmbito do executivo. O documento
contribuiu, da mesma forma, como um ensaio do que viria a ser o processo de
constituição do MD, no qual as Forças Armadas foram obrigadas a trabalhar em
conjunto com membros da burocracia civil, refletindo o enfraquecimento do
padrão de autonomia corporativa irrestrita até havia pouco verificado no
tratamento desse tipo de questão. Pode-se argumentar, ainda, que a PDN conferiu
sentido à Creden, locusde coordenação que permanecia inerte até a determinação
presidencial de formular uma política de defesa. Todos esses fatores
contribuíram para emprestar relevância ao documento produzido.
A implementação da PDN? A criação do Ministério da Defesa (MD) e suas
implicações para a articulação entre a política externa e a política de defesa
Deve-se indagar a respeito da plausibilidade de implementação da PDN e da
conexão dessa com a criação do MD. Em face de todas as dificuldades conceituais
e políticas apontadas na seção anterior, não é possível comprovar que tenha
havido uma implementação efetiva da PDN. Ao contrário, essa parece ter sido
muito mais uma peça de retórica do que um balizamento concreto para a ação
diplomática e militar. Isso torna-se evidente a partir do momento em que se
constata que o documento não se traduziu em diretrizes específicas para o
preparo castrense e tampouco para o planejamento da política externa
brasileira. A PDN serviu, antes, como uma ferramenta política de dupla função:
avançar na subordinação da caserna ao poder civil e apontar para a mudança das
bases conceituais em que se assentava a preparação militar, vinculando-a à
agenda externa. Adicionalmente, contribuiu para impulsionar a criação do MD na
medida em que sinalizou a intenção do Presidente de romper com o marasmo
burocrático que imperava em meados de 1996. Assim, a existência da PDN, embora
esta não cite o MD em momento algum, criou uma demanda no sentido da
institucionalização de uma burocracia capaz de dar conseqüência ao seu
conteúdo. Logo, a idéia de que a PDN teria se constituído em um passo lógico na
direção do Ministério da Defesa sustenta-se plenamente.
Conclusão
Durante a gestão Cardoso, a prioridade atribuída à inserção competitiva do País
na economia internacional foi acompanhada por um baixo perfil no plano
político, em que a nota mais significativa foi a adesão a praticamente todos os
regimes de não-proliferação de armas de destruição em massa. Note-se que esse
curso de ação, justificado com base na idéia de resgate de hipotecas do
passado, foi implementado sem a negociação de qualquer contrapartida
expressiva. A resultante desse processo revela-se por meio da incorporação e
resolução de uma carregada agenda negativa no campo da segurança internacional.
Não está claro, contudo, se as ações empreendidas tiveram por base reflexão
serena e abrangente sobre as conseqüências de longo prazo do trabalho de
limpeza de pauta realizado. Um dos mais evidentes indícios de que a aludida
reflexão inexistiu pode ser encontrado na própria ausência de nitidez e nas
imperfeições conceituais observadas na Política de Defesa Nacional. Logo, se o
documento normativo de alto nível sobre defesa, elaborado por diplomatas e
militares, possui incongruências consideráveis, como esperar que a política de
enquadramento do Brasil nos regimes de não-proliferação não as tivesse?
Em relação à PDN, constata-se que essa nasce de uma circunstância aleatória - a
disputa entre Marinha e Aeronáutica em torno da aviação naval e não de um
planejamento coerente de construção de um novo arcabouço institucional para o
setor. O resultado dessa circunstância expressou-se por meio da produção de um
documento que não pode ser classificado como uma política de defesa e que se
limita a refletir posições tradicionais da Chancelaria e das Forças Armadas.
Como essas posições não estavam lastreadas em diretrizes claras emanadas do
poder político considerando que os princípios genéricos da Constituição são
insuficientes para especificar as políticas efetivamente praticadas pelas
burocracias pertinentes, a solução encontrada privilegiou a generalidade como
forma de garantir a manutenção daquilo que já existia. A PDN não representou,
portanto, qualquer constrangimento significativo à continuidade das políticas
setoriais pouco articuladas perseguidas por diplomatas e militares. Ao fim e ao
cabo, produziu-se uma síntese imperfeitaentre a política externa e a política
de defesa.
A falta de um elemento integrador das visões do Itamaraty, da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica permanece depois da publicação da PDN. Esse elemento
integrador expressar-se-ia, idealmente, por meio da existência de um consenso
político abrangente capaz de produzir diretrizes de longo prazo precisas,
formais ou informais, sobre o papel a ser desempenhado pelo Brasil no mundo. A
partir daí, seria possível definir as políticas externa e de defesa mais
adequadas para a obtenção dos objetivos almejados, bem como os mecanismos
conjuntos de coordenação e avaliação apropriados. Ocorre que o consenso
necessário ao estabelecimento de um projeto nacional não existia e talvez não
venha a existir em um País complexo e desigual como o Brasil. Na sua ausência,
caberia ao supremo mandatário inferi-lo e implementá-lo durante o período de
seu mandato. Isso, contudo, não ocorreu no caso de FHC. Embora tenha dado
grande atenção à área externa, o setor de defesa pôde ser contemplado apenas de
maneira limitada. Ademais, a cautela com que foi abordada a reformulação do
aparato institucional relacionado ao campo militar deu margem a que dinâmicas
corporativas inerciais fossem mantidas. Muitas das contradições mais evidentes
encontradas na PDN decorrem da manutenção, com pequenas variações de
vocabulário, de concepções antigas e por vezes incompatíveis existentes nos
âmbitos diplomático e castrense. A PDN, a despeito do que precede, foi um
elemento importante, mas não essencial, para o processo de implementação do MD.
No plano empírico, representou um passo lógico no caminho da criação do novo
ministério. Apesar disso, esse só se concretizou a partir do momento em que o
processo de formulação foi ampliado para a esfera civil, saindo do controle
militar.
Constata-se, no entanto, que a PDN e o MD não foram capazes de intensificar a
articulação entre a política externa e a política de defesa. Como já mencionado
nesse artigo, se, ao longo de quase todo o século XX, a diplomacia brasileira
prescindiu do braço armado como elemento de respaldo da ação externa, seria
surpreendente que uma constante tão arraigada fosse modificada pela simples
publicação de um documento declaratório sobre defesa e pela implantação de uma
nova estrutura administrativa responsável pelo tratamento unificado da temática
militar. Da mesma forma, se as forças singulares atuaram durante muitas décadas
com total autonomia em relação às políticas setoriais praticadas pelas demais
forças e pelo Itamaraty, não seria em um par de anos que haveria uma
modificação significativa desse quadro. Mudanças concretas só poderiam ocorrer
na presença de um firme comprometimento do executivo e do legislativo (em
última análise da sociedade) no sentido de aprofundar as reformas em curso.
Ainda que se considere que havia algum interesse pelo tema no âmbito do
executivo, derivado basicamente da intenção presidencial de enquadrar a caserna
em uma moldura institucional disseminada nas democracias do Ocidente, o mesmo
não pode ser dito do legislativo - que manteve quase inalterado seu sólido
desinteresse pelos assuntos relacionados à defesa. Esse fato, somado às
naturais resistências corporativas, conduziu o País à consolidação de uma
reforma a la Lampedusa. Assim, a política de defesa efetivamente praticada
permanece implícita, não-integrada e articulada apenas em nível superficial com
a política externa.
No plano da realidade, as relações entre as Forças Armadas e o Itamaraty, agora
mediadas pelo MD, mantêm-se desvinculadas no que concerne à coordenação de
esforços de longo prazo. Inexiste qualquer mecanismo operacional - ainda que a
Creden, ou o próprio Conselho de Defesa Nacional (CDN), pudesse representar o
foro adequado - de formulação conjunta de políticas, inclusive das de caráter
contingencial. Nessa linha, as esporádicas conversas informais entre diplomatas
e militares, que se processam em base ad hoc, são insuficientes como sucedâneos
de uma coordenação organicamente organizada. Aspecto notável nesse sentido é a
falta de integração no que se refere ao planejamento de ações de contingência
no caso de ameaça à integridade do patrimônio brasileiro localizado na área de
fronteira. Até onde vai a informação disponível, cada força singular possui um
plano específico para esse tipo de situação que não leva em conta os planos
existentes nas demais, sem falar na ausência de procedimentos de consulta à
Chancelaria.76
De acordo com o que se procurou demonstrar ao longo desse artigo, as percepções
de ameaça no Brasil também representam fatores críticos para que se torne
difícil a alteração do quadro atual de baixa articulação sistêmica entre as
políticas externa e de defesa. À medida que a crise da segurança pública se
aprofunda e que não há processos de securitização de ameaças externas
clássicas, cada vez mais pressão é exercida por segmentos da sociedade para que
as Forças Armadas se engajem no combate ao crime organizado. Esse estado de
coisas, caso não se reverta, pode ser desastroso para o País. Isso, pois a
experiência de outras nações alerta para o fato de que o engajamento das Forças
Armadas no combate ao crime possui três conseqüências negativas fundamentais:
debilita a capacidade combatente em função da incompatibilidade entre as
demandas profissionais da atividade policial e da preparação para a guerra,
expõe as instituições castrenses à corrupção e possibilita o comprometimento da
democracia ao franquear à corporação armada de "última instância" a
prerrogativa de intrusão em assuntos que possuem óbvias implicações políticas
como os relacionados à segurança pública.
Somente a partir de um trabalho intenso e continuado com vistas a promover a
difusão de conhecimento sobre as questões concernentes à diplomacia e à defesa,
será factível modificar o atual estado de coisas. Trata-se, em última análise,
de romper a lógica circular perversa existente, caracterizada por:
desinteresse/ desconhecimento/ baixa prioridade política/ baixos orçamentos/
inexistência de controles externos efetivos/ autonomia disfuncional/
irrelevância/ desinteresse/ desconhecimento...Finalmente, partindo do que foi
dito nesse estudo, torna-se inadiável voltar a pensar a política externa de
maneira integral. A reflexão a respeito da instrumentalidade dos meios de
coerção para a sobrevivência e o fortalecimento da posição de um Estado no
sistema internacional não pode, em hipótese alguma, ser considerada um tema
menor. A experiência histórica demonstra que não se forja uma grande nação sem
que essa esteja respaldada por poder militar compatível. No caso brasileiro,
estamos muito longe de romper o limiar que nos separa dos países desenvolvidos.
No entanto, é difícil imaginar como esse limiar possa ser um dia rompido sem
que o País conte com um aparato de defesa condizente com a posição almejada.
Todos os caminhos apontam, portanto, para a necessidade de reconsiderar
urgentemente a interface entre a política externa e a política de defesa
nacionais. Quem sabe refletir sobre o assunto não seja um bom começo?
Outubro de 2003
1 Ver BUZAN, Barry; WEAVER, Ole; DE WILDE, Jaap. Security: a new framework for
analysis. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1998.
2 Ver DANESE, Sérgio. Diplomacia presidencial: história e crítica. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1999.
3 CERVO, Amado. Relações Internacionais do Brasil. In: CERVO, Amado (Org.). O
desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a nossos dias.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. p. 9-58.
4 HELD, David. Democracy and the global order: from the modern State to
cosmopolitan governance. Stanford: Stanford University Press, 1995. p. 92.
5 FONSECA JR., Gelson. Anotações sobre as condições do sistema internacional no
limiar do século XXI: a distribuição dos pólos de poder e a inserção
internacional do Brasil. In: DUPAS, Gilberto; VIGEVANI, Tullo (Orgs.). O Brasil
e as novas dimensões da segurança internacional. São Paulo: Editora Alfa-Omega,
1999. p. 31.
6 LAMPREIA, Luiz Felipe Palmeira. Diplomacia brasileira: palavras, contextos e
razões. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999. p. 18-19.
7 FERREIRA, Oliveiros S. A crise da política externa: autonomia ou
subordinação? Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001. p. 17-18.
8 Ver HELD, David et al.Global transformations: politics, economics and
culture. Stanford: Stanford University Press, 1999. p. 87-148.
9 Ver GOLDEIER, J.M.; McFAIL, M. A tale of two worlds: core and periphery in
the post-Cold War era. International Organization. N. 46: 2, p. 467-491. 1992.
10 Ver HURRELL, Andrew. An emerging security community in South America? In:
ADLER, Emanuel; BARNETT, Michael (Orgs.). Security Communities. Cambridge:
Cambridge University Press, 1998. p. 228-264. KACOWICZ, Arie
M. Zones of peace in the Third World:South America and West Africa in
comparative perspective. New York: State University of New York Press, 1998. HOLSTI, Kalevi J. The State, war, and the State of war.
Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
11 BRIGAGÃO, Clóvis; PROENÇA JR., Domício. Concertação múltipla: inserção
internacional de segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves
Editora, 2002. p. 54.
12 MINISTÉRIO DA DEFESA. História do MD.2001. Disponível em: <http://
www.defesa.gov.br/historia/historia.htm>. Acesso em: 03 out. 2002.
13 Ver OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. O Ministério da defesa: a implantação da
autoridade. In: Research and education in defense and security studies,
Brasília: 1, 2002. p. 6-7. Paper apresentado no painel sobre
estudos de casos sobre ministérios da defesa.
14 Idem. p. 3-4.
15 LEONEL, Benedito Onofre Bezerra. Brasília, jul. 2002. Entrevista concedida ao autor.
16 OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Op. cit., p. 4.
17 LEONEL, Benedito Onofre Bezerra. Op. cit.
18 Idem.
19 CAMPOS, Íris Walquiria. Defesa Nacional. In: LAMOUNIER, Bolívar; FIGUEIREDO,
Rubens (Orgs.). A era FHC, um balanço. São Paulo: Cultura Editores Associados,
2002. p. 465.
20 OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Op. cit., p. 3.
21 HUNTER, Wendy. Assessing civil-military relations in postauthoritarian
Brazil. In: KINGSTONE, Peter R.; POWER, Timothy J. (Orgs.). Democratic Brazil:
actors, institutions and processes. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press,
2000. p. 103
22 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO. Plano Plurianual 1996-1999: mensagem
ao Congresso Nacional. Brasília: Secretaria de Planejamento e Avaliação/MPO,
1996. p. 95.
23 LEONEL, Benedito Onofre Bezerra. Op. cit.
24 Idem.
25 Estudo nº 01/Convice-C. apudEliézer Rizzo de Oliveira. O Ministério da
Defesa: a implantação da autoridade. op. cit. p.5.
26 LEONEL, Benedito Onofre Bezerra. Op. cit.
27 OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Op. cit., p. 11-12.
28 COSTA, José Luiz Machado e. Brasília, out. de 2001. Entrevista concedida ao
autor.
29 Ver BRASIL. Decreto nº 1895, de 06 de maio de 1996.
30 PINTO, Paulo Cordeiro de Andrade. Diplomacia e política de defesa. Brasília:
Instituto Rio Branco, 2000. p. 148.
31 Sobre a estratégia da Marinha e a aproximação do Exército com a Aeronáutica,
ver D'ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (Orgs.). Militares e política na Nova
República. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 38-40.
32 PEREIRA, Mauro César Rodrigues. Entrevista. In: D'ARAUJO,
Maria Celina; CASTRO, Celso (Orgs.). Op. cit., p. 284.
33 CAMPOS, Íris Walquiria. Op. cit., p. 479.
34 O intento do Ministro Mauro César seria posteriormente concretizado por meio
do Decreto nº 2.538, de 8 de abril de 1998.
35 LÔBO, Lélio Viana. Entrevista. In: D'ARAUJO, Maria Celina,
CASTRO, Celso (Orgs.). Op. cit., p. 242.
36 Idem.
37 Havia dois projetos em curso. Um, o chamado projeto FX que visava à
substituição dos envelhecidos e obsoletos caças mirage III por volta de 2005.
Outro, mais premente, e que se arrastava havia muito tempo, tratava da
modernização dos caças F-5 - também obsoletos e totalmente incapazes, assim
como os mirage, de atuar em um teatro de operações moderno. Esse último
projeto, segundo fontes jornalísticas, teria se iniciado em 1986!
38 Ver BRIGAGÃO, Clóvis; PROENÇA JR., Domício.Op. cit., p. 82.
39 LÔBO, Lélio Viana. Op. cit., p. 241.
40 PINTO, Paulo Cordeiro de Andrade. Op. cit., p. 148.
41 COSTA, José Luiz Machado e. Op. cit.
42 PINTO, Paulo Cordeiro de Andrade. Op. cit., p. 150.
43 Idem. p. 151. Note-se que esse conceito, ainda que não propriamente
especificado, aparecerá no texto da PDN.
44 COSTA, José Luiz Machado e. Op. cit.
45 LEONEL, Benedito Onofre Bezerra. Op. cit.
46 DIRETRIZES DA POLÍTICA DE DEFESA: AÇÕES DECORRENTES. 1997. Disponível em:
<http://www.infomarmb.hpg.ig.com.br/diretrizes_do_pdn.htm> Acesso em: 05 dez.
2001.
47 FUJITA, Edmundo Sussumo. Brasília, dez. de 2001. Entrevista
concedida ao autor.
48 LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa
brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001. p. 47.
49 DOCUMENTO SOBRE POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL. Parcerias Estratégicas. O
Quadro Internacional. Item 2.10. Vol. 1, nº 2, p. 10, dez. 1996.
50 Sobre a relação poder militar-política externa, ver CAVAGNARI, Geraldo
Lesbat. Introdução Crítica a Atual Política de Defesa. Carta Internacional,ano
IX, nº 96, fev. 2001. p. 11-12.
51 Para um depoimento esclarecedor sobre o pensamento da liderança do Exército
Brasileiro sobre as "estratégias" a serem perseguidas, ver LUCENA, Zenildo
Zoroastro de. Entrevista. In: D'ARAUJO, Maria Celina, CASTRO,
Celso (Orgs.). Op. cit. p.203-225. Para uma crítica aguda das incoerências
resultantes da coexistência das "estratégias" da presença e da dissuasão, ver
BRIGAGÃO, Clóvis; PROENÇA JR., Domício.Op. cit., p. 74-81.
52 FLORES, Mário César. Rio de Janeiro, dez. de 2001. Entrevista concedida ao autor.
53 CAVAGNARI, Geraldo Lesbat. Op. cit., p. 11.
54 Idem.
55 PARANHOS, José Maria da Silva Apud RICUPERO, Rubens. Barão do Rio Branco:
uma biografia fotográfica. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1995. p.
114-115.
56 Eram eles o Ministro Edmundo Fujita, Subsecretário de Análises e Avaliação,
o Conselheiro Paulo Cordeiro, Diretor do Centro de Estudos Estratégicos, e o
Conselheiro José Luiz Machado e Costa, cedido pela Presidência da República à
SAE especificamente para o exercício de elaboração da PDN.
57 O Itamaraty era representado pelo Secretário de Planejamento Diplomático,
embaixador Lúcio Amorim, a Marinha pelo almirante Davena, o Exército pelo
general Câmara Sena, a Aeronáutica pelo brigadeiro Candiotti, o Emfa pelo
general Ariel e a Casa Militar por vários coronéis que se alternavam.
58 PEREIRA, Mauro César. Entrevista, por escrito, concedida ao autor. Londres,
jul. de 2002.
59 Ver FUJITA, Edmundo S. Uma Política de Defesa Sustentável para o Brasil.
Parcerias Estratégicas. Vol. 1, nº 5, set. 1998. Disponível em: <http://
www.mct.gov.br/CEE/revista/Parcerias5/polidesu.htm>. Acesso em: 05 dez. 2001.
60 PROENÇA JR., Domício; DINIZ, Eugênio. Política de defesa no Brasil:uma
análise crítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 18.
61 CARDOSO, Fernando Henrique. Discurso proferido em 07 de novembro de 1996
quando do lançamento da Política de Defesa Nacional. Parcerias Estratégicas.
Vol. 1, nº 2, dez. 1996. p. 18. Para uma definição conceitual
sobre o que seria Política Militar e Estratégia Militar, ver LONGO, Airton
Ronaldo. Planejamento Estratégico da Marinha. Revista Marítima Brasileira.Vol.
122, nº 04/06, abr./jun. 2002. p. 29.
62 GUSMÃO, Luiz Guilherme Sá de. Política de Defesa Nacional: uma análise
crítica e comparativa. Revista Marítima Brasileira.Vol. 122, nº 04/06, abr./
jun. 2002. p. 202.
63 DOCUMENTO SOBRE POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL. Parcerias Estratégicas.
Orientação Estratégica. Item 4.1. Op. cit., p. 11.
64 Idem. Itens 3.3B e 3.3C. p. 11.
65 Ibidem. Item 2.12. p.10..
66 MIYAMOTO, Shiguenoli. A Política de Defesa Brasileira e a Segurança
Regional. Contexto Internacional.Vol. 22, nº 2, jul. 2000. p.465-466.
67 DOCUMENTO SOBRE POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL. Parcerias Estratégicas.
Introdução, Itens 1.3 e 1.4. Op. cit., p.7.
68 Idem. Itens 1.2, 1.3, 1.4, 1.6, 2.5, 2.8, 2.9, 2.11, 2.13, 3.2, 3.3E, 3.3F,
3.3G, 4.2, 4.3, 5.1A, 5.1B, 5.1C, 5.1D, 5.1E, 5.1F, 5.1G, 5.1H. p.7-15.
69 Ibidem. Item 4.2. p. 11.
70 HUNTER, Wendy. Op. cit. p. 116.
71 FONTOURA, Paulo Tarisse da. Brasília, jun. de 2002. Entrevista concedida ao
autor.
72 OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Política de Defesa Nacional e relações civis-
militares no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Caderno
Premissas. Nº 17-18, maio de 1998. p. 61-68.
73 Ver ALSINA JR., João Paulo Soares. Relações civis-militares e política de
defesa no Brasil e na Argentina pós-transição. Brasília: mimeo, dez. 2001. 26
p.
74 DOCUMENTO SOBRE POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL. Op. cit., p.13.
75 OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Op. cit., p. 67.
76 FLORES, Mário César. Op. cit.