China: a ascensão pacífica da Ásia Oriental
Introdução
A China tem reiterado que sua condição atual de potência emergente deve ser
entendida como uma nova fase histórica, marcada por "ascensão pacífica" do
país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e relações com o exterior.
Nesse contexto, no artigo pretende-se, por um lado, examinar o crescente
compromisso de Pequim com as nações ao Sul de suas fronteiras, que
representariam o agrupamento regional onde aconteceria, prioritariamente, esta
"ascensão chinesa". Por outro, será analisado o papel de força motora e de
fonte de inspiração que a Asean1 vem desempenhando nesse processo que, na
prática, representaria o ressurgimento da cooperação entre o antigo "Império
Chinês" e o Sudeste Asiático, de forma a proporcionar a "ascensão pacífica" não
apenas chinesa, mas da Ásia Oriental.
Verifica-se, a propósito, o esforço atual de Pequim em recorrer à História, em
busca de versão benigna à viagem do almirante Zheng He2, ocorrida há seiscentos
anos, ao Sudeste Asiático3. Ademais a diplomacia chinesa teria, hoje, entre
seus objetivos principais, o de traçar, em seu favor, o perfil de uma Ásia
Oriental, diferenciada das propostas mais amplas da Bacia do Pacífico.
Há meio século, os asiáticos buscam formar um grupo regional próprio. Na década
de 1960, consolidou-se a Asean, que permitia aos países de economia de mercado
no Sudeste Asiático, se identificarem politicamente como a "vitrine do
capitalismo" naquela parte do mundo. Vinte anos após, a Ásia Oriental e a
América do Norte formularam o conceito de "Ásia-Pacífico", que seria
consolidade pela Apec4, incluindo a Oceania e países da América do Sul banhados
pelo mesmo oceano. Assim, com o término da Guerra Fria, criou-se o consenso de
que a Bacia do Pacífico, incluindo suas vertentes asiática e norte-americana,
forneceria os mecanismos de sustentação políticos, militares e econômicos para
que a Ásia pudesse competir com agrupamentos regionais em formação na América
do Norte e Europa Ocidental.
No momento, os asiáticos parecem se identificar mais com um novo conceito de
Ásia Oriental. As preocupações regionais, então, estariam voltadas para a
formação de um mega bloco que abrangeria os atuais dez membros da Associação do
Sudeste Asiático mais China, Japão e Coréia do Sul, também chamado de Asean+3.
Este tipo de forma de agregação, incluindo apenas países asiáticos, deixando de
fora as "nações brancas" da orla do Pacífico (EUA, Canadá, Austrália, Nova
Zelândia e as da América Latina), tem sua origem na proposta de um East Asia
Economic Caucus (EAEC)5, apresentada pelo ex-Primeiro-Ministro da Malásia,
Mahathir, no início da década de 1990.
Neste artigo pretende-se examinar a possibilidade de que a "equação 10+3"
evolua, da soma dos mercados do Sudeste e do Nordeste da Ásia, para mecanismo
institucional que permita que os dez países membros da Asean mais a China, o
Japão e a Coréia do Sul venham a desenvolver uma "Comunidade da Ásia Oriental".
O foco do trabalho, tendo em vista as limitações que são impostas a sua
extensão, será restrito às relações entre a China e o Sudeste Asiático. Deixam
de ser analisados os aspectos quantitativos destes vínculos. Apenas as
dimensões política, cultural e de segurança serão tratadas ficando a econômica,
excluída.
Não serão estudados, portanto, os vínculos do Japão e da Coréia do Sul
respectivamente o décimo-segundo e décimo-terceiro possíveis integrantes da
referida comunidade com os dez da Asean mais a China. Tampouco, serão
consideradas as relações, nem os interesses de países situados fora da Ásia
Oriental. Assim, inicia-se o trabalho com menções à criação de vínculos
culturais entre a China e o Sudeste Asiático, no século XV. Em seguida, são
feitas referências à expansão comercial européia e suas consequências políticas
na Ásia. Lembra-se a influência dos ideais revolucionários da RPC, a partir de
1949, ao Sul de suas fronteiras. São analisadas as origens da Asean e sua
interação com a diplomacia chinesa. Finalmente, chega-se ao momento presente,
quando é anunciada a ascensão pacífica da Ásia Oriental.
O perfil da influência cultural chinesa
Desde o início da Dinastia Yin, em 3000 A.C., a nação chinesa desenvolveu sua
própria civilização em isolamento, sem se defrontar com concorrente algum entre
as culturas vizinhas. As tribos periféricas foram sempre menos adiantadas e,
com freqüência, aceitavam o imperador chinês como seu próprio suserano6.
A ausência de rivais levava os chineses a dedicarem desprezo aos povos situados
em seu entorno. Mesmo em momentos de fraqueza da China, quando alguns destes
chegaram a invadí-la, como no caso dos mongóis (século XII), os bárbaros
acabavam sucumbindo perante a superioridade da cultura chinesa. Não havia,
portanto, a noção de igualdade entre Estados.
Os chineses desenvolveram, bem cedo, uma visão sinocêntrica do mundo. Este
pensamento, incluía dois componentes principais. O primeiro era a idéia de que
o imperador da China reinava sobre aquele país e as áreas vizinhas, sem que,
entre estas, fosse estabelecida qualquer distinção ou limites geográficos eram
consideradas simplesmente uma vasta mancha amorfa.
O segundo aspecto dizia respeito à percepção chinesa de que o mundo dentro dos
limites então alcançáveis poderia ser governado de forma harmoniosa e pacífica,
como uma sociedade ideal, sob o mando de um imperador virtuoso. Unidade e
harmonia eram, assim, os objetivos a serem atingidos, numa visão utópica de
como deveriam estabelecer-se as relações internacionais, sempre ditadas a
partir de um centro de decisões localizado dentro da China7. Traço também
característico, resultante dessa noção de superioridade chinesa, era a atitude
de desdém com respeito ao comércio internacional, delegado a populações de
outras etnias.
Até o século XIX, a China permaneceu como a força política dominante, bem como
o radiante centro de civilização na região, em virtude de seu desenvolvimento
cultural e sofisticado sistema de organização política. Por isso, os países do
Sudeste Asiático ou "Nanyang", como a área era conhecida pelos chineses - eram
mais ou menos atraídos à esfera de influência chinesa, em busca de fonte de
inspiração e legitimidade política. O Império chinês compensava, atribuindo à
Nanyang vínculos especiais.
Tal coincidência de interesses gerou a formação de esquema de vassalagem, em
que praticamente todos os países da região pagavam tributos à China, em troca
de reconhecimento, de proteção militar e assistência, quando de situações de
crise. Em diferentes ocasiões, a China chegou mesmo a intervir, tanto política
quanto militarmente, fosse a convite de governos locais para restaurar a ordem,
fosse por sua própria iniciativa para manter a estabilidade e a paz em suas
fronteiras.
Cabe ressaltar que as relações da China com o Sudeste Asiático foram
historicamente cordiais, marcadas pela busca constante do equilíbrio regional.
Os chineses, sem nunca renunciarem a sua visão sinocêntrica do mundo,
demonstravam determinação no sentido de pacificarem os "bárbaros" situados ao
sul de suas fronteiras, ao mesmo tempo em que procuravam transmitir-lhes suas
normas de comportamento confucionista8.
A moldura política pretendida pelo Império do Centro, contudo, era de caráter
eminentemente cultural, sem o estabelecimento de presença política direta no
Sudeste Asiático, sempre que seus vizinhos não representassem ameaça ao
equilíbrio da área. Nesta perspectiva, a influência criada pela China era
expressa pela sua incontestável superioridade em termos de organização política
e social e produção de normas éticas de procedimento, executadas exemplarmente
pelos próprios chineses na convivência entre nações. Não se procurava o domínio
econômico ou a conquista territorial dos Estados vizinhos, com o emprego da
força. Como resultado, o Sudeste Asiático tinha a percepção constante da
existência de uma potência regional a ser levada em conta, mas não
permanentemente temida9.
A razão principal para que a China exercesse papel estabilizador na área,
portanto, era devida à adoção pelos países vizinhos de sistema político-social
semelhante ao monárquico chinês. Suas economias funcionavam, também, de forma
similar e, por meio de intenso intercâmbio comercial, eram complementares.
Não existe um padrão de coerência e continuidade que permita traçar a evolução
histórica da área da Bacia do Pacífico, até o século XX, de acordo com a
metodologia normalmente utilizada para o estudo do progresso de civilizações ao
redor do Mediterrâneo e Atlântico10. Isto é, enquanto a China simplesmente
encarava os Estados ao Sul de suas fronteiras como a periferia de seus
domínios, naquelas outras partes do mundo desenvolvia-se intenso intercâmbio e
trocas de influência, entre formações sociais, cujo peso político variou
através dos séculos, ora se equivalendo, ora uma superando a outras mas,
sempre, interagindo.
O interesse dos chineses pela "bacia" do oceano que banha seu país, por outro
lado variou muito em intensidade, no decorrer do tempo. Nunca houve uma visão
estratégica ou de conjunto com respeito à "Nanyang". O nome "Pacífico" só foi
cunhado no século XVI, por Fernando Magalhães, após ter navegado por mares bem
mais agitados, em seu entender.
Em linhas simplificadas, contudo, é possível verificar que tal formato de
relacionamento foi fonte, tanto de moldura de estabilidade regional que
perdurou durante séculos, quanto de grande parte das tensões e percepções de
ameaças hoje existentes.
O contato com o expansionismo comercial europeu
Devido a seu isolamento já milenar e, em parte, pelo conhecimento de relatos de
viagens épicas, o Império chinês considerava-se o centro do mundo, inclusive
pelo fato de que, até a consolidação do expansionismo comercial europeu na
Ásia, não se havia defrontado com alguma civilização rival.
A ruptura efetiva causada pelos exploradores do Ocidente, a partir do século
XVI, afetou a vida na China em diferentes níveis, sem que se possa analisá-los
em toda amplitude, pelas limitações impostas a este artigo. Os principais
pontos de interesse, de qualquer forma, dizem respeito às alterações produzidas
no modo, até então vigente, das relações da China com seus vizinhos, bem como
pela criação de vínculos de dominação ditados pelas potências européias
conquistadoras com suas novas colônias.
O impacto sentido na Ásia-Pacífico evoluiu lentamente e com diferentes
patamares de intensidade, a partir da chegada inicial dos portugueses no
Sudeste Asiático, e seu gradativo avanço para o Sul da China. Pouco alterou-se,
no entanto, o ordenamento em que a China continuava a ser a potência asiática
dominante, afetada apenas na periferia por um comércio florescente com outros
continentes.
Com a entrada dos britânicos na disputa por fatias do mercado da Ásia, durante
o século XVII, aumentou sensivelmente a influência européia, trazendo consigo
novas formas de hegemonismo. Como se sabe, o período em que Britannia rules the
waves pode ser iniciado apenas após o término da Guerra dos Sete Anos, que, até
1763, drenava-lhe grande volume de recursos. Encerrado aquele conflito, criou-
se a necessidade de a Grã-Bretanha vir a exportar seu excedente de mão-de-obra,
como colonos para diferentes partes do mundo. Com a posterior vitória sobre
Napoleão, Londres veio a afirmar-se como a potência marítima dominante do
século XIX.
Em 1824, foi assinado, com a Holanda, acordo que dividia os interesses
imperiais das duas metrópoles européias de maior irradiação na Ásia, resultando
na concentração dos esforços holandeses na Indonésia. De sua parte, os
britânicos, então empenhados na Primeira Revolução Industrial, passaram a
demandar insumos coloniais. Para a produção de monoculturas, promoveram o
deslocamento de milhares de chineses e indianos à península da Malásia, criando
desequilíbrio étnico até hoje sentido na região, além do estabelecimento de
vínculos de dependência de uma economia, a partir de então, voltada para a
exportação de matérias primas.
A partir do século XIX, a expansão colonial européia e o declínio do Império
Chinês começaram, portanto, a traçar moldura de relacionamento bastante
distinta da que existira, até o momento, entre a China e o Sudeste Asiático.
Por um lado, perderam importância os canais de comunicação em nível de governo,
visto que, com a presença dos novos colonizadores, cessaram as relações de
vassalagem e o sentido de proteção até então garantido pela China. Por outro,
deu-se início o grande fluxo migratório de forma a que, nos cem anos seguintes,
milhões de chinese transferiram-se para o Sudeste Asiático, em fuga dos
constantes conflitos internos e dificuldades econômicas de seu país11. Tais
emigrantes passaram a constituir poderosos laços afetivos com a China, além de
instituírem sólido intercâmbio comercial e remessa de recursos financeiros a
familiares em seu país de origem.
Na medida em que se foi desenvolvendo o movimento de luta pró-republicanismo na
China, os chineses do além-mar passaram a constituir valiosa fonte de apoio
político e financeiro a ser cultivada pelo líderes revolucionários. A seguir,
tais relações foram igualmente preservadas pelo Governo Republicano, instalado
em 1912, em seus esforços para promover a reconstrução interna e estabelecer
contatos com o exterior12.
Cabe mencionar, a propósito, que tendo sido o primeiro país asiático a adotar o
regime republicano, a China passou a apoiar os esforços das nações do Sudeste
Asiático no sentido de obterem independência das metrópoles européias. Para
tanto, os chineses efetuavam propaganda dos ideais nacionalistas e de luta
anticolonial, ao mesmo tempo em que forneciam ajuda material aos incipientes
movimentos de libertação13.
A identidade de interesses perdurou, no início da década de 1940, quando a luta
de resistência dos chineses contra o expansionismo japonês coincidiu com iguais
esforços, então desencadeados no Sudeste Asiático, também vítima da agressão
nipônica. Os chineses de ultramar tiveram papel de destaque, tanto como
participantes diretos, quanto como fornecedores de recursos para a guerra
contra o Japão, na China e ao Sul de suas fronteiras14.
Pouco alterou-se, no entanto, a visão que os dirigentes chineses historicamente
tiveram com respeito a seus vizinhos na área de Nanyang. Com o crescente
estabelecimento de fortes comunidades de origem chinesa no Sudeste Asiático,
Pequim considerou ainda dispor de autoridade política para mobilizar, quando
julgasse necessário, aquelas populações em favor de interesses da China. Esta
continuava a acreditar-se centro de irradiação a influenciar, agora, aquela
região no sentido da luta antiimperialista, segundo palavras de ordem ditadas
da capital chinesa.
Tal avaliação, contudo, deixou de ser correspondida pelas nações do Sudeste
Asiático, que já não viam mais a China como modelo a ser imitado, desde o
início da ocupação européia, em meados do século XIX. A China falhara como
protetora contra aqueles colonizadores, que haviam demonstrado ter maior poder
militar e de organização. O exemplo a ser então copiado era o das potências
coloniais ocidentais e o soviético.
A interrupção dos contatos governamentais destruiu, igualmente os laços
existentes entre Pequim e as autoridades institucionais naquela parte do mundo.
Ainda durante o período da Segunda Guerra Mundial, o Governo Nacionalista
chinês, apesar da retórica de condenação ao imperialismo colonial europeu,
aliara-se aos britânicos e franceses, contra os japoneses. Com o término do
conflito, os dirigentes da China concordaram com a retomada das antigas
colônias por aquelas metrópoles.
Chega-se, então, à fundação da República Popular da China, em 1949. Começa a
mudar a moldura política de estabilidade formada pelo relacionamento daquele
país com o Sudeste Asiático. Surge o problema real e concreto criado pela
existência de insurgentes, de origem étnica chinesa e filiados a partidos
comunistas ditos de inspiração maoísta. A RPC procura exportar sua revolução
para os países asiáticos, onde minorias sínicas se haviam instalado.
Surgem diferenças de percepção entre a China e o Sudeste Asiático
No início da década de 1960, a República Popular da China iniciava processo de
radicalização interna, com expressivos reflexos em suas relações com o
exterior. Em contrapartida, a região do Sudeste Asiático começava a apresentar
perfil próprio. Era a fase da conquista da independência de nações daquela
área, sob o formato de Estados modernos. A Nanyang deixara de ser uma vasta
mancha cinzenta, da época áurea do hegemonismo do Império chinês. Evoluía,
naquele momento, da situação em que se marcava no mapa político regional, com
vermelho as colônias britânicas, com verde as francesas e amarelo a holandesa.
Começava a entrar na Era da "Guerra Fria", em que os países seriam definidos,
no vermelho ou no azul, em função de seu alinhamento com os objetivos
estratégicos globais das superpotências. Nesse contexto, fundada em 8 de agosto
de 1967, por meio da Declaração de Bangkok, a Associação das Nações do Sudeste
Asiático foi o terceiro agrupamento a ser formado no Sudeste Asiático, após a
Segunda Guerra, sem ter caráter de aliança militar15.
No domínio "intramural"16, a Associação defrontou-se, logo no início de sua
existência, com a necessidade de expandir e institucionalizar o processo de
reconciliação que vinha superando a konfrontasi entre a Indonésia e a Malásia,
durante o período de 1963 a 1966. Logo surgiram problemas de difícil solução.
As Filipinas reiteraram sua antiga reivindicação sobre Sabah. O Brunei tinha
pretensões quanto a parte do território de Sarawak. Pior ainda, o então
presidente Sukarno passou a encarar a iniciativa do Tunku Abdul Rahman como
destinada a desestabilizar a Indonésia.
A Malásia foi formada, sem a adesão do Brunei, que alegou apenas não desejar
partilhar sua riqueza petrolífera. A Indonésia rompeu relações diplomáticas e
declarou-se em estado de "confrontação" contra o novo país. Manila também
cessou seus laços com Kuala Lumpur.
Já em 1966, os ânimos regionais haviam-se acalmado. A Tailândia desempenhara
papel de relevo como mediadora para o término das hostilidades. Cingapura
havia-se separado da Federação da Malásia, devido ao que julgava ser excessiva
concentração de poder em Kuala Lumpur.
Os dirigentes dos cinco países Tailândia, Malásia, Cingapura, Indonésia e
Filipinas passaram então a sentir necessidade de criar novos vínculos entre si,
no âmbito de associação que viesse a contornar problemas gerados tanto pela
dinâmica regional, quanto pelo envolvimento das superpotências no Sudeste
Asiático, onde se agravava a guerra no Vietnã.
No plano externo, quando de sua fundação, a Asean foi entendida como a
expressão de países que pretendiam apresentar-se ao Ocidente industrializado
como área dedicada aos propósitos de uma economia de mercado. Além de não se
situarem em região diretamente inserida na fronteira ideológica dos Estados
Unidos da América como acontecia com a Coréia do Sul, Taiwan e o então Vietnã
do Sul Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia não desejavam,
tampouco, aparecer como promotoras de bloco militar semelhante à Seato17. Tudo
o que pretendiam, em nível de sua inserção nas relações internacionais, era
salientar, perante o conturbado panorama político regional da época, sua
vocação capitalista e reivindicar, portanto, o apoio da superpotência de igual
sistema.
A reação inicial chinesa, com respeito à formação da Asean, foi de condenação,
como aliança de "lacaios dos norte-americanos, formada a pretexto de cooperar
economicamente mas, na verdade, tratando-se de agrupamento militar dirigido
especificamente contra a China"18. A explicação para tal atitude de Pequim é
encontrada no fato de que, então no auge da guerra do Vietnã, os EUA
utilizavam-se de bases aéreas na Tailândia e Filipinas, para atacar objetivos
no território vietnamita.
O enfoque chinês começou a mudar, contudo, a partir do estabelecimento de nova
linha política da Asean, decidida durante sua Reunião Extraordinária de
Ministros dos Negócios Estrangeiros, na capital da Malásia, em novembro de
1971. A chamada "Declaração de Kuala Lumpur", visava à criação de uma Zona de
Paz, Liberdade e Neutralidade no Sudeste Asiático (em sua sigla inglesa
ZOPFAN)19.
"Paz e Neutralidade" vinham ao encontro do interesse chinês, no sentido de
constituir oposição ao aumento da presença, tanto dos EUA, quanto da URSS
naquela parte do mundo. Assim, a RPC chegou a enviar mensagem congratulatória
pela formação da ZOPFAN, com ênfase em sua determinação quanto ao
estabelecimento de área de "neutralidade".
Com o término da Guerra do Vietnã, em 1975, melhorou o diálogo entre a China e
a Associação. Assim, dois anos após, Pequim chegou mesmo a expressar seu apoio
à iniciativa que estabeleceu vínculos especiais entre a Asean e os EUA, Japão,
CEE, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Coréia do Sul.
O processo de abertura da RPC e sua influência no Sudeste Asiático
Existe o consenso de que o processo de abertura da China para o exterior teve
início em 1978, quando os dirigentes em Pequim reconheceram a falência do
modelo econômico centralmente planificado que o país vinha adotando. Sob a nova
liderança, tornou-se mais pragmática também a postura chinesa no plano externo
e os dirigentes chineses apresentaram inovações, como a teoria dos "Três
Mundos"20.
Segundo este novo discurso chinês, a Asean representaria, em meados da década
de 1970, exatamente o tipo de interlocutor capaz de implementar a cooperação
entre países do Terceiro Mundo e entre estes e o Segundo Mundo, conforme
defendido pela China, em oposição ao congelamento das esferas de influência das
superpotências ambas integrantes exclusivas do Primeiro Mundo imaginado pelos
chineses21.
Tais desenvolvimentos induziam, desde então, à percepção de que a estrutura de
poder bipolar, que vinha permeando a região, estaria sendo alterada em função
de nova "multipolaridade" em que quatro potências principais os Estados Unidos,
a União Soviética, a China e o Japão teriam, doravante, sua parcela de
influência na região.
A Malásia propôs, em 1971, o estabelecimento de uma Zona de Paz, Liberdade e
Neutralidade (na sigla inglesa ZOPFAN). A iniciativa estava em sintonia com a
idéia prevalecente, desde a criação da Asean, de isolar a região do alcance da
confrontação entre as superpotências, e preservá-la de conflitos entre os
membros da associação.
Autores como Donald E. Weatherbee, em estudo intitulado The Diplomacy of
Stalemate22, afirmam que a proposta de uma Zona de Paz, Liberdade e
Prosperidade teria origem direta na doutrina de national resilience. Isto é,
derivava da necessidade dos países da Asean desenvolverem, tanto individual,
quanto coletivamente, sua capacidade de mobilizar todos os recursos
disponíveis, com o objetivo de garantir sua segurança interna e externa.
Em 1976, as transformações revolucionárias ocorridas na Indochina levaram à
Primeira Reunião de Cúpula da Asean, em Bali, Indonésia. Na ocasião, os chefes
de Estado e Governo consagraram a idéia de cooperação política em documento
intitulado Declaration of Concord, que incorporava, em parte, as idéias da
ZOPFAN.
O avanço foi obtido, no campo institucional, com a decisão quanto ao
estabelecimento de um Secretariado Permanente, em Jacarta. Ainda como resultado
deste Summit, foi também acordado o Tratado de Amizade e Cooperação, que
pretendia servir de incentivo para trazer o Vietnã, então reunificado, para o
convívio pacífico junto aos demais países do Sudeste Asiático.
Com a invasão do Camboja pelas tropas vietnamitas, em 1978, a Asean passou a
defrontar-se com a questão que viria praticamente a justificá-la,politicamente,
perante o resto do mundo. Lembra-se, a propósito, que, também neste período, a
Ásia Pacífica vinha crescendo em notabilidade, em função do progresso acelerado
do Japão e dos chamados Tigres Asiáticos.
A questão cambojana veio, então, a demonstrar o poder de interlocução da
Associação, como um agrupamento regional em condições de apresentar posições em
comum, perante a comunidade internacional. Isto é, até que o Vietnã retirasse
suas tropas do Camboja, em 1991, a Asean dedicava ênfase prioritária à pressão
para que se chegasse a esta conclusão. Nesta perspectiva, verifica-se que,
durante o período que poderia ser considerado como a primeira fase do
agrupamento regional, até 1976, os aspectos referentes à cooperação e
integração foram praticamente ignorados, vistas à ênfase colocada nas
acomodações políticas e iniciativas diplomáticas conjuntas.
Naquele ano, com a Declaration of Asean Concord, já referida anteriormente,
efetuou-se esforço significativo no sentido do incremento das relações
econômicas, na medida em que, pela primeira vez, foi criada a moldura no âmbito
da qual a cooperação e integração poderiam ser implementadas.
A idéia força para tal empreendimento era a mesma que permitira o bom diálogo
político entre os membros, isto é, o perigo então representado pelo avanço
comunista na península indochinesa. A melhor forma para os países-membros da
Associação protegerem-se contra a ameaça do fortalecimento dos movimentos
internos de insurgência, inspirados pela vitória de Hanói, seria a promoção
acelerada do desenvolvimento econômico.
A segurança regional na década de 1990
O término da Guerra Fria, na década de 1990, exerceu impacto profundo e sem
precedentes no Sudeste Asiático. A região passou a experimentar, então,
dinâmica própria, com ajustamentos nas relações entre os países da área, bem
como entre estes e potências externas.
O conceito regional de segurança passou a não se resumir mais a fatores como os
de defesa de territórios, dissuasão militar e competição entre alianças. O
colapso dos regimes autoritários na Europa Oriental e a emergência de vastos
blocos comerciais, no continente europeu e na América do Norte, atestavam que
existiriam, agora, ameaças diversificadas à estabilidade dos Estados.
Como conseqüência, os países da área passaram a associar "segurança" com a
capacidade de cada nação e da região como um todo, tanto de promover o
desenvolvimento econômico, quanto de resistir à agressão externa. Tal conceito
foi definido como de resilience, seja no plano nacional ou regional. Iniciaram-
se, então, esforços no sentido da introdução de confidence building measures no
Sudeste Asiático, que evitassem possibilidades de conflito, bem como
proporcionassem canais permanentes de diálogo para a discussão intra e extra-
regional sobre temas políticos, econômicos e militares.
No quadro mais amplo das relações entre a China e o Sudeste Asiático, notou-se
que, com a falência do quadro internacional de confrontação leste-oeste,
prevalecente desde o término da Segunda Grande Guerra, surgiram diferenças de
percepções entre Pequim e as capitais Aseanistas, quanto a ameaças antigas e
novas à segurança e estabilidade regional. Isso porque, durante a fase de
bipolaridade mundial, tratava-se, principalmente, de conter o perigo do
expansionismo de uma das superpotências, dependendo da opção ideológica que
cada capital houvesse feito. Para tanto, criara-se, entre os aliados do
Ocidente, toda uma bem sucedida aliança contra Moscou, enquanto se fortaleceram
os vínculos entre a então União Soviética e sua área de influência.
A partir do colapso da URSS e do paradigma de Yalta, deixou de existir uma das
fontes tradicionais de ameaça. O que restou do comunismo, desde então, não mais
seria uma linha divisória, separando inimigos. Um pragmatismo saudável, voltado
para o intercâmbio econômico e desvinculado de considerações ideológicas,
passou a prevalecer nas relações entre Estados. Rússia, China e Vietnã
estabeleceram vínculos diplomáticos com a Coréia do Sul, enquanto a RPC e a
Indonésia reestabeleceram os seus. Os EUA e o Vietnã trocaram embaixadores.
O mesmo aparato de segurança estabelecido na Ásia-Pacífico, durante a Guerra
Fria, permanecia instalado. Este mostrava-se, no entanto, inadequado para
eliminar focos de instabilidade, que emergiam como prioritários e demandavam
novas modalidades de cooperação para solucioná-los.
Os problemas entre a China e o Sudeste Asiático, na década de 1990, como foi
analisado, tinham origens históricas, que levavam alguns países a acreditarem
que Pequim julgaria ter direito a influenciar os acontecimentos em sua antiga
área de hegemonia cultural e dependência política.
A partir do término da Guerra Fria, o ponto de confrontação entre a China e o
Sudeste Asiático era o Mar do Sul da China, onde se encontram em disputa ilhas
denominadas Paracels, Pratas, Macclesfiels Band e Spratlys. Além da RPC,
reivindicam soberania sobre o arquipélago Vietnã, Malásia, Filipinas, Taiwan e
Brunei.
Nas capitais Aseanistas, havia intenso debate sobre as intenções chinesas
quanto ao referido mar meridional. A versão histórica então corrente era a de
que se tratava de determinação de Pequim no sentido de demonstrar, na questão
das ilhas em disputa, a mesma intransigência exibida no que diz respeito à
incorporação de Hong Kong e Taiwan. Isto é, tratar-se-ía de demarcação final do
território da China, por meio da eliminação de qualquer vestígio da ocupação
das potências ocidentais, iniciada no século passado. Fator especial de
irritação para as demais partes interessadas dizia respeito à proposta chinesa
de apenas discutir a exploração conjunta da referida riqueza, sem colocar em
questão a soberania sobre as ilhas.
Com o objetivo de contornar tais atritos, foram efetuados esforços no sentido
do estabelecimento de novas estruturas de segurança regional, que promovessem
medidas de criação de confiança mútua e segurança na Ásia-Pacífico,
proporcionando relaxamento de tensões e promovendo o controle de esforços
armamentistas. Grande parte dessas conquistas foram obtidas, com a participação
da RPC, no âmbito de reuniões pós-ministeriais da Associação das Nações do
Sudeste Asiático, a partir de 1994, no que se convencionou chamar de Asean
Regional Forum, que congrega, anualmente, os dirigentes das diplomacias dos dez
integrantes da associação, Cingapura, Malásia, Indonésia, Filipinas, Tailândia,
Brunei, Laos, Camboja e Vietnã; de seus parceiros de diálogo, Estados Unidos,
Canadá, União Européia, Japão, Coréia do Sul, Austrália e Nova Zelândia; e de
observadores, Rússia, China, Mongólia e Papua Nova Guiné.
Novo paradigma: Asean+1
O novo milênio iniciou-se, na Ásia Oriental, com transformações paradigmáticas
nas relações entre a China e o Sudeste Asiático. Nesse sentido, as dimensões de
segurança, econômica e política foram profundamente afetadas por uma herança
cultural comum, de origem chinesa.
Em parte devido à determinação dos Estados Unidos de agir unilateralmente e
pelo emprego da força militar, após os atentados de 11 de Setembro de 2001, a
Ásia Oriental passou a valorizar agenda de segurança própria, com ênfase em
acordos intra-regionais, principalmente decorrente de entendimentos entre a
China e a Asean. Assim, em 19 de agosto de 2003, em Wuyishan, província chinesa
de Fujian, a RPC agregou sua assinatura ao Tratado de Amizade e Cooperação, que
já incluía os dez países do Sudeste Asiático, integrantes daquela Associação.
Ademais, durante os últimos anos, a China lançou as fundações para um novo
relacionamento com as nações do Sudeste Asiático23. Vem sendo fortalecida,
assim, a vertente da cooperação no âmbito da Ásia Oriental, na medida em que se
concede menor ênfase aos vínculos entre as margens asiática e norte-americana
do Oceano Pacífico.
A China tomou a iniciativa, por exemplo, da proposta de uma Área de Livre
Comércio com a Asean, com clara motivação política, causando preocupação junto
ao Japão e Estados Unidos, que, desde a fundação da Organização Mundial do
Comércio, têm buscado expandir suas relações comerciais com o resto do mundo
por meio, justamente, de instituições globais, como a OMC.
Pequim, no entanto, preferiu propor a referida área de livre comércio com a
Asean, em 2001, logo após o ingresso da China na OMC. O "Acordo sobre o
Comércio de Bens", assinado, em novembro de 2004, ao final da X Reunião de
Cúpula da Asean, representa proposta de um Framework Agreement on Comprehensive
Economic Cooperation entre a Asean e a China e é apenas parte de um maior
engajamento da RPC na região.
Em seguida, foi assinada uma "Parceria Estratégica" com aquela sub-região, que
inclui ampla cooperação, nos setores de segurança e político. A China também
firmou um "Tratado de Amizade e Cooperação, a Declaração sobre a Conduta das
Partes do Mar do Sul da China", em 2002, comprometendo-se a agir com cautela
quanto às ilhas em disputa. A RPC anunciou, também, sua disposição de assinar o
protocolo ao Treaty of the Southeast Asia Nuclear Weapon-Free Zone (SEANFZ) que
as nações do Sudeste Asiático reivindicam há tempo. Tal decisão colocaria a
China favoravelmente na região, em comparação com a determinação dos EUA de não
aceitarem igual compromisso de manter o Sudeste Asiático livre do trânsito de
armas nucleares.
Um dos principais traços da política externa da China, no momento, é sua maior
aceitação do multilateralismo como instrumento para assegurar crescimento e
segurança, aderindo, nessa perspectiva, às instituições internacionais e
regionais. A RPC tem participado ativamente de mecanismos institucionais
inovadores na Ásia-Oriental, bem como patrocinado novas alianças na Ásia
Central. O Asean Regional Forum, o Shanghai Cooperation Organization24 e o Boao
Forum25 têm atuado como foruns para ressaltar as preocupações chinesas com seu
"Novo Conceito de Segurança".
Nestas ocasiões, a China tem adotado a prática consagrada pela Asean de não
identificar "uma terceira parte" como o inimigo. Pelo contrário, procura-se
valorizar a idéia de que não se tem em vista um adversário definido. Busca-se,
então, resolver problemas comuns de acordo com um Asian way, que implica em
tomar decisões por consenso, com informalidade e voluntarismo sempre com um
"jeito Aseanista" já descrito anteriormente neste artigo. Da mesma forma,
Pequim tem também advogado crescente cooperação política, econômica e
tecnológica, para fortalecer as relações entre a China e os países ao Sul de
suas fronteiras.
Conclusão
Não é mais possível, hoje, repetir a afirmação de Gerald Segal, em 1999, de que
era, então, questionável a importância da China para a política mundial26. Não
há dúvida, no momento, quanto ao the rise of China. Mas, da mesma forma que
aconteceu com a ascensão de outras potências, na História recente, irá a
emergência da RPC ameaçar sua vizinhança ou causar instabilidade mundial?
Pequim tem reiterado o discurso de que toda está evolução acontecerá
pacificamente e em sintonia com a maior inserção do país na Ásia Oriental, que
se beneficiará, como um todo, a exemplo do acontecido, no século XIV, quando o
já citado Alm. Zheng He difundia a cultura chinesa junto às nações da
"Nanyang".
Seria, assim, inevitável que a "equação 10+3" evolua, da soma dos mercados do
Sudeste e do Nordeste da Ásia, para mecanismo institucional que permita,
inicialmente os membros da Asean mais a China e, em seguida o Japão e a Coréia
do Sul, venham a desenvolver uma "Comunidade da Ásia Oriental".
Existe, contudo, ampla bibliografia atual a contestar a tese de que estaria em
curso um peaceful rise of China. Para estes setores de opinião, a emergência
econômica e política chinesa teria, como resultado, por exemplo, intensa
disputa por recursos energéticos com os Estados Unidos e Japão. Haveria,
também, a concorrência acirrada da RPC com outros países em desenvolvimento,
por investimentos externos. Tendo em conta, ainda, o crescente poderio militar
chinês, resultante de seu programa de modernização das forças armadas, seriam
inevitáveis conflitos intra e extra-regionais. As limitações, já assinaladas, à
extensão do artigo, não permitiram que se esgotassem todos estes aspectos.
Recentemente, tem-se verificado que a experiência histórica regional, em termos
de estender ao máximo o fator estabilizador, provocado pelos interesses
comerciais entre os países do Sudeste Asiático mais os do Nordeste daquele
continente, contribuiu para consolidar vínculos entre os mercados dos dez
países-membros da Asean e os da China, Japão e Coréia do Sul, no processo que
vem sendo conhecido de 10+3.
Ademais, este longo período de convivência e laços culturais milenares
contribuíram para evitar que a confrontação ideológica da Guerra Fria chegasse
a ponto de não reversão, favorecendo também à tendência atual no sentido de
criação de uma comunidade da Ásia Oriental. Assim, a moldura de laços políticos
ora existentes facilita a identificação de interesses compartilhados por Pequim
e pelas capitais do Sudeste Asiático, a serem consolidados em pauta de temas
internacionais.
Etapa importante, nesta evolução, deverá ocorrer em dezembro de 2005, quando,
em Kuala Lumpur, Malásia, acontecerá a primeira Reunião de Cúpula da Ásia
Oriental. Tal desenvolvimento não significará, apenas, uma troca de nome do já
consagrado "Encontro dos 10 (Asean) + 3 (China, Japão e Coréia do Sul)" para um
inovador East Asia Summit. Trata-se, realmente, de transformação histórica, no
sentido da criação de um regionalismo sem precedente no Leste asiático.
Nota-se, finalmente, conforme citado no início do artigo, que os dirigentes
chineses pretendem resgatar a histórica viagem do almirante Zheng He, em 1405,
ao Sudeste Asiático. Procura-se, então, identificar nas "intenções pacíficas"
daquele périplo, exemplo da permanente busca de "harmonia" em oposição a
"hegemonia" nas relações da China com seus vizinhos ao Sul de suas fronteiras.
O Partido Comunista Chinês, portanto, se esforça, tanto no plano interno,
quanto no das relações chinesas com o exterior, no sentido do convencimento de
que, em todos os momentos de emergência do país há seiscentos anos, como agora
- a China pode ser forte, enquanto não representa ameaça regional ou mundial.
A "ascensão pacífica chinesa" dependeria, no entanto, da capacidade de a Asean
continuar a ser um foro de agregação, permitindo a aproximação de interesses
convergentes de seus quase meio bilhão de habitantes daqueles de mais de 1,2
bilhões da China. Esse processo incluiria uma multiplicidade de interações de
caráter político, militar, social e cultural.
Cabe aguardar, portanto, se a ascensão da Ásia Oriental ocorrerá de forma
pacífica, sem o caráter hostil que cercou a emergência recente de outras
potências mundiais. Para que este cenário favorável aconteça, deverão
prevalecer, por um lado, a influência do "jeito Aseanista" sobre o projeto de
inserção internacional da RPC; por outro o ressurgimento, com efeito
estabilizador, de conjunto de valores e hábitos chineses que permeiam
culturalmente as comunidades sínicas no Sudeste Asiático.
Rise, portanto, não deveria, na prática, vir a significar a ascensão de um
"novo Império" ou "potência hegemônica". Tampouco, poderia representar algum
tipo de revanchismo ou acerto de contas, decorrente de "queda anterior".
As opiniões expressas no artigo são de sua exclusiva responsabilidade e não
refletem posições do Ministério das Relações Exteriores
1 A Associação das Nações do Sudeste Asiático, em sua sigla inglesa Asean,
inclui Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Myamar,
Tailândia e Vietnã.
2 Ver, por exemplo: Why do we commemorate Zheng He?. Jornal do Povo, Pequim, em
12 de julho de 2005. Sobre o navegador chinês do século XV, entre outras fontes
bibliográficas: "Zhen He-Wikipedia, the free encyclopedia". Disponível em:
<http:en.wikipedia.org/Zhen-he>. Y
3 Existem, no entanto, críticos severos da tese atual dos dirigentes chineses,
quanto aos efeitos benígnos dos períplos de Zhen He. Setores de opinião
descrevem suas viagens como predadoras e destinadas a criar vínculos de
dependência, entre as nações "visitadas"e o então poderoso Império Chinês.
4 A Apec (Foro para a Cooperação Econômica na Ásia-Pacífico) é a associação
regional de maior evidência no momento. Fundada em novembro de 1989, na
Austrália, foi apresentada por seus patrocinadores como um processo em direção
a um consenso na Bacia do Pacífico, com vistas à edificação de política
econômica que assegurasse o crescimento sustentado da região. Na prática,
reflete objetivos dos EUA no sentido de manter a economia da área, vinculada à
norte-americana uma espécie de versão prévia da Iniciativa das Américas que, em
1994, propôs termos semelhantes em nosso continente.
5 Nas palavras de Mahathir que, em dezembro de 1990, foi o mentor do "Caucus":
We in East Asia must not form a trading bloc of our own. But we know that alone
and singly we cannot stop the slide towards controlled and regulated
international trade if the EC and the NAFTA are allowed to rewrite the rules.
To stop the slide, and to preserve free trade the countries of East Asia, which
contain some of the most dynamic economies in the world today, we must at least
speak with one voice. Entrevista publicada in Far Eastern Economic Reveiw. 7 de
abril de 1994, p. 20.
6 A evolução histórica detalhada da China é encontrada em, entre outras obras:
SHOUYI, Bai. An Outline History of China. In: China Knowledge Series, Foreign
Languages Press, Pequim, 1982.
7 A respeito da projeção da influência política chinesa, na Ásia Oriental,
vide: FAIRBAND, John K., REISCHAURER, Edwin O. & CRAIG, Abert M. East Asia
Tradition and Transformation. Modern Asia Editions. l976.
8 Sobre as normas de comportamento confucionistas, bem como a moldura política
pretendida pelo Império Chinês, vide, entre outras obras: CHAN, Wing-Tsit
(org.). A Source Book in Chinese Philosophy. New Jersey: Princeton University
Press. 1973.
9 Vide PINTO, Paulo Antônio Pereira. A China e o Sudeste Asiático. Porto
Alegre: Editora da Universidade UFRGS. 2000.
10 SEGAL, Gerald. Rethinking the Pacific. Oxford: Clarendon Press. 1990, p. 3.
Analisa as dificuldades metodológicas para o estudo da evolução da Bacia do
Pacífico.
11 O fluxo migratório de chineses para o Sudeste Asiático é estudado em:
Catchpole, Brian. A Map History of Modern China. Londres: Heineman Educational
Books Ltd. 1978.
12 A respeito da divulgação dos ideais nacionalistas chineses através do
Sudeste Asiático, ampla análise é feita em: The New Asia, A Mentor Book. In:
The New American Library. 1965. Vide capítulo WEST, Guy. Southeast Asia in the
Twentieth Century. p. 300. Y
13 Além da obra já citada no item anterior, recomenda-se, também, a leitura dos
diferentes ensaios contidos em: TO, Lee Lai (ed). Early chinese Immigrant
Societies Case Studies from North America and British Southeast Asia.
Cingapura: Heinemann Asia. 1988.
14 Tsuji, Masanobu. Singapore 1941-1942. Oxford: Oxford University Press. 1988.
O autor foi o militar japonês encarregado de traçar e executar a estratégia de
ocupação da Península Malaya, durante a Segunda Guerra Mundial. Seu relato
contém importantes revelações quanto à participação das comunidades chinesas na
luta contra os invasores.
15 Teve como predecessora a Associação do Sudeste Asiático, constituída em 31
de julho de 1961 pela Tailândia, Malásia e Filipinas, que não sobreviveu mais
de três anos, por causa da questão de Sabah. Paralelamente, Malásia, Filipinas
e Indonésia reuniram-se sob a denominação de MAPHELINDO, a partir de suas bases
étnicas. Devido ao componente racial, que preocupava as demais nações da
região, pouco igualmente durou. Sobre o período de formação da ASEAN, bem como
das organizações que a precederam, vide: Gill, Ranjit. ASEAN and the Security
of Southeast Asia. Singapore: Sterling Corporate Services.. 1987.
16 Em: LEIFER, Michael. ASEAN and the Security of South-East Asia. Singapore:
National University of Singapore. 1988. Leifer conclui que a Associação began
its corporate life as a diplomatic device for subregional reconciliation.
Represented initially as an undertaking in economic cooperation, its
governments have displayed a primary concern with politically expressed
security co-operation. ASEAN's performance in such co-operation, which lacks a
military dimension, may be assessed with reference to two interrelated domains:
the intra-mural, extending within and beyond South-East Asia.
17 A Southeast Asia Treaty Organization(SEATO) foi fundada, em 1954, logo após
a retirada da França do Sudeste Asiático. Com o objetivo de conter "a expansão
comunista naquela região, foi integrada pelos Estados Unidos, Austrália,
França, Grã Bretanha, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia. Com sede
em Bangkok, a Organização teve como principal objetivo legitimizar a presença
militar dos EUA no Vietnã, apesar da oposição francesa e paquistanesa. Foi
extinta em 1977.
18 Sobre a reação chinesa quanto à criação da ASEAN , o ISIS da Malásia
publicou diversos estudos, entre eles: Djiwandono, J. Soedjati. Southeast Asia
as a Nuclear-Weapons-Free-Zone. In: ASEAN Series. 1986. p. 5-7.
19 O texto da Declaração de Kuala Lumpur, em 1971, pode ser encaontrado, entre
outras publicações, no Anexo 'E' de "Understanding ASEAN", editado por Alison
Broinnowski, publicado por "The Macmillan Press Ltd. 1983.
20 Hsin, Chi. Teng Hsiao-Ping, a Political Biography. Cosmos Books. Ltd. 1978.
21 Os aspectos da inserção da ASEAN no cenário internacional na década de 1970,
são analisados por: Weatherbee, Donald E. In: Weatherbee, Donald E.
(ed.)Southeast Asia Divided-The ASEAN-Indochina.Replica Editions, Westview
Press. 1985.
22 Idem.
23 Vide: Cheng-Ghwee, Kuik. Multilaralism in China's ASEAN Policy: Its
Evolution, Characteristics, and Aspirations. In: Contemporary Southeast
Asia.27, n. 1. 2005, p. 102-22.
24 A respeito da Organização para a Cooperação de Xangai, vide: <
www.sectsco.org>.
25 A respeito do Boao Forum for Asia, vide <www.boao.ce.cn/english>.
26 Segal, Gerald. Does China Matter?. In: Foreign Affairs, vol. 78, no. 5, set/
out 1999. p. 24.