China e Índia: emergência e impacto cultural
Introdução
China e Índia ocupam atualmente parcelas quase idênticas de interesse no
noticiário internacional. Os chineses já despertavam atenções, desde o início
do processo de abertura da República Popular ao exterior, na década de 1980. Os
indianos, mais recentemente, passaram a provocar enorme curiosidade, pela
ruptura gradual em curso com modelo de desenvolvimento tradicionalmente
fechado, em descompasso com a globalização.
Este artigo visa a uma reflexão sobre aspectos políticos de dois momentos
definitivos na evolução política contemporânea daqueles dois países,
verdadeiras novas cenas de partida na história recente do continente asiático:
o início da década de 1980, quando a China iniciou seu processo de abertura
para o exterior; e os dias de hoje, quando as atenções mundiais se voltam para
o "fenômeno" do crescimento acelerado chinês e indiano.
O exercício se deve ao fato de que a emergência atual das nações mais populosas
do planeta é, com freqüência, analisada apenas na perspectiva da crescente
inserção internacional de suas economias, bem como a partir da cobiça quanto ao
acesso de centenas de milhões de seus potenciais consumidores à oferta de
produtos e serviços estrangeiros. Tais avaliações estariam mais adequadas ao
debate, nas últimas décadas do século XX, quando o processo de globalização
começou a prevalecer sobre as economias fechadas e centralmente planificadas.
Assim, o foco prioritário na dimensão econômica, até o final do século passado,
levava a crer que o progresso tecnológico em comunicações promoveria maior
cooperação e entendimento entre os povos. Com um maior acesso à informação, os
eleitores se tornar-se-iam mais independentes e racionais. Na medida em que as
sociedades se tornassem mais afluentes, acreditava-se, superariam paixões
"tribais" ou nacionalismos extremados, enquanto instituições globalizadas se
consolidariam, criando, mesmo, um novo ordenamento internacional.
Parece, contudo, ter acontecido o contrário, pois, enquanto o mundo tornou-se
mais rico e melhor informado, as crenças religiosas também se fortaleceram.
Nacionalismo e tribalismo tampouco desapareceram1. Na prática, instituições
transnacionais, como a ONU e a União Européia tornaram-se fracas e sujeitas a
crises.
Sabemos, agora, que a criação de uma economia global e a emergência de novas
forças tecnológicas não erodiram culturas e valores locais. Verificou-se, pelo
contrário, que, na medida em que as pessoas tiveram acesso a maior informação e
educação, suas diferenças culturais se tornaram mais pronunciadas ' não menos.
Nesse processo, diferentes grupos demonstraram perseguir visões distintas de
bem-estar, assim como reagiram de formas agressivas a ameaças perceptíveis a
sua dignidade cultural2. As pessoas, agora, aparecem menos como indivíduos
egoístas, voltados para a satisfação material, e mais como seres inseridos em
suas respectivas sociedades.
O estudo da emergência atual da China e Índia, deveria levar em conta,
portanto, que o grande desafio do século atual é o entendimento de como as
culturas evoluem, adaptam-se ou permanecem estáveis. O foco prioritário deste
estudo, portanto, visa a mapear tendências que possam resultar destas
alterações no cenário internacional.
Nesse sentido, chamam atenção especial, por um lado, as declarações da China,
em 2005, de que sua condição atual de potência emergente deve ser entendida
como uma nova fase histórica, marcada por "ascensão pacífica" do país,
destinada a beneficiar seu entorno imediato e relações com o exterior3. Segundo
este discurso chinês, estaria em curso, praticamente, o ressurgimento da
influência político-cultural que o antigo Império do Centro exercia sobre as
nações situadas ao Sul de suas fronteiras. Isto é, historicamente ' sempre de
acordo com Pequim ' laços foram mantidos com o Sudeste Asiático, com base em
relacionamento "pacífico", que a RPC, agora, procuraria "reacender"4.
Por outro, a Índia não busca nem expandir sua cultura, nem suas instituições
democráticas. O que os indianos parecem analisar com grande precisão são os
quesitos necessários para a preservação da segurança de sua multiculturalidade,
no contexto de entorno imediato pacífico5. A liderança atual indiana, portanto,
parece entender que a inquietação mundial, provocada por rivalidades étnicas e
religiosas, poderá afetar, também, a estabilidade de seu próprio país. Daí,
Nova Delhi ter que exercer amplo leque de interlocução com culturas que rodeiam
a Índia6.
As origens das duas civilizações
Verifica-se, a propósito, que se por um lado existem no Oriente e Ocidente
características sociais comuns a toda a humanidade, por outro, China e Índia
foram historicamente influenciadas por formas específicas de organização,
determinadas pelo clima e relevo regionais, e pelo conjunto de crenças e
valores que levaram a diferentes instituições políticas e ideologias. Esta
primeira parte tratará de condicionantes geográficas, que contribuíram para
moldar as civilizações daqueles dois países, que, apesar de distintas,
compartilham, no entanto, de efeitos de uma natureza ao mesmo tempo rica e
invasora.
O clima, nessa perspectiva, permite distinguir claramente as regiões
geográficas que formam a Ásia. Ao Norte, se estende a Ásia continental, isto é
a Sibéria; ao Centro, aparecem desertos imensos; no Oeste, o clima mediterrâneo
predomina, com algumas variações ' todos estes tipos climáticos encontram
equivalentes em outras partes do mundo. No Subcontinente Indiano, contudo, há
um fenômeno original, sem réplica alhures. Trata-se das monções, que ocorrem,
em geral, de abril a setembro, e se caracterizam por fortes chuvas, que, por um
lado, ajudam a desenvolver a agricultura e, por outro, podem causar inundações,
colocando em risco a vida humana.
A vida, naquela região está ligada às variações deste clima das monções, que
provoca ventos dos oceanos em direção ao continente, no verão, e do continente
em direção aos oceanos, no inverno. O relevo também influenciou a ocupação
humana, na medida em que reduziu as opções de áreas habitáveis7.
A ocupação humana organizada na Ásia ocorreu, na China, a partir do terceiro
milênio antes de Cristo. A civilização chinesa desenvolveu-se nas grandes
planícies do Norte, onde a terra é amarela, chamada de loess, e favorece a
agricultura. A Índia foi povoada cerca de mil anos depois, com o surgimento de
cidades com estruturas básicas. A grande pluviosidade foi, sem dúvida, o motivo
que atraiu sucessivas levas de novos habitantes.
A Ásia das monções apresenta uma mistura complexa de civilizações de origens
diversas, resultante de invasões sucessivas. Não se pode falar, nem no passado,
nem hoje, em "unidade étnica", na medida em que "raças" diferentes dividiram
esta região e a ocuparam, em diferentes áreas e períodos8.
Em função do relevo, a Índia permanece fechada à Ásia Central. A imensa
barreira imposta pelo Himalaia separa solidamente a planície chinesa da bacia
do rio Gange. Em contrapartida, a Índia se abre em direção ao Ocidente. Apesar
de quase desértico, o planalto iraniano ' vizinho ao subcontinente indiano '
não é intransponível e, portanto, sucessivas levas de imigrantes chegaram à
Índia, procedentes da Ásia Ocidental, atravessando a Pérsia9.
A Índia é, também, aberta ao exterior através do Golfo de Bengala,
proporcionando-lhe uma vocação marítima e ligações comerciais milenares com
diferentes partes do mundo.
Segundo dados disponíveis, os primeiros habitantes da Índia foram tribos
"arianas" ou "indo-européias", originárias da Europa. Os "arianos" (Aryas) não
modificaram as culturas encontradas no território que vieram ocupar.
Introduziram, no entanto, o sistema de divisão da sociedade em "castas"
estanques, que viria a alterar definitivamente as relações sociais em âmbito
estrito e rígido10.
Por influência dessas novas levas migratórias, são fortalecidos os vínculos com
a Indochina, sem que este sistema de castas seja exportado para aquela sub-
região. Registra-se, contudo, que a "ação civilizadora" exercida no Sudeste
Asiático11, a partir do ano Mil antes de Cristo é de origem indiana12.
Enquanto isso, a China ' separada da Índia, ao Sul, pelo Himalaia ' abre-se
para o Norte e Noroeste, interagindo com povos da Mongólia, Turquestão,
planície Caspiana e Mar Negro. Os contatos dos chineses com o exterior são
feitos por via terrestre. A China é, portanto, muito menos voltada para o mar,
do que a Índia. Sua influência estende-se até o Japão, transitando pela
península coreana. Atinge, também, parte da Indochina. O mundo chinês é,
portanto, mais concentrado sobre si próprio, do que o indiano.
O povoamento destas regiões é muito antigo. As populações foram se adaptando às
condições naturais, aprendendo a utilizar a terra com criatividade, tornando-se
sociedades agrícolas. Apesar de diferenças notáveis, entre as culturas chinesa
e indiana, a espiritualidade asiática é marcada pela submissão às forças da
natureza, bem como pela busca de riqueza e desenvolvimento puramente interior
dos indivíduos.
A espiritualidade nas duas culturas
A título de reflexão, procurar-se-á, a seguir, analisar, em linhas
reconhecidamente simplificadas, a importância da dimensão cultural na
emergência da China e Índia e suas diferentes percepções quanto à
espiritualidade.
Verifica-se, a propósito, que a mente ocidental judaico-cristã desenvolveu e
favoreceu uma visão otimista da evolução da humanidade e, nesse processo,
consolidou-se uma fé na capacidade de o homem aperfeiçoar-se, através de um
melhor planejamento, da tecnologia, da ampliação da educação e da abertura de
oportunidades para todos.
Enquanto isso, o pensamento asiático, hindu-budista, se sente à mercê de forças
destrutivas, entre estas, a da natureza (como as doenças), a dos homens (como a
guerra) e do passar do tempo, que, ao decorrer da longa história das nações
daquela parte do mundo, tem engolido indivíduos, reinos e cidades.
No Ocidente, valoriza-se a genialidade humana para inventar, organizar e
disciplinar o espaço geográfico, com o intuito de controlar as forças móveis da
natureza. Assim, os indivíduos são os agentes que provocam mudanças ' a
natureza permanece a mesma. Esta pode ser conquistada pela análise científica e
pode ser subjugada pelos avanços da humanidade.
Os pensadores europeus do Século XVIII acreditavam no "iluminismo coletivo",
isto é, na sabedoria, como um combate à escuridão do desconhecimento, tornando
a sociedade perfeita, nobre e pura. Os do Século XIX valorizaram o progresso
material e coletivo, a conquista das forças da natureza, a abolição da
violência, da escravidão, da injustiça e a vitória sobre o sofrimento e morte
prematura. O Ocidente chegou, ao Século XX, ciente de que apenas com intenso e
extenso planejamento e organização pode a civilização humana ser salva13.
No mundo ocidental, hoje, a fragilidade da vida humana não causa mais obsessão,
na forma sofrida pelos antepassados, dos Séculos XV e XVI. Ao invés de atitude
de aceitação, resignação e contemplação, cultiva-se uma vida de movimento
constante, provocando mudanças a cada volta, melhorando e planejando as coisas,
submetendo o crescimento do mundo a alterações previsíveis. Em suma, ao invés
de procurar entender a vida e o cosmo como um todo, busca-se o controle sobre
detalhes concretos.
Segundo estudiosos do assunto, a essência de qualquer sistema filosófico pode
ser melhor entendida na forma condensada de seus termos principais. Uma
exposição elementar, portanto, deve preocupar-se com a apresentação e
interpretação das palavras através das quais as principais idéias devem ser
formuladas. O pensamento indiano é muito bem adaptado a tal abordagem, pois
todos os seus termos pertencem ao Sânscrito e servem há longo tempo à língua
diária, à literatura e à medicina. Não são, portanto, termos confinados à
atmosfera estranha e pouco familiar das escolas de pensamento ou doutrinas
especializadas14.
Os substantivos, que constituiriam a maior parte da terminologia filosófica,
são apresentados ao lado de verbos que derivam da mesma raiz e denotam
atividades ou processos que expressam o mesmo contexto. Pode-se chegar ao
significado básico das palavras através do estudo de seu uso habitual na vida
diária, assim entendendo tanto seus valores e variações, quanto metáforas e
conotações. Tudo isso contrasta com a situação no Ocidente contemporâneo, onde
a maior parte dos termos filosóficos foram emprestados do Grego ou Latim,
situando-se, assim, destacados da vida real e, portanto, sofrendo de inevitável
falta de vivacidade e claridade15.
A palavra "idéia", por exemplo, tem significado diferente para o momento
histórico vivido por Platão ou David Locke, e ainda distinto para a história
moderna das "idéias" ou Psicologia. No caso de cada autor ou escola de
pensamento, esta palavra terá seu próprio significado. No vocabulário indiano,
contudo, as palavras terão sempre a mesma interpretação e serão entendidas de
forma igual, seja qual for o momento histórico. Por exemplo, a ênfase colocada
no ideal supremo e final de "moksa", só pode ser entendido, no mundo ocidental,
no contexto tradicional indiano e, não, no mundo moderno industrializado. Moksa
é uma força inerente em cada traço, em cada aspecto e em cada disciplina da
vida indiana e que molda toda a escala de valores daquela sociedade16.
A espiritualidade asiática foi sempre intensa, a ponto de permear a arte,
tornando-a, com freqüência, expressão tipicamente religiosa.
Na China, durante períodos como o da Dinastia Tang (entre 618 e 907 DC) houve a
construção de estátuas imensas e pagodes. Mas os chineses vivenciaram momentos
em que floresceu uma arte desengajada de qualquer preocupação divina17.
A Índia, de sua parte, sempre esteve inteiramente voltada para a especulação
religiosa. As primeiras grandes construções indianas datam do II milênio antes
de Cristo e são santuários. Em seguida, vieram as "stupas", que são imensas
construções "hemisféricas" ou cônicas, ao mesmo tempo, símbolos místicos e
monumentos comemorativos.
Entre os séculos IX e XVIII D.C. a Índia se cobre de templos, enquanto a
influência espiritual indiana se estende pelo Sudeste Asiático. Os imensos
conjuntos de Angkor Vat, no Camboja, e os templos de Bangkok são alguns
exemplos do papel espiritual desempenhado pela Índia.
A Ásia das monções, contudo, não foi berço de religião alguma ' no sentido de
ter fornecido um conjunto de regras, dogmas, revelações religiosas precisas,
acompanhadas de imperativos. A espiritualidade asiática, portanto, não segue
ordenamento prático, nos moldes aos quais está acostumado o Ocidente. Trata-se,
antes de tudo, de um exercício de meditação, um voltar-se para o seu próprio
interior, um esforço de concentração.
Uma análise superficial da espiritualidade indiana parece indicar que esta se
aproximaria de formas religiosas do Ocidente. À época das invasões indo-
européias, a Índia assiste à implantação em seu território de uma tradição
religiosa à qual é dado o nome de "Veda"(o Saber). O Veda é uma revelação
"vinda do alto", mas não pode ser comparada às revelações na forma concebida
pelas "religiões mediterrâneas"18. O "Saber" seria proveniente do "Bhrama"que
é, em grande medida, a "palavra", o "Espírito Absoluto". O Bhrama é a
"unidade", cada alma é uma parte destacada deste unidade, que só se reencontra
quando volta a se fundir no "todo".
Essa crença foi denominada Bramanismo ou Hinduísmo, com seus "deuses" maiores
ou menores, seus templos e cerimoniais. Desenvolveu-se, assim, um ritual do
Bramanismo, paralelamente a um aspecto puramente espiritual, que é a espera
pelo retorno ao "Universal".
No século VI antes de Cristo, uma nova concepção espiritual, o Budismo, se
expandiu a partir do Himalaia. Verifica-se, a propósito, que o Budismo não
pretende, nem inovar, nem complementar, nem combater e nem substituir o
Bramanismo. Desenvolveu-se ao lado do Bramanismo, sem confirmá-lo ou
contradizê-lo.
O Budismo foi apresentado à Índia em momento de grande convulsões sociais,
provocadas por guerras internas e invasões externas. Seria, em grande medida,
uma forma de consolo a povoações rurais que não dispunham de grandes
expectativas quanto a sua própria existência. As relações estreitas entre a
natureza, a vinculação profunda num mundo camponês, limitado por laços
familiares, são ainda mais sensíveis no universo chinês do que no espaço
indiano.
O Budismo exerceu influência sensível na China. Durante a Dinastia Tang (618 a
907), manifestou-se através da influência no desenvolvimento de esculturas. O
chineses guardaram do Budismo, acima de tudo, o despreendimento das coisas
deste mundo. Mas, com freqüência, seguiram sua própria via19.
No século VI antes de Cristo, Confúcio veio propor-lhes soluções bem distintas
do Budismo. Tendo como ponto de partida, também, sua sociedade contemporânea,
Confúcio chegou a solução bastante distinta daquela do Budismo. Isto porque o
"momento presente" também não lhe parecia perfeito ' longe disso ' mas ele
identificava possibilidades de transformações. Estas aconteceriam através do
controle dos impulsos pessoais. Não seria necessário, como acreditam os
budistas, "escapar de tudo". Pelo contrário, caberia adaptar-se.
Confúcio, assim, apresenta uma filosofia que considera o homem dentro da
natureza, que se expressa pelo culto do passado, considerado como uma Era
melhor, e pela comunhão com o mundo material. Daí resulta, para seus
seguidores, a busca permanente da harmonia que se manifesta através do gosto
por uma escrita extraordinária. A caligrafia é bela em seus menores detalhes. A
pintura de paisagens, como se refletissem o estado da alma, é também levada a
extremos do bom gosto.
A pintura, ademais, é influenciada por um outro aspecto do pensamento chinês: o
taoísmo, que é uma doutrina mais recente do que o Confucionismo. O taoísmo é
uma forma de meditação sobre a ordem da natureza, muito mais mística do que o
Confucionismo, na medida em que se submete à essência do mundo para poder
penetrá-lo20.
Alguns pensadores concluem que a espiritualidade oriental apresenta grandezas e
fraquezas, na medida em que, por um lado, é superior ao pensamento ocidental,
que jamais soube dedicar a mesma humildade e busca de compreensão ' a exemplo
da espiritualidade oriental ' às leis do mundo, aceitá-las e ir além delas21. A
"simpatia universal" que, no entanto, submete o pensamento asiático à
passividade, dificulta a luta das pessoas daquela parte do mundo, contra as
forças da natureza, as destruições provocadas por sucessivas guerras e o
condicionamento de hábitos consagrados por heranças milenares.
A sociedade indiana, por exemplo, é o resultado da assimilação de centenas de
influências culturais, originárias da Europa e Ásia. A Índia incorporou,
portanto, costumes e crenças das diferentes civilizações que a invadiram ou lá
se estabeleceram. Como resultado, hoje existem no país 17 línguas oficiais e
algumas centenas de dialetos.
Mas a Índia não foi apenas "importadora" de cultura. Foi também "exportadora".
O Sânscrito, como se sabe, é uma língua originária na Índia e raiz de línguas
indo-européias, como o grego e o latim.
O Budismo nasceu na Índia, derivado do Hinduísmo, mas praticamente desapareceu
de seu país de origem, espalhando-se pela Ásia e outras regiões. O Hinduísmo,
no entanto, foi difundido pelo Sudeste Asiático mas continuou a florescer,
principalmente no território indiano.
Verifica-se, a propósito, que o Hinduísmo parece adaptar-se perfeitamente à
sociedade indiana ' há quem diga que, nesse caso, a religião influencia a
sociedade e vice-versa. Isto é, a profusão de "deuses" oferece ampla escolha de
devoção aos fiéis a teria ajudado no estabelecimento de sistema de castas que
sobrevive há 3 mil anos.
A abertura da China para o exterior na década de 1980
Conforme assinalado no começo deste artigo, procura-se identificar dois
momentos de ruptura ' novas cenas de partida ' no cenário político recente da
Ásia. Nessa perspectiva, o início da década de 1980 é estabelecido como um
marco, na história contemporânea da China, quando se deu o processo de abertura
do país ao exterior, após o período turbulento da Revolução Cultural.
Naquele momento, contudo, não era possível deixar de sentir uma certa tristeza,
pelo fato de que havia sido encerrada, na China, uma Era de convicção poética
maoísta. A partir de 1949, acreditara-se que, em benefício do interesse comum
da sociedade, centenas de milhões de pessoas poderiam ser levadas a patamar
mais elevado do que o egoísmo individual.
A experiência chinesa de busca de uma sociedade igualitária encantara a muitos.
Os países do Terceiro Mundo admiravam sua combatividade e auto-suficiência. Os
economistas ocidentais registravam o pleno emprego atingido, no campo, e
invejavam sua força de trabalho disciplinada, na indústria.
Com a maior transparência interna, decorrente do término da chamada "Revolução
Cultural", ficava evidente que não se vivera na China, nas três décadas
anteriores, tantos motivos de encantamento22. Na verdade, naquele período,
perdurara o elitismo e a corrupção entre os dirigentes do partido e do governo.
O lento progresso obtido na economia demonstrara não ser tão fácil,
desenvolver-se com os próprios recursos, sem a infusão de investimento,
tecnologia ou ajuda externa.
Em suas relações internacionais, sabe-se, a República Popular, desde sua
fundação, em 1949, havia mantido uma vasto exército e milícias armadas e
desenvolvido a bomba atômica. A China tivera conflitos com a União Soviética e
Índia e fricções com o Japão, com respeito às Ilhas de Senkaku, e com o Vietnã,
quanto às Spratlys. Não se tratava, portanto, de país totalmente "amante da
paz" ' conforme os bens instruídos guias turísticos, com seus uniformes "no
estilo Mao Zedong" divulgavam, em Pequim, aos visitantes estrangeiros.
No plano interno, na medida em que se conhecia melhor a real situação chinesa,
ficavam diminuídos, inclusive, os ganhos considerados, por exemplo, no controle
familiar. Havia sido enorme, verificava-se, o custo, em termos de direitos
humanos, na proibição de casamentos antes dos 20 anos e obrigatoriedade de
apenas um filho por casal.
Não se quer negar, no entanto, as grandes conquistas do período maoísta, nem os
feitos do povo chinês. Um país que, na primeira metade do século XX, fora
devastado por guerras internas, encontrava-se, no início da década de 1980,
unificado, apesar das crises de liderança resultantes da Revolução Cultural.
Como era possível verificar, a China alimentava e vestia seu povo. Um esforço
descomunal fora feito para construir represas, diques e sistemas de irrigação,
bem como no sentido da auto-suficiência alimentar23. Mas seria isso suficiente?
Tais conquistas teriam que ser vistas em perspectiva.
Mao Zedong tornara a "necessidade" em "virtude", como base de sustentação para
política de auto-suficiência. Em grande parte, tratava-se de reação ao fato de
que os soviéticos terem cessado toda e qualquer auxílio, a partir de 1960,
levando consigo, inclusive as matrizes de fábricas cuja instalação já havia
sido iniciada.
O "Grande Timoneiro", então, colocou toda sua crença na "genialidade do povo
chinês". Doravante, tudo seria resolvido com a mobilização permanente das
"massas". Daí surgiriam energias e talentos até então escondidos por sistema
social opressivo. Na década de 1960, por exemplo, ampla campanha nacional
encorajava simples operários a fazerem sugestões sobre inovações tecnológicas.
Exageros evidentes eram noticiados a respeito do aumento de produtividade como
resultado de soluções práticas obtidas nos canteiros de obras, campos agrícolas
e operadores de máquinas nas fábricas.
O caráter "anti-científico" das práticas maoístas chegou ao apogeu durante a
chamada Revolução Cultural, quando professores e alunos foram obrigados a
curvar-se diante da "sabedoria" das massas. Postura semelhante foi adotada nas
forças armadas chinesas, onde o conceito maoísta de "guerra popular" baseava-se
na premissa de que "homens contavam mais do que máquinas". Nessa perspectiva,
centenas de milhares de soldados de infantaria, com armamento obsoleto, seriam
capazes de derrotar um Exército soviético equipado com armas modernas.
Mantinha-se, no entanto, a dissuasão nuclear, na medida em que a China não
renunciava a sua própria bomba atômica.
Com a derrota do "bando dos quatro", a China desencadeou uma outra campanha,
desta feita para condenar a viúva de Mao, visando a acusá-la e a seus três
cúmplices de Xangai, pela maioria dos fracassos e fraquezas do anos anteriores.
Este novo processo implicou, novamente, em notáveis exageros nas acusações. A
mensagem, no entanto, era clara: os dirigentes chineses haviam tomado
consciência de que suas políticas de auto-suficiência, recusa em aceitar ajuda
externa e a negativa à aquisição de tecnologia estrangeira haviam reduzido as
taxas de crescimento e o progresso em quase todos os setores da economia.
A rejeição da ideologia passada foi feita na forma de pronunciamentos que,
gradativamente, desautorizassem o autoritarismo vigente na fase que se
encerrava. Enquanto isso, o corpo de Mao Zedong era reverenciado no Mausoléu,
em Pequim, com todas as honras devidas ao fundador da República Popular da
China. Tratava-se, no entanto, de trazê-lo a proporções humanas. Começava o
processo de estabelecer seu lugar na história, como um grande líder
revolucionário, mas como um homem com menor sucesso, quando se tratou de
administrar um país. Suas principais preocupações diziam respeito à eliminação
dos dogmas socialistas, agora vistos como impedimento à nova marcha da China,
em direção à modernização. O principal responsável pelas alterações na condução
das políticas, econômica e social da China, a partir de 1978, e "Novo
Timoneiro", passou a ser o então Vice-Primeiro-Ministro Deng Xiao-Ping.
O julgamento público de Mao, no entanto, tinha dimensões restritas. Todos os
erros cometidos no período de radicalização maoísta eram atribuídos a Lin Piao
e ao "bando dos quatro". Para o cidadão chinês, contudo, havia implicações
óbvias: não era possível aceitar que toda a culpa fosse atribuída a um traidor
e a quatro radicais ' na prática, os atuais dirigentes em Pequim estavam
admitindo que a "Grande Revolução Proletária Cultural" havia sido um fracasso
enorme e custoso.
O próprio retorno de Deng Xiao-Ping ao poder, como Vice-Primeiro Ministro já
significava uma rejeição eloqüente do julgamento de Mao, que havia dado seu
apoio pessoal às duas quedas anteriores de Deng24.
Não era possível ignorar, contudo, que Mao tinha razão quanto ao diagnóstico
sobre os males que atingiam a China. Assim, de acordo com sua visão, o maior
perigo para o país seria o retorno à estagnação imposta pela burocracia do
partido e do estado. Suas soluções eram poéticas e imaginativas: uma série de
campanhas para mobilizar os intelectuais ' "O Movimento de Cem Flores" ' a
busca de um caminho mais curto para o Socialismo ' "O Grande Salto Adiante" ' e
a provocação de uma "discórdia criativa" entre a juventude do país e a
burocracia estatal ' "A Revolução Cultural". Mas, como se sabe, Mao não obteve
sucesso na criação do "homem socialista". Ele pediu demais, tanto dos chineses,
quanto da natureza humana.
No final da década de 1970, no entanto, todo este processo havia sido
esquecido. Ficara provado que, em tese, era uma boa idéia encorajar os
trabalhadores a pensarem o aumento da produção com seus próprios meios. Na
prática, a premissa ideológica, sobre a qual se baseava ' a de que a sabedoria
está consagrada nos trabalhadores ' conduziu a medidas impraticáveis, como por
exemplo, a utilização de máquinas antiquadas sendo utilizadas em velocidade
inapropirada, provocando acidentes ou resultados negativos. Verificava-se, por
exemplo, que a produção de cereais ficara estagnada. Não houve progresso em
projetos de irrigação, nem de novos fertilizantes agrícolas, enquanto a
população chinesa continuava a aumentar. O país continuou a importar alimentos.
A mesma ausência de melhoria foi notada no setor industrial, onde prevaleceu a
política maoísta de auto-suficiência e oposição a aprender da experiência de
outros países. Tal postura levou, por exemplo, à estagnação da produção anual
de aço, ao lento progresso tecnológico, a preservação de fábricas antiquadas,
com equipamentos, tecnologia e formas de administração superados e emprego
excessivo de mão-de-obra.
Com a morte de Mao Zedong e a derrubada do "Bando dos Quatro", a China poderia,
finalmente, defrontar-se com estes fatos negativos e tomar as decisões
cabíveis, para superá-los. Havia sido abandonado, no entanto, o fundamento da
filosofia maoísta: o "conceito hegeliano" de que a unidade deve ser dividida em
duas partes e que cada situação contém em si contradições saudáveis que são
necessárias para a luta e o progresso, levando, assim, à noção de luta de
classes contínua e revolução permanente25.
Segundo Mao, a China não deveria jamais permitir-se cair na complacência da
"unidade" e, de acordo com esta filosofia, o "Grande Timoneiro" teve a audácia
poética de desencadear uma revolução contra seu próprio governo e partido. O
veredicto da história será provavelmente o de que, enquanto Mao foi uma dos
maiores líderes revolucionários, demonstrou ser um governante menos habilidoso,
uma vez que sua revolução tornou-se vencedora. Provocou, assim, severas perdas
a seu país, enquanto perseguia suas visões utópicas.
No início da década de 1980, portanto, o sentimento dominante era o de que a
morte havia "humanizado" Mao Zedong e "desmistificado" a China, que, então,
admitia suas limitações no trato com os grandes problemas do país. Naquele
momento, poucas pessoas continuariam a expressar uma opinião própria sobre o
que a China deveria ser, em oposição ao que a China passava a dizer o que
realmente era. No plano internacional, poucos países em desenvolvimento
continuariam, a partir de então, a considerar a experiência chinesa, desde a
fundação da RPC, como um modelo a ser seguido.
A nova política pragmática representava praticamente a recusa total das
doutrinas que haviam dominado as políticas agrícola e industrial dos últimos 20
anos. Todas as empresas públicas, por exemplo, foram instruídas a gerar lucros
' proposta impensável, até recentemente. Incentivos materiais passaram a
substituir a pureza ideológica. A China se conscientizou de que necessitava da
tecnologia do Ocidente e, enquanto abandonava sua política restritiva de "auto-
suficiência", começava a buscar fontes de financiamento de longo prazo ' ajuda,
em outras palavras ' para financiar suas compras de know how, instalações
industriais, navios, equipamento de transporte e material de emprego militar26.
A emergência econômica chinesa é, hoje, fato incontestável e objeto de
noticiário cotidiano pela imprensa mundial. Permanecem, contudo, incertezas
críticas, sobre um cenário futuro favorável ou pacífico da China27. Entre
estas, a dúvida sobre se aquele país será capaz de manter o controle sobre a
evolução de sua política interna e economia. Isto porque, existe pressão
crescente do hiato entre ricos e pobres, da poluição sobre as grandes cidades
em função da industrialização sem controle, de um sistema bancário contaminado
por empréstimos impagáveis, pelo confronto entre uma economia quase de mercado
e um regime político altamente controlador.
Até o momento, as autoridades governamentais demonstraram competência para
administrar estes problemas. As Olimpíadas de 2008 e a Exposição de Xangai, em
2010, representam poderosos incentivos para a manutenção da estabilidade.
Assim, o sistema unipartidário deverá ser preservado, a todo custo, como forma
de exibir uma China estável, perante o resto do mundo.
A atual emergência da Índia
O processo atual de ruptura indiana com seu passado de estagnação econômica é o
segundo momento, conforme anunciado na introdução do artigo, a representar uma
verdadeira nova cena de partida na história recente do continente asiático.
Este desenvolvimento deve ser entendido na perspectiva histórica, ou seja, do
passado colonial do país, sob o domínio britânico, que deixou o legado da
associação da abertura ao exterior com a exploração estrangeira.
Assim, Jawaharlal Nehru, o primeiro líder da Índia, pós-independência, em 1947,
voltou-se para a União Soviética, como um modelo para processo de transformação
de uma sociedade atrasada num "mamute" industrializado. O planejamento central,
então, seria a chave para o progresso. Todos os mecanismos de controle da
economia indiana foram nacionalizados. Tais medidas fortaleceram três grandes
grupos de interesse, então determinados a assegurar que a Índia fosse mantida
nesse caminho. Estes eram constituídos por uma burocracia de vinte milhões de
pessoas; um partido político, o Congresso I28; e uma comunidade empresarial
interessada em crescer sob a proteção de barreiras comerciais entre as mais
elevadas do mundo.
Nessa perspectiva, durante os trinta anos seguintes, a Índia perseguiu uma
política de "auto-suficiência", de forma a que a indústria local veio a
produzir praticamente tudo ' aço, máquinas e ferramentas, carros, locomotivas,
bens de consumo elétricos e eletrônicos duráveis, produtos para uso industrial,
têxteis, calçados, papel, produtos farmacêuticos, computadores e mesmos usinas
nucleares e satélites de comunicação. Esta diversidade parecia impressionante
mas, na verdade, as indústrias em questão eram, com freqüência, ineficientes.
Além disso, eram prejudicadas por legislações burocráticas que dificultavam a
instalação de novas empresas.
No final de década de 1970, portanto, ficou claro que mudanças eram
necessárias. A maioria dos produtos indianos não podia competir
internacionalmente, as exportações não haviam decolado, enquanto as importações
aumentavam, levando a déficit comercial crescente. Enquanto isso, tornava-se
cada vez mais aparente que o peso colocado sobre o setor público era excessivo
e que as perdas decorrentes contribuíam para a drenagem de recursos nacionais
A partir do início dos anos 1980, a Índia juntou-se à China como mais um país
emergente na Ásia e vem apresentando algumas características marcantes que
despertam crescente atenção dos analistas internacionais, como taxas elevadas e
sustentáveis de crescimento econômico, da renda real per capita e das
exportações de bens e serviços. O setor de serviços, em particular, não apenas
tem sido o motor dinâmico do crescimento indiano desde o início dos anos 1990,
como também constitui um dos principais itens da pauta de exportações do país,
com destaque para os serviços de tecnologia da informação (notadamente
softwares).
Embora quase todos os indicadores de desenvolvimento para o início do milênio
retratem aparentemente problemas ainda mais graves que o Brasil, os quais
levarão décadas para serem superados, a situação melhorou relativamente à que
prevalecia até o final da década de 1970. A parcela da população vivendo abaixo
da linha de pobreza reduziu-se de 55% em 1974 para 26% em 2000. Como no início
dos anos 1990, esse percentual era de cerca de 34%, é lícito atribuir ao
processo de crescimento econômico dos últimos 14 anos essa melhora de bem-
estar.
Mesmo com mais de 300 milhões de pobres, a Índia conta com dois trunfos que,
mantidas nas próximas décadas as elevadas taxas de crescimento, aumentariam as
chances de melhorar consideravelmente o nível geral de bem-estar social:
primeiro, detém um tradicional regime democrático parlamentarista, bem como
instituições governamentais e privadas relativamente modernas e consolidadas;
segundo, ainda que o número absoluto de pobres seja bastante elevado diante do
tamanho de sua população (cerca de 31% do total), o padrão de distribuição de
renda é bastante eqüitativo comparado ao normalmente evidenciado em diversos
países em desenvolvimento.
Nessa perspectiva, mantido o ritmo de crescimento econômico e de aumento da
produtividade das últimas duas décadas, as possibilidades de melhorar as
condições gerais de vida da população, sem o risco de conflito entre as classes
sociais são politicamente muito maiores, tendo em conta o padrão razoável de
distribuição da renda nacional29.
Segundo publicação do BNDES, em janeiro de 200630,
"Diferentemente da experiência latino-americana (especialmente a
brasileira), a origem do modelo indiano de substituição de
importações não está relacionada a crises crônicas do balanço de
pagamentos. Da mesma forma, os processos de planejamento econômico e
as políticas protecionistas em prol da industrialização indiana,
antes que amparados por argumentos como a perpetuação das restrições
externas devida à dependência de exportação de produtos de baixa
elasticidade-renda da demanda, como foi também o caso dos países
"grandes" da América Latina (e do Brasil, em particular), foram
fortemente influenciados pelo modelo de economia "fechada" da antiga
União Soviética.
Para esse fim, a exemplo da maioria dos países de industrialização retardatária
(late comers), a Índia se valeu de políticas domésticas e comerciais externas
protecionistas, mas, no caso indiano em particular, tais mecanismos foram
aplicados de forma tão exagerada que, em meados da década de 1970, a economia
operava sobre bases praticamente autárquicas. Em meados da década de 1980, a
ineficiência microeconômica, o nível de degradação social, a debilidade do
sistema de infra-estrutura e os mecanismos precários de inserção internacional,
sobretudo pela via das transações comerciais, deixavam cada vez mais claro que
o modelo de desenvolvimento econômico indiano, com características praticamente
autárquicas e grau bastante elevado de intervenção do Estado, não seria
sustentável no longo prazo.
Conclusão
Conforme mencionado no início deste artigo, China e Índia ocupam, hoje, espaços
quase idênticos nas atenções mundiais. Vive-se, agora, no subcontinente indiano
momento semelhante ' guardadas as diferenças geográficas e culturais que se
procurou expor no artigo ' ao vivido, por exemplo, após a excursão de Deng
Xiaping ao Sul de seu país, em 1993, quando declarou que "ser socialista é ser
rico".
Isto é, prevalece, na Índia, clima de expectativas crescentes de que todos os
obstáculos serão superados, em benefício de um crescimento econômico
sustentável exponencial. A diferença fundamental, no entanto, é o fato de que,
na Índia, o processo ocorre a partir da determinação da sociedade civil.
Dependerá, portanto, de apoio popular e de diferentes setores da economia, para
superar definitivamente os pontos de estrangulamento criados às forças de
mercado, pelos mecanismos herdados de um planejamento centralizado.
A importância maior da atual emergência da China e da Índia, encontra-se, no
entanto, na análise de como estas culturas evoluíram e se adaptaram aos
sucessivos desafios históricos que lhe foram impostos. Que tipo de influência
estas alterações terão no cenário internacional? A China tem reiterado que sua
condição atual de potência emergente deve ser entendida como uma nova fase
histórica, marcada por "ascensão pacífica" do país, destinada a beneficiar seu
entorno imediato e relações com o exterior. Nesse contexto, cabe examinar o
crescente compromisso de Pequim com as nações ao Sul de suas fronteiras, que
representariam o agrupamento regional onde aconteceria, prioritariamente, esta
"ascensão chinesa".
Quanto ao fenômeno indiano, cabe avaliar se existe, realmente, processo
sustentável de crescimento ou se não se trata, por um lado, de exercício
promocional do Governo de Nova Delhi, com sua campanha de divulgação de "India
everywhere", ou, por outro, de contra-ofensiva de empresas multinacionais
assustadas com sua excessiva dependência da economia chinesa e, portanto,
interessadas em criar alternativa para seus investimentos31.
Ao contrário dos chineses ' como se procurou demonstrar nas segunda e terceira
partes do artigo ' os indianos nunca procuraram expandir sua cultura, nem suas
instituições democráticas. Sua grande preocupação parece ser a garantia da
segurança interna de sua multiculturalidade, em ambiente internacional estável.
A liderança atual indiana, portanto, parece entender que a inquietação mundial,
provocada por rivalidades étnicas e religiosas, poderá afetar, também, seu
próprio país. Daí, Nova Delhi ter que exercer amplo leque de interlocução com
culturas que rodeiam a Índia.
Na medida em que se consolide a emergência destes dois países, que possuem
laços de vizinhança milenares, bem como se desenvolvam cooperação mais intensa
e troca de ensinamentos sobre como administrar seus respectivos processos de
crescimento exponenciais, haverá, sem dúvida, impacto significativo no
ordenamento político internacional.
Basta lembrar que, há pouco mais de 50 anos, foram ambos os promotores dos
chamados Cinco Princípios de Convivência Pacífica. Caberia, agora, desejar que
contribuam para um relacionamento internacional baseado no respeito mútuo entre
culturas diversas.
1 RAO, Vijayendra e WALTON, Michael. "Culture and Public Action". Stanford:
Stanford Social Sciences, Stanford University Press, 2004, p. 3.
2 Harrison, Lawrence E. & Huntington, Samuel P. (Eds.). Culture Matters:
How Values Shape Human Progress. New York: Basic Books, 2000, p. 2-65.
3 PEREIRA PINTO, Paulo Antônio. "China ' a ascensão pacífica na Ásia Oriental".
Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 48, No. 2, 2005, p.70-85.
4 PEREIRA PINTO, Paulo Antônio. A China e o Sudeste Asiático. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000, p. 15.
5 KISINGER, Henry A. "India and America ' Anatomy of a partnership".
International Herald Tribune, 11.3.2006.
6 COHEN, Stephen Philip. Emerging Power India. Washington: Brookings
Institution Press, 2001, p. 36.
7 GIRARD, Luis. Collection d'Histoire: Le Monde Contemporain ' Histoire '
Civilizations. Bordas, 1966, p. 399.
8 DOBS-HIGINSON, Michael S. Asia Pacific: A view on its role in the New World
Order. Hong Kong: Longman Group-Far East, p. 167-199.
9 HOPKIRK, Peter. The Great Game ' The Struggle for Empire in Central Asia. New
York: Kodansha America, 1994, p. 38.
10 KEAY, John. India ' A History. New York: Grove Press, 2000, p. 19-36.
11 DHORAISINGAM, Samuel S. Pernakan Indians of Singapore and Melaka. Cingapura:
Institute of Southeast Asian Studies, 2006, p. 1-107.
12 DEVARE, Sudhir. India and Southeast Asia ' Towards Security Convergence.
Cingapura: Institute of Southeast Asian Studies, 2006, p. 160.
13 GIRARD, Luis. Op. Cit., p. 407.
14 ZIMMER, Heinrich, (edited by Joseph Campbel). Philosophies of India.
Princeton: Princeton, 1989, p. 42.
15 ZIMMER, Heinrich, (edited by Joseph Campbel). Myths and Symbols in Indian
Art and Civilization. Princeton: Princeton University Press, 1974, p. 3-22.
16 ZIMMER, Heinrich. Philosophies of India. Op. cit., p. 47.
17 SHOUYI, Bai. An Outline History of China. Beijing: Foreign Languages Press,
1982, p. 174.
18 ZIMMER, Heinrich. Philosophies of India. Op. cit., p. 19.
19 WING-TSIT, Chan. A Source Book in Chinese Philosophy. Princeton: Princeton
University Press, 1963, p. 134.
20 TUNG, Chi-ming. An Outline History of China. Hong Kong: Joint Publishing
Co., 1980, p. 204.
21 GIRARD, Luis. Op. cit., p. 405.
22 Tais observações decorrem do fato de o autor ter servido na Embaixada do
Brasil em Beijing, no período de 1982 a 1985.
23 FAIRBANK, John King. The Great Chinese Revolution 1800-1985. New York:
Harper & Row, 1986, p. 316.
24 CHI Hsin. Teng Hsiao-Ping a political biography. Hong Kong : Hong Kong
Printing Works, 1978, p. 50.
25 LEW, Roland. Mao prend le Pouvoir. Bruxelles: Éditions Complexe, 1981, p.
145.
26 KRISTOF, Nicholas D. & WUDUNN, Sheryl. China Wakes ' The Struggle for
the Soul of a Rising Power. London: Vintage, 1995, p. 338-366.
27 BERSTEIN, Richard & MUNRO Ross H. The Coming Conflict with China. New
York: Alfred A. Knopf, 1997, p. 2-21.
28 KEAY, John. Op. cit., p. 527, apresenta cronologia da participação dos
partidos políticos indianos no Governo indiano, a partir de 1947.
29 AYOOB, Mohammed. India and Southeast Asia: India Perceptions and Policies.
New York: Routledge, 1990, p. 25.
30 NASSIF, André. A Economia Indiana no Período 1950-2004 ' da Estagnação ao
Crescimento Acelarado: Lições para o Brasil?, Textos para
Discussão 107. Brasília: BNDES, 2004.
31 A revista britânica The Economist de 3 de junho de 2006 publica editorial
com o título Can India Fly e suplemento intitulado Now for the hard part ' A
survey of business in India, nos quais é traçado um cenário futuro favorável
para a economia indiana.