Aspectos da integração regional em defesa no Cone Sul
Introdução
A América Latina, em especial o sul desta, é conhecida por sua relativa paz
internacional. Tanto assim que ao longo dos anos 80, os países banhados pelo
Atlântico Sul transformaram a região numa Zona de Paz e Cooperação do Atlântico
Sul, o que implicou o banimento de armas nucleares e a busca de cooperação na
solução dos possíveis problemas que pudessem afetar as relações entre os países
da região. Essa ausência de conflitos, entretanto, não se mostra a mesma no
interior dos países e atinge ainda hoje nações inteiras, como no caso do Haiti.
O Haiti é exemplo do que se pode chamar de paradoxo da Defesa, pois a política
de Defesa que deve ser o instrumento de segurança internacional de qualquer
país, volta-se na prática para o interior do Estado e constrói como inimigo,
parte da própria sociedade que define o papel de suas Forças Armadas. Assim, a
Defesa passa a ser uma política para a atuação do governo no interior da
própria sociedade. Em outras palavras, à paz internacional contrapõem-se as
"guerras" internas nos países da América Latina (Martín, 2006).
Considerando todo o continente Americano, é verdade que poucos são os países a
vivenciar conflitos que não parecem encontrar solução em curto prazo, causando
instabilidade tal que leva os próprios governos a ser parte do crime
organizado. Entretanto, permanece latente o perigo iminente de cair-se outra
vez em regimes autoritários ou, o que é muito pior, transformar tais países no
que é chamado de "Estados pária".1
Foi tendo esse pano de fundo que as atuais democracias se erigiram na região ao
longo das duas últimas décadas do século XX. Construídas em países que passaram
por regimes burocrático-autoritários, muitos dos quais caracterizados por
ditaduras sangrentas (particularmente na América do Sul) e marcadas pela
exclusão social pautada no preconceito étnico (caso da América Central), tais
democracias colocaram em xeque as definições clássicas, fazendo com que os
estudiosos se debruçassem sobre largos estudos comparativos no intuito de
definir com propriedade o que é a democracia hoje.
A hipótese que move nossas preocupações neste texto indica que integração e
democracia são fenômenos correlatos e interdependentes, de modo que quanto
maior a integração maior será a democracia. Ao mesmo tempo, aberta a trilha
democrática, também se abrem os caminhos para a integração. Em outras palavras,
defendemos que os avanços na área de defesa refletem positivamente sobre o
aprofundamento democrático, justamente porque os países da América do Sul, foco
das nossas preocupações, viveram sob regimes de base militar em passado
recente. Por outro lado, assim que se conheceram as primeiras medidas
democratizantes, estas incidem positivamente sobre a aproximação entre os
países, gerando maior distensão entre os atores, o que possibilita maior
diálogo e entendimento, aumentando as chances da integração.
Para discutir a hipótese apresentada, tomamos o caso específico da relação
entre Argentina e Brasil no âmbito da defesa, comparando as respostas dadas
pelos países à incorporação das forças armadas ao novo regime político, dado
que a relação entre militares e civis é fator essencial tanto para o avanço e
consolidação da democracia como pelo ritmo da integração, particularmente no
plano da integração em defesa. O estudo deste caso nos parece paradigmático
justamente porque, a despeito dos dois países terem passado por experiências
políticas semelhantes, a forma e o ritmo destas foram diferentes e, por isso,
embasaram análises diferentes.
Vale recordar que, partindo do modelo proposto por O'Donnell (1990), Argentina
e Brasil viveram regimes burocrático-autoritários semelhantes, ainda que o
brasileiro tenha sido relativamente mais brando e mais organizado, mas a saída
dele foi quase oposta: enquanto no Brasil aconteceu uma transição negociada, ao
caso argentino aplica-se o termo 'transição' por licenciosidade lingüística
(O'Donnell & Schmitter, 1988): em contrapartida à retirada ordenada das
Forças Armadas brasileiras do poder, as argentinas "... fugiram em debandada
para os quartéis de onde nunca deveriam ter saído, deixando o país em uma
'perfeita' desordem..." (Saint-Pierre, 1994: 16).
Esta diferença repercutiu de forma fundamental sobre o re-ordenamento político,
pois enquanto a burocracia brasileira permaneceu administrando a máquina
estatal, no país vizinho a burocracia foi destroçada e abandonada. Foi essa a
primeira diferença que marcou a relação militares ' civis entre os dois países,
levando a uma construção da democracia particular em cada um. Por exemplo, no
Brasil ainda hoje se pode observar o quanto as Forças Armadas gozam de nichos
de autonomia que lhes permitem controlar desde sua formação até influenciarem
escolhas de ministros civis de governos democraticamente eleitos, fatos que, se
cogitados, causam arrepios em qualquer argentino. A posição dos militares
frente aos civis nos governos recentes de Brasil e Argentina foi fator decisivo
para a forma de integração em defesa e segurança entre estes vizinhos.
Em contrapartida, por motivos diferentes, os regimes implantados nos países da
região podem ser definidos como "democracias bloqueadas" (O'Donnell, 1999). Em
outras palavras, por meio das eleições, que exigem o respeito a uma série de
condições ' liberdade de expressão, acesso à informação, Estado de direito,
direito de votar e de apresentar-se como candidato, etc. ', chega-se ao que de
fato define a democracia contemporânea: a cidadania enquanto agente(agency),
que diz respeito à definição jurídica de cidadão acrescida da idéia de cidadão
como "indivíduo portador de direitos subjetivos". Daí que as jovens democracias
justamente por desconhecerem e, em conseqüência, não respeitarem o agente e
restringirem a cidadania à sua definição legal, bloqueiam a democracia.
Para superar o dilema que congela as democracias na região, é preciso responder
positivamente à questão se os discriminados e pobres tem no regime democrático
um meio para a ampliação de seus direitos civis e sociais dentro da própria
democracia. Enquanto não existir essa resposta, também os caminhos da
integração serão estreitos, pois, a institucionalização do regime político e
das relações regionais é paralela, senão interdependente. Porém, conforme
sugerimos neste texto, apesar dos obstáculos, houve avanço no processo
integrativo na área da defesa.
Registramos que há outras questões, não tratadas neste texto, que interferem
muito sobre as definições estruturadoras da defesa. Assim, não se pode
desconsiderar a subordinação estratégica da região aos interesses norte-
americanos que se refletiu no que Cepik (2005), citando Hirst, chamou de
"diversificação da agenda de prioridades" contrastando com os avanços
"políticos e militares" percebidos no Cone Sul. Há, assim, uma perceptível
divisão entre a própria definição de ameaça atribuída pela Comunidade Andina e
os países que formam o Mercosul.
Sem menosprezar as duas questões colocadas, que dificultam o processo
integrativo, ao longo do texto esperamos mostrar que a construção da confiança
mútua entre Argentina e Brasil, especialmente nos dois últimos períodos
presidenciais (Lula e Kirshner), pode ser exemplo para o subcontinente em
matéria de Defesa. Em ambos, os entraves colocados ao processo de integração
comercial, econômico ou cultural, apenas respingaram na área de defesa e
segurança. Nesta os avanços foram significativos, contribuindo para o
fortalecimento do governo democrático.
Por meio do estudo do caso desses dois países, argumentaremos que é possível
notar uma relação positiva entre crescimento da confiança em defesa e
aprofundamento democrático. Em outras palavras, o germe do Mercosul, lançado
pelos governos Alfonsín e Sarney, constituiu-se muito mais em um processo
político do que econômico.2 Talvez a disparidade de ritmos entre as diferentes
esferas de integração seja a principal responsável pela percepção, ainda que
sazonal, da inexistência de um Mercado Comum do Sul.
Para avaliar a hipótese colocada, dividimos o texto em duas partes. A primeira
foi dedicada a descrever o processo de distensão das desconfianças e da
construção de mecanismos de integração entre Argentina e Brasil. Ao revés, na
segunda, apresentamos justamente alguns fatores que dificultaram tal processo
para, já nas notas finais, defendermos que os mecanismos de aproximação foram
mais fortes, redundando no esforço cooperativo, ainda que este tenha se
apresentado principalmente na arena da política, nas questões de defesa e
segurança. Mais especificamente, concluímos que a integração da Forças Armadas
foi impulsionada pela adoção da democracia e seu ritmo foi mais acelerado que
em outras áreas do Mercosul.
Argentina e Brasil: de inimigos a parceiros
Ao longo do século XX, a integração esteve na pauta das relações internacionais
dos países da América Latina em geral e da América do Sul em particular. Além
do exercício da hegemonia pelos EUA em toda região, havia a disputa entre
Argentina e Brasil, que construíram um relacionamento bilateral baseado na
competição pela hegemonia regional, rivalizando-se pelo status de liderança na
América do Sul, o que implicava na construção da "potência regional". A
dialética desta competição encontrou seu ápice no Projeto Itaipu, a partir do
qual passou-se para um novo modelo de relações entre Argentina e Brasil e de
ambos com a região, com os EUA e com o mundo.
O Acordo Tripartite, assinado em 1979, por Argentina, Brasil e Paraguai é
considerado o antecedente mais importante para o fim das rivalidades e a
construção da cooperação entre Brasil e Argentina (Caubet, 1989), e, por
conseguinte, para a ampliação das possibilidades de integração na América
Latina, especialmente no Cone sul. Naquela época, a adoção do que foi chamado
universalismo indicava uma clara mudança no discurso e prioridades do governo
brasileiro. Em outros termos, "a América Latina como um todo e a Argentina em
particular constituíram a primeira prioridade da política universalista
brasileira (...) A criação da Aladi, a entrada em vigor da Cooperação Amazônica
e a cooperação energética através da Blade, confirmaram o empenho brasileiro em
protagonizar a integração latino-americana, para melhor enfrentar as imposições
dos países desenvolvidos"(Miyamoto & Gonçalves, 1991: 58).
Nesse aspecto, a crise das Malvinas (1982) representou o fortalecimento dos
laços entre Brasil e Argentina, dada a solidariedade diplomática assumida por
Brasília. Esses fatores criaram o ambiente para que, já durante o governo
civil, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín tomassem medidas concretas
para a cooperação bilateral. Assim, em 30 de novembro de 1985, ambos assinaram
a Ata de Iguaçu, que não apenas apontava para a integração econômica, mas
permitiu o estreitamento do diálogo sobre produção nuclear.
Já nos anos mais recentes, a política externa brasileira tem-se concentrado em
uma aproximação cada vez mais forte na América do Sul, sobretudo por meio do
tratamento conjunto de problemas comuns e pelo diálogo entre o Mercosul e os
outros blocos que se formaram na região. Além disso, pode-se inferir que as
várias visitas do governo brasileiro à América Central e ao Caribe, uma
novidade dos anos mais recentes, sugerem que a tentativa de integração estende-
se também à região. Todavia, certamente nela qualquer país, ou bloco de países,
encontrará maiores dificuldades de negociação, considerando a hegemonia (para
não dizer domínio) exercida pelos EUA nos países que a compõe.
A intensificação nas relações com os países da América Latina deu-se
principalmente por meio da flexibilidade no tratamento das questões comerciais
do Mercosul, da possibilidade de ampliação do diálogo do bloco com outros
países da América do Sul e sua extensão aos demais países da América Central e
Caribe, bem como na cada vez mais estreita cooperação entre a Comunidade Andina
e o Mercosul.
No caso particular do Mercosul, alguns avanços merecem ser citados: as
negociações visando o combate conjunto à pirataria, a aprovação de tabelas de
equivalência no ensino fundamental e médio, a adoção de políticas científicas e
industriais comuns. Também foram criados o Parlamento do Mercosul e o Fundo de
Convergência Emergencial, voltado à redução das assimetrias econômicas dentro
do bloco. Finalmente, houve a conclusão de acordos de preferência tarifária com
países em desenvolvimento, como a Índia e a África do Sul; acordos comerciais
com Canadá, Japão e Israel e a incorporação de dois novos membros associados: a
Colômbia e o Equador, bem como a Venezuela, esta em dezembro de 2005.
Quanto à relação entre o Brasil e a Argentina, pode-se mencionar o
financiamento de compras governamentais e de exportação de produtos brasileiros
com componentes argentinos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento
(BNDES) e o Programa de Financiamento das Exportações (Proex). Os dois países
ainda firmaram acordos no setor têxtil e na fabricação de brinquedos para
enfrentar os índices de importação destes produtos provenientes da China.
Relativamente à aproximação entre o Mercosul e a Comunidade Andina, observou-se
a viabilização de projetos de transporte e infra-estrutura da região norte da
América do Sul, como o Fundo Internacional para a Amazônia Setentrional, e
ainda a dinamização do processo de implementação do projeto "Integração da
Infra-estrutura Regional Sul Americana" (IIRSA). O BNDES assinou um convênio
com a Comunidade Andina de Fomento (CAF) para atuação conjunta no financiamento
de obras de integração estrutural da região, como, por exemplo, a Rodovia
Inter-oceânica, que ligará Brasil e Bolívia a portos peruanos na costa do
Pacífico.
Destaca-se também a realização dos encontros do Grupo do Rio, dos Ministros de
Defesa das Américas e o lançamento da Comunidade Sul-Americana das Nações
(CSN). Na XVIII Cúpula Presidencial do Grupo do Rio, os assuntos centrais
orbitaram em torno da criação de uma agência de investimentos conjunta, das
ações para o combate à fome e à pobreza, da necessidade de reformas no âmbito
da ONU e da ampliação do apoio ao Haiti.
Durante a VI Conferência de Ministros de Defesa das Américas (2004), o tema
tratado foi o desenvolvimento de uma nova arquitetura de segurança continental.
Apesar das sugestões norte-americanas de empregar novos meios de combate às
novas ameaças ' terrorismo e narcotráfico, principalmente ', os países
participantes refutaram a proposta de que as Forças Armadas passassem a
trabalhar na área de segurança, atuando como polícia. A proposta do então
ministro da Defesa do Brasil, José Alencar, de incluir a pobreza extrema como
uma ameaça à segurança foi aceita na resolução final da Conferência, denominada
Declaração de Quito. O documento reconhece a democracia como condição
indispensável para a paz, a estabilidade, a segurança e o desenvolvimento dos
países das Américas. Por fim, a resolução conclamou as instituições financeiras
do hemisfério a apoiar os esforços dos países no combate ao tráfico ilegal de
armas pequenas e ligeiras, que fomentam a violência urbana. Os países
americanos também reiteraram seu compromisso com a não-proliferação de armas de
destruição em massa.
O Brasil também firmou diversas negociações bilaterais com outros países sul-
americanos visando à integração regional, como ocorreu com o Paraguai, Suriname
e Colômbia. O governo paraguaio solicitou o acesso a documentos confidenciais
relacionados à Guerra do Paraguai (1864-70). O Itamaraty advertiu que o pedido
será estudado e que a abertura deverá seguir as regras legais e
constitucionais. Quanto ao Suriname, foram firmados um tratado de extradição e
um acordo provisório de regularização dos imigrantes brasileiros, uma vez que
milhões vivem ilegalmente no país, atraídos pelo garimpo de ouro. O ministro
Amorim, que visitou o país, reafirmou a proposta de cooperação quanto aos dados
obtidos pelo Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Em relação à Colômbia,
o presidente Lula e seu par colombiano, Álvaro Uribe, trataram de cooperação na
área de fronteira e do aperfeiçoamento dos mecanismos de segurança regional.
Na área bélica, recorda-se que em 1986, por iniciativa do Brasil, firmou-se o
acordo de criação da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul ' ZPACS. Este
acordo multilateral envolveu os países da costa ocidental da África e aqueles
banhados pelo Atlântico Sul na América do Sul, totalizando 24 nações. A ZPACS
foi completada, em 1994, pela adesão tanto por parte do Brasil quanto pela
Argentina, ao Tratado de Tlatelolco, que tornou toda a América Latina,
incluindo o Caribe, região livre de armas nucleares.
No âmbito da OEA, vários mecanismos foram postos em prática. O primeiro foi a
alteração promovida na Carta da OEA, em 1985. A Assembléia realizada em
Cartagena (Colômbia) determina o que se denominou princípio democrático, que
estabelece que a "democracia representativa é condição indispensável para a
estabilidade regional". Depois, em 1991, a mesma OEA aprova a resolução que
cria a convocação automática dos ministros de Relações Exteriores dos países-
membros em caso de Golpe de Estado. Finalmente, em 1992, resolve que todo
governo produzido por golpe de Estado será suspenso da Organização, desde que
este afastamento seja aprovado por 2/3 dos votos válidos.
Como se pode visualizar, a década de 80 foi promissora, particularmente para as
relações entre Brasil e Argentina, continuando a sê-lo os anos 90, mormente na
área da cooperação em defesa. Exemplo disso foi dado pela submissão em conjunto
às exigências da Agência Internacional de Energia Atômica, aceitando que esta
inspecionasse projetos e instalações em ambos os países; pelos diferentes
exercícios realizados pelas Forças Armadas dos dois países ' como a operação
Fraterno, iniciada em fins dos anos 80 e que envolve as marinhas argentina e
brasileira, que atualmente já caminha para a formação (educação) comum de ambas
as Forças (Silveira, 2002) '; pelas reuniões anuais dos Estados-Maiores das
Forças Armadas iniciadas em 1987, bem como pela tentativa de ampliar a
abrangência dos acordos nas reuniões de ministros da Defesa das Américas, já
nos anos 90.
Certamente a iniciativa de Brasília e Buenos Aires que deu origem ao Mercosul,
com a incorporação do Uruguai e do Paraguai, jamais foi pensada como um
mecanismo juridicamente correto para promover a cooperação em defesa, mas sim
para o estabelecimento de um mercado comum, isto é, uma zona de cooperação
econômica que mesmo nessa forma restrita, tem sofrido reveses consideráveis.
Por isso mesmo, os avanços na área de defesa, se parecem irrelevantes, é porque
trabalham com o que há de mais sensível ao Estado, área que, sendo apenas
instrumento, deve realizar o interesse nacional. Assim, no interior da Defesa
os temas acordados não têm volta. Se não, por exemplo, como traçar um plano
estratégico tendo como alvo uma região argentina se seus nacionais conhecem
minhas armas e auxiliam na formação de minha tropa?
Foi, todavia, no governo Fernando Henrique Cardoso que os exercícios militares
conjuntos ganharam impulso. Iniciados com Argentina e Brasil, rapidamente
incorporaram as forças castrenses dos demais países do Cone Sul, convidando
ainda Chile, EUA e Canadá para participarem, seja como observadores, seja em
nível operacional. Nesse mesmo período, ganhou fôlego o intercâmbio na área de
educação militar, com o aumento no número de alunos e professores que estavam
fora de seu país de origem. Também aqui o intercâmbio foi maior entre Argentina
e Brasil. Porém, o fato mais importante nessa matéria foi a assinatura, em
abril de 1997, pelos governos brasileiro e argentino, do memorando "Mecanismo
de Entendimento sobre Consulta e Coordenação em matéria de Defesa e Segurança",
que confirmava a confiança mútua entre as Forças Armadas de ambos os países e
indicava que qualquer iniciativa em matéria de Defesa e Segurança seria
previamente acordada entre os dois governos (Saint-Pierre & Winand, 2005).
Foi, portanto, um longo e tortuoso caminho aquele de reduzir as desconfianças
mútuas que percorreram Argentina e Brasil nesses mais de 30 anos. É penosa a
transição para subordinar suas Forças Armadas aos governos civis, ainda maior a
dificuldade de estabelecer políticas militares, é provável que seja ainda mais
sinuosa a vereda que leve à defesa cooperativa, muito diferente da cooperação
em defesa, facilitada pela nova conjuntura democrática dos países que, nas
palavras de Lafer, "Se a coincidência de regimes autoritários favorecia uma
percepção algo semelhante da ordem internacional e da ordem interna, alimentava
também a suspeita mútua no plano bilateral e sub-regional. A simultaneidade
agora de regimes democráticos desarmava a tensão, e agregava um elemento de
parceria na necessidade que sentiam os dois governos de afirmar e consolidar o
controle civil e democrático sobre os militares" (Lafer, 1997:254).
Para a cooperação em defesa, a participação dos países da região na Missão das
Nações Unidas para o Haiti (Minustah) traduziu-se em exemplo do processo, em
especial para Argentina e Brasil. A despeito do caráter militar interno das
operações, a Minustah vem recebendo treinamento importante para a cooperação em
defesa, é o que garante o general argentino Julio Hand, um dos agentes do
processo, que diz que a Minustah "... significa o primeiro projeto de
participação combinada sub-regional em uma missão de paz (...) Não se pode
dizer que haja uma Força integrada, mas há um forte vínculo e interconexão em
nível de Estado-Maior, bem como entre os batalhões que lá se encontram" (In
DEF, 2006).
Não se deve entender cooperação em defesa como a criação de Forças Armadas
comuns, como se fosse possível um Exército, uma Marinha e uma Aeronáutica
binacional argentino-brasileira. Apesar da proposta do presidente venezuelano
de criar um conselho de defesa que integrasse Argentina, Brasil e Venezuela,
não se trata de criar uma espécie de "Otan dos pobres", como alguém já chamou
(Folha de S. Paulo, 20/01/2006:A8). Ao contrário, o que se defende aqui, e as
medidas adotadas apontam nessa direção, é que sem perder a identidade nacional,
começando por Argentina e Brasil, mas com a pretensão de realizar o sonho
bolivariano de uma só América (Latina), seja possível negociar interesses
comuns e mecanismos também comuns de defesa desses interesses e, quem sabe, da
superação de interesses nacionais, daquilo que constitui áreas de possíveis
contenciosos, para a definição de ameaças e como preparar-se para defender
interesses em conjunto, mas mantendo cada um sua autonomia. Quando esses
objetivos forem atingidos, haverá cooperação plena em defesa.
Relativamente à incorporação de áreas cada vez maiores na tentativa de
realmente criar uma visão cooperativa comum em defesa, a Argentina apresenta
maior disposição do que o Brasil. Tanto assim que enquanto o primeiro faz
acordos que estreitam cada vez mais as relações em defesa na região ' como, por
exemplo, o anúncio de criação de força conjunta entre Argentina e Chile (Folha
on Line, 27/12/2005) ', o Brasil, apesar do discurso governamental, ainda
alimenta desconfianças e procura postergar qualquer decisão nessa matéria.3
Deve-se registrar ainda que os esforços de integração, especialmente os
impulsionados entre Brasil e Argentina, também foram dirigidos para a redução
da influência dos EUA sob os países da América do Sul. Na área da Segurança e
Defesa, a integração brasileiro ' argentina deve funcionar como ponto de
partida para a integração de toda a região, pois, conforme Saint-Pierre (2006),
o governo brasileiro, por causa da posição geográfica e política na América do
Sul, defende que esta região possui uma "identidade estratégica" diferente
daquela das demais regiões do Continente. Citando o embaixador Chofi, "A
democracia, a integração regional, nossa crescente comunhão de valores
contribuem para que a América do Sul também se consolide como uma zona de paz,
onde a cooperação e a busca conjunta da estabilidade e da prosperidade levaram
à superação definitiva das rivalidades do passado, criando uma teia
irreversível de interesses e oportunidades" (Apud Saint-Pierre, 2006: 18).
Entraves à integração regional
Conforme informado no início do tópico anterior, Argentina e Brasil rivalizavam
pela hegemonia regional até o terceiro quarto do século passado. No caso do
primeiro, a língua e a cultura comuns facilitavam as relações com a América
Latina, enquanto o Brasil buscava superar tais dificuldades mostrando-se como o
representante ideal tanto pelo seu tamanho e importância no cenário
internacional como por sua falta de contenciosos com os países da região. Neste
sentido, ele se apresentou muitas vezes como árbitro entre contendentes e quase
sempre solidário com os países latino-americanos relativamente aos demais
países do mundo.
Justamente porque disputavam a hegemonia regional, somada às relações com os
EUA, Argentina e Brasil também protagonizavam o papel de principais atores a
dificultar o processo de integração. Assim, ao longo do século XX, o desenho da
política externa de cada um dos dois países, sempre teve em conta a posição do
outro e as raras iniciativas para superar tal contencioso, fracassaram. Apenas
para citar um exemplo, o Tratado de Uruguaiana elaborado pelos governos Jânio
Quadros e Arturo Frondizi em 1961, jamais foi respeitado (Llairó, 2004).
Dois aspectos que permanecem dificultando as relações entre Brasil e Argentina,
especialmente na área de Defesa e Segurança são o freqüente pleito do Brasil a
uma vaga como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS-
ONU) e, no que se refere à Argentina, a propensão desta para o alinhamento aos
EUA.
A predisposição brasileira para ocupar lugar de destaque em organizações
internacionais não é nova. A primeira vez que o país se candidatou a uma vaga
de membro permanente foi em 1921, então para o Conselho da Liga das Nações.
Vetado em seu pleito, o Brasil tentou novamente elevar-se à categoria de membro
permanente em duas outras ocasiões, sendo recusado e por esse motivo deixando a
Liga em 1926 (Cervo, 2001). Embora desejo permanente do país, apenas em 1992,
agora já na ONU, sua candidatura transforma-se em possibilidade real. Segundo o
Itamaraty, tal pleito era o desaguadouro natural da postura multilateral, do
respeito ao direito internacional, e da constante tentativa de adotar o diálogo
na resolução dos conflitos que marca a atuação do Brasil no sistema
internacional (Bernal-Meza, 2002).
Em 1992, terminada a Guerra do Golfo, os chefes de Estado reúnem-se no Conselho
de Segurança para rediscutir o papel da Organização. Naquela oportunidade, a
reforma já era pauta da agenda internacional e quando mencionaram Alemanha e
Japão como possíveis novos membros permanentes, o então chanceler brasileiro,
Celso Lafer, comunicou que o Brasil considerava inaceitável que Japão e
Alemanha se tornassem membros permanentes do Conselho de Segurança deixando de
fora representantes de outras regiões do mundo. O à época secretário de Estado
norte-americano, Lawrence Eagleburger, não apenas concordou, mas recomendou que
o Brasil "viabilizasse sua aspiração", em conjunto com Japão, Alemanha e Índia,
o que se materializaria doze anos depois com a formação do G-4.
Fernando Henrique Cardoso, sucessor de Lafer na chancelaria, manteve a linha
segundo a qual, se houvesse uma ampliação, o Brasil não aceitaria a própria
exclusão. Celso Amorim, primeiro como chanceler de Itamar Franco depois como
embaixador na ONU durante o governo Fernando Henrique, tomou a peito a
reivindicação do assento permanente quando do retorno ao tema à agenda
internacional, durante as comemorações do cinqüentenário da ONU.
A administração FHC defendia a inclusão de membros permanentes com a mesma
condição dos antigos, repudiando a criação de uma terceira ou quarta categoria
de membros que pudessem enfraquecer ou desvalorizar a participação do mundo em
desenvolvimento no Conselho ampliado. Em outras palavras, assim como o atual
governo, o anterior posicionava-se contra fórmulas alternativas, como a criação
de membros semi-permanentes ou qualquer solução que representasse o
reconhecimento de um status diminuído para os novos membros.
Diferentemente daquela administração e impulsionado pelos acontecimentos que
marcaram o Sistema Internacional, o atual presidente Lula assume uma postura
relativamente a este fato bastante diferente a adotada por seu antecessor. Em
suas diversas viagens e visitas presidenciais, bem como em reuniões
multilaterais, o presidente procura angariar o apoio dos diversos países à
aspiração brasileira defendendo maior legitimidade da organização por meio de
uma representação eqüitativa e condenando o uso unilateral da força, aludindo
implicitamente à Guerra no Iraque. O país já obteve apoio oficial e indícios
positivos de diversos países, incluindo alguns membros permanentes, mas nem a
ONU foi reformada e nem seu Conselho foi ampliado.
Em razão de sua posição pró-ativa no que se refere à reforma da ONU, o Brasil
tem sido alvo de severas críticas daqueles que se opõem a uma responsabilidade
mais onerosa do país ou ainda àqueles que se preocupam com as relações com a
América Latina. Dentre estes, observa-se que além da Argentina, também o Chile
e o México se posicionaram contra a aspiração brasileira, ao mesmo tempo em que
apóiam que as vagas permanentes continuem sendo regionais e rotativas, nas
quais de dois em dois anos alternar-se-iam seus membros.
No que se refere ao alinhamento incondicional da Argentina aos EUA, isto
afastou bastante os governos argentino e brasileiro, principalmente na gestão
de Carlos Menem (1989-1999), que conseguiu elevar seu país à categoria de
aliado extra-Otan, em 1996. Três anos mais tarde, a Casa Rosada emitiu pedido
formal para tornar-se membro-associado da Otan, o que gerou desconfianças
maiores no Brasil, que então emitiu nota oficial manifestando dúvidas com
relação ao apoio da sociedade argentina ao pleito, bem como sobre o
unilateralismo da decisão. À época, Luiz Fernando Ligeiro, chefe da assessoria
de comunicação social do Itamaraty, salientava ainda que, se aceita a proposta,
esta introduziria "elementos estranhos no contexto da segurança regional sul-
americana", que teriam conseqüências diretas na política externa do Brasil, as
quais "estarão sendo analisados em todos os seus aspectos de natureza política
e militar" (Folha de S. Paulo, 10/07/1999, p. 1-10).
As relações entre o Brasil e o Paraguai também sofreram embaraços em razão da
suposta criação de uma base militar norte-americana neste país. No entanto, os
ministros das Relações Exteriores dos dois países sul-americanos resolveram os
mal-entendidos e o Brasil reconheceu a necessidade de tratar melhor o vizinho,
propondo um acordo de defesa no Mercosul. Em âmbito bilateral, os dois países
firmaram estratégias para combater o tráfico ilícito de drogas, bem como outros
grupos organizados que atuam na fronteira. Além disso, o governo paraguaio
solicitou ao presidente brasileiro linhas de financiamento para compensar as
perdas pela diminuição da economia informal no país, diretamente vinculadas aos
acordos regionais.
A fragilidade de integração maior entre os países sul-americanos também se
apresentou quando do lançamento oficial da Comunidade Sul-Americana das Nações,
no qual, dos países que integram o MERCOSUL, apenas o presidente brasileiro,
Luiz Inácio Lula da Silva, compareceu. A chancelaria brasileira declarou que a
Comunidade Sul-Americana de Nações seria um alicerce para a União da América do
Sul baseada no diálogo político, na integração econômica, comercial, dos
transportes, energia e telecomunicações, bem como uma porta de entrada para a
Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec). No entanto, Lula foi alvo de
críticas por parte dos presidentes do Chile, Venezuela e Colômbia, que
reclamaram do excesso de reuniões sem resultados práticos visíveis. Observa-se,
com isso, certa desconfiança por parte de alguns países da região quanto à
efetiva realização da Comunidade.
Na Declaração de Cuzco, documento que criou a Comunidade Sul-Americana de
Nações, os presidentes defenderam um espaço de "concertação política e
diplomática" que possa por em prática 31 projetos conjuntos de interligação de
infra-estrutura entre os países. O projeto da Comunidade é ambicioso, prevê uma
moeda comum, um parlamento e o fim dos vistos de entrada para cidadãos sul-
americanos. Temas como meio-ambiente, direitos humanos, transparência
governamental, desenvolvimento social e combate à corrupção também foram
incluídos na Declaração.
No âmbito econômico, a candidatura de dois países integrantes do Mercosul
(Brasil e Uruguai) ao posto de diretor geral da OMC também é exemplo da
inexistência de um sentimento de unidade entre os países na formulação de sua
Política Externa. Outros fatores que provocaram impasse nas relações entre
Brasil e Uruguai, em 2005, foi o acordo comercial firmado entre o Uruguai e os
Estados Unidos, bem como a recusa do país sul-americano em integrar o G-20.
Assim, também na área da Defesa, com a formação e adoção de missões comuns para
as Forças Armadas, o Brasil e seus vizinhos estão longe de atingir a
cooperação. A despeito dos esforços, particularmente da Argentina, não parece
que haverá convergência na formação dos soldados e sua preparação para a
democracia, muito pelo contrário. Para mencionar apenas um exemplo, enquanto na
Argentina proibi-se qualquer participação castrense na esfera interna, no
Brasil o próprio governo federal tem empregado, e a despeito da resistência
militar, as Forças Armadas na manutenção da segurança pública. As diferentes
operações que aconteceram no Brasil ao longo dos últimos 15 anos, em grande
número na cidade do Rio de Janeiro e contando basicamente com o Exército,
tiveram como saldo a morte de civis, o que não surpreende, pois,
"(...) o papel, a missão, o treinamento e o armamento das Forças
Armadas têm como objetivo o aniquilamento do inimigo, objetivo muito
diferente da repressãoao delinqüente, ao qual, o Estado deve garantir
sua vida. Sua logística é formulada para combater exércitos e não
bandos de criminosos que vivem no próprio 'campo de batalha'. Sua
inteligência visa manter atualizada a informação sobre a situação,
dispositivo e movimento do inimigo e não para juntar pacientemente as
provas judiciais que permitam levar o delinqüente ante a justiça. As
forças policiais têm como papel constitucional combater o crime como
braço armado do sistema judiciário. Para cumprir com esse objetivo
são treinadas e armadas. Sua inteligência está treinada e preparada
para desmantelar o crime e reprimir a delinqüência (...)" (Saint-
Pierre & Winand, 2006:35).
No que se refere à atuação do governo frente à sociedade castrense, enquanto o
país vizinho adota uma política de subordinação incondicional dos militares aos
civis, tomando decisões que registram que não há espaço para autonomia militar
sob a democracia ' como simbolicamente aconteceu com a transformação da Esma em
Museu sobre a tortura ', no Brasil, ao contrário, as Forças Armadas ainda
mostram-se fortes o bastante para garantir e até aumentar sua autonomia, como
apontou a saída do ministro Viegas e sua substituição pelo vice-presidente José
Alencar.
Por último, mas não menos importante, cita-se as expectativas e os ritmos
diferentes dos dois principais parceiros do Mercosul relativamente à integração
no e do bloco regional. A disposição de Brasil e Argentina em matéria de
cooperação em segurança foi avaliada da seguinte maneira por Fraga (2006: 4-5)
"Em matéria de segurança internacional, a política do Brasil para a
Argentina é muito clara: potencia os acordos bilaterais exército-
exército, armada-armada, força aérea-força aérea, mas não permite que
isto se institucionalize como uma política dos dois Estados".
"Porque a relação bilateral força-força não tem status político, e se
é tomada a decisão de suspender tal relação em um determinado
momento, não se gera uma crise política. Por isso, não vejo o Brasil
interessado em avanços concretos, como a criação de uma brigada
binacional ou de algum elemento militar permanente do Mercosul
(...)".
Como se observa, as ações brasileiras são muito mais lentas que as argentinas.
Parece que o progresso na integração das Forças Armadas, ainda que restrito ao
âmbito bi-nacional (com a Argentina) não está na pauta hodierna do país, o que
restringe, ao mesmo tempo, a integração em Defesa e a ampliação dos contatos
multilaterais que convirjam para outras esferas de concerto regional. Se
comparada às relações entre Argentina e Chile, vê-se que não é a falta de
contenciosos fronteiriços que sustenta a capacidade de negociação e integração
dos países. Os dois Estados assinaram, em dezembro de 2005, Acordo Bilateral
que criou as Forças de Paz Combinadas, cujo treinamento e atividades ficaram a
cargo de um Estado-Maior Conjunto, o que, como discutido, está longe de
acontecer entre eles e o Brasil. Pior, há informações que o Chile vetou a
participação brasileira nos exercícios promovidos sob a tutela do Acordo,
acusando este de promover ações que emperram as iniciativas de aprofundamento
da cooperação em defesa.4
Considerações Finais
Fazendo um balanço, as expectativas de integração regional entre as Forças
Armadas no Cone Sul são muito maiores do que as reais possibilidades de adoção
de uma política cooperativa na área de Segurança e Defesa. Até pelos problemas
sociais (pobreza, desigualdade) e econômicos (planos de estabilização,
políticas econômicas de inserção internacional) enfrentados pelos países que
compõem o Mercosul ampliado, o setor de Defesa e Segurança muitas vezes é
deixado em segundo plano, também porque a adoção de acordos nessa área só pode
ser permanente ' não existe a possibilidade de desenhar uma operação comum, na
qual os participantes conhecem as armas e técnicas dos outros para, logo em
seguida, voltar atrás e tratarem-se como inimigos ', são um caminho sem volta.
Por outro lado, é difícil não reconhecer que esse processo ascendeu muito no
último quarto de século e que a adoção da democracia, ainda que apenas como
governo, como mecanismo puramente eleitoral, foi essencial para esse avanço. No
mesmo sentido, o progresso na integração, mormente entre as Forças Armadas, foi
e é fundamental para alimentar a democracia, pois ensinam que apenas quando os
militares estão completamente integrados e educados para o respeito às regras e
ao conflito inerente ao processo democrático é que se abre a possibilidade para
a consolidação do regime democrático, um regime de outra natureza, no qual
prevalece o respeito aos direitos e deveres de todos os cidadãos.
Ressalte-se que no primeiro semestre de 2006, a Venezuela, alegando que a
Colômbia não consultou seus vizinhos para firmar acordo bi-nacional de
cooperação com os EUA, deixou a Comunidade Andina de Nações e imediatamente
solicitou seu ingresso no Mercosul. O Protocolo de Adesão, assinado em julho de
2006, apresentou cronograma que implica na integração plena da Venezuela ao
bloco para 2010.
A iniciativa de Caracas, entretanto, se não se apresenta como membro imediato,
coloca limites nas iniciativas de integração regional que não são
insignificantes e, no que se refere à área de defesa e segurança, podem
implicar em entraves importantes. Porém, como já se informou, as ações nesta
matéria são parcimoniosas, ainda que duradouras, o que significa que os efeitos
da entrada da Venezuela no bloco devem ser considerados, mas podem sê-lo em um
futuro não tão imediato. Por isso, o que foi defendido ao longo do texto, isto
é, que a integração das Forças Armadas dos países da região foi impulsionada
pela adoção da democracia e seu ritmo foi mais acelerado que em outras áreas do
MERCOSUL, não foi invalidado pelo ingresso da Venezuela, pois seu impacto em
defesa e segurança será percebido apenas no médio prazo.
Apesar de ser uma área extremamente sensível, muito se tem caminhado na
integração em defesa e segurança entre os países do Mercosul ampliado. Como se
defendeu aqui, muito mais até do que em outros setores. Atualmente, há três
tipos de reuniões multilaterais específicas na matéria: reuniões bienais dos
ministros da Defesa das Américas; reunião de especialistas ' civis e militares
' da América Latina, e reunião anual ibero-americana de defesa e segurança ',
além de outras tantas que tocam no tema sem ser ele seu objeto central. Em
todas essas oportunidades de debate, o tema não gira em torno apenas de
integração em defesa e segurança, mas inclui discussões sobre a criação de uma
linguagem comum que leve ao entendimento multilateral nesta matéria, sempre
preservando a força da palavra em detrimento do fel das baionetas e, nessa
arte, Brasil e Argentina, apesar de todas as discrepâncias e divergências, têm
assumido papel de liderança.
Para concluir, já não são os militares que ameaçam a democracia. Embora se
perceba nichos de autonomia, o processo de aproximação gradual das Forças
Armadas dos países da região pode ser encarado como passo decisivo no caminho
da consolidação da democracia. Os entraves à sua plena realização, ao
contrário, são colocados pelo caos social que atinge grande parte da população
do Cone Sul. O bloqueio ao regime, portanto, não está na área de defesa e
segurança. É a exclusão, a incapacidade de criar alternativas para a mobilidade
social que restringe as possibilidades de transformação da democracia eleitoral
em democracia social e, em conseqüência, da integração comercial à integral