A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo
decisório
Para Adam Przeworski, meu professor
O tema desta aula, conforme o edital, é presidencialismo de coalizão e processo
decisório no Brasil contemporâneo. Creio ser esta uma boa oportunidade para
ampliar o enfoque e mostrar que é um equívoco traçar linhas demarcatórias
rígidas entre, por exemplo, a pesquisa empírica e a teoria, entre métodos
quantitativos e qualitativos e assim por diante. Cientistas políticos têm
mostrado uma tendência a se dividir em tribos e pequenos grupos, cada um deles
reivindicando para si o papel de herdeiro ou arauto da verdadeira disciplina.
Não acredito que existam diferentes tradições ou idiomas em disputa. Quando
trabalhadas de forma consistente, as indagações que estruturam a disciplina
desrespeitam essas fronteiras. Por exemplo, questões que, à primeira vista,
podem parecer meramente empíricas ou quantitativas, só podem ser respondidas de
maneira adequada se e quando as dimensões teóricas envolvidas são levadas em
conta. Argumentos não podem ser contestados com base em suas alegadas origens
geográficas. A lógica da análise científica não tem sotaque.
O tema central desta exposição é o sistema político brasileiro, o seu modo de
funcionamento e de operação, sistema este que, de uns tempos a esta parte,
passou a ser nomeado pela expressão cunhada por Sérgio Abranches em 1988, isto
é, como um presidencialismo de coalizão2. O termo ganhou o grande público e,
hoje, é de uso corrente, freqüentando inclusive os editoriais dos jornais de
ampla circulação3.
A necessidade de adjetivar ou qualificar o presidencialismo brasileiro deixa
subentendido que este teria algo de peculiar, de especial. Não praticaríamos um
presidencialismo normal ou corriqueiro. Teríamos um regime com características
próprias. Para bem ou para o mal, o presidencialismo brasileiro funcionaria
desta forma particular: como um presidencialismo de coalizão.
Um dos objetivos centrais desta exposição é examinar se existem razões que
autorizam essa aspiração à originalidade. Parafraseando O'Donnel, estaríamos
frente a um novo animal político? Viveríamos sob um presidencialismo de
coalizão, com direito a grifo e itálico?
Quando proposto por Sérgio Abranches, o uso do termo de fato comportava a
reivindicação à especificidade:
O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o
multipartidarismo e o 'presidencialismo imperial', organiza o
Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da
institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor
nome, 'presidencialismo de coalizão'.4
Nesse texto, a especificidade é diretamente associada às dificuldades da
instauração de uma ordem democrática estável no Brasil. Não é demais lembrar o
subtítulo do artigo: "o dilema institucional brasileiro". O texto é repleto de
referências à possibilidade de crises e juízos acerca das dificuldades
enfrentadas pelo país em suas experiências com um regime democrático. Cito
apenas uma:
O raciocínio acima aponta para o nó górdio do presidencialismo de
coalizão. É um sistema caracterizado pela instabilidade, de alto
risco e cuja sustentação baseia-se, quase exclusivamente, no
desempenho corrente do governo e na sua disposição de respeitar
estritamente os pontos ideológicos ou programáticos considerados
inegociáveis, os quais nem sempre são explícita e coerentemente
fixados na fase de formação da coalizão.5
Faz-se necessário precisar qual a contribuição do autor para o debate
institucional do período pré-constituinte, a saber, propor uma alteração no
foco da discussão, reconhecendo que de pouco adiantaria reformar a legislação
partidária e eleitoral com vistas à redução do número de partidos. Presidentes
sempre seriam forçados a formar coalizões para governar, mesmo, por paradoxal
que pareça, se seu partido fosse majoritário. Isso porque coalizões não seriam
formadas apenas de acordo com o critério partidário. Ou melhor, esse método
usual de formação de coalizões seria insuficiente para dar a sustentação
política necessária ao presidente. Federalismo, o poder dos governadores e a
diversidade e heterogeneidade da sociedade brasileira, mais do que o número de
partidos, tornavam coalizões imperiosas. Essa característica da política
brasileira é afirmada na seguinte passagem:
A lógica da formação de coalizões tem, nitidamente, dois eixos: o
partidário e o regional (estadual), hoje como ontem. É isso que
explica a recorrência das grandes coalizões, pois o cálculo relativo
à base de sustentação política do governo não é apenas partidário-
parlamentar, mas também regional. 6
O que distinguiria o presidencialismo de coalizão seria esse critério
particular usado para a formação da base parlamentar de apoio ao presidente,
isto é, o fato de ela não poder ser estritamente partidária. A necessidade de
atender ao critério regional, vale insistir, se deve à heterogeneidade social
do país, ao federalismo e ao poder dos governadores.
Sendo compostas dessa forma, conclui-se que, a despeito de necessárias, as
coalizões seriam ineficientes, incapazes de apoiar agendas consistentes de
governo. A coalizão, portanto, entra na definição do conceito não como solução,
mas como expressão das dificuldades enfrentadas pelo presidente para governar.
No entanto, cabe perguntar se a formulação original é resgatada quando, hoje,
se emprega o termo. Afinal, o que se tem efetivamente em mente quando nosso
sistema é nomeado como um presidencialismo de coalizão?
Eu diria que a relação com a definição e caracterização original é vaga, quando
não ambígua. Estamos diante, creio eu, do fenômeno apontado por Sartori7 muitos
anos atrás: um esgarçamento conceitual que leva, irremediavelmente, à confusão.
Ainda assim, é possível apontar para alguns pontos em que o texto de Abranches,
cujos juízos atuais me parecem distantes dos oferecidos em 1988, tangenciam a
visão corrente sobre o sistema político brasileiro. Este tende a ser visto como
original, em função da incapacidade de formar coalizões estritamente
partidárias dada a fragilidade dos partidos, o que se explica em parte ou
totalmente com referências à sobrevivência do poder tradicional (poder regional
e local).
Minha exposição caminha na direção oposta. Do ponto de vista descritivo, o
sistema político brasileiro, não há dúvidas, pode ser nomeado como um
presidencialismo de coalizão. Afinal, a forma de governo adotada é o
presidencialismo e governos recorrem à formação de coalizões para obter apoio
para suas iniciativas. Logo, em si mesmas, essas características não implicam
ou justificam a aspiração à originalidade. Mais do que isso, se recorrermos a
evidências empíricas sistemáticas, como procurarei mostrar, não é possível
manter quer a aspiração à originalidade, quer os juízos negativos. Ainda que
trate apenas tangencialmente dos demais pontos, mostrarei também que não é
possível sustentar que o partidos brasileiros não são capazes de estruturar
coalizões partidárias ou que o poder tradicional regule e controle os
resultados eleitorais.
Sendo mais positivo, quero mostrar que do ponto de vista da sua estrutura, da
forma como efetivamente funciona, há pouco que permita distinguir o sistema
político brasileiro de outras democracias ditas avançadas ou consolidadas. A
forma como o processo decisório é organizado, mais especificamente, o poder de
agenda conferido ao Executivo, garante que o governo brasileiro opere em bases
similares às de grande parte das democracias existentes. Nesse aspecto
particular, a Constituição de 1988 alterou radicalmente as bases institucionais
sobre as quais se estruturam as relações entre o Poder Executivo e o
Legislativo. Abranches, cabe notar, não faz qualquer referência ao processo
decisório e escreve antes da elaboração da Constituição de 1988. Ou seja, ao
utilizar o termos hoje, implicitamente, equiparam-se as duas experiências
democráticas brasileiras. No entanto, a matriz institucional de cada uma delas
está longe de ser a mesma.
O plano da apresentação, feita a longa introdução, é o seguinte. O primeiro
passo é estabelecer a aproximação entre o modo em que operam as democracias
atuais e a democracia brasileira. Trata-se, portanto, de introduzir elementos
comparativos que permitam contextualizar nosso sistema político. A referência,
claro, devem ser as democracias existentes e não as idealizadas. Por trivial e
óbvio que pareça, esse não é o caminho usualmente trilhado pela maioria dos
analistas.
Procurarei mostrar que o modo de operar do governo brasileiro é o mesmo da
maioria das demais democracias contemporâneas. O Executivo controla a agenda
legislativa, logrando aprovar a maioria de suas proposições porque ancorado por
sólido e consistente apoio partidário. Por isso, esta seção pode ser nomeada,
recorrendo a um linguajar burocrático-regimental, como tratando da estrutura e
do funcionamento das democracias contemporâneas.
Passo em seguida a analisar as possíveis objeções. Isto é, a discutir as
dificuldades em aceitar que as informações dadas possam ter o mesmo significado
aqui e alhures. Sendo alhures a Europa e países parlamentaristas, entende-se o
argumento de que a realidade ganha significado diverso quando atravessa o
Atlântico e pousa em terras inóspitas, tropicais. Assim, nomeio a segunda parte
desta exposição como tratando das objeções.
Discutirei três grupos de objeções relacionadas à interpretação dos dados
apresentados. As duas primeiras tratam de questões teóricas e analíticas.
Começo pela própria possibilidade de estabelecer a comparação feita. É lícito
comparar a estrutura dos governos parlamentaristas e presidencialistas? Dados
relativos ao sucesso e à hegemonia legislativa do Executivo teriam, de fato, o
mesmo significado nas duas formas de governo? Ou seja, a primeira objeção diz
respeito à forma de governo, à distinção entre presidencialismo e
parlamentarismo.
Já o segundo conjunto de objeções questiona a interpretação dos dados.
Paralisia e incapacidade do Executivo em implementar sua agenda são compatíveis
com altas taxas de aprovação das matérias legislativas. Bastaria, para tanto,
que o Executivo reconhecesse sua fraqueza e submetesse à apreciação do
Congresso apenas as matérias consensuais. Reúno essas objeções sob o subtítulo
da agenda e da antecipação das reações.
A terceira objeção trata mais diretamente do debate nacional, mais
precisamente, das arraigadas desconfianças quanto à qualidade de nosso corpo
representativo. Pretender equiparar o Brasil, digamos, à Inglaterra seria
desconsiderar as diferenças qualitativas entre o corpo representativo dos dois
países. A natureza das maiorias seria radicalmente diversa. Sendo assim, a
objeção remete diretamente à arena eleitoral e, em última análise, trata-se de
discutir uma variação do velho diagnóstico segundo o qual o sistema político
brasileiro poderia ser caracterizado pelo conflito entre um Executivo
progressista e um Congresso conservador. Assim, o terceiro grupo de objeções
pode ser intitulado das falhas do governo representativo no Brasil.
DA ESTRUTURA E DO FUNCIONAMENTO DOS GOVERNOS DEMOCRÁTICOS
Alguns poucos dados são suficientes para caracterizar os governos
parlamentaristas contemporâneos. Dois indicadores bastante simples servem para
apontar traços essenciais da forma como operam: a taxa de sucesso das
iniciativas do Executivo, que nada mais é do que a proporção do que é aprovado
sobre o total enviado por este poder, e a taxa de dominância sobre a produção
legal, a simples divisão das leis cuja proposição se deve ao Executivo pelo
total de leis aprovadas no período. Estudos comparativos e sobre países tendem
a confirmar o que, em 1979, Loewenberg e Petterson8, em estudo comparativo
pioneiro, chamaram da regra dos 90%. Isto é: tanto a taxa de sucesso como a de
dominância tendem a se concentrar em torno dos 90%.
Os dados compilados pelo Inter Parliamentary Union9, o levantamento comparativo
mais confiável a esse respeito, não deixam margem a dúvidas. Alguns poucos
exemplos bastam. O governo inglês, paradigma de governo parlamentarista, teve
aprovada 93% das propostas que submeteu ao parlamento entre 1971 e 1976. Entre
1978 e 1982, a taxa caiu um ponto percentual. Quanto à dominância, ela foi de
83% e 84% em cada um desses períodos. Os valores variam muito pouco. Um outro
exemplo: a Dinamarca. No primeiro período coberto pelo levantamento, as taxas
de sucesso e dominância foram respectivamente 89% e 99%. Na pesquisa mais
recente, os números caíram levemente, ficando em 88% e 97%. A Finlândia, país
que, como o Brasil, adota a representação proporcional com lista aberta,
registra valores altos em ambos os quesitos nos dois períodos: 84% tanto de
sucesso quanto de hegemonia entre 1971 e 1976, subindo para 88% e 99%
respectivamente no segundo período.
Os exemplos podem ser multiplicados. Contudo, registra-se, há países
parlamentaristas incluídos na pesquisa que mostram comportamento atípico. Dois
casos chamam a atenção, incluídos apenas na segunda edição: Portugal (13,7% e
39,9%) e Itália (51,3% e 69,9%). As exceções são importantes para chamar a
atenção para dois pontos. Primeiro: a esfera de abrangência das normas legais
pode afetar o comportamento do índice, como é o caso de Portugal em função da
inclusão das "bagatelas", leis que alteram o status de vilas e freguesias no
cômputo da produção legal. A Itália alerta para a possibilidade de que o
predomínio do Executivo sobre a produção legal não seja um traço constitutivo
do parlamentarismo. Primeiros-ministros tendem a controlar a agenda
legislativa, mas não é necessário que assim seja.
A tendência geral contida nesses dados não é razão para soar sinais de alarme,
isto é, não são interpretados como sinais da falência do Poder Legislativo ou
de seu abastardamento diante do Executivo. Isso porque na origem da supremacia
do Executivo estaria uma delegação expressa da maioria. As altas taxas de
disciplina do partido ou da coalizão partidária que apóia o Executivo seriam a
comprovação dessa delegação.
O complemento necessário para a compreensão das taxas de sucesso e dominância
do Executivo em governos parlamentaristas, portanto, é a existência da
disciplina partidária, dado que se toma como inconteste e indisputável para a
maioria dos governos parlamentaristas. Tal suposição é de tal forma arraigada
que é difícil encontrar trabalhos empíricos comparativos sobre o tema. Os
poucos estudos dedicados a países específicos, por exemplo, tendem a contar
votações em que um ou mais votos indisciplinados foram registrados10.
Essas informações, de certa forma, revelam a estrutura dos governos
parlamentaristas, as bases sobre as quais seu funcionamento ordinário repousa:
supremacia do Executivo amparada por apoio partidário consistente. Pois muito
bem, e o Brasil? As referências constantes a problemas de governabilidade, à
fragilidade do quadro partidário e o apelo permanente a uma reforma política
apontariam ou nos fariam supor que o quadro a ser revelado pelo exame de dados
similares seria radicalmente diverso. Estaríamos diante de problemas de
governabilidade se o governo se mostrasse incapaz de governar. Partidos seriam
frágeis se incapazes de dar sustentação política às propostas do governo. No
entanto, o exame dos dados revela quadro radicalmente diverso. O Brasil não é
tão diferente dos países parlamentaristas. Senão, vejamos.
Comecemos pelas taxas de sucesso e dominância. Elas são elevadas, comparáveis
às observadas nos países que analisamos momentos atrás. O sucesso do Executivo
para o período pós-promulgação da Constituição de 1988 é de 70,7%11. Cabe notar
que a definição de sucesso adotada é exigente, pois pede que a matéria seja
aprovada ao longo do mandato do presidente que submeteu a medida. As variações
por presidentes são pequenas e independem da sua base de apoio. É certo que
Fernando Collor, o único presidente do período a formar coalizões minoritárias,
teve o pior desempenho nesse quesito entre todos os presidentes, aprovando 65%
dos projetos que submeteu. Mas a variação é menor que a estabilidade. A taxa de
sucesso para Itamar foi um ponto superior à de Collor e os demais presidentes
ficaram um pouco acima dos 70%.
A taxa de dominância para o mesmo período também é expressiva: 85,6%. Uma vez
mais, não há variações significativas entre os mandatos. Collor e Sarney têm os
valores mais baixos, em torno dos 77%. Itamar e Lula estão acima dos 90%,
enquanto Fernando Henrique teve taxa similar em seus dois mandatos: 85%.
É interessante comparar esses dados não apenas com países parlamentaristas.
Compará-los ao período democrático anterior também é revelador. O contraste não
poderia ser mais completo. O sucesso do Executivo no período para o qual há
dados disponíveis (1949-1964) foi um magro 29,5 %. Vargas, o mais bem sucedido
presidente do período logrou aprovar apenas 45% do que enviou. Quanto às taxas
de dominância, as diferenças soam igualmente palpáveis. O Executivo foi
responsável pela apresentação de 39% das leis aprovadas naquele período. Uma
vez mais, o presidente com a taxa mais alta na primeira experiência democrática
está bem inferior ao presidente que teve piores resultados no período atual: a
diferença que os separa é de 30%.
Ou seja, as relações Executivo-Legislativo mudaram da água para o vinho. E
mudaram por força das diferenças entre os dois textos constitucionais. Visto
pelo ângulo da produção legislativa, o mais bem sucedido presidente do período
anterior não é sequer uma pálida imagem dos presidentes atuais. Estamos diante
de características que decorrem da estrutura institucional adotada e não das
qualidades pessoais deste ou daquele líder.
Para resumir: o que o Executivo submete ao Legislativo é, em geral, aprovado.
E, por definição, as matérias só podem ser aprovadas se contam com o apoio da
maioria. Para evitar mal entendidos, cabe notar que a afirmação se estende às
Medidas Provisórias. Estas necessitam ser aprovadas pelo Congresso para que se
tornem leis.
O passo seguinte posto para a análise é investigar o comportamento da maioria,
isto é, saber como o Executivo obtém apoio para suas propostas. Uma vez mais, a
análise empírica revela um quadro inesperado. O governo brasileiro é bem
sucedido na arena legislativa porque conta com o apoio sólido de uma coalizão
partidária.
Disciplina é a norma. Deputados filiados aos partidos que fazem parte da
coalizão de apoio ao presidente seguem a recomendação de voto do líder do
governo. A disciplina média da base do governo proporção de deputados
filiados a partidos que receberam pastas ministeriais que votaram em acordo com
a indicação expressa do líder do governo é de 87,4% nas 842 votações
ocorridas no período12. A variação entre presidentes é pequena: a menor média
foi registrada sob Sarney, com 78,4%, e a maior, 90,7%, no segundo governo de
Fernando Henrique. O governo Lula, para dissipar falsas imagens, contou com
apoio médio de 89,1% dos deputados da base do governo em 164 votações.
Na realidade, a bancada do governo perde consistência quando um dos partidos da
base não segue a liderança do governo, quando a taxa de apoio cai para 70,1%13.
No entanto, essas dissensões no interior da base são relativamente raras,
tiveram lugar em 18% das 786 votações consideradas.
Comparados à disciplina quase absoluta registrada na maioria dos países
parlamentaristas, esses números podem até ser considerados baixos. Contudo, o
que realmente importa não é a magnitude da disciplina, mas a previsibilidade,
isto é, se líderes têm como prever os resultados, se podem garantir vitórias
contando apenas com suas bancadas. E isso ocorre no Brasil. O plenário é
extremamente previsível.
O fato é que o presidente raramente é derrotado. O governo saiu-se vitorioso em
nada mais nada menos que 769 das 842 votações consideradas: 91,3% das vezes.
Não há grande variação se distinguimos tipos de votação, dado o quorum exigido
ou se a votação se referia ou não a matéria substantiva. No caso das matérias
constitucionais, em que se exige 3/5 dos votos favoráveis para aprovação da
emenda, a porcentagem de vitórias está exatamente na média, foram 242 vitórias
em 265 votações. Em seu segundo governo, Fernando Henrique obteve apoio do
plenário em 31 das 32 votações e Lula, em 31 das 32.
Com base nessas informações, parece difícil sustentar que a base de apoio do
governo careça de solidez. Vale observar que na maioria das derrotas, a
indisciplina da base não foi o problema, mas sua divisão interna, isto é, pelo
menos um partido não seguiu a orientação do líder do governo.
Por último, antes de prosseguir, cabe notar que presidentes podem correr riscos
que, por vezes, primeiros-ministros não podem, uma vez que derrotas não
implicam perda do cargo. Logo, é de esperar que o governo, sob
presidencialismo, sofra maior número de derrotas sem que isso signifique
paralisia ou conflito insuperável com o Legislativo14.
Analisados dessa forma, os dados permitem concluir que estamos diante de
negociações partidárias, levadas a cabo pelas lideranças dos partidos que
formam a base do governo. Dissensões na base são raras, como indicam os poucos
casos em que a coalizão se divide. Dito de maneira inversa: nada indica que o
sucesso do Executivo seja obtido caso a caso, matéria a matéria, com maiorias
formadas a partir de negociações individuais.
O governo controla a produção legislativa e esse controle é resultado da
interação entre poder de agenda e apoio da maioria. Maioria reunida por uma
coalizão partidária pura e simples. Nada muito diverso do que se passa nos
governos parlamentaristas. Ou seja, não há bases para tratar o sistema político
brasileiro como singular. Muito menos, para dizer que estaríamos diante de uma
democracia com sérios problemas, ameaçada por alguma síndrome ou patologia
causada quer pela separação de poderes, quer pela fragilidade de seus partidos.
Ainda assim, impera a desconfiança e a visão negativa. Há enormes dificuldades
em aceitar que vivamos sob uma democracia normal. O nosso sistema político
simplesmente não poderia ser equiparado às demais democracias. Passemos, então,
às objeções. Porque objeções há. E não são poucas.
DAS OBJEÇÕES
Obviamente, é impossível, dados os limites desta exposição, tratar de todas as
objeções que podem ser levantadas às proposições feitas na seção anterior.
Creio ter selecionado as mais representativas. Tratarei de três objeções, as
relativas à forma de governo, à seleção estratégica das propostas e à natureza
da maioria. Quanto à primeira delas, a que se refere à forma de governo, seu
cerne toma a seguinte forma: o sucesso e a dominância do Executivo seriam
traços normais sob o parlamentarismo; sob o presidencialismo, seriam evidências
de anomalias, de uma clara deturpação do princípio da separação dos poderes,
uma vez que a tarefa de legislar deveria caber ao Legislativo. Sob
presidencialismo, caberia ao Executivo executar as leis cuja elaboração estaria
a cargo do Poder Legislativo. Assim, se o Executivo é o principal legislador,
teríamos uma usurpação do Poder Legislativo pelo Poder Executivo.
Para dar início à discussão, é importante ressaltar quão inadequado é
identificar o funcionamento virtuoso do presidencialismo seja à sua concepção
original, seja ao modelo norte-americano contemporâneo. Ambos os erros, creio,
são cometidos pela literatura comparada atual15.
Nos debates acerca do presidencialismo, é usual a referência aos Federalistas.
Na maioria das vezes, não passa de uma reverência: uma consulta ao oráculo,
para relembrar a ironia com que Madison trata as referências a Montesquieu
pelos anti-federalistas. Consulta, no entanto, que perde de vista, de acordo
com Bernard Manin, o essencial da contribuição original dos Federalistas: a de
criar mecanismos endógenos para o controle e a limitação do exercício do poder
pela maioria, dificultando a sua ação, tornando-a mais lenta16. Quero ressaltar
esse ponto porque o entendimento das relações entre maioria e minoria em
desenhos institucionais específicos é uma referência constante nesta exposição.
É interessante notar a assimetria no tratamento dedicado aos governos
parlamentaristas e presidencialistas. O parlamentarismo moderno, cuja expressão
clássica se encontra no governo inglês, não foi o resultado de um desenho
institucional previamente concebido. Antes o contrário. A fusão de poderes
Executivo e Legislativo apontada por Bagehot, o que denominou como seu segredo
eficiente, ia contra a separação de poderes louvada e recomendada pela teoria
vigente.17
Como mostra Gary Cox18, a concentração de poderes nas mãos do gabinete foi o
resultado não intencional de uma série de transformações iniciadas com a
ampliação do eleitorado em 1832. Como todos queriam aprovar propostas para
agradar seu eleitorado, cresceu a pressão sobre o tempo escasso.
Posteriormente, a reação à estratégia obstrucionista da bancada irlandesa
reforçou o controle do primeiro-ministro sobre os trabalhos. Do ponto de vista
do processo decisório, teve lugar uma verdadeira expropriação dos direitos
legislativos individuais dos parlamentares. Minorias tiveram seu poder
imensamente reduzido, quando não anulado. A maioria, de sua parte, passou a
governar por meio da delegação ao gabinete. Processo análogo teve lugar em
muitos regimes presidenciais. No entanto, o retorno constante ao "oráculo"
acaba por condenar essa evolução, vendo-a como ilegítima ou como um atentado
contra os venerados princípios da separação dos poderes. O mais paradoxal dessa
insistência é que não se trata de uma discussão que dependa da exegese e
interpretação de textos escritos por autores consagrados. Basta ler os próprios
textos constitucionais. Estes mudaram, afastando-se da matriz norte-americana.
A literatura comparada, sob forte influência dos estudos legislativos norte-
americanos, minimiza o poder do presidente, insistindo, como sublinha Terry
Moe19, em colocar o congresso no centro daquele sistema político. É inegável
que do ponto de vista de seus poderes legislativos, o presidente norte-
americano é fraco. Seu poder se limita ao veto total. Mas isso não o reduz à
insignificância, a um mero ponto no espaço com poder similar ou inferior a um
senador20. E notem que não é preciso considerar o verdadeiro poder de decreto
com que contam os presidentes norte-americanos, as recentemente "descobertas"
Excutive Orders, para criticar essa visão21.
As dificuldades para compreender o presidencialismo contemporâneo decorrem da
tendência a equiparar separação a conflito entre os poderes. Na origem desse
equívoco, como argumentei em outra oportunidade22, está a premissa de que
políticos se importariam apenas com obter mandatos. Políticos, para usar o
jargão e seguindo a proposta original de Downs, seriam office seeking. E como
presidentes e legisladores respondem a eleitorados diversos, segue que têm
interesses distintos, isto é, que procurarão enviesar as políticas públicas
para eleitorados diversos. Portanto, inevitavelmente, entrarão em conflito.
Cabe observar que a conhecida e sempre citada definição de presidencialismo
proposta por Shugart e Carey se baseia, sobretudo, na separação eleitoral dos
mandatos23. O que tornaria presidencialismo e parlamentarismo diversos, o que
impediria a cooperação dos poderes, seria a diferença quanto à origem e término
dos mandatos. Da independência dos mandatos seria possível derivar a
impossibilidade da cooperação entre os poderes. Vale notar de passagem que
neste argumento, dada a premissa que o que realmente importa é obter e
assegurar mandatos, legisladores são tratados como tendo interesse comum e
único. O conflito intra-legislativo, os partidos, saem de cena.
O fato é que o presidente brasileiro é poderoso do ponto de vista legislativo
não porque usurpe o poder legislativo, mas porque a Constituição de 1988 assim
o estabeleceu. O presidente tem a prerrogativa exclusiva de iniciar legislação
nas principais áreas de política: tributação, orçamento e fixação dos quadros
do funcionalismo, para citar as áreas fundamentais24. Logo, o presidente não é
um legislador qualquer.
Cabe notar: o presidente brasileiro não é o único a assumir essa posição. A
maioria das constituições presidencialistas estabelece esses mesmos princípios.
Constituições presidencialistas adotadas mais recentemente não seguem o padrão
norte-americano. Conferir ao presidente a prerrogativa exclusiva de iniciar as
matérias legislativas mais relevantes tende a ser a norma. Sobretudo, limita-se
a esfera de ação possível dos legisladores à definição do orçamento público.
Essa ação é circunscrita de forma clara e expressa. Por exemplo, no Brasil, a
Constituição de 1988 disciplina a apresentação de emendas à proposta
orçamentária, restringindo-as, praticamente, ao remanejamento de dotações
destinadas a investimentos25. Várias outras constituições presidencialistas
fazem o mesmo. Ironicamente, a caracterização do funcionamento e dos problemas
enfrentados pelo presidencialismo oferecida por Juan Linz26 parece saída das
páginas de Bagehot.
Em resumo, a Constituição brasileira, de par com outras tantas constituições
presidencialistas, impede que as carreiras parlamentares sejam construídas
recorrendo ao distributivismo. Os Estados Unidos dos anos cinqüenta e sessenta
é que são a exceção. Deputados em governos presidencialistas tiveram, da mesma
forma que no parlamentarismo, circunscritos seus direitos parlamentares de
apresentar propostas27.
Sendo assim, o referencial analítico usado para compreender as relações entre o
Executivo e o Legislativo sob parlamentarismo podem ser usados no estudo do
funcionamento do presidencialismo. O processo decisório favorece o Executivo,
que, contando com esses recursos, é capaz de estruturar e preservar sua base de
apoio legislativa. Em ambos os casos, o Executivo governa amparado pela
delegação da maioria. A distância entre governos presidencialistas e
parlamentaristas é menor do que normalmente se supõe.
O exame dessas questões nos leva assim à segunda objeção, ao entendimento do
significado das taxas de sucesso e hegemonia legislativa do presidente. De
acordo com essa objeção, os indicadores de sucesso e hegemonia legislativa do
presidente não seriam suficientes para provar a capacidade do presidente em
aprovar sua agenda legislativa. Se o presidente fosse capaz de antecipar as
reações, ou melhor, as objeções do Congresso, só proporia legislação que teria
certeza de ser aprovada. Dessa possibilidade à conclusão de que isto de fato
ocorre com a parte substantiva e que realmente importa da agenda presidencial é
apenas um passo.
A objeção não é nova e ocupa posição central no interior da disciplina.
Impossível não referi-la ao debate acerca das manifestações do poder, suas
diferentes faces, para usar as expressões que se cristalizaram nos anos
sessenta. Mais importante, a objeção nos força a ser rigorosos do ponto de
vista analítico e, como mostrarei, se considerada desta forma, seu efeito é
menor do que pode parecer à primeira vista.
Para que a objeção fique mais clara, recorro a uma citação, a uma de suas
formulações mais completas, apresentada por Alfred Stepan ao questionar as
conclusões de trabalhos que apresentam dados sobre o sucesso e a dominância
legislativa do presidente brasileiro. A passagem relevante é a seguinte:
Nessas condições entra em jogo o que Karl Friedrich chamou de lei da
resposta antecipada (...): dado que todos os jogadores conhecem o
potencial de obstrução de uma pequena minoria, muitas medidas que
poderiam contar com o apoio de uma maioria do Congresso e da opinião
pública são retiradas da agenda. 28
Deixemos de lado uma saída fácil: a ressalva, em se tratando de uma lei, se
aplicaria igualmente aos países parlamentaristas citados anteriormente. O tipo
de questionamento invocado é mais amplo e geral. Trata-se de um problema a ser
enfrentado sempre que relações de poder são discutidas. No interior da
disciplina, uma de suas mais famosas e conhecidas encarnações se deu no
conhecido debate entre os pluralistas e a teoria das elites. Como comprovar que
o poder está disperso ou concentrado em poucas mãos?
No desenrolar desse debate, como é sempre recordado em qualquer revisão do
tema, Brachrach e Baratz29, em 1962, chegaram justamente à lei da antecipação
das reações, apontando para a existência de uma segunda face do poder. O poder
que se exerce sem se manifestar, isto é, quando um ator impede que temas cujas
decisões possam vir a contrariar seus interesses sejam incluídos na agenda
decisória. Teríamos, então, não-decisões. No que se refere a esta apresentação,
teríamos questões não submetidas ao Congresso, uma agenda presidencial não
proposta pela antecipação da obstrução do Congresso.
O problema é conhecido. Enunciá-lo não chega a ser propriamente uma objeção
conseqüente. Seria preciso ir adiante para transformar o problema analítico em
um questionamento com conseqüências empíricas e substantivas. Mas, mesmo no
campo analítico, estamos hoje em melhores condições para enfrentar o problema
posto pela possível antecipação das reações. Stepan aponta a direção. O uso do
termo jogadores não é, por certo, gratuito.
O trecho citado é precedido por uma série de referências à literatura sobre o
Congresso norte-americano, mais especificamente, à que adota a perspectiva da
escola da escolha racional. Algumas questões envolvidas pela objeção levantada
podem ser mais bem compreendidas quando referidas a essa literatura. Sendo mais
preciso, cabe recuperar o debate substantivo e metodológico que tem lugar na
literatura norte-americana. Quanto ao primeiro aspecto, o que está em jogo é o
poder institucional das comissões, a capacidade das minorias encasteladas nas
comissões terem suas propostas aprovadas pelo plenário. A visão estabelecida
sobre o congresso norte-americano, The Textbook Congress30, para parafrasear o
título do conhecido artigo de Shepsle, frisa a descentralização do processo
decisório e a importância que as comissões assumem nesse contexto. Nessa
estrutura institucional, minorias com preferências em desacordo com a maioria
acabariam por governar. Essa é uma visão estabelecida na literatura e que, cabe
notar, antecede a aplicação de modelos da escolha social aos estudos
legislativos.
O afamado modelo proposto por Shepsle não prova que comissões governem e que a
descentralização do processo decisório leve ao governo por minorias, ainda que
essa seja uma interpretação comum do seu trabalho31. A questão que Shepsle
procura responder é outra. Seu problema é de ordem teórica e analítica. Ele
recorre a uma versão estilizada do Congresso norte-americano para provar a
existência de equilíbrio em decisões tomadas de acordo com a regra da maioria.
Shepsle está procurando uma resposta para o problema da instabilidade e
imprevisibilidade das maiorias. Decisões por maioria não seriam estáveis, não
teriam equilíbrio. Para qualquer decisão tomada por uma maioria, seria possível
formar uma coalizão majoritária alternativa que a derrotaria.
A impossibilidade de encontrar uma decisão social única, no entanto, ocorreria
num suposto estado de natureza, num processo decisório não regulado por
instituições, em que a vontade da maioria seria revelada pela mera agregação
das preferências32. O modelo de Shepsle impõe estrutura a esse processo
decisório, uma estrutura que espelha o sistema de comissões adotado pelo
Congresso norte-americano. No entanto, em última análise, a solução proposta
por Shepsle depende do parcelamento do processo decisório, da transformação de
uma decisão multidimensional em uma série de decisões unidimensionais tomadas
de forma independente pelas comissões.
Demonstrar a existência do equilíbrio não é o mesmo que mostrar que será
alcançado. Equilíbrio neste texto significa que não há uma maioria que vote em
favor de uma decisão alternativa. A definição de equilíbrio usada core não
se pergunta como esta decisão seria obtida. Examina-se todo o espaço decisório
em busca de um ponto com esta propriedade: não ser derrotada por qualquer
maioria hipoteticamente formada. Nesta tradição, como e por que a maioria
convergiria para este ponto não é uma questão investigada. No entanto, para que
este ponto viesse a ser a decisão social, como mostra Krehbiel, seria
necessário que o plenário acatasse as propostas das comissões que contrariam
seus interesses.33 No cerne do argumento, está o problema da antecipação das
reações e a seqüência em que atores são chamados a participar do processo
decisório.
Tal objeção levou a um intenso debate sobre as bases institucionais do poder
das comissões legislativas que acabou por desmentir a interpretação substantiva
atribuída ao modelo proposto por Shepsle.34 Somente a deferência à expertise da
comissão seria capaz de explicar por que o plenário acataria as propostas
feitas pelas comissões. Do ponto de vista institucional e assumindo-se atores
racionais, a comissão não tem como impor a sua vontade ao plenário.
Ao longo desse debate, Krehbiel introduziu uma distinção aparentemente banal,
mas crucial para as questões substantivas envolvidas ao observar a diferença
entre o poder de veto (o poder negativo, na sua linguagem) e o poder de aprovar
propostas contrárias aos demais atores (o poder positivo). Nas duas situações,
apesar do significado diverso que possuem, dizemos que um ator (no caso da
discussão, a minoria representada pela comissão) impõe a sua vontade ao outro
(a maioria, representada pelo plenário). Mas há uma diferença crucial entre as
duas situações.
Krehbiel sustenta que comissões teriam, no máximo, um poder negativo, o poder
de bloquear. Como são rotas obrigatórias para a tramitação das matérias, a
comissão fecharia as portas às propostas que sabe seriam decididas
contrariamente a seu interesse pelo plenário. A comissão prefere deixar as
coisas como estão, o status quo, às mudanças que seriam introduzidas pelo
plenário. Nas demais situações, o poder das comissões depende das restrições
impostas ao direito do plenário emendar as propostas que faz.
Obviamente, não é meu interesse reconstituir ou mesmo precisar o poder das
comissões legislativas norte-americanas. Estou recorrendo a esse debate para
frisar a importância das relações entre o desenho institucional e o poder
conferido às maiorias e minorias em sistemas políticos democráticos. O modelo
original do governo por comissões é um modelo em que a minoria governa. No
modelo revisado, levada em conta as críticas feitas por Krehbiel, minorias
deteriam um poder conservador, seriam capazes de deter a maioria. Ainda assim,
cabe notar, terão esse poder sob um desenho institucional específico. No caso,
desde que não seja possível a maioria contornar o poder de veto das
preferências minoritárias encasteladas na comissão35.
Comissões, certamente, não são a única forma pela qual minorias podem deter a
vontade da maioria. É, no entanto, uma das mais estudadas e eficientes armas
das minorias em governos democráticos. A minoria pode recorrer a outras
estratégias, como estender indefinidamente o debate, provocar votações a todo o
momento, negar quorum, etc.
A discussão substantiva sobre o poder das comissões norte-americanas foi
acompanhada, do ponto de vista metodológico, pelo progressivo abandono dos
modelos baseados na escola da escolha social (public choice) e da teoria dos
jogos cooperativa. Os modelos atuais seguem as premissas da teoria dos jogos
não-cooperativa36. Na literatura especializada, é usual distinguir duas
gerações de modelos37. Os modelos da primeira geração carecem de postulados
comportamentais minimamente consistentes. Basicamente, recorrem a regras ou
métodos pré-estabelecidos para agregar preferências, sem explicar ou fornecer
razões para justificar por que os atores agem da forma como agem. Quem quer que
estude o célebre modelo de McKelvey é levado a se perguntar por que os atores
não percebem que estão se afastando do conjunto de decisões Pareto-Ótimas. Tudo
se passa como se o único ator racional, a agir de forma estratégica, fosse o
ator que controla a agenda. Por isso mesmo, em função dessa inconsistência,
esses modelos foram abandonados e substituídos pelos modelos baseados na teoria
dos jogos não cooperativa.
O fato é que se recorrermos à teoria dos jogos não cooperativa, a lei da
antecipação das reações é sempre aplicada. Jogadores raciocinam tendo em mente
as conseqüências das suas ações. Logo, adotam os cursos de ação que levam ao
melhor resultado que podem obter. Agem de maneira estratégica, antecipando, a
cada passo, a sua contribuição para o resultado final. Krehbiel mostrou, por
exemplo, que o modelo do governo por comissões repousa sobre premissas
inconsistentes acerca do comportamento dos atores.
Voltando ao Brasil, cabe investigar quais os efeitos do desenho institucional
sobre o poder da maioria e da minoria. Se retornarmos à formulação da lei da
antecipação das reações apresentada, esta estipula que minorias deteriam o
poder de vetar, isto é, de bloquear as propostas do Executivo.
Se olharmos para a estrutura institucional brasileira veremos, no que tange às
propostas de lei ordinária, que essa possibilidade simplesmente não existe. A
maioria tem como evitar que a minoria ou minorias venham a bloquear as
propostas que considere relevantes.
Comissões, para permanecer no campo que vínhamos discutindo, não podem
"engavetar" propostas. A maioria conta com vários expedientes para forçar a
apreciação das propostas pelo plenário o mais importante deles, sem dúvida, a
tramitação em regime de urgência. A aprovação de um requerimento de urgência
permite que a minoria seja contornada, uma vez que acarreta a apreciação
praticamente imediata da matéria pelo plenário e, além disso, restringe o
direito à apresentação de emendas. Na verdade, há três tipos de urgência. Em
primeiro lugar, temos a chamada urgência constitucional, isto é, prevista pelo
texto constitucional e que pode ser solicitada unilateralmente pelo Presidente
da República38, que tem assim como forçar o plenário a deliberar sobre as
matérias que submete ao Poder Legislativo. As duas outras formas de urgência
são aprovadas pelo próprio Poder Legislativo e, enquanto tal, reguladas pelos
respectivos regimentos. O Artigo 151 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados estabelece que o regime de tramitação pode ser alterado de ordinário
para especial no caso de matérias "reconhecidas, por deliberação do Plenário,
de caráter urgente". Em termos práticos, a aprovação da solicitação de urgência
significa que a matéria é retirada da Comissão e incluída na ordem do dia para
apreciação pelo plenário. Há ainda a possibilidade de se aprovar, de acordo com
o Artigo 155, a tramitação em regime de urgência urgentíssima, um pleonasmo
verdadeiramente maravilhoso que vem a significar a votação imediata da
matéria39.
Propositalmente, deixei por último a arma mais poderosa com que conta o
presidente, o poder de decreto, a medida provisória40, para mostrar que se
trata de um entre outros tantos recursos à disposição do presidente. O mais
poderoso sem dúvida alguma, pois altera unilateralmente o status quo. No
entanto, não pode ser usado contra a maioria. A passagem de uma medida
provisória a lei depende de aprovação legislativa. Para o ponto em discussão,
importa notar que a minoria não tem como impedir que o presidente edite uma
medida provisória.
Em uma palavra: a minoria não tem como impedir que matérias sobre as quais a
maioria ou o Executivo definam como relevantes venham a voto. Então, ao
contrário do que muitos afirmam, as instituições brasileiras não são desenhadas
para vetar, para paralisar. Os expedientes usuais para barrar decisões,
recursos a que minorias recorrem para protelar decisões contrárias a seus
interesses, simplesmente não estão presentes no sistema político brasileiro. O
desenho institucional favorece a maioria.
Analisada à luz da realidade institucional brasileira, a lei da antecipação das
reações não faz com que o presidente tenha razões para temer o veto das
minorias. No entanto, consideremos uma versão modificada da lei da resposta
antecipada: "dado que todos os jogadores conhecem o potencial de obstrução da
maioria, muitas medidas que fazem parte da agenda do Executivo sequer são
enviadas à apreciação do Congresso".
Posta nestes termos, a questão muda inteiramente de figura. A maioria
legislativa tem esse poder de veto em qualquer sistema que chamemos de
democrático. A agenda do Executivo não pode ser imposta contra a vontade da
maioria. A não ser que se queira argumentar que a vontade do Executivo seja, de
alguma forma, ou com base em um critério qualquer, superior a do Legislativo.
Creio que parte considerável dos juízos negativos acerca da performance da
democracia brasileira baseia-se nesse pressuposto, isto é, no julgamento,
implícito ou explícito, de que em caso de conflito, a vontade do Executivo
deveria prevalecer sobre a do Congresso. Trata-se, como procurarei demonstrar,
de um eco da conhecida fórmula "presidente progressista versus Congresso
conservador". Onde, obviamente, entende-se que o progressista seja superior ao
conservador e que, portanto, deveria prevalecer.
Antes de passar a esse ponto, podemos aprofundar o entendimento das relações
entre o Executivo e a maioria. Podemos especificar melhor os conflitos
potenciais entre Executivo e Legislativo, distinguindo algumas situações
paradigmáticas. Conflito pode significar interesses opostos, um jogo de soma
zero. Mas há situações em que ambas as partes preferem um conjunto de
alternativas ao status quo, mas disputam ou divergem quanto à alternativa
específica a ser implementada. Há, nesse caso, espaço para negociações e
barganhas em torno da divisão dos benefícios da cooperação.
Se trabalharmos com modelos bastante simples, construídos a partir das
premissas usuais de espaço unidimensional, informação perfeita e preferências
com pico único, tudo que temos a considerar é a posição relativa de três pontos
em uma linha: o ponto ideal do presidente, da maioria e o status quo. Para
resolver o jogo, tudo que temos a fazer é medir distâncias. Atores racionais
sempre preferem os pontos mais próximos ao seu ponto ideal. No interior desses
modelos, e não há qualquer pretensão a novidade na análise proposta, o controle
da agenda traz enormes vantagens, vantagens diretamente derivadas da lei da
antecipação das reações.
Como vimos, a Constituição de 1988 assegura ao Executivo a prerrogativa
exclusiva de iniciar legislação nas áreas de política mais importantes. Ou
seja, o presidente controla a agenda. A tradução desse dispositivo legal em
termos do modelo em análise significa simplesmente assumir que o presidente se
move em primeiro lugar. Pode, portanto, fazer suas propostas antecipando as
reações dos demais.
Há, basicamente, três situações a considerar. Uma primeira possibilidade (ver
figura_1) coloca o presidente entre o status quo e a maioria. Nesse caso,
presidente e maioria querem deslocar a política na mesma direção. A posição do
presidente, no entanto, é mais moderada que a do Congresso. Se o presidente
puder vetar as emendas indesejáveis, isto é, que trazem a proposta para o ponto
ideal do Congresso, a sua vontade prevalece. Como o veto pode ser derrubado, o
presidente pode ser forçado a moderar suas pretensões. No entanto, mesmo
considerando o veto, não precisa ceder inteiramente à maioria e poderá aprovar
uma medida que se situe em seu ponto ideal e o da maioria41.
Uma segunda possibilidade inverte estas posições, isto é, teríamos da direita
para a esquerda, presidente, congresso e status quo42. A situação é análoga e
parte do raciocínio usado na situação anterior pode ser transplantado para este
caso. O presidente aqui terá que calibrar a sua proposta, tornando-a aceitável
para o Congresso. O presidente pode se mover no segmento de seu ponto ideal ao
do Congresso tanto quanto for a distância entre este e o status quo. Essa
distância pode ou não ser suficiente para que a proposta seja o seu ponto
ideal. Se o presidente for um extremista, será forçado a moderar a sua
proposta. Mas sempre será capaz de pular o ponto da maioria, trazendo a
política mais em sua direção.
Nesses dois casos, estamos diante de situações em que há lugar para barganha.
Ambas as partes ganham com a cooperação, mas há inúmeras possibilidades de
divisão desses ganhos. O poder de agenda com que conta o presidente faz com que
ele maximize seus ganhos potenciais. Ele pode escolher a melhor proposta para
si entre as que se encontram no interior do conjunto das propostas que a
maioria aceitará. Esse ganho é produto direto do controle sobre a agenda
combinado à antecipação das reações.
A terceira e última situação é aquela em que as diferenças entre o governo e a
maioria os coloca em lados opostos do status quo. Nessa situação, não há ganhos
que possam ser auferidos por uma possível barganha ou negociação. A maioria e o
Executivo querem mover o status quo em direções contrárias. Nesta situação, o
status quo prevalece. No entanto, cabe notar, pela antecipação das reações, é o
presidente que frustra as pretensões da maioria. Somente nesse caso, a agenda
do presidente se torna uma não-agenda.
Creio ter lidado com o segundo conjunto de objeções. A existência de uma
possível não-agenda não é suficiente para questionar as conclusões sugeridas.
As razões para aproximar a forma de operação do governo brasileiro com os
governos parlamentaristas são reforçadas. O poder de agenda está na base do
poder do Executivo em ambas as formas de governo. Sucesso e dominância
legislativa assim como a disciplina partidária são funções diretas do controle
que o Executivo exerce sobre o conteúdo, a forma e o momento em que matérias
são votadas.
Pode-se argumentar que os modelos considerados são extremamente simples,
baseados em premissas irrealistas que os tornariam sem grande importância do
ponto de vista do jogo político real. No entanto, os modelos seguem as
premissas em que a objeção foi levantada. A lei da antecipação das reações
supõe informação completa. A objeção foi testada em suas próprias premissas.
O quadro não é alterado se considerarmos modelos mais complexos, quer se
mantenha a premissa da informação completa43, quer se considere jogos dinâmicos
e com informação incompleta44. Para os fins desta apresentação, não cabe
enveredar por estas possibilidades. Analisei a objeção em seus próprios termos
com base em modelos conhecidos e amplamente utilizados na literatura. Chama a
atenção que a maioria dos críticos se contente em relembrar a lei da
antecipação das reações, tomando o seu mero enunciado como uma objeção de peso.
O fato é que se consideradas de forma sistemática, a objeção apenas reforça a
posição de destaque do Executivo.
Muitos não se convencerão. Análises formais como as feitas acima assumiriam uma
estrutura que não seria encontrada no Brasil. Faria sentido supor a existência
de uma maioria que apóia o Executivo? Chegamos assim à terceira e derradeira
objeção. O que está em jogo é a natureza da maioria legislativa, a sua
legitimidade para negociar, obter concessões e barrar as propostas do
Executivo. Como disse antes, parte dos juízos negativos acerca da performance
da democracia brasileira é alimentada pela desqualificação e depreciação do
Poder Legislativo, questionando-se de maneira sutil e oblíqua a legitimidade
dos seus interesses. Só assim é possível ver as concessões do Executivo à sua
base de apoio como indicador de crise de governabilidade. No entanto, até prova
em contrário, a versão modificada da lei da antecipação das reações isto é, a
necessidade da agenda do Executivo contar com apoio da maioria é uma regra
básica de todo e qualquer governo democrático.
Retorno, para caracterizar melhor essa objeção e relacioná-la ao tema desta
exposição, a Abranches e à sua caracterização do presidencialismo de coalizão.
Cabe recordar que em sua formulação original, a coalizão que pode apoiar o
presidente é marcada pela heterogeneidade de sua composição. Em artigo mais
recente, escrito em 2001, ao longo do segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso, Abranches resgata o conceito para entender as dificuldades que o
governo enfrentava naquele momento45. O autor afirma que a raiz do problema
seria de ordem sociológica e não institucional46. Relações fisiológicas e
clientelísticas pautariam as relações entre os eleitores e seus representantes
e, como conseqüência, as relações entre o Executivo e o Legislativo. Vale citar
uma longa passagem do texto:
Não creio que o fisiologismo e o clientelismo sejam intrínsecos ao
regime de governança. Eles são componentes do padrão de
relacionamento entre partidos e eleitores, portanto um dado
sociológico. Se os partidos majoritários logram conquistar essa
maioria por meio desse tipo de mecanismo de manipulação do eleitor
despossuído e não há alternativas competitivas em muitos redutos, a
relação entre a maioria legislativa e o Executivo terá, de fato, um
elevado grau de propensão ao fisiologismo e ao clientelismo. Mas
seria assim, se o governo não fosse de coalizão.47
O problema, portanto, está na maioria, ou melhor, no modo pelo qual mandatos
são obtidos. O partido do presidente poderia ser majoritário e as dificuldades
permaneceriam as mesmas uma vez que "a maioria continuaria majoritariamente
fisiológica e clientelista"48. O problema é de ordem sociológica e não
institucional porque repousa, em última análise, na "sobrevivência dessas
formas oligárquicas de dominação política em vários subsistemas políticos no
país".49
Os termos empregados redutos não competitivos, eleitor pobre e manipulado,
sobrevivência de formas oligárquicas de dominação, clientelismo e oligarquia
têm conotações claras, sobretudo em uma análise que chama a atenção para a
importância do federalismo e, mais especificamente, para o poder dos
governadores. No entanto, o que pretendo frisar é que, em última análise, o
argumento levanta suspeições sobre a legitimidade dos mandatos da maioria.
Estou, é claro, levando o argumento do autor ao extremo, retirando partes do
texto de seu contexto, isolando os mecanismos invocados. Procuro dessa forma
tão somente estabelecer a linha de continuidade do argumento apresentado no
interior das interpretações acerca do sistema representativo brasileiro. A
referência óbvia aqui é ao trabalho de Victor Nunes Leal, à sua conhecida
interpretação do coronelismo como um sistema que pressupõe "uma relação de
compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido" cuja
base é a
superposição do regime representativo, em base ampla, a essa
inadequada estrutura econômica e social, havendo incorporado à
cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores incapacitados
para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os
detentores do poder político, em larga medida, aos condutores daquele
rebanho eleitoral.50
Para o desenvolvimento do argumento, interessa frisar a referência ao
descompasso entre o poder político e o poder social. Um grupo social em
declínio é sobre-representado em função da capacidade de transformar o controle
social que exerce sobre trabalhadores e agregados em votos, em recursos
políticos. Em Nunes Leal, cuja referência maior, mas não exclusiva, é a
República Velha, trata-se, já, de uma sobrevivência, de um poder político
defasado em relação ao desenvolvimento social. A previsão é de que este poder
mingue, que perca sua importância51.
Com a democratização, os estudos pioneiros de sociologia eleitoral nos anos 50
e 60, reafirmam os pilares do argumento de Nunes Leal. Por exemplo, Orlando de
Carvalho, examinado a primeira década de eleições sob o regime democrático
conclui:
Cremos que se pode caracterizar nitidamente a tendência do
eleitorado, quer em Minas, quer no Brasil, para afastar-se dos
grandes partidos de centro, considerando como tais PSD, UDN e PR.
(...) São partidos que, no âmbito nacional, repousam em elementos
conservadores e têm por base de sua força o eleitorado rural.52
A alteração de registro é menor que a continuidade na passagem do coronel para
os partidos conservadores (partidos de centro na tipologia empregada por
Orlando de Carvalho. O que importa ressaltar é que este diagnóstico,
implicitamente, associa a força eleitoral dos partidos conservadores (de
direita) à sobrevivência do controle social do proprietário de terra sobre sua
clientela. A despeito das inovações institucionais que acompanham a
democratização em 1945, notadamente a introdução da Justiça Eleitoral, a
descrição de Nunes Leal se aplica aos dois períodos: "Os votos dos partidos
conservadores se devem à dependência do elemento rural ao fazendeiro, impedindo
o contato direto dos partidos com essa parcela notoriamente majoritária do
nosso eleitorado"53. Os proprietários de terra "conduzem magotes de eleitores
como quem toca tropa de burros"54 garantido assim a supremacia eleitoral da
direita e seu controle sobre a maioria das cadeiras.
O poder político da direita passa a ser explicado como uma sobrevivência, como
resultado da persistência de formas arcaicas de dominação55. Assim, enquanto
partidos conservadores obtiverem votos, estes podem ser explicados pela
existência de um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o
consciente desempenho de sua missão política, à persistência do atraso e ao
poder das oligarquias. Partindo deste suposto, os resultados eleitorais,
sobretudo os votos obtidos pelos partidos de direita, podem ser explicados
recorrendo à alegada ausência de autonomia do eleitorado, sem que, com tempo,
seja necessário fazer referência ao proprietário de terra. Preserva-se, no
entanto, a percepção de um desajuste entre o poder político e o social, seguida
da reafirmação da expectativa de seu breve desaparecimento,
Trata-se de uma visão difusa, mas que informa parte substancial do debate
político brasileiro. Nessa perspectiva, com algum exagero, podemos dizer que a
direita se encastela no Congresso e entrava as mudanças de que o país realmente
deseja. A despeito de seu desalinho com as tendências socioeconômicas do
presente, seu descompasso com as transformações seculares, como se dizia tempos
atrás, as forças do atraso têm como resistir. De alguma forma, têm mais votos
do que deveriam ter.
Voltando ao debate atual. De fato, ainda existem redutos em que não há
competição eleitoral? Ainda sobrevive, modificado e adaptado ao mundo moderno,
o voto de cabresto? Afinal, se a maioria obtiver seus votos em redutos
eleitorais não competitivos manipulando a vontade da maioria do eleitorado
pobre e carente, então estamos diante de uma maioria que obteve seus mandatos
de forma questionável, sem a necessária legitimidade democrática, revelando
assim o pecado original que vicia a representação no Brasil e sua expressão no
Congresso.
Essas proposições podem ser testadas. Obviamente, nenhum teste empírico vai ser
cabal. Pode, no entanto, abalar convicções e certezas.
A ocasião não é a mais propícia, dado o formato desta apresentação, para um
exame detalhado de dados que levem à reconsideração dessas objeções. Pretendo,
apenas, inverter o ônus da prova. Isto é, quero mostrar que o recurso às
fórmulas conhecidas é insuficiente para sustentar as suspeitas acerca da
qualidade do processo eleitoral brasileiro e dos resultados que ele produz, a
qualidade dos representantes incluída.
Dados muito simples e palmares permitem contestar a hipótese da persistência de
redutos eleitorais não competitivos. A competitividade de um reduto
equiparado a um município na análise que segue pode ser aferida pelo número
efetivo de listas eleitorais, as coligações56. Quanto mais próximo de um for
este número, menor a competição real. À medida que este número tende a dois,
mais próximos estamos da certeza de que existe competição57.
O número efetivo médio de coligações eleitorais por município é de 2,94
considerando-se os 5665 municípios brasileiros. Há, por certo, municípios não
competitivos, mas são uma minoria. Somente 320 municípios registram um valor
inferior a 1,5 coligações eleitorais efetivas. Votaram nesses municípios apenas
1,7% dos eleitores que compareceram às urnas no pleito de 2002. Barra do Corda,
no Maranhão, é o único município com mais de 30 mil votantes nessas condições.
A vasta maioria desses municípios tem um número reduzido de eleitores. Em 296
deles, o número de votos válidos esteve abaixo de dez mil. Portanto, são poucos
os redutos não competitivos e como eles se concentram nos municípios menores,
representam uma porcentagem reduzida do eleitorado.
Não segue que todos os municípios pequenos sejam não competitivos. São 3964
municípios com comparecimento inferior a dez mil eleitores, onde votaram 18,6%
dos votantes. O número efetivo de coligações eleitorais entre esses municípios
foi de 2,8, isto é, muito próximo à média nacional. Mesmo quando a média de
número efetivo de coligações é estratificada por Estados, restringindo-se aos
municípios com comparecimento inferior a dez mil eleitores, só três Estados
registram médias inferiores a 2,0: Tocantins (1,6), Amazonas (1,7) e Pernambuco
(1,97). Considerando sucessivamente grupos de cidades menores, é preciso
restringir a análise a municípios com comparecimento inferior a 2500, para
encontrar um Estado, o Amazonas, com média abaixo de 1,5 coligações eleitorais
efetivas.
Competição, está claro, não é facilmente mensurável. Não é necessário, dados os
limites desta exposição e os propósitos desta discussão específica, buscar
medidas mais refinadas deste conceito. Recorri a estatísticas descritivas
básicas para ressaltar o ponto: é difícil não se dar conta de quão competitiva
se tornou nossa democracia. Dadas essas informações, o ônus da prova troca de
mãos: cabe aos críticos do funcionamento de nossa democracia especificar suas
falhas. Obviamente, não constitui qualquer avanço nesse sentido mostrar os
desvios em relação a democracias idealizadas. O desafio está em mostrar as
diferenças em relação a democracias existentes.
Para completar o quadro, para chegar à maioria no interior do Poder
Legislativo, reconstituí a votação dos deputados eleitos na eleição de 2002,
procurando identificar sua dependência para com os votos obtidos em municípios
não-competitivos. Arbitrariamente, foram tidos como não-competitivos os redutos
em que o número efetivo de coligações foi inferior a 1,5. O candidato pode ou
não pertencer a essa lista. Basta que tenha tido votos naquele município para
considerá-lo como representante daquele eleitorado. Ou seja, a dependência dos
parlamentares para com redutos não-competitivos é inflada. O que se quer captar
é o peso dos redutos não-competitivos para a composição do Congresso.
Dos 513 deputados eleitos em 2002, 274 tiveram ao menos um voto em municípios
não competitivos. Praticamente não existem parlamentares dependentes desse tipo
de reduto. Somente três parlamentares receberam mais de 40% do total de sua
votação em redutos não-competitivos (Rogério Silva, PMDB, MT), Maurício Rabelo
(PSD, TO) e Darci Coelho (PFL, TO). Apenas 17 deputados receberam percentagens
superior a 20% de seus votos em distritos desta natureza. A outra cauda da
distribuição concentra um número maior de casos. São 239 deputados sem um voto
sequer em municípios não competitivos, enquanto para 115 parlamentares os votos
desses municípios representou menos de 1% do seu total. O número de deputados
com dependência inferior a 5% chega a 311, isto é, suficiente para aprovar uma
emenda constitucional. Em resumo, para a vasta maioria dos parlamentares, a
contribuição dos redutos não competitivos é desprezível.
Se deputados respondem a seus eleitores, se suas relações com o Executivo são
pautadas pela forma como conseguem votos, parece difícil sustentar que
estejamos diante de políticos que controlam "magotes" de eleitores. Na verdade,
esses dados apontam apenas na direção do óbvio: o eleitorado brasileiro é hoje
predominantemente urbano e, sob essas condições, não há como invocar a sujeição
de um eleitor isolado e dependente social e economicamente para explicar os
resultados. Se controle houver, recursos e explicações devem se adaptar às
condições vigentes.
Creio ter mostrado os limites da última objeção. Não me parece que se possa
sustentar que a competição eleitoral no Brasil apresente vícios que maculem a
representação. Não há razões para questionar a legitimidade dos mandatos
obtidos pelos legisladores. Pode-se não gostar dos resultados, mas essa é uma
questão de ordem inteiramente diversa. O mandato do Executivo não é mais
legítimo que o da maioria parlamentar com que ele é forçado a negociar.
DAS CONCLUSÕES
Nada autoriza tratar o sistema político brasileiro como singular. Coalizões
obedecem e são regidas pelo princípio partidário. Não há paralisia ou síndrome
a contornar. A estrutura institucional adotada pelo texto constitucional de
1988 é diversa da que consta do texto de 1946. O presidente teve seu poder
institucional reforçado. Para todos os efeitos, a Constituição confere ao
presidente o monopólio sobre iniciativa legislativa. A alteração do status quo
legal, nas áreas fundamentais, depende da iniciativa do Executivo. Entende-se
assim que possa organizar seu apoio com base em coalizões montadas com
critérios estritamente partidários. Para influenciar a política pública é
preciso estar alinhado com o presidente. Assim, restam aos parlamentares,
basicamente, duas alternativas: fazer parte da coalizão presidencial na
legislatura em curso, ou cerrar fileiras com a oposição esperando chegar à
Presidência no próximo termo.
É equivocado insistir em caracterizar nosso sistema por suas alegadas falhas,
pelas sua carências. Inverter a perspectiva, no entanto, só torna a tarefa mais
difícil, pois implica aceitar a necessidade de explicar o real, não de condená-
lo ou censurá-lo.
Para fazê-lo, para apreender como de fato opera o sistema político brasileiro,
é preciso, como procurei mostrar, reconhecer que não existem diferentes
tradições ou idiomas em disputa. As indagações que estruturam a disciplina
desrespeitam as falsas fronteiras erigidas para separar a teoria da empiria. E
assim é, quer se estude o Brasil, quer se estude outra democracia qualquer.
Ainda que guiada e estruturada em torno de questões empíricas, a discussão
tangenciou temas centrais à disciplina, como a importância das escolhas
institucionais e como estas afetam as relações entre a maioria e a minoria em
governos democráticos. Remetem, portanto, ao cerne da teoria democrática.
[1] Versão levemente modificada da aula proferida em 29/09/2006 durante as
provas do concurso de Professor Titular no DCP/USP.
[2] Sérgio Henrique Abranches. "O presidencialismo de coalizão: o dilema
institucional brasileiro". In: Dados 31(1), 1988, pp. 5-33.
[3] Leia-se, por exemplo, o editorial de O Estado de S. Paulo, de 03 de junho
de 2006, intitulado "Sucessão de vexames":"Mas o PMDB sabe que
não precisará se aliar formalmente nem ao PT nem à coligação PSDB-PFL, que
também o corteja não é de bom tom, naturalmente, falar em afinidades
programáticas para nos próximos quarto anos estar no poder federal, do qual
jamais se afastou desde a redemocratização, salvo no acidental interregno
collorido. É a lógica do presidencialismo de coalizão brasileiro".
[4] Abranches, op. cit., pp. 21-22.
[5] Ibid, p. 27.
[6] Ibid, p. 22.
[7] Giovanni Sartori. "Concept Misformation in Comparative Politics". In:
American Political Science Review 64(4), 1970, pp. 1033-53.
[8] Gerhard Lowenberg & Samuel Patterson. Comparing legislatures. Boston:
Little Brown, 1979.
[9] Valentine Hermamn & Françoise Mendel. Parliaments of the world: a
reference compendium. London: Inter-Parliamentary Union/De Gruyter, 1976; e, dos mesmos autores, Parliaments of the world: a reference
compendium. Berlin and New York: Inter-Parliamentary Union, 1986.
[10] Análises do parlamento inglês podem ser encontradas em Edward W. Crowe.
"Cross-Voting in the British House of Commons: 1945-1974". In: The Journal of
Politics, v. 42, 1980; John E. Schwarz. "Exploring a New Role
in Policy Making: The British House of Commons in the 1970s". In: The American
Political Science Review, n. 74, 1980; Philip Cowley e Philip
Norton. "Rebels and Rebellions: Conservative MPs in the 1992 Parliament". In:
British Journal of Politics and International Relations, 1(1), 1999.
[11] Os dados para produção legislativa e disciplina partidária foram
atualizados até março de 2006.
[12] Só são consideradas válidas as votações de matérias ordinárias em que o
quorum regimental foi alcançado e as não unânimes, isto é, em que há desacordo
entre as indicações dos líderes ou a minoria teve pelo menos 10% dos votos
válidos. Para calcular a disciplina da base do governo, é preciso saber a
posição do governo.
[13] Existe dissensão interna à base sempre que um dos líderes dos partidos da
base indicou voto em desacordo com o líder do governo.
[14] José Antonio Cheibub, Adam Przeworski e Sebastian Saiegh. "Governos de
Coalizão nas Democracias Presidencialistas". In: Dados 45(2), 2002, pp. 187-
218.
[15] Para dois exemplos acabados desse tipo de erro, consultar Terry Moe &
Michael Caldwell. "The Institutional Foundations of Democratic Government: a
Comparison of Presidential and Parliamentary Systems". In: Journal
Institutional and Theoretical Economics, 150(1), 1994, pp. 171-195; e Bruce Ackerman. "The New Separation of Powers". In: Harvard Law
Review, 113(3), 2000, pp. 633-725.
[16] Conforme afirma Manin, a separação de poderes "aimed to place restraints
on what the Federalists expected to be the predominant power, the power of the
people. (...) The primary purpose of these two prominent checks and balances
was thus to slow down the will of the people and to delay its action. These
checks were not supposed to operate as bulwarks that stopped definitively the
popular will, but only as obstacles which could be overcome, but after a
while". Bernard Manin: "Checks, Balances and Boundaries: the Separation of
Powers in the Constitutional Debate of 1787". In: Biancamaria Fontana (org.).
The invention of modern Republic. Cambridge: Cambridge University Press, 1994,
pp. 60-61.
[17] A passagem relevante é a seguinte: "The brief description of the
characteristic merit of the English Constitution is that its dignified parts
are very complicated and somewhat imposing, very old and rather venerable;
while its efficient part, at least when in great and critical action, is
decidedly simple and rather modern. (...) The efficient secret of the English
Constitution may be described as the close union, the nearly complete fusion of
the executive and the legislative powers. According to the traditional theory,
as it exists in all books, the goodness of our constitution consists in the
entire separation of the executive and legislative authorities, but in truth
its merit consists in their singular approximation. The connecting link is the
cabinet. By that new word we mean a committee of the legislative body selected
to be the executive body. (...) The legislature chosen, in name, to make laws,
in fact finds its principal business in making and in keeping an executive".
Walter Bagehot. The English Constitution. Cambridge: Cambridge University
Press: 2001, pp. 8-9.
[18] Gary Cox. The efficient secret: the cabinet and the development of
political parties in Victorian England. Cambridge: Cambridge University Press,
1987.
[19] Terry Moe. "An Assessment of the Positive Theory of 'Congressional
Dominance'". In: Legislative Studies Quarterly, XII(4), 1987, pp. 475-520.
[20] Essa observação irônica é feita por Terry Moe e Scott Wilson. "Presidents
and the Politics of Structure". In: Law and Contemporary Problems 57, 1994, pp
1-44.
[21] Consultar a respeito: William Howell. Power without persuasion: the
politics of direct presidential action. Princeton: Princeton University Press,
2003. Para uma excelente comparação entre as Medidas
Provisórias e as Executive Orders, consultar Marco Aurélio Sampaio. A medida
provisória como ato de governo. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da USP,
2004.
[22] Fernando Limongi. "Formas de Governo, Leis Partidárias e Poder de Agenda".
In: Boletim Informativo e Bibliográfico, 55, 2003, pp. 7-39.
[23] "The definition of (...) 'pure' presidentialism is the following: (1) the
popular election of the chief executive; (2) the terms of the chief executive
and assembly are fixed, and are not contingent on mutual confidence; and (3)
the elected executive names and directs the composition of the government; (4)
the president has some constitutionally granted lawmaking authority". Mathew
Shugart e John Carey. Presidents and assemblies. Cambridge: Cambridge
University Press, 1992, p. 19.
[24] O Artigo 161, parágrafo primeiro, da Constituição de 1988 estabelece que
"são de iniciativa exclusiva do Presidente da República as leis que I fixem ou
modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II Disponham sobre a) criação de
cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica ou
aumento de sua remuneração; organização administrativa e judiciária, matéria
tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos
Territórios".
[25] O artigo 166 da Constituição estabelece que as emendas ao orçamento só
serão aceitas desde que "indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: a)
dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências
tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal".
[26] Juan Linz. "Presidential or parliamentary democracy: does it make a
difference?" In: Juan Linz & Arturo Valenzuela (eds.).The failure of
presidential democracy: the case of Latin America. Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 1994, pp.3-87.
[27] Por isso mesmo, o presidente chileno, entre 1990 e 1996, foi o responsável
pela introdução de 86% das leis aprovadas (Peter M. Siavellis. The president
and the congress in post-authoritarian Chile. Pennsylvania: Penn State
University Press, 2000). Mesmo um presidente considerado
fraco, como o venezuelano, foi responsável pela proposição de 84% das leis
sancionadas entre 1959 e 1995 (Brian F. Crisp. Democratic institutional design:
the powers and incentives of Venezuelan politicians and interest group.
Stanford: Stanford University Press, 2000).
[28] Alfred Stepan. "Para uma Análise Comparativa do Federalismo e da
Democracia: Federações que Restringem ou Ampliam o Poder do Demos". In: Dados,
42(2), 1999, p. 231. Não é minha intenção discutir o texto de
Stepan, mas sim a objeção levantada. Objeção similar se encontra em Barry Ames.
Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, pp. 243 e ss.
[29] Peter Bachrach e Morton S. Baratz. "Two Faces of Power". In: The American
Political Science Review, 56(4), 1962, pp 947-952. Ver também,
dos mesmos autores, "Decisions and Non-decisions: an Analytical Framework". In:
The American Political Science Review, 57(3), 1963, pp. 632-642.
[30] Keneth Shepsle. "The Changing Textbook of Congress". In: John Chubb &
Paul Peterson (eds.).Can the Government Govern? Washington: Brookings
Institution, 1989.
[31] Keneth Shepsle. "Institutional Arrangements and Equilibrium in
Multidimensional Voting Models". In: Mathew McCubbins & Terry Sullivan
(eds.). Congress: structure and policy. New York: Cambridge University Press,
1987.
[32] Suposto porque preferências precisam ser agregadas de acordo com regras.
Ainda assim, os teóricos da escolha social afirmam que a instabilidade das
maiorias se revelaria sob qualquer regra para agregar preferências conhecidas.
[33] Keith Krehbiel. "Sophisticated Committees and Structure-Induced
Equilibrium in Congress." In: Mathew McCubbins & Terry Sullivan (eds.).
Congress: structure and policy. New York: Cambridge University Press, 1987.
[34] Kenneth Shepsle & Barry Weingast. "The Institutional Foundations of
Committee Power". In: American Political Science Review, 81, 1987, pp. 85-103. Keith Krehbiel. "Why are Congressional Committees Powerful?".
In: American Political Science Review, 81, 1987, pp. 929-935. Kenneth Shepsle & Barry Weingast. "Reflections on Committee
Power." In: American Political Science Review, 81, 1987, pp. 935-45.
[35] Por isso mesmo, no interior deste debate, a existência ou não da
possibilidade de o plenário emendar as propostas feitas pelas comissões
(closedouopen rules) e a capacidade do plenário retirar uma matéria das
comissões por meio da discharge petition ser ou não efetiva assumem grande
relevância. Deixo de lado essas questões assim como as inúmeras condições
relacionadas ao debate sobre se as comissões são agentes de interesses
especiais, dos partidos ou da maioria. Para uma revisão dessa literatura,
consultar meu artigo: "O Novo Institucionalismo e os Estudos Legislativos: a
Literatura Norte-Americana Recente". In:Boletim Informativo Bibliográfico, 37,
1994, pp. 3-38.
[36] Não cooperativa porque a cooperação não pode ser assumida, mas sim, caso
ocorra, tem que ser resultado das estratégias ótimas.
[37] Para uma revisão, consultar Daniel Diermeier & Keith Krehbiel.
"Institutionalism as a Methodology". In: Journal of Theoretical Politics, 15,
2003, pp. 123-144. David Austen-Smith & Jeffrey Banks.
"Social Choice Theory, Game Theory, and Positive Political Theory". In: Annual
Review of Political Science, 1998, pp. 259-287.
[38] O Artigo 164 da Constituição assim estabelece: "Parágrafo 1º. O presidente
poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.
Parágrafo 2º. Se no caso do Parágrafo 1º a Câmara dos Deputados e o Senado
Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual, sucessivamente, em
até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações
legislativas da referida Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional
determinado, até que se ultime a votação".
[39] Artigo 155: "Poderá ser incluída automaticamente na Ordem do Dia para
discussão e votação imediata, ainda que iniciada a sessão em que for
apresentada, proposição que verse sobre matéria de relevante e inadiável
interesse nacional, a requerimento da maioria absoluta da composição da Câmara,
ou líderes que representem esse número, sem a restrição do parágrafo segundo ao
artigo precedente".
[40] Artigo 62 da Constituição: "Em caso de relevância e urgência, o Presidente
da República poderá adotar medidas Provisórias, com força de lei, devendo
submetê-las de imediato ao Congresso Nacional".
[41] Isso porque, por construção, a posição da maioria qualificada capaz de
derrubar o veto deve se situar entre o ponto ideal do presidente e o do
congresso. Em termos práticos, a ameaça de derrubada do veto pode ser
desconsiderada. Para uma análise dos vetos, ver Mauricio Assumpção
Moya.Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil de 1988 a
2000. Tese de doutorado, departamento de Ciência Política, USP, 2006.
[42] O leitor pode adaptar facilmente a figura_1 a esta nova situação.
[43] Por exemplo, os modelos propostos por John Huber (Rationalizing
Parliament: Legislative institutions and party politics in France. Cambridge:
Cambridge University Press, 1996) e por William Howell (Power
Without Persuasion. The Politics of Direct Presidential Action. Princeton:
Princeton University Press, 2003) podem ser adaptados para
mostrar, respectivamente, como os poderes de agenda do presidente brasileiro
podem ser usados para "proteger" a unidade da coalizão e superar, via edição de
medidas provisórias, bloqueios mútuos.
[44] Para um modelo com informação incompleta, consultar Charles Cameron. Veto
Bargaining, Cambridge: Cambridge University Press 2000.
[45] Sérgio Henrique Abranches. "A Democracia Brasileira Vai Bem Mas Requer
Cuidados". In: João Paulo dos Reis Velloso (org.). Como vão a democracia e o
desenvolvimento no Brasil? Rio de Janeiro: José Olympio, 2001, pp. 251-277.
[46] "Estou convencido de que o fundamento dessa complexidade e de tal
complicação da governança no Brasil é sociológico e não redutível a problemas
de regulação ou ordenamento institucional." Abranches, op. cit., pp. 269-270.
[47] Ibid, p. 268.
[48] Ibid, p. 269.
[49] Ibid, p. 263.
[50] Victor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime
representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1993, p. 253.
[51] "Finalmente, a abolição do regime servil e, depois, com a República, a
extensão do direito do sufrágio deram importância fundamental ao voto do
trabalhador rural. Cresceu, portanto, a influência política dos donos de terra,
devido à dependência dessa parcela do eleitorado, conseqüência direta de nossa
estrutura agrária, que mantém os trabalhadores da roça em lamentável situação
de incultura e abandono. Somos, nesse particular, legítimos herdeiros do
sistema colonial da grande exploração agrícola, cultivada pelo braço escravo e
produtora de matérias-primas e gêneros alimentícios destinados à exportação. A
Libertação jurídica do trabalho não chegou a mudar profundamente esse
arcabouço, dominado ainda hoje, grosso modo, pela grande propriedade e
caracterizado, quanto à composição de classe, pela sujeição de uma gigantesca
massa de assalariados, parceiros, posseiros e ínfimos proprietários à pequena
minoria de fazendeiros, poderosa em relação a seus dependentes, embora em
posição cada vez mais precária o conjunto da economia nacional". Victor Nunes
Leal, 1993, p. 253.
[52] Orlando de Carvalho. "Ensaios de Sociologia Eleitoral". Revista de
Brasileira de Estudos Políticos, 1958, p. 99.
[53] Leal, op. cit., p. 42. Vale observar que esta afirmação é precedida de
análise da estrutura fundiária baseada em dados do Anuário Estatístico de 1946.
[54] Ibid., p. 43.
[55] A formulação mais conhecida do declínio dos partidos conservadores em
função da erosão de suas bases se encontra em Glaucio Ary Dillon Soares.
Sociedade e Política no Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973.
[56] Uso coligações e não partidos porque são aquelas, não estas, as unidades
que de fato disputam cadeiras. Obviamente, coligações podem ser formadas por um
único partido. Por definição, o número efetivo de partidos eleitorais será
maior que o de coligações.
[57] O valor será igual a um se uma lista granjear 100% dos votos no município.
Será igual a dois se dois partidos obtiverem a mesma porcentagem de votos. Será
três, se três partidos receberem caprichosamente 33% dos votos e assim por
diante. No entanto, a relação não é unívoca. Por exemplo, é possível obter um
valor igual a três partidos efetivos sem que tenhamos três partidos iguais. Em
geral, à medida que o número se afasta de um, menor a proporção de votos obtida
pela lista que obteve mais votos.