Euforia e pessimismo: os ciclos de ativos, crédito e investimento da economia
americana após 1982
A partir da década de 1980, as finanças americanas passaram por profundas
transformações com o predomínio crescente dos mercados de capitais. Essa forma
americana de gestão da riqueza se espraiou para o resto do mundo, mediante a
liberalização dos fluxos de capitais e a desregulamentação financeira dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nesses sistemas, os ativos
(cambiais, mobiliários, commodities, derivativos e imobiliários) adquiridos
diretamente ou pelo intermédio de fundos de investimento, fundos de pensão,
companhias de seguro, hedge funds ou fundo de investimento em participação
acionária (private equity) passaram a representar parcela significativa do
patrimônio das famílias, das corporações, dos agentes financeiros e dos
governos (sovereign wealth funds)1.
A forma de gestão da riqueza e do crédito característica desses mercados de
capitais globais pautada por movimentos erráticos decorrentes das
expectativas dos investidores e de arbitragem e, portanto, guiados pela
obtenção do lucro financeiro de curtíssimo prazo propiciou o aumento da
volatilidade dos preços dos ativos e o fomento de processos especulativos
recorrentes. Essa dinâmica elevou a instabilidade financeira e favoreceu a
disseminação, além das fronteiras e dos segmentos de mercados, de disfunções e
crises inicialmente localizadas. Com isso, as modificações acentuadas nos
níveis de preços dos ativos inflação e deflação passaram a desencadear
fortes repercussões macroeconômicas. O presente artigo tem por objetivo
discutir a evolução patrimonial dos agentes econômicos (corporações, famílias,
setor financeiro e setor público) nos últimos três ciclos de crescimento da
economia americana, sob o comando dos ciclos de ativos e de crédito, chamado
financial led2.
UM PANORAMA DOS CICLOS DE ATIVOS E DE CRÉDITO DA ECONOMIA AMERICANA
Desde o início dos anos 1980, os Estados Unidos experimentaram três ciclos de
crescimento, sob a liderança de seus ativos financeiros: o primeiro entre 1983
e 1991, o segundo entre 1992 e 2002, o terceiro a partir de meados de 2002. Com
o segundo choque do petróleo (1978), o choque de juros (1979) desencadeado por
Paul Volcker, então presidente do Federal Reserve (FED), e a crise da dívida
externa dos países em desenvolvimento, a economia mundial mergulhou em forte
recessão. Paralelamente, o governo Reagan implementou medidas antidepressivas
(política fiscal expansionista mediante a ampliação do gasto militar "Guerra
nas Estrelas"). A ampliação da dívida pública nos portfólios privados, as
políticas de desregulamentação monetário-financeira e de liberalização dos
fluxos de capitais criaram as condições para o aperfeiçoamento dessas novas
formas de intermediação financeira e o desenvolvimento da chamada globalização
financeira.
A partir de 1983, a queda dos juros, mais a valorização expressiva do dólar e a
entrada de capitais externos, fomentaram a recuperação dos ativos financeiros e
a retomada da trajetória de crescimento da economia americana. A valorização
das Bolsas de Valores enfrentou uma acentuada reversão; na verdade, um crash em
19 de outubro de 1987. A Bolsa de Nova York caiu 22,6%, e a responsabilidade
recaiu sobre um fenômeno da era da informática conhecido como "operações
administradas por programas de computação" (program trading)3. A acentuada
desvalorização dos ativos na "segunda-feira negra" exigiu a expansão da
liquidez sistêmica pelo FED. Dois anos mais tarde, o Índice Dow Jones já havia
se recuperado4. O crescimento econômico se sustentou até a crise do mercado
imobiliário sob a liderança das Saving & Loans em 1991, quando os Estados
Unidos entraram em nova recessão. Em 1992, a economia americana iniciou outro
ciclo de expansão (1992-2000), o qual apresentou um fôlego ainda maior que o
anterior, e cuja desaceleração ocorreu apenas em 2001, de modo relativamente
mais tênue que as duas anteriores (1980-82 e 1990-91). Nesse período,
certamente a expansão mais prolongada (120 meses, de acordo com o National
Bureau of Economic Research NBER), a introdução de inovações tecnológicas nos
segmentos de informática e telecomunicações levou a crer na possibilidade de
obter crescimento econômico com taxas de emprego elevadas abaixo da Nairu (non-
accelerating inflation rate of unemployment), sem pressões inflacionárias.
Nesse período, a economia americana foi marcada por forte e contínua elevação
nos preços das ações, ancorada em um excepcional período de crescimento das
inovações tecnológicas que levaram a aumento na produtividade do trabalho, nos
gastos dos consumidores e no investimento empresarial. Do lado da situação
patrimonial dos agentes, a fase ascendente do ciclo foi caracterizada por
crescente endividamento privado, tanto das famílias como das corporações, e
redução da dívida pública por meio de geração de superávits fiscais. Alguns
chegaram a cunhar a expressão "nova economia" para descrever a expansão das
empresas de alta tecnologia, que abriam espaço para um crescimento econômico
contínuo e, conseqüentemente, para a eliminação da oscilação característica dos
ciclos produtivos. Os preços das ações em geral e, em particular, das empresas
de alta tecnologia, passaram a refletir expectativas de permanente alta,
embutindo múltiplos extremamente elevados da relação preço-lucro das
corporações ou atribuindo valores de bilhões de dólares a empresas que apenas
dispunham de "boas" idéias como patrimônio (a Amazon, por exemplo), mas que
jamais tinham gerado lucro. Alan Greenspan, presidente do FED, alertou já em
meados de 1996 que os preços das ações americanas padeciam de "exuberância
irracional"5. Seus sinais, entretanto, não tiveram efeitos práticos nas Bolsas
de Valores, que perseguiram uma irresistível ascensão, brevemente entrecortada
pelas crises dos países do Sudeste Asiático (1997), da Rússia e do hedge fund
Long-Term Capital Management (LTCM) em 1998 e pela desvalorização da moeda
brasileira em janeiro de 1999.
Entretanto, a partir de março de 2000, os ventos viraram de bull (altista) para
bear (baixista), ampliando muito a volatilidade nos mercados de ações dos
Estados Unidos, com influência nas Bolsas de Valores de todo o mundo. Em
resposta aos aumentos nas taxas de juros básicas federal funds rate que o
FED vinha realizando desde meados de 1999, as ações que compõem os índices Dow
Jones e Standard & Poor's (S&P), consideradas representantes da "velha
economia", sofreram quedas acentuadas. Em seguida, o movimento se inverteu com
os preços das ações da "velha economia" se estabilizando, enquanto os da "nova
economia", representados pelo índice da National Association of Securities
Dealers Automated Quotations System (Nasdaq Associação Nacional de Corretoras
de Valores) padeciam de grandes perdas.
Esses movimentos assimétricos dos diversos índices corresponderam ao
esvaziamento de uma bolha especulativa decorrente da percepção de que os preços
das ações, em particular as do setor de alta tecnologia, eram injustificáveis.
Posteriormente, a queda renitente no nível dos investimentos das corporações
americanas e, portanto, dos lucros, instaurou uma tendência de baixa nas
cotações. Essa tendência atingiu particularmente as empresas de alta
tecnologia. Mas, apesar de reduções agressivas das taxas de juros pelo FED, ela
afetou igualmente aquelas com um alto nível de endividamento contraído para
financiar novos investimentos e/ou fusões e aquisições, como as do setor de
telefonia. Nessa tendência de baixa, os índices evoluíram de forma mais
sincrônica.
A tendência de baixa parecia ter se esgotado quando, após os atentados de 11 de
Setembro de 2001, as cotações das ações voltaram a subir. Predominava a
percepção de que a economia americana tinha saindo da recessão e estava se
recuperando com força. Entretanto, as sucessivas quedas nas cotações nos
mercados de ações levantaram inúmeros problemas que haviam passado
despercebidos na euforia dos lucros corporativos, durante o longo ciclo de
valorização dos ativos produtivos e financeiros dos anos 1990. Quando a maré
baixou, apareceram falcatruas que acabaram provocando novas e acentuadas quedas
dos preços das ações, suscetíveis de profundas repercussões macroeconômicas,
entre elas a de prejudicar a incipiente retomada do crescimento e provocar novo
processo recessivo.
Não terá sido a primeira vez na história que revelações de falcatruas cometidas
em períodos de euforia determinam uma reviravolta nos sentimentos dos
investidores e a ocorrência de um crash6. Mas o inusitado é essa ocorrência
após um longo período de quedas dos preços e, portanto, de correção dos
excessos cometidos durante a fase da formação da "bolha"7. Tal peculiaridade
aprofundou e intensificou o movimento de queda dos preços das ações. A crise de
confiança dos investidores nas ações americanas repercutiu nas Bolsas de
Valores mundiais, configurando momentos de extrema tensão. De acordo com os
dados divulgados pela Federação Internacional de Bolsas de Valores, as perdas
nas Bolsas mundiais ultrapassaram US$ 11,5 trilhões, sendo mais de US$ 5,4
trilhões apenas nos Estados Unidos8, entre março de 2000 e junho de 2002. A
crise de confiança originou-se da convergência de diversos escândalos e
disfunções no funcionamento dos mercados de capitais dos Estados Unidos, tais
como as avaliações das empresas de classificação de riscos de crédito, as
recomendações dos analistas de valores, problemas contábeis nos balanços das
empresas e o papel das empresas de auditoria e de consultoria.
Em suma, as causas da reversão estiveram associadas ao rompimento do circuito
expansivo composto pela valorização dos ativos financeiro, crédito, consumo e
investimento. O acúmulo de capacidade instalada em excesso em alguns setores
tecnologicamente dinâmicos (o núcleo duro da "nova economia" e os responsáveis
por valorizações sem precedentes nos mercados acionários) e a revisão de
retorno dos ativos financeiros subjacentes se traduziu em queda dos índices de
Bolsa e contenção dos projetos de investimentos. O ataque terrorista de 11 de
Setembro de 2001 e os escândalos envolvendo práticas contábeis agressivas em
2002 colaboraram para aprofundar as tendências deflacionistas nos preços dos
ativos e as tendências recessivas da economia americana.
As políticas monetária e fiscal das três principais áreas econômicas Estados
Unidos, Eurolândia e Japão atuaram de forma anticíclica, entre 2001 e 2004,
suavizando a recessão nos países industrializados. As autoridades monetárias
reduziram as taxas de juros e garantiram a demanda dos agentes econômicos por
papéis mais líquidos e seguros. Simultaneamente, os tesouros nacionais
ampliaram seus gastos, que passaram a apresentar déficits fiscais elevados (no
Japão o movimento foi anterior em função da tentativa de contar a estagnação e
a deflação). A ampliação da dívida pública facilitou a recomposição dos
portfólios privados. Nos Estados Unidos, a redução da taxa básica de juros
(federal funds rate) pelo FED ao longo de 2001 (queda de 70%) possibilitou
também que o nível de endividamento público fosse mantido ao longo da expansão
fiscal. O superávit fiscal, vigente entre 1998 e 2001, foi revertido num
déficit de quase US$ 400 bilhões em 2002. Assim, a taxa de crescimento negativa
registrada no primeiro e no terceiro trimestre de 2001 não foi capaz de impor
um resultado negativo no acumulado do ano (os quatro trimestres). A taxa de
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em 2001, ficou em 0,8%; recuperou
para 1,6% em 2002 e 2,5% em 2003. A queda nos juros e a expansão dos gastos
fiscais garantiram a preservação dos gastos em consumo, essenciais na dinâmica
da recuperação. O consumo contou ainda com a ampliação do endividamento das
famílias. Lastreado pelo patrimônio imobiliário em ascensão e pela redução das
taxas de juros, a capacidade de alavancagem das famílias não foi prejudicada
pelo desaquecimento econômico. As corporações, por seu turno, reduziram
rapidamente seus níveis de endividamento.
Essas políticas monetárias e fiscais lassas nos países centrais, combinadas com
as políticas de acumulação de reservas e contenção do processo de valorização
cambial nas economias asiáticas, fomentaram a expansão da liquidez
internacional e impulsionaram um novo ciclo de inflação de ativos em âmbito
global, bem como novas operações de fusões e aquisições. Um dos combustíveis
desse ciclo de ativos foram as operações de carry trade, isto é, a captação de
recursos em uma determinada moeda (dólar, iene, franco suíço) com taxas de
juros baixas para aplicá-los em ativos de outros mercados (bônus corporativos,
commodities, moedas, ações e títulos de dívida pública e privada dos mercados
emergentes, Nova Zelândia, Austrália, Islândia, imóveis etc.), com rendimentos
mais elevados.
CRESCIMENTO DO ENDIVIDAMENTO AMERICANO
O FED divulga regularmente o Flow of Funds Accounts of the United States (http:
//www.federalreserve.gov). Nessa publicação trimestral são registrados os
fluxos gerados pelas distintas instituições provedoras de crédito e apontados
os principais tomadores de recursos. O estudo apresenta também os dados sobre o
estoque de dívida acumulado no fim de cada período, bem como a situação o
balanço patrimonial (ativo, passivo e patrimônio líquido) dos tomadores finais
de crédito (famílias e corporações). A expansão dos mercados de crédito
bancário e de capitais resultou em um crescimento espetacular do estoque de
dívida nos Estados Unidos. Essa cifra inclui o endividamento privado
corporações, setor financeiro e famílias , o débito público total, federal,
estadual e municipal e o passivo financeiro com o exterior. No final de 1980, o
estoque de dívida totalizava US$ 4,7 trilhões, correspondendo a 169,3% do PIB.
No segundo trimestre de 2007, o estoque de dívida foi ampliado em mais de oito
vezes, chegando a US$ 46,6 trilhões, representando 338,6% do PIB (ver Tabela
1).
O rápido crescimento do estoque de dívida como participação do PIB indica
claramente um risco maior de a desaceleração da taxa de crescimento da renda
dificultar o pagamento dos serviços das dívidas. O perigo inerente a esse
processo pode ser alto, dadas as mudanças na composição, bem como na dimensão
dos tomadores. A dívida dos setores não-financeiros (corporações, famílias e
governos) ampliou de 141,6% do PIB para 217,1% do PIB entre 1980 e 2007 (ver
Tabela_1). Todavia, deve-se salientar que o peso do endividamento mudou
drasticamente do governo federal para as famílias e corporações.
A dívida das famílias aumentou ininterruptamente de 50% do PIB em 1980 para
96,8% do PIB no segundo trimestre de 2007; a dívida das corporações pulou de
32,5% para 68,9% do PIB no mesmo período. Nesse último período, as corporações
trataram de reduzir o ritmo de endividamento, buscando uma rápida
"desalavancagem" para estabilizar a relação entre o estoque de dívida e o
patrimônio líquido9. Por sua vez, a dívida do governo federal cresceu de 26,3%
do PIB em 1980 para 50,2% do PIB em 1993. Mas, durante o longo ciclo de
crescimento dos anos 1990, a dívida federal em mercado caiu para 32,9% do PIB
no primeiro trimestre de 2002, quando novas políticas de estímulo fiscal
voltaram a aumentar a dívida pública em mercado, que passou a sinalizar
tendência de crescimento. Atingiu 35,9% do PIB no segundo trimestre de 2007.
No segundo trimestre de 2007, o estoque de dívida das famílias (US$ 13,3
trilhões) equivalia a 135,5% da renda pessoal disponível (US$ 10,1 trilhões);
em 1980 (US$ 1,4 trilhão), correspondia a 72,1% da renda pessoal disponível
(US$ 2 trilhões). O peso do serviço da dívida das famílias a taxa de
pagamento mensal de dívida em hipotecas e crédito ao consumidor em relação à
renda pessoal disponível superou em muito o antigo recorde estabelecido no
quarto trimestre de 1986 (14,34%) e atingiu 19,29% no segundo trimestre de 2007
(ver Gráfico_1). A relação entre as dívidas e o patrimônio líquido das
corporações aumentou muito ao longo do primeiro ciclo de expansão, saltando de
28,9% em 1980 para 56% em 1992, mas decresceu nos dois ciclos posteriores, com
um breve crescimento durante a deflação dos ativos e a desaceleração econômica
durante 2001 e 2002. No segundo trimestre de 2007, registrou 40,1% (ver Gráfico
2).
O setor financeiro também experimentou extraordinário crescimento no
endividamento, o que reflete as dramáticas mudanças em seus produtos, práticas
e estruturas. Entre 1980 e 2007, o estoque de dívida das instituições
financeiras aumentou de US$ 578,1 bilhões, o equivalente a 20,7% do PIB, para
US$ 14,9 trilhões, ou 108,1% do PIB. As agências encarregadas de financiar a
aquisição de imóveis residenciais (GSEs10) lideraram as emissões de novos
títulos de dívida no final da década de 1990 e absorveram grande parte do
dinheiro estrangeiro que fluiu para os Estados Unidos, mantendo a
sobrevalorização do dólar, uma vez que a dívida das agências era garantida
implicitamente pelo governo americano e o Tesouro havia reduzido o fluxo de
emissões em virtude do superávit fiscal.
Retrospectivamente, parece evidente que o expressivo ciclo de crédito
desempenhou papel crucial no inflar das "bolhas" especulativas do mercado de
ações americano11. A expansão de novos setores econômicos, associada à explosão
do volume de dívidas, elevou o preço das ações para níveis sem precedentes e
descolados de quaisquer "fundamentos econômicos" (relação entre preço e lucro,
por exemplo). A sinergia entre acumulação produtiva, expansão do crédito e
inflação de ativos num primeiro momento reforçava os lucros. Os lucros
projetados com avaliações otimistas sobre o futuro permitiam que se admitissem
relações cada vez mais elevadas entre preço e lucro. À medida que os preços das
ações aumentavam e "inflavam" o patrimônio líquido das corporações e das
famílias, tornava-se irresistível a utilização do endividamento como forma de
alavancar mais ganhos de capital.
O longo ciclo de expansão do investimento produtivo e do crédito resultou em
crescimento da renda pessoal disponível e do patrimônio líquido das famílias
americanas. A renda pessoal disponível atingiu US$ 10,1 trilhões no segundo
trimestre de 2007. O patrimônio líquido das famílias cresceu continuamente até
1999, quando atingiu o auge de US$ 42,3 trilhões. Nos três anos seguintes,
amargou perdas de US$ 3,5 trilhões; recuperando a partir de 2003. No segundo
trimestre de 2007, o patrimônio líquido das famílias ultrapassou em muito o
patamar alcançado em 1999, atingindo US$ 57,8 trilhões. Todavia, a poupança
familiar caiu persistentemente de 10% da renda disponível em 1980 para 1,8% em
2001. Entre 2002 e 2004, a poupança familiar ensaiou uma leve recuperação,
atingindo 2,16% da renda disponível. Nos dois anos seguintes voltou a cair,
chegando a US$ 64,4 bilhões ou 0,6% da renda disponível no segundo trimestre de
2007.
As perdas patrimoniais associadas com a desvalorização dos mercados acionários
foram suavizadas pela valorização nos preços dos imóveis. O valor dos imóveis
no conjunto dos ativos das famílias saltou de US$ 11,5 trilhões em 1999 para
US$ 23,1 trilhões no segundo trimestre de 2007 (ver Tabela_2). Estima-se
valorização de 36,3% nos preços dos imóveis residenciais entre 1995-2001 e de
56,1% entre 2001 e 2006. Esse aquecimento no mercado imobiliário foi, em grande
medida, resultado do crescimento do mercado de hipotecas, apoiado pela queda
nas taxas de juros promovidas pelo FED e pela ação das agências federais (GSEs)
nos mercados secundários de securitização de hipotecas.
No agregado, a valorização imobiliária compensou as fortes perdas das famílias
com a desvalorização dos ativos financeiros, em cotas de fundos mútuos e fundos
de pensão e no valor das carteiras de ações possuídas individualmente. Isso
porque o ativo financeiro de maior valorização ao longo da década de 1990, as
ações, estava concentrado nas parcelas mais ricas; no entanto, a posse do ativo
mobiliário é mais difundida pela sociedade12. Entre 2000 e o segundo trimestre
de 2007, o valor das ações no balanço das famílias caiu de US$ 8,2 trilhões
para US$ 6,1 trilhões; as cotas dos fundos de investimento, depois de terem
caído de US$ 2,7 trilhões para US$ 2,2 trilhões, em 2002, atingiram o valor de
US$ 5,1 trilhões no segundo trimestre de 2007. Assim como os fundos de
investimento, os fundos de pensão tiveram seu valor reduzido entre 2000 e 2002,
a partir de então passaram por recuperação, atingindo, em 2007, o valor de US$
12,6 trilhões. Esses dados parecem evidenciar que as principais perdas
desencadeadas pela deflação de ativos foram assumidas pelas famílias,
detentores em última instância dos ativos dos investidores institucionais.
Afinal, as famílias passaram a deter ativos financeiros em proporções
crescentes de seus patrimônios. Os ativos financeiros chegaram a atingir 68,6%
dos ativos totais das famílias em 2000.
A partir de 2002, no entanto, a concorrência entre os agentes financeiros
atuantes no mercado de hipotecas levou à proliferação do uso de diferentes
tipos de contrato de maneira a atrair os tomadores de maior risco. Dessa forma,
reduziram os padrões de subscrição e ofereceram uma série de contratos, tais
como as balloon mortgage ou interest-only loan (neste, ao longo da vigência do
interest-only period, são pagos apenas os juros, após esse período, além dos
juros deverá também ocorrer a amortização do principal), além das hipotecas
híbridas, que combinam o pagamento de taxas prefixadas no início do contrato e
depois se tornam contratos pós-fixados. Grande parte das hipotecas subprime
emitidas entre 2004 e 2006 era risk-layered, usando a combinação de vários
atrativos para tornar a hipoteca mais interessante e, conseqüentemente, mais
arriscada.
Os tomadores de maior risco de crédito, por meio desses contratos, chegaram a
uma participação de cerca de 30% das hipotecas contraídas em 2006. Em 2002, sua
participação era em torno de 6%. Ademais, as hipotecas contraídas com
documentos incompletos sobre comprovação de renda do tomador, conhecidas como
"Alt A" mortgages, também cresceram rapidamente. Em 2006 representaram cerca de
13% do fluxo de novas hipotecas13.
Simultaneamente, os investidores passam a comprar e vender derivativos
associados a esses novos títulos, tais como os derivativos de crédito (credit
default swap, total return swap, credit-linked notes etc.) e securitização de
recebíveis. A securitização das carteiras de crédito imobiliário (mortgage-
backed secutiries ou collateralized mortgage obligation) dos agentes foi um dos
fatores que impulsionaram o mercado de hipotecas desde a década de 1980.
Proliferaram também transações com instrumentos financeiros lastreados em um
conjunto diversificado de ativos. As Collateralized Debt Obligation (CDO)
agregam hipotecas de diferentes riscos, recebíveis de cartão de crédito,
recebíveis de crédito para a compra de automóveis etc. Esses papéis são
estruturados por bancos de investimento e compostos de várias tranches, com
distintos graus de riscos (Sênior representa o risco mais baixo [A a AAA],
Mezzanine o intermediário [BB a BBB] e Equity o mais elevado) classificados
pelas agências de risco de crédito (Moody's, Standard & Poor's e Fitch)14.
Dessa forma, vários instrumentos envolvendo hipotecas de diferentes riscos
collateralized debt obligation foram combinados pelas agências de rating e
pelos emissores, de acordo com o risco dos ativos incluídos em sua composição.
Todavia, as combinações foram realizadas de modo que alguns desses ativos
lastreados em hipotecas subprime acabaram classificados como de excelente risco
ou com grau de investimento. O reempacotamento de hipotecas de alto risco, com
a anuência das agências de classificação de risco de crédito, viabilizou suas
aquisições pelos investidores com menor aversão ao risco, mas também pelos
investidores institucionais que observam regras de prudência, tais como os
fundos de pensão e as companhias de seguros.
Assim, as tranches de menor risco (Sênior e Mezzanine) foram adquiridas pelos
investidores institucionais e hedge funds, sendo que uma parte importante foi
exportada para fundos de investimento de várias partes do mundo (Coréia,
Tawain, China, Austrália, Alemanha, França, Reino Unido, entre outros). As
tranches de maior risco (Equity) foram transferidas para os veículos especiais
de investimento (Special Purpose Vehicle, SPV), entidades segregadas
contabilmente de seus controladores, contornando as regras de capital ponderado
pelos riscos do Acordo de Basiléia (1988)15. Para carregar esses papéis, os
veículos estruturados de investimento (Structured Investment Vehicle, SIV)
emitiram Asset-Backed Commercial Paper (ABCP), dívida de curto prazo lastreada
em ativos (empréstimos classificados com rating muito baixo, portanto, de
recuperação duvidosa), contando com uma linha de crédito contingente fornecida
pela instituição financeira controladora para garantir a liquidez.
Foi criada também uma enorme diversidade de contratos futuros das hipotecas de
alto risco, como os contratos referenciados em um índice dos créditos de
difícil recebimento (chamados índices ABX). Apenas na Chicago Mercantile
Exchange (CME) que se fundiu à Chicago Board of Trade (CBOT), formando a maior
Bolsa de futuros do mundo, foram negociados US$ 400 milhões em derivativos com
base em hipotecas, desde o lançamento desses instrumentos, em meados de 2006.
Nesse volume não está incluído o mercado de balcão (over the counter, OTC), em
que comprador e vendedor realizam negócios diretamente, sem a intermediação das
Bolsas, cujos contratos com créditos imobiliários de alto risco foram estimados
em US$ 500 bilhões durante o ano de 2006.
Entretanto, a partir de meados de 2006, o mercado imobiliário americano passou
a emitir sinais de encolhimento, nos preços e nas quantidades. A valorização
dos imóveis perdeu força desde o segundo trimestre de 2006, quando os preços
cresceram cerca de 10% em relação ao mesmo período do ano anterior. As taxas de
crescimento dos trimestres seguintes foram menores: 7,88% no terceiro e 6,10%
no quarto, sempre em relação ao mesmo período de 2005. No segundo trimestre de
2007, a desaceleração dos preços dos imóveis foi aprofundada; em relação ao
mesmo período de 2006 o crescimento foi de 3,19%. Desde o terceiro trimestre de
1997 não ocorria uma taxa de crescimento tão baixa para essa comparação. Os
dados de preços referem-se ao índice elaborado pelo Office of Federal Housing
Enterprise Oversight (OFHEO). Segundo o Departamento de Comércio (http:/
/_www.bea.gov), o número de unidades residenciais construídas caiu 12,9% e as
vendas de novas residências retraíram 17,3% em 2006. O encolhimento do mercado
imobiliário revelou aumento da inadimplência dos devedores de maior risco, com
repercussões em todo o sistema financeiro global, dada suas amplas
ramificações16.
Os impactos da desaceleração dos preços dos imóveis foram sentidos mais
expressivamente nos segmentos mais arriscados do mercado de financiamento
habitacional. Os contratos mais flexíveis, contraídos principalmente pelos
tomadores de maior risco (subprime e Alt-A), contavam justamente com a hipótese
de que os tomadores pudessem ao longo de alguns anos melhorar seus riscos de
crédito e, assim, renegociar suas hipotecas. Entretanto, ante taxas de juros
mais elevadas e o receio dos agentes financeiros de uma desaceleração mais
intensa da economia americana, as condições de refinanciamento desses contratos
tornaram-se mais difíceis.
A partir de fevereiro de 2007, surgiram perdas provocadas aos agentes geradores
desses contratos (HSBC, American Home Mortgage Investment Corp., Countrywide
Financial Corp., por exemplo). Em junho, as agências de classificação de risco
de crédito começaram a rebaixar as notas de Asset-Backed Securities (ABS
securities garantidas por hipotecas subprimes) e de Collateralized Debt
Obligation (CDO). Alguns hedge funds geridos por bancos australianos e pelo
Bear Stearns apresentaram perdas com ativos imobiliários e suspenderam os
resgates das aplicações. Em 30 de julho, o banco de investimento alemão IKB
relevou perdas com aplicações no mercado imobiliário americano (subprime) e no
mercado de asset-backed commercial paper (ABCP). Em 9 de agosto, o BNP Paribas,
maior banco da França, suspendeu os resgates de três fundos de investimento com
problemas no mercado hipotecário de alto risco dos Estados Unidos. Nesse
momento, a liquidez nesses segmentos de maior risco (instrumentos securitizados
e em derivativos de crédito) se evaporou, tornando impossível avaliar o preço
de alguns ativos.
A dificuldade de prever o quanto alguns agentes estariam comprometidos com
papéis cujo colateral são hipotecas subprime (cujo estoque tem sido estimado em
US$ 1,3 trilhão) contaminou também outros mercados de títulos17, quando
ocorreram declarações de queda de rentabilidade de grandes bancos e
investidores institucionais, assim como a suspensão dos saques de alguns fundos
de investimento. Vale dizer, os investidores passaram a se afastar dos títulos
garantidos por hipotecas prime e outros ativos não apenas os subprime ,
reduzindo a liquidez do mercado. Em alguns casos, o prêmio de risco explodiu.
A tensão estabelecida nos mercados financeiros globais exigiu a intervenção
agressiva das autoridades monetárias de maneira a garantir a liquidez dos
mercados interbancários. Calcula-se que o FED injetou US$ 430,25 bilhões e o
Banco Central da Europa, US$ 2,9 trilhões, perfazendo um total de US$ 3,3
trilhões nos mercados monetários entre 27 de julho e 12 de setembro, a fim de
evitar uma subida abrupta das taxas de juros de curto prazo e permitir a
reorganização dos portfólios dos investidores18. Mervy King, o presidente do
Banco da Inglaterra, argumentou que as operações de redesconto com hipotecas
como garantia eram o equivalente a resgatar bancos que se arriscaram demais e a
plantar "as sementes de uma futura crise financeira". Após a quebra da
financeira Northern Rock, com direito à corrida bancária, a primeira desde 1866
na Inglaterra, King foi obrigado a intervir para restaurar a liquidez no
interbancário. O Banco do Japão, por sua vez, injetou US$ 3,3 bilhões em 16 de
agosto e US$ 6,95 bilhões em 21 de agosto. Outros bancos centrais, tais como do
Canadá, da Austrália, da Noruega e de Taiwan, também foram forçados a injetar
liquidez em seus mercados financeiros.
Em 17 de agosto, o FED reduziu a taxa de redesconto em 0,5 ponto percentual. A
taxa de juros básica (federal funds rate) foi reduzida em 0,5 ponto percentual
em 18 de setembro, e 0,25 ponto percentual em 31 de outubro. Em 31 de agosto, o
Poder Executivo americano anunciou um conjunto de medidas para o setor de
crédito imobiliário. Foi criado um programa FHA-Secure para facilitar o
refinanciamento das dívidas. Procura-se garantir o imóvel aos mutuários com bom
crédito, mas que podem deixar de honrar os pagamentos devido ao aumento das
prestações. Estima-se que 2,2 milhões de hipotecas terão suas taxas de juros
reajustadas nos próximos dois anos. Delineou-se ainda um projeto para
modernizar a agência Federal Housing Administration, criada em 1934 para
regular o mercado imobiliário e fornecer seguro para os empréstimos de maior
risco, beneficiando populações de menor renda. Dessa forma, a Casa Branca
auxiliou a montagem de uma rede de segurança, ao ajudar os mutuários a
refinanciar suas dívidas, evitando a execução judicial e a perda do imóvel, bem
como ao facilitar o acesso dos americanos mais pobres à casa própria. Ademais,
o secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, está considerando permitir
que as empresas de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, que têm
garantias do governo, comprem, empacotem e vendam empréstimos de valor elevado,
conhecidos como "empréstimos-jumbo"19.
Segundo Fisher20, que detalhou as repercussões dos processos de endividamento
elevado conjugados com deflação dos preços dos ativos durante a Grande
Depressão (1929-33), a crise sistêmica é deflagrada quando as instituições
financeiras, sobretudo os bancos, sofrem perdas suficientes para induzir uma
forte contração do crédito, com efeitos cumulativos sobre o consumo das
famílias e os investimentos das empresas. Assim, as autoridades econômicas
procuraram evitar exatamente a reversão das expectativas e as restrições aos
empréstimos de boa qualidade, o que poderia deflagrar contração do crédito em
âmbito global. Os principais bancos centrais injetaram grandes volumes de
recursos nos mercados financeiros, o FED reduziu suas taxas de juros de curto
prazo para facilitar a recomposição dos portfólios e evitar uma tentativa
desesperada e deletéria de liquidação de dívida e deflação de preços dos
ativos.
Para o Fundo Monetário Internacional (FMI)21, as perdas das instituições
financeiras serão gerenciáveis. Os grandes bancos, comerciais e de
investimento, estariam mais diversificados e mais bem capitalizados (em média
os ativos ponderados pelo risco superam 12%, estando acima do mínimo
estabelecido no Acordo de Basiléia, de 8%). As perdas diretas com as exposições
no mercado imobiliário não devem ultrapassar 0,04% do capital nível I22. As
perdas indiretas associadas à reavaliação dos ativos em carteira, perda de
receita com negociação e estruturação de securitização de hipotecas, também não
deverão resultar em grandes dificuldades para gerenciar tais impactos
negativos, embora as instituições menores e menos diversificadas possam estar
mais vulneráveis.
As corporações americanas também ampliaram a posse de ativos financeiros, e não
apenas como reserva de capital para efetuar futuros investimentos produtivos. A
acumulação de ativos financeiros ganhou caráter permanente na gestão da riqueza
capitalista. Isso significa que as grandes corporações passaram a gerir
ativamente seus portfólios de ativos, mediante a recompra de ações, a
maximização do fluxo de caixa líquido e as operações de fusões e aquisições.
Elas passaram a utilizar também os instrumentos de prevenção dos riscos e a
aproveitar as diferentes oportunidades de ganhos de capital oferecidas pelas
expectativas de variação das taxas de juros e de câmbio no mercado financeiro
global. Esse é um dos aspectos da "financeirização" da riqueza contemporânea
caracterizada por Braga23. Os ativos tangíveis das corporações caíram de 72% do
total dos ativos em 1980 para 52,2% no segundo trimestre 2007 (ver Tabela_3).
Por sua vez, a participação dos ativos financeiros subiu de 28% dos ativos para
47,8% no mesmo período.
O aumento da participação do mercado de capitais no financiamento das
corporações americanas (instrumentos de dívida e ações) elevou a capacidade de
indução dos investidores institucionais sobre o comportamento das empresas
(shareholder value based system of corporate governance), a fim de maximizar as
taxas de retorno dos acionistas ou seja, agregar valor ao patrimônio dos
acionistas24. As decisões de alocação de investimento dos investidores
institucionais são tomadas por investidores profissionais. Individualmente,
esses investidores profissionais não têm nenhum poder sobre os gestores das
empresas. Entretanto, eles influenciam o comportamento das corporações mediante
um poder de opinião coletivo manejado pelos diferentes agentes que operam nos
mercados de capitais, na nova era da tecnologia da informação, valorizando ou
desvalorizando as ações e os bônus.
Esse processo de valorização e desvalorização toma lugar no permanente
escrutínio da comunidade dos investidores, pois as regras e os padrões
possibilitam abstrair as especificidades das corporações. A maioria dos
investidores institucionais não tem conhecimento das empresas cujas ações eles
colocam em seus diversificados portfólios. A governança corporativa requer tão-
somente informações transparentes e previsões sobre as perspectivas de lucros
futuros. A performance das empresas é comparada com padrão (benchmark),
mediante uma competição feroz25. Os executivos das corporações enfrentam,
portanto, um código abstrato: a lógica de um sistema público de avaliação. Isso
porque a operacionalidade desse sistema de gestão empresarial presume
transparência nos dados financeiros das empresas, fluxo contínuo de informações
(balanços trimestrais), rígidas regras de negociação e mercados secundários
líquidos. As grandes corporações com capital pulverizado e com administrações
profissionais são minuciosamente monitoradas por analistas, empresas de
informações econômicas, investidores e agências de classificação de risco, que
promovem avaliações recorrentes dos relatórios trimestrais de desempenho.
A estrutura difusa de propriedade das ações corporativas e a natureza dos
mecanismos que disciplinam a administração das empresas condicionam a dinâmica
do mercado de controle corporativo (market for corporate control). Os
executivos das empresas devem seguir a disciplina imposta pelos mercados: se a
corporação for mal gerenciada (under-performing management) e/ou se os
dividendos forem negligenciados, os investidores reagirão, vendendo ações26.
Conseqüentemente, seus preços se deprimirão e a empresa ficará exposta a
processos hostis de takeovers. Conforme esse paradigma, se uma subsidiária não
estiver atendendo às expectativas ou se uma unidade não funcionar de acordo com
o último plano estratégico, busca desfazer-se rapidamente dela. Abandonam-se as
unidades não-essenciais e fortalecem-se os negócios principais, ficando,
portanto, no core business, antes de se tornar alvo de uma oferta de aquisição
hostil. Essa dinâmica forma um sistema empresarial extremamente competitivo, em
que prevalece a tirania dos balanços trimestrais, uma vez que as performances
das corporações são permanentemente monitoradas pelos mercados.
A dinâmica desse sistema de gestão (market-based) apresenta aspectos
contraditórios. Os executivos devem promover os interesses dos acionistas,
valorizando seus ativos a curto prazo, mesmo às expensas da performance de
longo prazo das empresas. Por um lado, encurta o horizonte temporal das
empresas, uma vez que os acionistas externos impelem os executivos a
privilegiar os resultados financeiros de curto prazo. Conseqüentemente, as
corporações investem relativamente menos em ativos intangíveis, tais como
pesquisa e desenvolvimento, treinamento de recursos humanos, sistemas de
informação, desenvolvimento organizacional e relações com fornecedores; e os
executivos evitam investimentos de longo prazo, que poderiam deprimir os preços
das ações no curto prazo e tornar a empresa vulnerável a processos de tomada de
controle acionário hostil. Contudo, esse sistema submete as corporações às
exigências do mercado e apresenta capacidade enorme de criar pequenas e médias
empresas inovadoras, das quais muitas rapidamente se tornam grandes ou são
adquiridas pelas megacorporações. A alocação de capital é flexível, capaz de
transferir recursos entre setores, sobretudo para os mais dinâmicos e com
elevadas taxas de rentabilidade. Dessa forma, os investidores de risco detêm
carteiras de ações de empresas de diversos setores em crescimento (tais como
biotecnologia, redes de telecomunicações, informática etc.), fomentando a
incorporação de novos negócios.
A despeito das contradições, o sistema empresarial americano apoiado no mercado
de capitais é extremamente ágil e dinâmico, inclusive na oferta de capital de
risco (venture capital). Entretanto, no agregado, as corporações americanas
utilizam basicamente a acumulação de fundos internos lucros não-distribuídos,
depreciação do capital fixo, lucros recebidos do exterior para financiar seus
investimentos. Isso faz com que a principal fonte de poupança privada seja a
depreciação acelerada do capital fixo, aproveitando incentivos fiscais de
monta27.
Em suma, o esforço de ajustamento patrimonial que geralmente acompanha a
desaceleração e a recessão econômica foi visto apenas no caso das corporações.
Impulsionadas pela valorização dos ativos imobiliários, as famílias fizeram uso
dos instrumentos financeiros existentes para aproveitar a redução das taxas de
juros e transformar os ganhos patrimoniais em poder de compra28. Ambos os
objetivos foram obtidos graças às operações de refinanciamento das hipotecas.
Ademais, novas dívidas foram contraídas, financiando o aumento do consumo a
partir de 2001. A queda das taxas de juros foi compensada pelo crescimento do
estoque da dívida, redundando no crescimento do serviço da dívida em relação à
renda disponível. Outros indicadores, como o passivo das famílias em relação ao
ativo ou ao patrimônio líquido, indicam deterioração na última década. O
movimento contracionista da política monetária, iniciado pelo FED em junho de
2004, poderá ter impactos negativos sobre a rolagem da dívida das famílias e,
conseqüentemente, sobre seu nível de gastos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurou-se analisar, em maior ou menor grau, os três ciclos de expansão da
economia americana, sob o comando dos ciclos de ativos e de crédito, chamado
financial led, após 1982. Nesses movimentos, os exuberantes processos de
valorização dos preços das ações (e dos ativos financeiros em geral) alimentam
um "efeito riqueza", por meio do qual a percepção de um aumento relativo no
patrimônio modifica os gastos de consumo das famílias e as decisões de
investimento das empresas. A acirrada concorrência entre as instituições
financeiras por ganhos de market share garante a oferta de crédito para as
operações alavancadas em ativos de risco (ações, imóveis, junk bonds, moedas),
o que alimenta a inflação dos preços dos ativos. Esse, por sua vez, dá suporte
à multiplicação do crédito bancário. Isso contexto, os consumidores
confiantes na valorização de seus ativos financeiros e imóveis , mediante um
"efeito riqueza", elevam seus gastos, expandindo o grau de endividamento e
contribuindo para a aceleração da demanda, mesmo sem a liquidação das posições
e, portanto, na ausência da realização dos lucros presumidos.
Além disso, a confirmação dos ganhos antecipados reforça os processos
especulativos e melhora as condições de liquidez dos mercados, estimulando
famílias, corporações, bancos e investidores institucionais, com posições
próprias, a aumentar o grau de alavancagem nos mercados de ativos financeiros e
imobiliários, favorecendo a progressão do surto inflacionário.
Assim, as convenções altistas (bull market) nos mercados financeiros, que
inflam os valores dos ativos, aumentam o estoque de riqueza no patrimônio de
seus possuidores. Um patrimônio maior e em crescimento é interpretado como uma
redução do risco de crédito e, por isso, maior capacidade de endividamento. O
próprio volume crescente de riqueza cristalizada em ativos financeiros no
balanço patrimonial dos agentes econômicos também potencializa a capacidade de
alavancagem.
Nesse ambiente de euforia, reduz-se a aversão ao risco, que se manifesta na
queda da percepção do risco de crédito, na melhora dos critérios de rating, no
rebaixamento dos critérios de concessão de empréstimos e na redução das
provisões para devedores duvidosos. Os bancos e os investidores institucionais,
à medida que as projeções otimistas se confirmam, lançam-se à procura de novos
clientes e novas operações. Passam a inflar suas carteiras com dívidas de
empreendimentos cada vez mais arriscados, de recuperação difícil em uma
conjuntura distinta (hipotecas subprime, por exemplo). Dessa forma, episódios
de otimismo excessivo estimulam a entrada de devedores e de credores em
processos de riscos crescentes. Os devedores, ávidos por acumular novos ativos
em processo de valorização. Os credores, confiantes na realização de suas
carteiras de empréstimos. Enfim, a euforia com a valorização crescente dos
ativos atrofia a percepção dos riscos em um processo contraditório: por um
lado, infla o valor da riqueza dos agentes e, por outro lado, impulsiona o
endividamento e a alavancagem. A existência de inúmeros instrumentos (técnicas
de hedge por meio de derivativos, derivativos de crédito e modelos de gestão de
riscos) que pulverizam ou transferem diferentes riscos amplia ainda mais a
capacidade de empréstimo dos agentes econômicos.
A valorização dos ativos leva os investidores a fornecer capitais de risco para
financiar novas empresas e/ou setores, bem como expandir os existentes. As
decisões de investimento produtivo reagem a esses estímulos e se aceleram,
corroborando as expectativas de lucros crescentes que realimentam a euforia. O
ciclo de ativos financeiros e a expansão creditícia resultam, então, em ciclo
produtivo, com aceleração da taxa de investimento e de crescimento da economia.
Ao contrário, a deterioração das expectativas de parte importante dos agentes
ocasiona queda abrupta no valor dos ativos, estoura uma bolha especulativa ou
desencadeia um crash bursátil29. Fenômenos desencadeados por interações
subjetivas entre os participantes do mercado, mediante a tomada de decisões
estratégicas marcadas pelo mimetismo dos protagonistas, precariamente apoiadas
em expectativas a respeito das expectativas dos demais, provocando
comportamentos coletivos de contágio e pânico. As conseqüências macroeconômicas
da desvalorização da riqueza financeira dependem do peso desses ativos no
patrimônio dos agentes e, em escala internacional, da importância da economia
atingida. Quedas de grande magnitude nos preços das ações e de outros ativos
financeiros podem resultar em "efeito pobreza". Quando grande parte dos ganhos
financeiros presumidos se evapora, a sensação de perda (e, portanto, de
empobrecimento) provoca redução nos níveis de consumo e de investimentos dos
agentes, com impactos macroeconômicos inversos ao "efeito riqueza", arrastando
a economia para uma recessão. Nesse contexto, os agentes econômicos procuram
aumentar sua poupança corrente para diminuir o grau de endividamento. Alguns
investidores desmontam as operações altamente alavancadas, com repercussões nos
preços dos ativos30.
Como sugere Belluzzo,
as decisões capitalistas supõem a especulação permanente a respeito
do futuro, o que envolve a contínua reavalização do presente. Tais
decisões, intrinsecamente intertemporais, não têm bases firmes, isto
é, não há fundamentos que possam livrá-las da incerteza e da
possibilidade do risco sistêmico. Apoiados em convenções e
constrangidos pela concorrência, os detentores de riqueza são
obrigados a tomar decisões que podem dar origem a situações de
equilíbrio múltiplo ou a dinâmicas auto-referenciais que culminam na
exuberância irracional, na decepção das expectativas e na
desvalorização da riqueza31.
Assim, o desempenho do sistema econômico ficou condicionado pela dinâmica dos
sistemas financeiros nacionais e internacional, alternando euforia e desilusão.
O peso dos ativos financeiros nos patrimônios e o "espírito de manada" dos
investidores exacerbaram a intensidade da alternância entre períodos de
otimismo e prosperidade, transformados em euforia e formação de bolhas
especulativas, e fases de declínio dos preços dos ativos financeiros e das
atividades produtivas. Tudo isso pode facilmente traduzir-se em crises
financeiras com potenciais riscos sistêmicos e crashes com repercussões na
economia mundial.
Após a crise dos países asiáticos entre 1997 e 1998, implementaram-se
estratégias agressivas para obter saldos comerciais expressivos e acumulação de
reservas, o que tem propiciado a adoção de políticas monetárias mais lassas,
que favorecem a expansão do crédito doméstico, da produção e do emprego. A
acumulação de reservas mediante saldos comerciais elevados e não-contratação
de novas dívidas atende à demanda por liquidez em moeda forte e assegura a
estabilidade da taxa de câmbio. As reservas dos países em desenvolvimento
saltaram de US$ 700,6 bilhões em 1998 para US$ 3,6 trilhões em 2006, em grande
parte aplicada em títulos do Tesouro Americano. Em dezembro de 2006, a China
Continental acumulava reservas de US$ 1 trilhão e o conjunto dos países
asiáticos, US$ 2,2 trilhões. Os exportadores de petróleo, US$ 706,5 bilhões.
Essa engrenagem, associada aos elevados estoques de riqueza financeira dos
investidores institucionais (estimada em US$ 56,3 trilhões) em busca de maiores
rendimentos (devidos às baixas taxas de juros reais de longo prazo nos países
centrais), reduziu a aversão ao risco e ampliou a liquidez financeira
internacional. Os capitais passaram a se mover entre as economias nacionais, na
busca de oportunidades de arbitragem ou de ganhos especulativos, sempre a
envolver apostas quanto aos movimentos de preços dos ativos denominados nas
diferentes moedas.
Nesse contexto, expandiram-se as operações de carry trade tomada de recursos
em uma moeda (iene, franco suíço etc.) com taxas de juros baixas para aplicar
em diferentes ativos de risco pelo mundo afora , fomentando a estruturação de
transações altamente alavancadas (como as leveraged buyouts realizadas por
fundos de participação acionária, private equity funds) e alimentando o boom
mobiliário, imobiliário e o consumo local em inúmeros países, favorecendo a
recuperação da economia mundial com baixa inflação nos produtos manufaturados e
nos serviços e a generalização da "inflação de ativos" (bônus, imóveis,
commodities, petróleo, moedas, ações e empresas de países emergentes). A
expressiva demanda chinesa e as baixas taxas de juros internacionais
favoreceram a tomada de posições especulativas altistas nos mercados de
commodities. O uso de diferentes instrumentos de transferência de risco de
crédito, como os derivativos de crédito, permitiu o deslocamento dos riscos das
carteiras dos bancos para os investidores institucionais.
Houve, portanto, uma ampliação crescente da interpenetração patrimonial entre
as economias devedora (Estados Unidos) e credoras (Ásia em desenvolvimento,
Europa, América Latina, exportadores de petróleo etc.). Por meio dos circuitos
sucessivos de ativos, de crédito e de renda mantiveram-se as taxas de
crescimento da economia, a liquidez global e a perpetuação dos desequilíbrios
dos balanços de pagamentos. Nesse contexto, as políticas monetárias e os
arranjos cambiais têm conseguido promover a "fuga para frente"32. Todavia, não
têm conseguido articular a reorganização dos mercados. Os bancos centrais, ao
reduzir as taxas de juros e ampliar a oferta de crédito, abortam as crises
financeiras, mas, atuando como emprestadores de última instância, criam as
condições para a retomada do movimento ascendente da riqueza financeira em
estruturas cada vez mais amplas e complexas. No auge dos ciclos expansivos,
eles sobem as taxas de juros para conter a alavancagem, a "exuberância
irracional", a "ganância infecciosa", e os ciclos se perpetuam. Essa é a
dinâmica predominante de funcionamento do sistema financeiro e econômico
global, a partir dos Estados Unidos, sem reorganizá-lo na direção de um novo
ciclo virtuoso de expansão do produto e do emprego, com menor patamar de
especulação financeira, como nos "anos dourados" (1947-73). Segundo Belluzzo:
a reiteração de intervenções de última instância dos bancos centrais
e a geração de déficits fiscais, ao aumentar a dívida pública de "boa
qualidade", impedem a desvalorização da riqueza existente e ampliam o
peso dos ativos financeiros na riqueza total. [...] Criou-se, na
verdade, uma situação de moral hazard permanente, ou seja, um viés
altista na psicologia dos investidores. Seja qual for a intensidade
da flutuação da economia, as perdas devem ser limitadas. [...] O
moral hazard estrutural tornou os bancos centrais reféns da garantia
de liquidez, no caso de oscilações bruscas nos preços e suspeita de
risco sistêmico33.
E nas palavras de Braga34:
os bancos centrais e os tesouros tornaram-se reféns dos mercados, e
assim permanecerão enquanto não mudar o padrão sistêmico de riqueza.
Não são as intervenções públicas para evitar catástrofes que insuflam
as incorretamente denominadas bolhas. É o capitalismo financeiro
atual que engendra uma instabilidade financeira estrutural.
[1] Sobre os fundos de riqueza soberana, ver Cagnin, Rafael F.; Cintra, Marcos
Antonio M. & Farhi, Maryse. Fundos cambiais e estratégias de intervenção no
mercado brasileiro de câmbio. São Paulo: Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (Iedi), 2007.
[2] Para uma discussão mais geral sobre os ciclos financeiros, ver Coutinho,
Luciano G. & Belluzzo, Luiz Gonzaga de M. "Desenvolvimento e estabilização
sob finanças globalizadas". Economia e Sociedade, n. 7, 1996, pp. 129-54. Braga, José Carlos S. "Financeirização global: o padrão
sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo". In: Tavares, M.C. &
Fiori, J.L. (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização.
Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242; Chesnais, François.
"Notes sur la portée et le cheminement de la crise financière". <http://netx.u-
paris10._fr/actuelmarx/cm5/com/_MI5_Eco_Chesnais.pdf>. Acesso em 1/10/2007. Borio, Claudio e Lowe, Philip. "Asset prices, financial and
monetary stability: exploring the nexus". BIS Working Papers, n. 114. Basle: Bank for International Settlements, 2002, Aglietta, Michel.
Macroeconomia financeira. 2 vols. São Paulo: Edições Loyola, 2004. Braga, José Carlos de S. & Cintra, Marcos Antonio M. "Finanças
dolarizadas e capital financeiro: exasperação sob comando americano". In:
Fiori, J. L. (org.). O poder americano. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 253-307. Aglietta, Michel & Rebérioux, Antoine. Corporate
governance adrift: a critique of shareholder value. Cheltenham: Edward Elgar,
2005.
[3] Trata-se de operações de compra ou venda de ativos (ações, bônus, moedas
etc.) realizadas por meio de computador, por especialista em arbitragem de
índices ou investidores institucionais. A palavra "programa" refere-se aos
programas de computador que monitoram constantemente os mercados de ações,
futuros e opções, emitindo sinais de compra e venda quando há oportunidade de
lucros com arbitragem e quando as condições de mercado garantem acúmulo em
carteira ou operações de liquidação.
[4] Em 1988, foi introduzido o sistema chamado circuit breaker para interromper
temporariamente as operações com ações, índices futuros de ações, preços de
securities, opções etc. quando o mercado recuasse até um determinado ponto, em
um período específico (150 pontos em relação ao pregão anterior). O objetivo
desses sistemas é evitar a queda livre do mercado e permitir reavaliação das
ordens de compra e venda programadas de forma automática nos sistemas de
computação.
[5] John K. Galbraith (1929: o colapso da Bolsa. São Paulo: Pioneira, [1954]
1988) descreve processos semelhantes de euforia em 1929 e 1987: "nos anos que
antecederam a ambos os perí odos o mercado acionário vinha em
crescente alta, aparentemente sem limite. Houvera interrupções, algumas delas
consideradas preocupantes, mas tinham sido superadas. Influências subjacentes
que afetavam os valores do mercado perspectivas de ganho, crescimento
econômico geral, taxas de juro em perspectiva tinham em ambos os casos cedido
lugar à crença de que o aumento de valores, por mais afastado que estivesse da
realidade, continuaria. Os dissidentes ou céticos eram considerados alheios ao
estado de espírito da época".
[6] Ver Kindleberger, Charles P. Manias, pânico e crashes: um histórico das
crises financeiras. Porto Alegre: Ortiz/Gazeta Mercantil, 1992. Sobre isso Galbraith escreveu (op cit., p. 119): "em um determinado
momento existe um rosário de desfalques não-descobertos, nas empresas e bancos
do país ainda que não precisamente fora deles. Esses desfalques talvez
melhor denominados desvios atingem, em qualquer instante, a muitos milhões de
dólares. Seu montante varia de conformidade com o ciclo econômico. Em épocas de
prosperidade todo mundo se sente tranqüilo, confiante, e há dinheiro a rodo.
Mesmo, porém, com dinheiro abundante há sempre quem precise de mais um pouco.
Nessas circunstâncias, o ritmo dos desfalques se acelera, o das descobertas se
desacelera e o desvio aumenta rapidamente. Na depressão, tudo se inverte".
[7] "Uma bolha pode ser definida de modo pouco preciso como o aumento
pronunciado do preço de um ativo ou gama de ativos em um processo contínuo, com
o aumento inicial gerando expectativas de mais aumentos e atraindo novos
compradores geralmente especuladores interessados em lucrar com sua
negociação em vez de sua utilização ou de sua capacidade de gerar rendimento
(ou dividendos). Em geral, esse aumento súbito é acompanhado por reversão das
expectativas e queda acentuada do preço do ativo, resultando em crise
financeira". Kindleberger, Charles. "Bubbles". In: Eatwell, J. & Milgate,
M. (orgs.). The New Palgrave Dictionary of Money and Finance, 1992, p.199.
[8] Ver http://www.fibv.com.
[9] O ambiente de elevado crescimento econômico, com baixas taxas de inflação e
de juros, possibilitou a redução do estoque de dívidas e a ampliação dos ativos
financeiros das grandes corporações. Segundo estimativa do FMI (IMF. Global
financial stability report. Washington: International Monetary Fund, abr. 2006.
Disponível em: http://www.imf.org), as empresas do G7 (Estados
Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) detinham US$ 1,3
trilhão em caixa. As corporações americanas foram beneficiadas também por
reduções de impostos, as maiores responsáveis pelo enxugamento das dívidas
corporativas e acumulação de ativos financeiros, a partir de 2000.
[10] Government-Sponsored Enterprises (GSEs) são empresas privadas que contam
com garantias implícitas do governo federal devido ao importante papel no
funcionamento do mercado secundário de hipotecas nos Estados Unidos. As
principais agências são Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e
Federal Home Loan Mortgage Corporation (Freddie Mac).
[11] Ver Borio, C. & Lowe, P., op. cit.
[12] Ver Greenspan, Alan. "Testimony before the Committee on Banking, Housing
and Urban Affairs". U.S. Senate, mar. 2002 (Disponível em http://
www.federalreserve.gov).
[13] Segundo The Economist ("Mercado de dívida apresenta a conta dos tempos de
bonança" [republicado em Valor Econômico, 6/8/2007), no
ambiente de euforia expandiram-se os empréstimos para clientes ninja ( sigla
informal para a condição de no income, no job or assets, ou seja, pessoas sem
renda, sem emprego ou patrimônio).
[14] Estima-se que 50% dos lucros das agências americanas de rating (Standard
& Poor's e Moody's) tiveram origem nas notas emitidas aos CDOs e
instrumentos financeiros semelhantes.
[15] IMF. Global financial stability report. Washington: International Monetary
Fund, set. 2007 (Disponível em http://www.imf.org).
[16] Segundo The Economist, "'Pirâmide' das hipotecas subprime começa a ruir"
(republicado no Valor Econômico, 12/3/2007): "Quase trê s
dúzias de bancos quebraram ou foram vendidos nos últimos meses devido a
empréstimos não recebidos. Pagamentos em atraso aumentaram de cerca de 7% no
fim de 2003 para cerca de 12,6% no fim de 2006, segundo o Morgan Stanley. Em 2
de março, o Fremont General, um banco da Califórnia, anunciou que não vai mais
operar com empréstimos subprime. Autoridades reguladoras o forçaram a isso.
[...] A General Motors, maior fabricante de automóveis do mundo, poderá ter de
lançar no balanço uma despesa de quase US$ 1 bilhão para cobrir empréstimos
imobiliários ruins de sua subsidiária Residential Capital, segundo o Lehman
Brothers. O HSBC, maior banco da Europa, viu os custos de suas dívidas ruins
subirem 36% para mais de US$ 10 bilhões em 2006, devido a empréstimos ruins".
Além disso, o aumento da inadimplência das hipotecas subprime (estimada em 13%
do estoque) levou a saída dos hedge funds que vinham financiando parte dessas
operações.
[17] Vale notar que as operações por meio de contratos flexíveis com os
tomadores de risco mais elevado geralmente não se enquadram nos requisitos das
agências (Fannie Mae, Freddie Mac, Ginnie Mae e FHA), por isso não contam com
as garantias dessas instituições.
[18] Lucchesi, Cristiane P. "Injeção de liquidez soma US$ 3,2 tri'. Valor
Econômico, 24/9/2007.
[19] Bernanke, Ben. "Subprime mortgage lending and mitigating foreclosures".
Testimony before the Committee on Financial Services, U.S. House of
Representatives, 20/9/2007.
[20] Fisher, Irving. "The debt-deflation theory of Great Depressions"
Econometrica, vol. 1. Menasha, Wisconsin: George Bauta Publishing Company,
1933, pp. 337-357.
[21] IMF, 2007.
[22] Parte dos asset-backed commercial paper (ABCP) não-rolados foi parar no
balanço de bancos, que deram garantias para os papéis. O balanço do Citigroup
no terceiro trimestre de 2007 trouxe lucro de US$ 2,38 bilhões, queda de 57% em
relação ao mesmo período de 2006 (US$ 5,51 bilhões). As quedas nos títulos
ancorados em hipotecas resultaram em perdas de US$ 1,56 bilhão. As operações de
renda fixa, com alavancagem excessiva, impuseram prejuízo de US$ 636 milhões. A
cotação das ações do Citigroup caiu 17% entre janeiro e outubro. Diante disso,
o Citigroup, o Bank of America e o JP Morgan/Chase, com o estímulo do Tesouro e
do Federal Reserve, criaram um fundo de US$ 75 bilhões, denominado Master
Liquidity Enhancement Conduit, que tem sido chamado de SuperSIV. O fundo deverá
adquirir papéis lastreados por hipotecas e evitar que as instituições com
títulos invendáveis ou com valor de mercado abaixo do valor de face tenham de
desfazer dos títulos a qualquer preço e de uma só vez, registrando o prejuízo
(decorrente das imprudências cometidas durante a farra do crédito imobiliário)
nos balanços.
[23] Braga, op. cit.
[24] Os acionistas, livres da necessidade de supervisionar as operações
rotineiras das empresas, se transformam em investidores especializados, cujo
interesse precípuo é aplicar o capital e receber os dividendos ou lucrar com a
valorização das ações.
[25] Aglietta, op. cit.
[26] A pressão concorrencial força a distribuição de dividendos mesmo nos anos
em que houve uma queda acentuada dos lucros.
[27] Gentry, William M. & Hubbard, R. Glenn. "Fundamental tax reform and
corporate financial policy", NBER Working Paper Series, n. 6433. Cambridge:
National Bureau of Economic Research, 1998.
[28] Segundo Antonio Carlos M. Silva ("Mais do mesmo em 2005: o zen e a
reflexão econômica". Política Econômica em Foco, n. 6, Campinas: Centro de
Conjuntura e Política Econômica/IE/Unicamp, mai.-out. 2005, p. 25): "a
flexibilidade do mercado de financiamento imobiliá rio
americano permite aos proprietários realizar a chamada equity extraction, tanto
realizando ganhos de capital (mediante a venda a novos proprietários por um
valor superior ao valor de aquisição) quanto antecipando ganhos de capital que
se espera obter no futuro, mediante os chamados refinancing cash-outs (o
proprietário contrata uma nova hipoteca, num valor superior ao de seu débito
anterior já amortizado em parte, ou referente a um valor de mercado inferior
ao atual e embolsa a diferença) ou home equity loans (trata-se de um
empréstimo adicional tomado pelo proprietário da casa hipotecada. O empréstimo
é garantido pelo imóvel e em geral é remunerado por juros flutuantes, que têm
por referência os retornos de títulos do Tesouro de dois ou cinco anos)". As
operações de equity extraction seriam responsáveis por parte substancial do
aumento na dívida hipotecária. Tais instrumentos transformaram as residências
americanas em verdadeiros caixas eletrônicos. Para maiores informações, ver
Cagnin, Cintra & Farhi, op. cit.
[29] Entende-se por crash bursátil uma queda tão acentuada dos preços das ações
que tenha consideráveis efeitos sobre o sistema econômico. Em princípio, o
crash das Bolsas de Valores diferenciar-se-ia do estouro de uma bolha
especulativa nesse mercado por atingir ações cujos preços não estariam
superavaliados ou em desacordo com os fundamentos econômicos.
[30] Segundo Galbraith (op. cit., p. 110): "a 'força da alavancagem', da qual
se falara com tanta convicção e até com carinho uma quinzena antes, atuava
agora completamente ao contrário".
[31] Belluzzo, Luiz Gonzaga de M. "A gênese das crises", Carta Capital, ano 13,
n. 435, 14/3/2007, p. 36.
[32] Silva, Antonio Carlos M. "Fuga para a frente, rumo à fronteira final?".
Política Econômica em Foco, n. 5, Campinas: Centro de Conjuntura e Política
Econômica/IE/Unicamp, nov. 2004- abr. 2005, pp.18-37.
[33] Belluzzo, op. cit., p. 37.
[34] Braga, "O big bank", Valor Econômico.