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BrBRHUHu0101-33002007000300002

BrBRHUHu0101-33002007000300002

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0101-3300
ano2007
Issue0003
Article number00002

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Euforia e pessimismo: os ciclos de ativos, crédito e investimento da economia americana após 1982

A partir da década de 1980, as finanças americanas passaram por profundas transformações com o predomínio crescente dos mercados de capitais. Essa forma americana de gestão da riqueza se espraiou para o resto do mundo, mediante a liberalização dos fluxos de capitais e a desregulamentação financeira dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nesses sistemas, os ativos (cambiais, mobiliários, commodities, derivativos e imobiliários) adquiridos diretamente ou pelo intermédio de fundos de investimento, fundos de pensão, companhias de seguro, hedge funds ou fundo de investimento em participação acionária (private equity) passaram a representar parcela significativa do patrimônio das famílias, das corporações, dos agentes financeiros e dos governos (sovereign wealth funds)1.

A forma de gestão da riqueza e do crédito característica desses mercados de capitais globais pautada por movimentos erráticos decorrentes das expectativas dos investidores e de arbitragem e, portanto, guiados pela obtenção do lucro financeiro de curtíssimo prazo propiciou o aumento da volatilidade dos preços dos ativos e o fomento de processos especulativos recorrentes. Essa dinâmica elevou a instabilidade financeira e favoreceu a disseminação, além das fronteiras e dos segmentos de mercados, de disfunções e crises inicialmente localizadas. Com isso, as modificações acentuadas nos níveis de preços dos ativos inflação e deflação passaram a desencadear fortes repercussões macroeconômicas. O presente artigo tem por objetivo discutir a evolução patrimonial dos agentes econômicos (corporações, famílias, setor financeiro e setor público) nos últimos três ciclos de crescimento da economia americana, sob o comando dos ciclos de ativos e de crédito, chamado financial led2.

UM PANORAMA DOS CICLOS DE ATIVOS E DE CRÉDITO DA ECONOMIA AMERICANA Desde o início dos anos 1980, os Estados Unidos experimentaram três ciclos de crescimento, sob a liderança de seus ativos financeiros: o primeiro entre 1983 e 1991, o segundo entre 1992 e 2002, o terceiro a partir de meados de 2002. Com o segundo choque do petróleo (1978), o choque de juros (1979) desencadeado por Paul Volcker, então presidente do Federal Reserve (FED), e a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento, a economia mundial mergulhou em forte recessão. Paralelamente, o governo Reagan implementou medidas antidepressivas (política fiscal expansionista mediante a ampliação do gasto militar "Guerra nas Estrelas"). A ampliação da dívida pública nos portfólios privados, as políticas de desregulamentação monetário-financeira e de liberalização dos fluxos de capitais criaram as condições para o aperfeiçoamento dessas novas formas de intermediação financeira e o desenvolvimento da chamada globalização financeira.

A partir de 1983, a queda dos juros, mais a valorização expressiva do dólar e a entrada de capitais externos, fomentaram a recuperação dos ativos financeiros e a retomada da trajetória de crescimento da economia americana. A valorização das Bolsas de Valores enfrentou uma acentuada reversão; na verdade, um crash em 19 de outubro de 1987. A Bolsa de Nova York caiu 22,6%, e a responsabilidade recaiu sobre um fenômeno da era da informática conhecido como "operações administradas por programas de computação" (program trading)3. A acentuada desvalorização dos ativos na "segunda-feira negra" exigiu a expansão da liquidez sistêmica pelo FED. Dois anos mais tarde, o Índice Dow Jones havia se recuperado4. O crescimento econômico se sustentou até a crise do mercado imobiliário sob a liderança das Saving & Loans em 1991, quando os Estados Unidos entraram em nova recessão. Em 1992, a economia americana iniciou outro ciclo de expansão (1992-2000), o qual apresentou um fôlego ainda maior que o anterior, e cuja desaceleração ocorreu apenas em 2001, de modo relativamente mais tênue que as duas anteriores (1980-82 e 1990-91). Nesse período, certamente a expansão mais prolongada (120 meses, de acordo com o National Bureau of Economic Research NBER), a introdução de inovações tecnológicas nos segmentos de informática e telecomunicações levou a crer na possibilidade de obter crescimento econômico com taxas de emprego elevadas abaixo da Nairu (non- accelerating inflation rate of unemployment), sem pressões inflacionárias.

Nesse período, a economia americana foi marcada por forte e contínua elevação nos preços das ações, ancorada em um excepcional período de crescimento das inovações tecnológicas que levaram a aumento na produtividade do trabalho, nos gastos dos consumidores e no investimento empresarial. Do lado da situação patrimonial dos agentes, a fase ascendente do ciclo foi caracterizada por crescente endividamento privado, tanto das famílias como das corporações, e redução da dívida pública por meio de geração de superávits fiscais. Alguns chegaram a cunhar a expressão "nova economia" para descrever a expansão das empresas de alta tecnologia, que abriam espaço para um crescimento econômico contínuo e, conseqüentemente, para a eliminação da oscilação característica dos ciclos produtivos. Os preços das ações em geral e, em particular, das empresas de alta tecnologia, passaram a refletir expectativas de permanente alta, embutindo múltiplos extremamente elevados da relação preço-lucro das corporações ou atribuindo valores de bilhões de dólares a empresas que apenas dispunham de "boas" idéias como patrimônio (a Amazon, por exemplo), mas que jamais tinham gerado lucro. Alan Greenspan, presidente do FED, alertou em meados de 1996 que os preços das ações americanas padeciam de "exuberância irracional"5. Seus sinais, entretanto, não tiveram efeitos práticos nas Bolsas de Valores, que perseguiram uma irresistível ascensão, brevemente entrecortada pelas crises dos países do Sudeste Asiático (1997), da Rússia e do hedge fund Long-Term Capital Management (LTCM) em 1998 e pela desvalorização da moeda brasileira em janeiro de 1999.

Entretanto, a partir de março de 2000, os ventos viraram de bull (altista) para bear (baixista), ampliando muito a volatilidade nos mercados de ações dos Estados Unidos, com influência nas Bolsas de Valores de todo o mundo. Em resposta aos aumentos nas taxas de juros básicas federal funds rate que o FED vinha realizando desde meados de 1999, as ações que compõem os índices Dow Jones e Standard & Poor's (S&P), consideradas representantes da "velha economia", sofreram quedas acentuadas. Em seguida, o movimento se inverteu com os preços das ações da "velha economia" se estabilizando, enquanto os da "nova economia", representados pelo índice da National Association of Securities Dealers Automated Quotations System (Nasdaq Associação Nacional de Corretoras de Valores) padeciam de grandes perdas.

Esses movimentos assimétricos dos diversos índices corresponderam ao esvaziamento de uma bolha especulativa decorrente da percepção de que os preços das ações, em particular as do setor de alta tecnologia, eram injustificáveis.

Posteriormente, a queda renitente no nível dos investimentos das corporações americanas e, portanto, dos lucros, instaurou uma tendência de baixa nas cotações. Essa tendência atingiu particularmente as empresas de alta tecnologia. Mas, apesar de reduções agressivas das taxas de juros pelo FED, ela afetou igualmente aquelas com um alto nível de endividamento contraído para financiar novos investimentos e/ou fusões e aquisições, como as do setor de telefonia. Nessa tendência de baixa, os índices evoluíram de forma mais sincrônica.

A tendência de baixa parecia ter se esgotado quando, após os atentados de 11 de Setembro de 2001, as cotações das ações voltaram a subir. Predominava a percepção de que a economia americana tinha saindo da recessão e estava se recuperando com força. Entretanto, as sucessivas quedas nas cotações nos mercados de ações levantaram inúmeros problemas que haviam passado despercebidos na euforia dos lucros corporativos, durante o longo ciclo de valorização dos ativos produtivos e financeiros dos anos 1990. Quando a maré baixou, apareceram falcatruas que acabaram provocando novas e acentuadas quedas dos preços das ações, suscetíveis de profundas repercussões macroeconômicas, entre elas a de prejudicar a incipiente retomada do crescimento e provocar novo processo recessivo.

Não terá sido a primeira vez na história que revelações de falcatruas cometidas em períodos de euforia determinam uma reviravolta nos sentimentos dos investidores e a ocorrência de um crash6. Mas o inusitado é essa ocorrência após um longo período de quedas dos preços e, portanto, de correção dos excessos cometidos durante a fase da formação da "bolha"7. Tal peculiaridade aprofundou e intensificou o movimento de queda dos preços das ações. A crise de confiança dos investidores nas ações americanas repercutiu nas Bolsas de Valores mundiais, configurando momentos de extrema tensão. De acordo com os dados divulgados pela Federação Internacional de Bolsas de Valores, as perdas nas Bolsas mundiais ultrapassaram US$ 11,5 trilhões, sendo mais de US$ 5,4 trilhões apenas nos Estados Unidos8, entre março de 2000 e junho de 2002. A crise de confiança originou-se da convergência de diversos escândalos e disfunções no funcionamento dos mercados de capitais dos Estados Unidos, tais como as avaliações das empresas de classificação de riscos de crédito, as recomendações dos analistas de valores, problemas contábeis nos balanços das empresas e o papel das empresas de auditoria e de consultoria.

Em suma, as causas da reversão estiveram associadas ao rompimento do circuito expansivo composto pela valorização dos ativos financeiro, crédito, consumo e investimento. O acúmulo de capacidade instalada em excesso em alguns setores tecnologicamente dinâmicos (o núcleo duro da "nova economia" e os responsáveis por valorizações sem precedentes nos mercados acionários) e a revisão de retorno dos ativos financeiros subjacentes se traduziu em queda dos índices de Bolsa e contenção dos projetos de investimentos. O ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 e os escândalos envolvendo práticas contábeis agressivas em 2002 colaboraram para aprofundar as tendências deflacionistas nos preços dos ativos e as tendências recessivas da economia americana.

As políticas monetária e fiscal das três principais áreas econômicas Estados Unidos, Eurolândia e Japão atuaram de forma anticíclica, entre 2001 e 2004, suavizando a recessão nos países industrializados. As autoridades monetárias reduziram as taxas de juros e garantiram a demanda dos agentes econômicos por papéis mais líquidos e seguros. Simultaneamente, os tesouros nacionais ampliaram seus gastos, que passaram a apresentar déficits fiscais elevados (no Japão o movimento foi anterior em função da tentativa de contar a estagnação e a deflação). A ampliação da dívida pública facilitou a recomposição dos portfólios privados. Nos Estados Unidos, a redução da taxa básica de juros (federal funds rate) pelo FED ao longo de 2001 (queda de 70%) possibilitou também que o nível de endividamento público fosse mantido ao longo da expansão fiscal. O superávit fiscal, vigente entre 1998 e 2001, foi revertido num déficit de quase US$ 400 bilhões em 2002. Assim, a taxa de crescimento negativa registrada no primeiro e no terceiro trimestre de 2001 não foi capaz de impor um resultado negativo no acumulado do ano (os quatro trimestres). A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em 2001, ficou em 0,8%; recuperou para 1,6% em 2002 e 2,5% em 2003. A queda nos juros e a expansão dos gastos fiscais garantiram a preservação dos gastos em consumo, essenciais na dinâmica da recuperação. O consumo contou ainda com a ampliação do endividamento das famílias. Lastreado pelo patrimônio imobiliário em ascensão e pela redução das taxas de juros, a capacidade de alavancagem das famílias não foi prejudicada pelo desaquecimento econômico. As corporações, por seu turno, reduziram rapidamente seus níveis de endividamento.

Essas políticas monetárias e fiscais lassas nos países centrais, combinadas com as políticas de acumulação de reservas e contenção do processo de valorização cambial nas economias asiáticas, fomentaram a expansão da liquidez internacional e impulsionaram um novo ciclo de inflação de ativos em âmbito global, bem como novas operações de fusões e aquisições. Um dos combustíveis desse ciclo de ativos foram as operações de carry trade, isto é, a captação de recursos em uma determinada moeda (dólar, iene, franco suíço) com taxas de juros baixas para aplicá-los em ativos de outros mercados (bônus corporativos, commodities, moedas, ações e títulos de dívida pública e privada dos mercados emergentes, Nova Zelândia, Austrália, Islândia, imóveis etc.), com rendimentos mais elevados.

CRESCIMENTO DO ENDIVIDAMENTO AMERICANO O FED divulga regularmente o Flow of Funds Accounts of the United States (http: //www.federalreserve.gov). Nessa publicação trimestral são registrados os fluxos gerados pelas distintas instituições provedoras de crédito e apontados os principais tomadores de recursos. O estudo apresenta também os dados sobre o estoque de dívida acumulado no fim de cada período, bem como a situação o balanço patrimonial (ativo, passivo e patrimônio líquido) dos tomadores finais de crédito (famílias e corporações). A expansão dos mercados de crédito bancário e de capitais resultou em um crescimento espetacular do estoque de dívida nos Estados Unidos. Essa cifra inclui o endividamento privado corporações, setor financeiro e famílias , o débito público total, federal, estadual e municipal e o passivo financeiro com o exterior. No final de 1980, o estoque de dívida totalizava US$ 4,7 trilhões, correspondendo a 169,3% do PIB.

No segundo trimestre de 2007, o estoque de dívida foi ampliado em mais de oito vezes, chegando a US$ 46,6 trilhões, representando 338,6% do PIB (ver Tabela 1).

O rápido crescimento do estoque de dívida como participação do PIB indica claramente um risco maior de a desaceleração da taxa de crescimento da renda dificultar o pagamento dos serviços das dívidas. O perigo inerente a esse processo pode ser alto, dadas as mudanças na composição, bem como na dimensão dos tomadores. A dívida dos setores não-financeiros (corporações, famílias e governos) ampliou de 141,6% do PIB para 217,1% do PIB entre 1980 e 2007 (ver Tabela_1). Todavia, deve-se salientar que o peso do endividamento mudou drasticamente do governo federal para as famílias e corporações.

A dívida das famílias aumentou ininterruptamente de 50% do PIB em 1980 para 96,8% do PIB no segundo trimestre de 2007; a dívida das corporações pulou de 32,5% para 68,9% do PIB no mesmo período. Nesse último período, as corporações trataram de reduzir o ritmo de endividamento, buscando uma rápida "desalavancagem" para estabilizar a relação entre o estoque de dívida e o patrimônio líquido9. Por sua vez, a dívida do governo federal cresceu de 26,3% do PIB em 1980 para 50,2% do PIB em 1993. Mas, durante o longo ciclo de crescimento dos anos 1990, a dívida federal em mercado caiu para 32,9% do PIB no primeiro trimestre de 2002, quando novas políticas de estímulo fiscal voltaram a aumentar a dívida pública em mercado, que passou a sinalizar tendência de crescimento. Atingiu 35,9% do PIB no segundo trimestre de 2007.

No segundo trimestre de 2007, o estoque de dívida das famílias (US$ 13,3 trilhões) equivalia a 135,5% da renda pessoal disponível (US$ 10,1 trilhões); em 1980 (US$ 1,4 trilhão), correspondia a 72,1% da renda pessoal disponível (US$ 2 trilhões). O peso do serviço da dívida das famílias a taxa de pagamento mensal de dívida em hipotecas e crédito ao consumidor em relação à renda pessoal disponível superou em muito o antigo recorde estabelecido no quarto trimestre de 1986 (14,34%) e atingiu 19,29% no segundo trimestre de 2007 (ver Gráfico_1). A relação entre as dívidas e o patrimônio líquido das corporações aumentou muito ao longo do primeiro ciclo de expansão, saltando de 28,9% em 1980 para 56% em 1992, mas decresceu nos dois ciclos posteriores, com um breve crescimento durante a deflação dos ativos e a desaceleração econômica durante 2001 e 2002. No segundo trimestre de 2007, registrou 40,1% (ver Gráfico 2).

O setor financeiro também experimentou extraordinário crescimento no endividamento, o que reflete as dramáticas mudanças em seus produtos, práticas e estruturas. Entre 1980 e 2007, o estoque de dívida das instituições financeiras aumentou de US$ 578,1 bilhões, o equivalente a 20,7% do PIB, para US$ 14,9 trilhões, ou 108,1% do PIB. As agências encarregadas de financiar a aquisição de imóveis residenciais (GSEs10) lideraram as emissões de novos títulos de dívida no final da década de 1990 e absorveram grande parte do dinheiro estrangeiro que fluiu para os Estados Unidos, mantendo a sobrevalorização do dólar, uma vez que a dívida das agências era garantida implicitamente pelo governo americano e o Tesouro havia reduzido o fluxo de emissões em virtude do superávit fiscal.

Retrospectivamente, parece evidente que o expressivo ciclo de crédito desempenhou papel crucial no inflar das "bolhas" especulativas do mercado de ações americano11. A expansão de novos setores econômicos, associada à explosão do volume de dívidas, elevou o preço das ações para níveis sem precedentes e descolados de quaisquer "fundamentos econômicos" (relação entre preço e lucro, por exemplo). A sinergia entre acumulação produtiva, expansão do crédito e inflação de ativos num primeiro momento reforçava os lucros. Os lucros projetados com avaliações otimistas sobre o futuro permitiam que se admitissem relações cada vez mais elevadas entre preço e lucro. À medida que os preços das ações aumentavam e "inflavam" o patrimônio líquido das corporações e das famílias, tornava-se irresistível a utilização do endividamento como forma de alavancar mais ganhos de capital.

O longo ciclo de expansão do investimento produtivo e do crédito resultou em crescimento da renda pessoal disponível e do patrimônio líquido das famílias americanas. A renda pessoal disponível atingiu US$ 10,1 trilhões no segundo trimestre de 2007. O patrimônio líquido das famílias cresceu continuamente até 1999, quando atingiu o auge de US$ 42,3 trilhões. Nos três anos seguintes, amargou perdas de US$ 3,5 trilhões; recuperando a partir de 2003. No segundo trimestre de 2007, o patrimônio líquido das famílias ultrapassou em muito o patamar alcançado em 1999, atingindo US$ 57,8 trilhões. Todavia, a poupança familiar caiu persistentemente de 10% da renda disponível em 1980 para 1,8% em 2001. Entre 2002 e 2004, a poupança familiar ensaiou uma leve recuperação, atingindo 2,16% da renda disponível. Nos dois anos seguintes voltou a cair, chegando a US$ 64,4 bilhões ou 0,6% da renda disponível no segundo trimestre de 2007.

As perdas patrimoniais associadas com a desvalorização dos mercados acionários foram suavizadas pela valorização nos preços dos imóveis. O valor dos imóveis no conjunto dos ativos das famílias saltou de US$ 11,5 trilhões em 1999 para US$ 23,1 trilhões no segundo trimestre de 2007 (ver Tabela_2). Estima-se valorização de 36,3% nos preços dos imóveis residenciais entre 1995-2001 e de 56,1% entre 2001 e 2006. Esse aquecimento no mercado imobiliário foi, em grande medida, resultado do crescimento do mercado de hipotecas, apoiado pela queda nas taxas de juros promovidas pelo FED e pela ação das agências federais (GSEs) nos mercados secundários de securitização de hipotecas.

No agregado, a valorização imobiliária compensou as fortes perdas das famílias com a desvalorização dos ativos financeiros, em cotas de fundos mútuos e fundos de pensão e no valor das carteiras de ações possuídas individualmente. Isso porque o ativo financeiro de maior valorização ao longo da década de 1990, as ações, estava concentrado nas parcelas mais ricas; no entanto, a posse do ativo mobiliário é mais difundida pela sociedade12. Entre 2000 e o segundo trimestre de 2007, o valor das ações no balanço das famílias caiu de US$ 8,2 trilhões para US$ 6,1 trilhões; as cotas dos fundos de investimento, depois de terem caído de US$ 2,7 trilhões para US$ 2,2 trilhões, em 2002, atingiram o valor de US$ 5,1 trilhões no segundo trimestre de 2007. Assim como os fundos de investimento, os fundos de pensão tiveram seu valor reduzido entre 2000 e 2002, a partir de então passaram por recuperação, atingindo, em 2007, o valor de US$ 12,6 trilhões. Esses dados parecem evidenciar que as principais perdas desencadeadas pela deflação de ativos foram assumidas pelas famílias, detentores em última instância dos ativos dos investidores institucionais.

Afinal, as famílias passaram a deter ativos financeiros em proporções crescentes de seus patrimônios. Os ativos financeiros chegaram a atingir 68,6% dos ativos totais das famílias em 2000.

A partir de 2002, no entanto, a concorrência entre os agentes financeiros atuantes no mercado de hipotecas levou à proliferação do uso de diferentes tipos de contrato de maneira a atrair os tomadores de maior risco. Dessa forma, reduziram os padrões de subscrição e ofereceram uma série de contratos, tais como as balloon mortgage ou interest-only loan (neste, ao longo da vigência do interest-only period, são pagos apenas os juros, após esse período, além dos juros deverá também ocorrer a amortização do principal), além das hipotecas híbridas, que combinam o pagamento de taxas prefixadas no início do contrato e depois se tornam contratos pós-fixados. Grande parte das hipotecas subprime emitidas entre 2004 e 2006 era risk-layered, usando a combinação de vários atrativos para tornar a hipoteca mais interessante e, conseqüentemente, mais arriscada.

Os tomadores de maior risco de crédito, por meio desses contratos, chegaram a uma participação de cerca de 30% das hipotecas contraídas em 2006. Em 2002, sua participação era em torno de 6%. Ademais, as hipotecas contraídas com documentos incompletos sobre comprovação de renda do tomador, conhecidas como "Alt A" mortgages, também cresceram rapidamente. Em 2006 representaram cerca de 13% do fluxo de novas hipotecas13.

Simultaneamente, os investidores passam a comprar e vender derivativos associados a esses novos títulos, tais como os derivativos de crédito (credit default swap, total return swap, credit-linked notes etc.) e securitização de recebíveis. A securitização das carteiras de crédito imobiliário (mortgage- backed secutiries ou collateralized mortgage obligation) dos agentes foi um dos fatores que impulsionaram o mercado de hipotecas desde a década de 1980.

Proliferaram também transações com instrumentos financeiros lastreados em um conjunto diversificado de ativos. As Collateralized Debt Obligation (CDO) agregam hipotecas de diferentes riscos, recebíveis de cartão de crédito, recebíveis de crédito para a compra de automóveis etc. Esses papéis são estruturados por bancos de investimento e compostos de várias tranches, com distintos graus de riscos (Sênior representa o risco mais baixo [A a AAA], Mezzanine o intermediário [BB a BBB] e Equity o mais elevado) classificados pelas agências de risco de crédito (Moody's, Standard & Poor's e Fitch)14.

Dessa forma, vários instrumentos envolvendo hipotecas de diferentes riscos collateralized debt obligation foram combinados pelas agências de rating e pelos emissores, de acordo com o risco dos ativos incluídos em sua composição.

Todavia, as combinações foram realizadas de modo que alguns desses ativos lastreados em hipotecas subprime acabaram classificados como de excelente risco ou com grau de investimento. O reempacotamento de hipotecas de alto risco, com a anuência das agências de classificação de risco de crédito, viabilizou suas aquisições pelos investidores com menor aversão ao risco, mas também pelos investidores institucionais que observam regras de prudência, tais como os fundos de pensão e as companhias de seguros.

Assim, as tranches de menor risco (Sênior e Mezzanine) foram adquiridas pelos investidores institucionais e hedge funds, sendo que uma parte importante foi exportada para fundos de investimento de várias partes do mundo (Coréia, Tawain, China, Austrália, Alemanha, França, Reino Unido, entre outros). As tranches de maior risco (Equity) foram transferidas para os veículos especiais de investimento (Special Purpose Vehicle, SPV), entidades segregadas contabilmente de seus controladores, contornando as regras de capital ponderado pelos riscos do Acordo de Basiléia (1988)15. Para carregar esses papéis, os veículos estruturados de investimento (Structured Investment Vehicle, SIV) emitiram Asset-Backed Commercial Paper (ABCP), dívida de curto prazo lastreada em ativos (empréstimos classificados com rating muito baixo, portanto, de recuperação duvidosa), contando com uma linha de crédito contingente fornecida pela instituição financeira controladora para garantir a liquidez.

Foi criada também uma enorme diversidade de contratos futuros das hipotecas de alto risco, como os contratos referenciados em um índice dos créditos de difícil recebimento (chamados índices ABX). Apenas na Chicago Mercantile Exchange (CME) que se fundiu à Chicago Board of Trade (CBOT), formando a maior Bolsa de futuros do mundo, foram negociados US$ 400 milhões em derivativos com base em hipotecas, desde o lançamento desses instrumentos, em meados de 2006.

Nesse volume não está incluído o mercado de balcão (over the counter, OTC), em que comprador e vendedor realizam negócios diretamente, sem a intermediação das Bolsas, cujos contratos com créditos imobiliários de alto risco foram estimados em US$ 500 bilhões durante o ano de 2006.

Entretanto, a partir de meados de 2006, o mercado imobiliário americano passou a emitir sinais de encolhimento, nos preços e nas quantidades. A valorização dos imóveis perdeu força desde o segundo trimestre de 2006, quando os preços cresceram cerca de 10% em relação ao mesmo período do ano anterior. As taxas de crescimento dos trimestres seguintes foram menores: 7,88% no terceiro e 6,10% no quarto, sempre em relação ao mesmo período de 2005. No segundo trimestre de 2007, a desaceleração dos preços dos imóveis foi aprofundada; em relação ao mesmo período de 2006 o crescimento foi de 3,19%. Desde o terceiro trimestre de 1997 não ocorria uma taxa de crescimento tão baixa para essa comparação. Os dados de preços referem-se ao índice elaborado pelo Office of Federal Housing Enterprise Oversight (OFHEO). Segundo o Departamento de Comércio (http:/ /_www.bea.gov), o número de unidades residenciais construídas caiu 12,9% e as vendas de novas residências retraíram 17,3% em 2006. O encolhimento do mercado imobiliário revelou aumento da inadimplência dos devedores de maior risco, com repercussões em todo o sistema financeiro global, dada suas amplas ramificações16.

Os impactos da desaceleração dos preços dos imóveis foram sentidos mais expressivamente nos segmentos mais arriscados do mercado de financiamento habitacional. Os contratos mais flexíveis, contraídos principalmente pelos tomadores de maior risco (subprime e Alt-A), contavam justamente com a hipótese de que os tomadores pudessem ao longo de alguns anos melhorar seus riscos de crédito e, assim, renegociar suas hipotecas. Entretanto, ante taxas de juros mais elevadas e o receio dos agentes financeiros de uma desaceleração mais intensa da economia americana, as condições de refinanciamento desses contratos tornaram-se mais difíceis.

A partir de fevereiro de 2007, surgiram perdas provocadas aos agentes geradores desses contratos (HSBC, American Home Mortgage Investment Corp., Countrywide Financial Corp., por exemplo). Em junho, as agências de classificação de risco de crédito começaram a rebaixar as notas de Asset-Backed Securities (ABS securities garantidas por hipotecas subprimes) e de Collateralized Debt Obligation (CDO). Alguns hedge funds geridos por bancos australianos e pelo Bear Stearns apresentaram perdas com ativos imobiliários e suspenderam os resgates das aplicações. Em 30 de julho, o banco de investimento alemão IKB relevou perdas com aplicações no mercado imobiliário americano (subprime) e no mercado de asset-backed commercial paper (ABCP). Em 9 de agosto, o BNP Paribas, maior banco da França, suspendeu os resgates de três fundos de investimento com problemas no mercado hipotecário de alto risco dos Estados Unidos. Nesse momento, a liquidez nesses segmentos de maior risco (instrumentos securitizados e em derivativos de crédito) se evaporou, tornando impossível avaliar o preço de alguns ativos.

A dificuldade de prever o quanto alguns agentes estariam comprometidos com papéis cujo colateral são hipotecas subprime (cujo estoque tem sido estimado em US$ 1,3 trilhão) contaminou também outros mercados de títulos17, quando ocorreram declarações de queda de rentabilidade de grandes bancos e investidores institucionais, assim como a suspensão dos saques de alguns fundos de investimento. Vale dizer, os investidores passaram a se afastar dos títulos garantidos por hipotecas prime e outros ativos não apenas os subprime , reduzindo a liquidez do mercado. Em alguns casos, o prêmio de risco explodiu.

A tensão estabelecida nos mercados financeiros globais exigiu a intervenção agressiva das autoridades monetárias de maneira a garantir a liquidez dos mercados interbancários. Calcula-se que o FED injetou US$ 430,25 bilhões e o Banco Central da Europa, US$ 2,9 trilhões, perfazendo um total de US$ 3,3 trilhões nos mercados monetários entre 27 de julho e 12 de setembro, a fim de evitar uma subida abrupta das taxas de juros de curto prazo e permitir a reorganização dos portfólios dos investidores18. Mervy King, o presidente do Banco da Inglaterra, argumentou que as operações de redesconto com hipotecas como garantia eram o equivalente a resgatar bancos que se arriscaram demais e a plantar "as sementes de uma futura crise financeira". Após a quebra da financeira Northern Rock, com direito à corrida bancária, a primeira desde 1866 na Inglaterra, King foi obrigado a intervir para restaurar a liquidez no interbancário. O Banco do Japão, por sua vez, injetou US$ 3,3 bilhões em 16 de agosto e US$ 6,95 bilhões em 21 de agosto. Outros bancos centrais, tais como do Canadá, da Austrália, da Noruega e de Taiwan, também foram forçados a injetar liquidez em seus mercados financeiros.

Em 17 de agosto, o FED reduziu a taxa de redesconto em 0,5 ponto percentual. A taxa de juros básica (federal funds rate) foi reduzida em 0,5 ponto percentual em 18 de setembro, e 0,25 ponto percentual em 31 de outubro. Em 31 de agosto, o Poder Executivo americano anunciou um conjunto de medidas para o setor de crédito imobiliário. Foi criado um programa FHA-Secure para facilitar o refinanciamento das dívidas. Procura-se garantir o imóvel aos mutuários com bom crédito, mas que podem deixar de honrar os pagamentos devido ao aumento das prestações. Estima-se que 2,2 milhões de hipotecas terão suas taxas de juros reajustadas nos próximos dois anos. Delineou-se ainda um projeto para modernizar a agência Federal Housing Administration, criada em 1934 para regular o mercado imobiliário e fornecer seguro para os empréstimos de maior risco, beneficiando populações de menor renda. Dessa forma, a Casa Branca auxiliou a montagem de uma rede de segurança, ao ajudar os mutuários a refinanciar suas dívidas, evitando a execução judicial e a perda do imóvel, bem como ao facilitar o acesso dos americanos mais pobres à casa própria. Ademais, o secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, está considerando permitir que as empresas de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, que têm garantias do governo, comprem, empacotem e vendam empréstimos de valor elevado, conhecidos como "empréstimos-jumbo"19.

Segundo Fisher20, que detalhou as repercussões dos processos de endividamento elevado conjugados com deflação dos preços dos ativos durante a Grande Depressão (1929-33), a crise sistêmica é deflagrada quando as instituições financeiras, sobretudo os bancos, sofrem perdas suficientes para induzir uma forte contração do crédito, com efeitos cumulativos sobre o consumo das famílias e os investimentos das empresas. Assim, as autoridades econômicas procuraram evitar exatamente a reversão das expectativas e as restrições aos empréstimos de boa qualidade, o que poderia deflagrar contração do crédito em âmbito global. Os principais bancos centrais injetaram grandes volumes de recursos nos mercados financeiros, o FED reduziu suas taxas de juros de curto prazo para facilitar a recomposição dos portfólios e evitar uma tentativa desesperada e deletéria de liquidação de dívida e deflação de preços dos ativos.

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI)21, as perdas das instituições financeiras serão gerenciáveis. Os grandes bancos, comerciais e de investimento, estariam mais diversificados e mais bem capitalizados (em média os ativos ponderados pelo risco superam 12%, estando acima do mínimo estabelecido no Acordo de Basiléia, de 8%). As perdas diretas com as exposições no mercado imobiliário não devem ultrapassar 0,04% do capital nível I22. As perdas indiretas associadas à reavaliação dos ativos em carteira, perda de receita com negociação e estruturação de securitização de hipotecas, também não deverão resultar em grandes dificuldades para gerenciar tais impactos negativos, embora as instituições menores e menos diversificadas possam estar mais vulneráveis.

As corporações americanas também ampliaram a posse de ativos financeiros, e não apenas como reserva de capital para efetuar futuros investimentos produtivos. A acumulação de ativos financeiros ganhou caráter permanente na gestão da riqueza capitalista. Isso significa que as grandes corporações passaram a gerir ativamente seus portfólios de ativos, mediante a recompra de ações, a maximização do fluxo de caixa líquido e as operações de fusões e aquisições.

Elas passaram a utilizar também os instrumentos de prevenção dos riscos e a aproveitar as diferentes oportunidades de ganhos de capital oferecidas pelas expectativas de variação das taxas de juros e de câmbio no mercado financeiro global. Esse é um dos aspectos da "financeirização" da riqueza contemporânea caracterizada por Braga23. Os ativos tangíveis das corporações caíram de 72% do total dos ativos em 1980 para 52,2% no segundo trimestre 2007 (ver Tabela_3).

Por sua vez, a participação dos ativos financeiros subiu de 28% dos ativos para 47,8% no mesmo período.

O aumento da participação do mercado de capitais no financiamento das corporações americanas (instrumentos de dívida e ações) elevou a capacidade de indução dos investidores institucionais sobre o comportamento das empresas (shareholder value based system of corporate governance), a fim de maximizar as taxas de retorno dos acionistas ou seja, agregar valor ao patrimônio dos acionistas24. As decisões de alocação de investimento dos investidores institucionais são tomadas por investidores profissionais. Individualmente, esses investidores profissionais não têm nenhum poder sobre os gestores das empresas. Entretanto, eles influenciam o comportamento das corporações mediante um poder de opinião coletivo manejado pelos diferentes agentes que operam nos mercados de capitais, na nova era da tecnologia da informação, valorizando ou desvalorizando as ações e os bônus.

Esse processo de valorização e desvalorização toma lugar no permanente escrutínio da comunidade dos investidores, pois as regras e os padrões possibilitam abstrair as especificidades das corporações. A maioria dos investidores institucionais não tem conhecimento das empresas cujas ações eles colocam em seus diversificados portfólios. A governança corporativa requer tão- somente informações transparentes e previsões sobre as perspectivas de lucros futuros. A performance das empresas é comparada com padrão (benchmark), mediante uma competição feroz25. Os executivos das corporações enfrentam, portanto, um código abstrato: a lógica de um sistema público de avaliação. Isso porque a operacionalidade desse sistema de gestão empresarial presume transparência nos dados financeiros das empresas, fluxo contínuo de informações (balanços trimestrais), rígidas regras de negociação e mercados secundários líquidos. As grandes corporações com capital pulverizado e com administrações profissionais são minuciosamente monitoradas por analistas, empresas de informações econômicas, investidores e agências de classificação de risco, que promovem avaliações recorrentes dos relatórios trimestrais de desempenho.

A estrutura difusa de propriedade das ações corporativas e a natureza dos mecanismos que disciplinam a administração das empresas condicionam a dinâmica do mercado de controle corporativo (market for corporate control). Os executivos das empresas devem seguir a disciplina imposta pelos mercados: se a corporação for mal gerenciada (under-performing management) e/ou se os dividendos forem negligenciados, os investidores reagirão, vendendo ações26.

Conseqüentemente, seus preços se deprimirão e a empresa ficará exposta a processos hostis de takeovers. Conforme esse paradigma, se uma subsidiária não estiver atendendo às expectativas ou se uma unidade não funcionar de acordo com o último plano estratégico, busca desfazer-se rapidamente dela. Abandonam-se as unidades não-essenciais e fortalecem-se os negócios principais, ficando, portanto, no core business, antes de se tornar alvo de uma oferta de aquisição hostil. Essa dinâmica forma um sistema empresarial extremamente competitivo, em que prevalece a tirania dos balanços trimestrais, uma vez que as performances das corporações são permanentemente monitoradas pelos mercados.

A dinâmica desse sistema de gestão (market-based) apresenta aspectos contraditórios. Os executivos devem promover os interesses dos acionistas, valorizando seus ativos a curto prazo, mesmo às expensas da performance de longo prazo das empresas. Por um lado, encurta o horizonte temporal das empresas, uma vez que os acionistas externos impelem os executivos a privilegiar os resultados financeiros de curto prazo. Conseqüentemente, as corporações investem relativamente menos em ativos intangíveis, tais como pesquisa e desenvolvimento, treinamento de recursos humanos, sistemas de informação, desenvolvimento organizacional e relações com fornecedores; e os executivos evitam investimentos de longo prazo, que poderiam deprimir os preços das ações no curto prazo e tornar a empresa vulnerável a processos de tomada de controle acionário hostil. Contudo, esse sistema submete as corporações às exigências do mercado e apresenta capacidade enorme de criar pequenas e médias empresas inovadoras, das quais muitas rapidamente se tornam grandes ou são adquiridas pelas megacorporações. A alocação de capital é flexível, capaz de transferir recursos entre setores, sobretudo para os mais dinâmicos e com elevadas taxas de rentabilidade. Dessa forma, os investidores de risco detêm carteiras de ações de empresas de diversos setores em crescimento (tais como biotecnologia, redes de telecomunicações, informática etc.), fomentando a incorporação de novos negócios.

A despeito das contradições, o sistema empresarial americano apoiado no mercado de capitais é extremamente ágil e dinâmico, inclusive na oferta de capital de risco (venture capital). Entretanto, no agregado, as corporações americanas utilizam basicamente a acumulação de fundos internos lucros não-distribuídos, depreciação do capital fixo, lucros recebidos do exterior para financiar seus investimentos. Isso faz com que a principal fonte de poupança privada seja a depreciação acelerada do capital fixo, aproveitando incentivos fiscais de monta27.

Em suma, o esforço de ajustamento patrimonial que geralmente acompanha a desaceleração e a recessão econômica foi visto apenas no caso das corporações.

Impulsionadas pela valorização dos ativos imobiliários, as famílias fizeram uso dos instrumentos financeiros existentes para aproveitar a redução das taxas de juros e transformar os ganhos patrimoniais em poder de compra28. Ambos os objetivos foram obtidos graças às operações de refinanciamento das hipotecas.

Ademais, novas dívidas foram contraídas, financiando o aumento do consumo a partir de 2001. A queda das taxas de juros foi compensada pelo crescimento do estoque da dívida, redundando no crescimento do serviço da dívida em relação à renda disponível. Outros indicadores, como o passivo das famílias em relação ao ativo ou ao patrimônio líquido, indicam deterioração na última década. O movimento contracionista da política monetária, iniciado pelo FED em junho de 2004, poderá ter impactos negativos sobre a rolagem da dívida das famílias e, conseqüentemente, sobre seu nível de gastos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurou-se analisar, em maior ou menor grau, os três ciclos de expansão da economia americana, sob o comando dos ciclos de ativos e de crédito, chamado financial led, após 1982. Nesses movimentos, os exuberantes processos de valorização dos preços das ações (e dos ativos financeiros em geral) alimentam um "efeito riqueza", por meio do qual a percepção de um aumento relativo no patrimônio modifica os gastos de consumo das famílias e as decisões de investimento das empresas. A acirrada concorrência entre as instituições financeiras por ganhos de market share garante a oferta de crédito para as operações alavancadas em ativos de risco (ações, imóveis, junk bonds, moedas), o que alimenta a inflação dos preços dos ativos. Esse, por sua vez, suporte à multiplicação do crédito bancário. Isso contexto, os consumidores confiantes na valorização de seus ativos financeiros e imóveis , mediante um "efeito riqueza", elevam seus gastos, expandindo o grau de endividamento e contribuindo para a aceleração da demanda, mesmo sem a liquidação das posições e, portanto, na ausência da realização dos lucros presumidos.

Além disso, a confirmação dos ganhos antecipados reforça os processos especulativos e melhora as condições de liquidez dos mercados, estimulando famílias, corporações, bancos e investidores institucionais, com posições próprias, a aumentar o grau de alavancagem nos mercados de ativos financeiros e imobiliários, favorecendo a progressão do surto inflacionário.

Assim, as convenções altistas (bull market) nos mercados financeiros, que inflam os valores dos ativos, aumentam o estoque de riqueza no patrimônio de seus possuidores. Um patrimônio maior e em crescimento é interpretado como uma redução do risco de crédito e, por isso, maior capacidade de endividamento. O próprio volume crescente de riqueza cristalizada em ativos financeiros no balanço patrimonial dos agentes econômicos também potencializa a capacidade de alavancagem.

Nesse ambiente de euforia, reduz-se a aversão ao risco, que se manifesta na queda da percepção do risco de crédito, na melhora dos critérios de rating, no rebaixamento dos critérios de concessão de empréstimos e na redução das provisões para devedores duvidosos. Os bancos e os investidores institucionais, à medida que as projeções otimistas se confirmam, lançam-se à procura de novos clientes e novas operações. Passam a inflar suas carteiras com dívidas de empreendimentos cada vez mais arriscados, de recuperação difícil em uma conjuntura distinta (hipotecas subprime, por exemplo). Dessa forma, episódios de otimismo excessivo estimulam a entrada de devedores e de credores em processos de riscos crescentes. Os devedores, ávidos por acumular novos ativos em processo de valorização. Os credores, confiantes na realização de suas carteiras de empréstimos. Enfim, a euforia com a valorização crescente dos ativos atrofia a percepção dos riscos em um processo contraditório: por um lado, infla o valor da riqueza dos agentes e, por outro lado, impulsiona o endividamento e a alavancagem. A existência de inúmeros instrumentos (técnicas de hedge por meio de derivativos, derivativos de crédito e modelos de gestão de riscos) que pulverizam ou transferem diferentes riscos amplia ainda mais a capacidade de empréstimo dos agentes econômicos.

A valorização dos ativos leva os investidores a fornecer capitais de risco para financiar novas empresas e/ou setores, bem como expandir os existentes. As decisões de investimento produtivo reagem a esses estímulos e se aceleram, corroborando as expectativas de lucros crescentes que realimentam a euforia. O ciclo de ativos financeiros e a expansão creditícia resultam, então, em ciclo produtivo, com aceleração da taxa de investimento e de crescimento da economia.

Ao contrário, a deterioração das expectativas de parte importante dos agentes ocasiona queda abrupta no valor dos ativos, estoura uma bolha especulativa ou desencadeia um crash bursátil29. Fenômenos desencadeados por interações subjetivas entre os participantes do mercado, mediante a tomada de decisões estratégicas marcadas pelo mimetismo dos protagonistas, precariamente apoiadas em expectativas a respeito das expectativas dos demais, provocando comportamentos coletivos de contágio e pânico. As conseqüências macroeconômicas da desvalorização da riqueza financeira dependem do peso desses ativos no patrimônio dos agentes e, em escala internacional, da importância da economia atingida. Quedas de grande magnitude nos preços das ações e de outros ativos financeiros podem resultar em "efeito pobreza". Quando grande parte dos ganhos financeiros presumidos se evapora, a sensação de perda (e, portanto, de empobrecimento) provoca redução nos níveis de consumo e de investimentos dos agentes, com impactos macroeconômicos inversos ao "efeito riqueza", arrastando a economia para uma recessão. Nesse contexto, os agentes econômicos procuram aumentar sua poupança corrente para diminuir o grau de endividamento. Alguns investidores desmontam as operações altamente alavancadas, com repercussões nos preços dos ativos30.

Como sugere Belluzzo, as decisões capitalistas supõem a especulação permanente a respeito do futuro, o que envolve a contínua reavalização do presente. Tais decisões, intrinsecamente intertemporais, não têm bases firmes, isto é, não fundamentos que possam livrá-las da incerteza e da possibilidade do risco sistêmico. Apoiados em convenções e constrangidos pela concorrência, os detentores de riqueza são obrigados a tomar decisões que podem dar origem a situações de equilíbrio múltiplo ou a dinâmicas auto-referenciais que culminam na exuberância irracional, na decepção das expectativas e na desvalorização da riqueza31.

Assim, o desempenho do sistema econômico ficou condicionado pela dinâmica dos sistemas financeiros nacionais e internacional, alternando euforia e desilusão.

O peso dos ativos financeiros nos patrimônios e o "espírito de manada" dos investidores exacerbaram a intensidade da alternância entre períodos de otimismo e prosperidade, transformados em euforia e formação de bolhas especulativas, e fases de declínio dos preços dos ativos financeiros e das atividades produtivas. Tudo isso pode facilmente traduzir-se em crises financeiras com potenciais riscos sistêmicos e crashes com repercussões na economia mundial.

Após a crise dos países asiáticos entre 1997 e 1998, implementaram-se estratégias agressivas para obter saldos comerciais expressivos e acumulação de reservas, o que tem propiciado a adoção de políticas monetárias mais lassas, que favorecem a expansão do crédito doméstico, da produção e do emprego. A acumulação de reservas mediante saldos comerciais elevados e não-contratação de novas dívidas atende à demanda por liquidez em moeda forte e assegura a estabilidade da taxa de câmbio. As reservas dos países em desenvolvimento saltaram de US$ 700,6 bilhões em 1998 para US$ 3,6 trilhões em 2006, em grande parte aplicada em títulos do Tesouro Americano. Em dezembro de 2006, a China Continental acumulava reservas de US$ 1 trilhão e o conjunto dos países asiáticos, US$ 2,2 trilhões. Os exportadores de petróleo, US$ 706,5 bilhões.

Essa engrenagem, associada aos elevados estoques de riqueza financeira dos investidores institucionais (estimada em US$ 56,3 trilhões) em busca de maiores rendimentos (devidos às baixas taxas de juros reais de longo prazo nos países centrais), reduziu a aversão ao risco e ampliou a liquidez financeira internacional. Os capitais passaram a se mover entre as economias nacionais, na busca de oportunidades de arbitragem ou de ganhos especulativos, sempre a envolver apostas quanto aos movimentos de preços dos ativos denominados nas diferentes moedas.

Nesse contexto, expandiram-se as operações de carry trade tomada de recursos em uma moeda (iene, franco suíço etc.) com taxas de juros baixas para aplicar em diferentes ativos de risco pelo mundo afora , fomentando a estruturação de transações altamente alavancadas (como as leveraged buyouts realizadas por fundos de participação acionária, private equity funds) e alimentando o boom mobiliário, imobiliário e o consumo local em inúmeros países, favorecendo a recuperação da economia mundial com baixa inflação nos produtos manufaturados e nos serviços e a generalização da "inflação de ativos" (bônus, imóveis, commodities, petróleo, moedas, ações e empresas de países emergentes). A expressiva demanda chinesa e as baixas taxas de juros internacionais favoreceram a tomada de posições especulativas altistas nos mercados de commodities. O uso de diferentes instrumentos de transferência de risco de crédito, como os derivativos de crédito, permitiu o deslocamento dos riscos das carteiras dos bancos para os investidores institucionais.

Houve, portanto, uma ampliação crescente da interpenetração patrimonial entre as economias devedora (Estados Unidos) e credoras (Ásia em desenvolvimento, Europa, América Latina, exportadores de petróleo etc.). Por meio dos circuitos sucessivos de ativos, de crédito e de renda mantiveram-se as taxas de crescimento da economia, a liquidez global e a perpetuação dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos. Nesse contexto, as políticas monetárias e os arranjos cambiais têm conseguido promover a "fuga para frente"32. Todavia, não têm conseguido articular a reorganização dos mercados. Os bancos centrais, ao reduzir as taxas de juros e ampliar a oferta de crédito, abortam as crises financeiras, mas, atuando como emprestadores de última instância, criam as condições para a retomada do movimento ascendente da riqueza financeira em estruturas cada vez mais amplas e complexas. No auge dos ciclos expansivos, eles sobem as taxas de juros para conter a alavancagem, a "exuberância irracional", a "ganância infecciosa", e os ciclos se perpetuam. Essa é a dinâmica predominante de funcionamento do sistema financeiro e econômico global, a partir dos Estados Unidos, sem reorganizá-lo na direção de um novo ciclo virtuoso de expansão do produto e do emprego, com menor patamar de especulação financeira, como nos "anos dourados" (1947-73). Segundo Belluzzo: a reiteração de intervenções de última instância dos bancos centrais e a geração de déficits fiscais, ao aumentar a dívida pública de "boa qualidade", impedem a desvalorização da riqueza existente e ampliam o peso dos ativos financeiros na riqueza total. [...] Criou-se, na verdade, uma situação de moral hazard permanente, ou seja, um viés altista na psicologia dos investidores. Seja qual for a intensidade da flutuação da economia, as perdas devem ser limitadas. [...] O moral hazard estrutural tornou os bancos centrais reféns da garantia de liquidez, no caso de oscilações bruscas nos preços e suspeita de risco sistêmico33.

E nas palavras de Braga34: os bancos centrais e os tesouros tornaram-se reféns dos mercados, e assim permanecerão enquanto não mudar o padrão sistêmico de riqueza.

Não são as intervenções públicas para evitar catástrofes que insuflam as incorretamente denominadas bolhas. É o capitalismo financeiro atual que engendra uma instabilidade financeira estrutural.

[1] Sobre os fundos de riqueza soberana, ver Cagnin, Rafael F.; Cintra, Marcos Antonio M. & Farhi, Maryse. Fundos cambiais e estratégias de intervenção no mercado brasileiro de câmbio. São Paulo: Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), 2007.

[2] Para uma discussão mais geral sobre os ciclos financeiros, ver Coutinho, Luciano G. & Belluzzo, Luiz Gonzaga de M. "Desenvolvimento e estabilização sob finanças globalizadas". Economia e Sociedade, n. 7, 1996, pp. 129-54. Braga, José Carlos S. "Financeirização global: o padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo". In: Tavares, M.C. & Fiori, J.L. (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização.

Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242; Chesnais, François.

"Notes sur la portée et le cheminement de la crise financière". <http://netx.u- paris10._fr/actuelmarx/cm5/com/_MI5_Eco_Chesnais.pdf>. Acesso em 1/10/2007. Borio, Claudio e Lowe, Philip. "Asset prices, financial and monetary stability: exploring the nexus". BIS Working Papers, n. 114. Basle: Bank for International Settlements, 2002, Aglietta, Michel.

Macroeconomia financeira. 2 vols. São Paulo: Edições Loyola, 2004. Braga, José Carlos de S. & Cintra, Marcos Antonio M. "Finanças dolarizadas e capital financeiro: exasperação sob comando americano". In: Fiori, J. L. (org.). O poder americano. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 253-307. Aglietta, Michel & Rebérioux, Antoine. Corporate governance adrift: a critique of shareholder value. Cheltenham: Edward Elgar, 2005.

[3] Trata-se de operações de compra ou venda de ativos (ações, bônus, moedas etc.) realizadas por meio de computador, por especialista em arbitragem de índices ou investidores institucionais. A palavra "programa" refere-se aos programas de computador que monitoram constantemente os mercados de ações, futuros e opções, emitindo sinais de compra e venda quando oportunidade de lucros com arbitragem e quando as condições de mercado garantem acúmulo em carteira ou operações de liquidação.

[4] Em 1988, foi introduzido o sistema chamado circuit breaker para interromper temporariamente as operações com ações, índices futuros de ações, preços de securities, opções etc. quando o mercado recuasse até um determinado ponto, em um período específico (150 pontos em relação ao pregão anterior). O objetivo desses sistemas é evitar a queda livre do mercado e permitir reavaliação das ordens de compra e venda programadas de forma automática nos sistemas de computação.

[5] John K. Galbraith (1929: o colapso da Bolsa. São Paulo: Pioneira, [1954] 1988) descreve processos semelhantes de euforia em 1929 e 1987: "nos anos que antecederam a ambos os perí odos o mercado acionário vinha em crescente alta, aparentemente sem limite. Houvera interrupções, algumas delas consideradas preocupantes, mas tinham sido superadas. Influências subjacentes que afetavam os valores do mercado perspectivas de ganho, crescimento econômico geral, taxas de juro em perspectiva tinham em ambos os casos cedido lugar à crença de que o aumento de valores, por mais afastado que estivesse da realidade, continuaria. Os dissidentes ou céticos eram considerados alheios ao estado de espírito da época".

[6] Ver Kindleberger, Charles P. Manias, pânico e crashes: um histórico das crises financeiras. Porto Alegre: Ortiz/Gazeta Mercantil, 1992. Sobre isso Galbraith escreveu (op cit., p. 119): "em um determinado momento existe um rosário de desfalques não-descobertos, nas empresas e bancos do país ainda que não precisamente fora deles. Esses desfalques talvez melhor denominados desvios atingem, em qualquer instante, a muitos milhões de dólares. Seu montante varia de conformidade com o ciclo econômico. Em épocas de prosperidade todo mundo se sente tranqüilo, confiante, e dinheiro a rodo.

Mesmo, porém, com dinheiro abundante sempre quem precise de mais um pouco.

Nessas circunstâncias, o ritmo dos desfalques se acelera, o das descobertas se desacelera e o desvio aumenta rapidamente. Na depressão, tudo se inverte".

[7] "Uma bolha pode ser definida de modo pouco preciso como o aumento pronunciado do preço de um ativo ou gama de ativos em um processo contínuo, com o aumento inicial gerando expectativas de mais aumentos e atraindo novos compradores geralmente especuladores interessados em lucrar com sua negociação em vez de sua utilização ou de sua capacidade de gerar rendimento (ou dividendos). Em geral, esse aumento súbito é acompanhado por reversão das expectativas e queda acentuada do preço do ativo, resultando em crise financeira". Kindleberger, Charles. "Bubbles". In: Eatwell, J. & Milgate, M. (orgs.). The New Palgrave Dictionary of Money and Finance, 1992, p.199.

[8] Ver http://www.fibv.com.

[9] O ambiente de elevado crescimento econômico, com baixas taxas de inflação e de juros, possibilitou a redução do estoque de dívidas e a ampliação dos ativos financeiros das grandes corporações. Segundo estimativa do FMI (IMF. Global financial stability report. Washington: International Monetary Fund, abr. 2006.

Disponível em: http://www.imf.org), as empresas do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) detinham US$ 1,3 trilhão em caixa. As corporações americanas foram beneficiadas também por reduções de impostos, as maiores responsáveis pelo enxugamento das dívidas corporativas e acumulação de ativos financeiros, a partir de 2000.

[10] Government-Sponsored Enterprises (GSEs) são empresas privadas que contam com garantias implícitas do governo federal devido ao importante papel no funcionamento do mercado secundário de hipotecas nos Estados Unidos. As principais agências são Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e Federal Home Loan Mortgage Corporation (Freddie Mac).

[11] Ver Borio, C. & Lowe, P., op. cit.

[12] Ver Greenspan, Alan. "Testimony before the Committee on Banking, Housing and Urban Affairs". U.S. Senate, mar. 2002 (Disponível em http:// www.federalreserve.gov).

[13] Segundo The Economist ("Mercado de dívida apresenta a conta dos tempos de bonança" [republicado em Valor Econômico, 6/8/2007), no ambiente de euforia expandiram-se os empréstimos para clientes ninja ( sigla informal para a condição de no income, no job or assets, ou seja, pessoas sem renda, sem emprego ou patrimônio).

[14] Estima-se que 50% dos lucros das agências americanas de rating (Standard & Poor's e Moody's) tiveram origem nas notas emitidas aos CDOs e instrumentos financeiros semelhantes.

[15] IMF. Global financial stability report. Washington: International Monetary Fund, set. 2007 (Disponível em http://www.imf.org).

[16] Segundo The Economist, "'Pirâmide' das hipotecas subprime começa a ruir" (republicado no Valor Econômico, 12/3/2007): "Quase trê s dúzias de bancos quebraram ou foram vendidos nos últimos meses devido a empréstimos não recebidos. Pagamentos em atraso aumentaram de cerca de 7% no fim de 2003 para cerca de 12,6% no fim de 2006, segundo o Morgan Stanley. Em 2 de março, o Fremont General, um banco da Califórnia, anunciou que não vai mais operar com empréstimos subprime. Autoridades reguladoras o forçaram a isso.

[...] A General Motors, maior fabricante de automóveis do mundo, poderá ter de lançar no balanço uma despesa de quase US$ 1 bilhão para cobrir empréstimos imobiliários ruins de sua subsidiária Residential Capital, segundo o Lehman Brothers. O HSBC, maior banco da Europa, viu os custos de suas dívidas ruins subirem 36% para mais de US$ 10 bilhões em 2006, devido a empréstimos ruins".

Além disso, o aumento da inadimplência das hipotecas subprime (estimada em 13% do estoque) levou a saída dos hedge funds que vinham financiando parte dessas operações.

[17] Vale notar que as operações por meio de contratos flexíveis com os tomadores de risco mais elevado geralmente não se enquadram nos requisitos das agências (Fannie Mae, Freddie Mac, Ginnie Mae e FHA), por isso não contam com as garantias dessas instituições.

[18] Lucchesi, Cristiane P. "Injeção de liquidez soma US$ 3,2 tri'. Valor Econômico, 24/9/2007.

[19] Bernanke, Ben. "Subprime mortgage lending and mitigating foreclosures".

Testimony before the Committee on Financial Services, U.S. House of Representatives, 20/9/2007.

[20] Fisher, Irving. "The debt-deflation theory of Great Depressions" Econometrica, vol. 1. Menasha, Wisconsin: George Bauta Publishing Company, 1933, pp. 337-357.

[21] IMF, 2007.

[22] Parte dos asset-backed commercial paper (ABCP) não-rolados foi parar no balanço de bancos, que deram garantias para os papéis. O balanço do Citigroup no terceiro trimestre de 2007 trouxe lucro de US$ 2,38 bilhões, queda de 57% em relação ao mesmo período de 2006 (US$ 5,51 bilhões). As quedas nos títulos ancorados em hipotecas resultaram em perdas de US$ 1,56 bilhão. As operações de renda fixa, com alavancagem excessiva, impuseram prejuízo de US$ 636 milhões. A cotação das ações do Citigroup caiu 17% entre janeiro e outubro. Diante disso, o Citigroup, o Bank of America e o JP Morgan/Chase, com o estímulo do Tesouro e do Federal Reserve, criaram um fundo de US$ 75 bilhões, denominado Master Liquidity Enhancement Conduit, que tem sido chamado de SuperSIV. O fundo deverá adquirir papéis lastreados por hipotecas e evitar que as instituições com títulos invendáveis ou com valor de mercado abaixo do valor de face tenham de desfazer dos títulos a qualquer preço e de uma vez, registrando o prejuízo (decorrente das imprudências cometidas durante a farra do crédito imobiliário) nos balanços.

[23] Braga, op. cit.

[24] Os acionistas, livres da necessidade de supervisionar as operações rotineiras das empresas, se transformam em investidores especializados, cujo interesse precípuo é aplicar o capital e receber os dividendos ou lucrar com a valorização das ações.

[25] Aglietta, op. cit.

[26] A pressão concorrencial força a distribuição de dividendos mesmo nos anos em que houve uma queda acentuada dos lucros.

[27] Gentry, William M. & Hubbard, R. Glenn. "Fundamental tax reform and corporate financial policy", NBER Working Paper Series, n. 6433. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 1998.

[28] Segundo Antonio Carlos M. Silva ("Mais do mesmo em 2005: o zen e a reflexão econômica". Política Econômica em Foco, n. 6, Campinas: Centro de Conjuntura e Política Econômica/IE/Unicamp, mai.-out. 2005, p. 25): "a flexibilidade do mercado de financiamento imobiliá rio americano permite aos proprietários realizar a chamada equity extraction, tanto realizando ganhos de capital (mediante a venda a novos proprietários por um valor superior ao valor de aquisição) quanto antecipando ganhos de capital que se espera obter no futuro, mediante os chamados refinancing cash-outs (o proprietário contrata uma nova hipoteca, num valor superior ao de seu débito anterior amortizado em parte, ou referente a um valor de mercado inferior ao atual e embolsa a diferença) ou home equity loans (trata-se de um empréstimo adicional tomado pelo proprietário da casa hipotecada. O empréstimo é garantido pelo imóvel e em geral é remunerado por juros flutuantes, que têm por referência os retornos de títulos do Tesouro de dois ou cinco anos)". As operações de equity extraction seriam responsáveis por parte substancial do aumento na dívida hipotecária. Tais instrumentos transformaram as residências americanas em verdadeiros caixas eletrônicos. Para maiores informações, ver Cagnin, Cintra & Farhi, op. cit.

[29] Entende-se por crash bursátil uma queda tão acentuada dos preços das ações que tenha consideráveis efeitos sobre o sistema econômico. Em princípio, o crash das Bolsas de Valores diferenciar-se-ia do estouro de uma bolha especulativa nesse mercado por atingir ações cujos preços não estariam superavaliados ou em desacordo com os fundamentos econômicos.

[30] Segundo Galbraith (op. cit., p. 110): "a 'força da alavancagem', da qual se falara com tanta convicção e até com carinho uma quinzena antes, atuava agora completamente ao contrário".

[31] Belluzzo, Luiz Gonzaga de M. "A gênese das crises", Carta Capital, ano 13, n. 435, 14/3/2007, p. 36.

[32] Silva, Antonio Carlos M. "Fuga para a frente, rumo à fronteira final?".

Política Econômica em Foco, n. 5, Campinas: Centro de Conjuntura e Política Econômica/IE/Unicamp, nov. 2004- abr. 2005, pp.18-37.

[33] Belluzzo, op. cit., p. 37.

[34] Braga, "O big bank", Valor Econômico.


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