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BrBRHUHu0101-33002007000300010

BrBRHUHu0101-33002007000300010

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0101-3300
ano2007
Issue0003
Article number00010

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O Memorial de Aires e a Abolição

A presença apagada da Abolição no Memorial de Aires tem dado margem à idéia de que Machado de Assis, em seu último romance, não trata de questões histórico- sociais, mas apenas de aspectos da vida íntima e particular. Para alguns, o recolhimento da obra a um ambiente doméstico idealizado, aparentemente desprovido de contradição, assinala uma reconciliação bem-vinda do grande escritor com a vida: acima do mundo e de seus conflitos, pleno de sabedoria e indulgência, o romancista finalmente se compraz com as verdades simples e universais do amor, da bondade, da família. Outros viram no confinamento do universo ficcional aos assuntos privados de um pequeno grupo de ricos uma confirmação do suposto desinteresse de Machado pelo movimento abolicionista e pelo fim da escravidão. De um modo ou de outro, atacado ou reverenciado, o Memorial de Aires costuma ser visto como um livro que as costas à sociedade e à história2.

No entanto, tal juízo deixa de lado um dado fundamental da composição do romance, que desloca e reorganiza todos os demais: o narrador do Memorial de Aires é um narrador que está em situação. Conforme previne a "Advertência" ao leitor, o livro é um trecho de um diário íntimo encontrado após a morte de seu autor, um diplomata aposentado que tinha o hábito de registrar os acontecimentos que ocorriam à sua volta. Assim sendo, o narrador do Memorial não está fora ou acima do contexto narrativo posição tradicional do narrador realista , mas entre as personagens do romance, como uma delas. Sua perspectiva é limitada e parcial, o que naturalmente compromete a objetividade do discurso. Nesse quadro, o sentido da narração somente se completa quando se leva em consideração a fisionomia do narrador. Esta, por sua vez, deve ser apreendida a partir das relações que o narrador mantém com as demais personagens do livro. Inserido em um campo de interesses e conflitos, é na mediação desse campo que ele se especifica; sua lógica se completa através dos tipos sociais que lhe são complementares. Desse modo, para apreciar devidamente a prosa, o crítico deve ter sempre em vista a dramaturgia implícita na composição, o sistema social subjacente ao universo ficcional do romance3.

No Memorial de Aires, os tipos sociais representados pelas personagens pertencem todos, assim como o próprio narrador, à elite fluminense do final do Segundo Reinado: o fazendeiro do Vale do Paraíba, a filha do fazendeiro, o filho do comissário de café, o sócio de banco, o desembargador. Ao fundo apenas, como sombras, os libertos de Santa-Pia. Em relação aos outros romances de Machado de Assis, ressalta especialmente a ausência de homens livres não- proprietários, cuja situação complexa dentro da sociedade escravista o escritor vinha estudando atentamente desde suas primeiras obras4. No Memorial, nenhum agregado enredado nas malhas imprecisas do poder paternalista, nenhuma jovem bela e talentosa às voltas com as ambigüidades degradantes da cooptação. A ação transcorre sempre no interior da classe dominante ligada à Monarquia, uma classe que perdeu sua função e que se fecha sobre si mesma em seu momento terminal: a lavoura decai, o fazendeiro morre, o comissário encerra os negócios, o diplomata se aposenta. Paira uma atmosfera de desagregação final no ar quase irrespirável das salas de estar onde, em reuniões íntimas, as personagens tomam chá, jogam cartas, tocam piano, falam da Europa. Às vésperas da queda do Império, a sociedade elegante se volta sobre si e se estetiza, volatilizada na nostalgia e na música, vivendo e narrando sua própria existência de forma extra-histórica.

Isso posto, a feição social do diário íntimo do conselheiro Aires deve ser procurada principalmente no modo como ele se posiciona em relação a seus pares de classe. Nesse caso, o leitor perceberá que Aires, ao longo de todo o romance, procura abafar as infrações das personagens em relação a princípios que elas enfaticamente assumem como seus geralmente emprestados do repertório de ideais romântico-burgueses , como o amor eterno de Fidélia ou a vocação profissional e o apego à pátria de Tristão. Conforme se verá, uma das características essenciais do Memorial de Aires é o compromisso de classe do narrador, compromisso que todavia se revela plenamente nos comentários do conselheiro sobre situações em que as personagens estão associadas, de uma forma ou de outra, aos acontecimentos ligados à Abolição ou seja, quando a massa de ex-escravos, mesmo ausente, funciona como referência5.

Nesse sentido, as alusões aos fatos relacionados ao fim da escravidão são decisivas para que seja possível uma leitura crítica do livro, pois evitam que o romance realize por completo o recolhimento para o intérieur. Possibilitando a compreensão do quadro social em que a obra se situa, as menções à Abolição, apesar de raras, conferem sentido histórico ao confinamento do romance à esfera da vida privada, cuja lógica passa então a ser considerada no interior da lógica mais ampla de uma determinada formação social. Veja-se, por exemplo, o registro da primeira soirée do casal Aguiar, que acontece no dia da promulgação da Lei Áurea: Não alegria pública que valha uma boa alegria particular. Saí agora do Flamengo, fazendo esta reflexão, e vim escrevê-la, e mais o que lhe deu origem.

Era a primeira reunião do Aguiar; havia alguma gente e bastante animação. Rita não foi; fica-lhe longe e não para isto, mandou-me dizer. A alegria dos donos da casa era viva, a tal ponto que não a atribuí somente ao fato dos amigos juntos, mas também ao grande acontecimento do dia. Assim o disse por esta única palavra, que me pareceu expressiva, dita a brasileiros: Felicito-os.

sabia? perguntaram ambos.

Não entendi, não achei que responder. Que era que eu podia saber , para os felicitar, se não era o fato público? Chamei o melhor dos meus sorrisos de acordo e complacência, ele veio, espraiou-se, e esperei. Velho e velha disseram-me então rapidamente, dividindo as frases, que a carta viera dar-lhes grande prazer. Não sabendo que carta era nem de que pessoa, limitei-me a concordar: Naturalmente.

Tristão está em Lisboa concluiu Aguiar , tendo voltado pouco da Itália; está bem, muito bem.

Compreendi. Eis como, no meio do prazer geral, pode aparecer um particular, e dominá-lo. Não me enfadei com isso; ao contrário, achei-lhes razão, e gostei de os ver sinceros. Por fim, estimei que a carta do filho postiço viesse após anos de silêncio pagar-lhes a tristeza que deixou. Era devida a carta; como a liberdade dos escravos, ainda que tardia, chegava bem. Novamente os felicitei, com ar de quem sabia tudo6.

A prioridade dada por nossas elites aos assuntos particulares, em detrimento das questões públicas, interessou desde cedo a Machado de Assis. Em Iaiá Garcia, romance de 1878, Valéria Gomes, viúva de um desembargador honorário, manda seu filho à Guerra do Paraguai com o intuito de afastá-lo de uma mulher de classe inferior, por quem ele se diz apaixonado. Em Casa velha, novela de 1885, a onda de rebeliões locais do período regencial, que põe em perigo a unidade do Império, não desperta qualquer interesse em Dona Antônia, viúva de um ministro de Estado, diante da suspeita de um envolvimento entre seu filho e uma agregada. Analogamente, na cena do Memorial transcrita acima, perto de uma inesperada carta do filho postiço, é como se a Abolição não existisse para os Aguiar. Após um momento de surpresa, Aires não sem a ironia de quem acusa defendendo , procura normalizar a indiferença do casal Aguiar, de tal modo que ela acaba sendo coroada por uma máxima filosofante: "Não alegria pública que valha uma boa alegria particular". A frase é um bom exemplo da originalidade com que Machado de Assis se apropria da tradição européia, adaptando-a ao contexto brasileiro. No caso, o estilo dos moralistas franceses do século xviii, nas mãos de um representante das classes dirigentes do período imperial, funciona como ideologia, dando ares de universalidade à legitimação de uma conduta particularista, anti-social. O esforço para preservar a imagem da classe dominante, para justificar os comportamentos que podem comprometê-la, é constante nos comentários do conselheiro sobre as personagens e constitui, enquanto cumplicidade ativa do memorialista em relação a seus pares, o principal modo por que se manifesta, no Memorial de Aires, a feição social do narrador. Com efeito, Aires compartilha o desinteresse dos Aguiar pelo destino dos negros. Ao comentar a doação das terras de Santa-Pia aos libertos, ele se pergunta: "Poderão estes fazer a obra comum e corresponder à boa vontade da sinhá-moça? É outra questão, mas não se me de a ver ou não resolvida; muita outra cousa neste mundo mais interessante"7.

Mesmo quando o conselheiro demonstra simpatia pela Abolição, sua satisfação parece estar menos ligada à liberdade dos escravos do que à imagem do país portanto da classe dirigente diante das nações modernas: Dizem que, abertas as câmaras, aparecerá um projeto de lei. Venha, que é tempo. Ainda me lembra do que lia fora, a nosso respeito, por ocasião da famosa proclamação de Lincoln: "Eu, Abraão Lincoln, Presidente dos Estados Unidos da América...". Mais de um jornal fez alusão nominal ao Brasil, dizendo que restava agora que um povo cristão e último imitasse aquele e acabasse também com os seus escravos. Espero que hoje nos louvem8.

Preocupação semelhante demonstrava a nossa Câmara dos Deputados, ao comentar a Abolição na resposta de junho de 1888 à "Fala do Trono" da princesa regente: Consagramos [o princípio] da uniformidade da condição civil e eliminamos assim da legislação a única exceção repugnante com a base moral do direito pátrio, e com o espírito liberal das instituições modernas. Esse fato, que é testemunho do nosso adiantamento social e político, e que deve acrescentar a consideração que o Brasil merecia das nações civilizadas, foi ruidosamente aplaudido dentro e fora do Império9.

No Brasil, como é sabido, uma vez removida a mancha de atraso a escravidão que desmoralizava o país diante do mundo "civilizado", os ex-escravos foram abandonados à própria sorte. Nas prósperas fazendas do Oeste Paulista, o trabalhador negro foi substituído pelo imigrante, com boa redução de custos e aumento considerável de eficiência produtiva. Desde a década de 1870, a alta dos preços de escravos e a modernização das técnicas de beneficiamento do café haviam tornado o trabalho compulsório cada vez mais caro e improdutivo com relação ao trabalho livre10. A Abolição vinha libertar a nova oligarquia cafeeira de uma mão-de-obra excessivamente onerosa e mal adaptada às novas condições de produção. Por sua vez, as plantações de café do Vale do Paraíba como as do barão de Santa-Pia, no Memorial de Aires , em processo de esgotamento desde o início dos anos 1870, foram sendo progressivamente abandonadas pelos fazendeiros, que se dirigiram para os promissores campos de São Paulo ou para a Corte, em busca de cargos públicos. Em poucos meses, as terras, exaustas, tornaram-se pastos para gado, passando a exigir o mínimo de mão-de-obra. Com isso, os libertos que haviam permanecido nas fazendas se tornaram supérfluos e deixaram a região, sem ter para onde ir: "Os negros morriam de fome nos caminhos, não tinham onde morar, ninguém os queria, eram perseguidos", registrou Coelho Netto, escritor célebre no início do século xx, que viveu em Vassouras nos anos seguintes à Abolição11.

No Memorial de Aires, o dramático êxodo dos ex-escravos do Vale do Paraíba não recebe um comentário sequer do narrador. O fato é apenas ligeiramente mencionado pelo desembargador Campos, a partir de uma perspectiva que tende a ver os negros como ingratos e hipócritas em relação à antiga sinhá-moça: "Os libertos, apesar da amizade que lhe têm ou dizem ter, começaram a deixar o trabalho"12.

Machado de Assis não deixa de registrar, portanto, a saída dos ex-escravos das velhas zonas cafeeiras, mas o faz dentro do quadro da indiferença e da ideologia das elites, ou seja, sob a forma de uma breve e tendenciosa menção.

No Memorial de Aires, o absenteísmo da superfície guarda secretamente um surpreendente teor contra-ideológico: percebido pelo leitor o artifício da construção, que consiste basicamente em dar a palavra à classe dominante, o descaso pelos fatos ligados à emancipação dos escravos se revela um modo enfático de dar forma literária ao verdadeiro significado da Abolição. O afastamento apenas aparente em relação à história é um modo superior de historicização do romance, portanto um modo superior de realismo.

Vale retornar ainda uma vez ao significado histórico da Abolição. Conforme dito, promulgada a lei que extinguia a escravidão no Brasil, as elites deram por cumprida sua tarefa histórica. O movimento abolicionista se extinguiu. Na contramão de um comportamento historicamente responsável, os donos do poder eximiram-se de qualquer dever de assistência ou de proteção aos libertos: "Como a Abolição resultara mais do desejo de livrar o país dos inconvenientes da escravidão do que de emancipar o escravo, as camadas sociais dominantes não se ocuparam do negro e de sua integração na sociedade de classes"13.

No mesmo sentido, as atenções e os recursos do Estado destinaram-se a garantir, especialmente por meio de subsídios à imigração, que a mudança de regime de trabalho não causasse danos à lavoura cafeeira. Assim, depois da Abolição, a posição do negro deixou também de ser matéria política. Nenhuma medida pública foi tomada no sentido de assistir o ex-escravo na transição para o trabalho livre, de prepará-lo para viver em uma ordem social na qual ele ingressava com enorme desvantagem, sem condições técnicas e psíquicas para concorrer com o imigrante no novo mercado de trabalho: "O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva"14.

Sem ter como enfrentar a nova situação, o negro permaneceu às margens da sociedade, em uma situação de ignorância e miséria comparável à dos tempos da escravidão. Trágica inversão de sentido, a Abolição não promoveu a incorporação dos ex-escravos à sociedade, mas representou, justamente, o momento supremo de sua derrelição. Por sua vez, a velha estrutura econômica dos tempos coloniais, assentada na produção extensiva de gêneros tropicais destinados à exportação, não apenas sobreviveu à Abolição, como atingiu seu auge nas três décadas posteriores15. A própria escravidão fora extinta, em certa medida, porque travava o crescimento da lavoura cafeeira paulista: "O ritmo de desenvolvimento do país acelerou-se. Removidos os entraves à entrada de imigrantes, eles afluíram em grande número para as zonas mais novas. Atendiam-se assim às necessidades da lavoura em expansão"16.

A abolição da escravatura teve entre nós, portanto, o caráter contraditório de uma modernização conservadora. O progresso que ela representou esteve essencialmente vinculado à reposição do atraso que ela, a princípio, deveria liquidar. Com isso, o 13 de Maio reproduzia uma espécie de ritmo fundamental de nossa história17, de que a Independência foi o momento paradigmático, ao reatualizar os elementos fundamentais do antigo sistema colonial (monarquia, latifúndio e escravidão) nos quadros de uma nova conjuntura local (nação livre) e mundial (crise do Ancien Régime e consolidação do liberalismo)18.

Machado de Assis percebeu cedo que o fim do escravismo não traria liberdade verdadeira aos ex-escravos e que as velhas estruturas econômico-sociais, com algum rearranjo, sobreviveriam à Abolição. Conforme demonstra o trabalho de Roberto Schwarz, uma decepção dessa ordem remonta aos anos 1878-1880, quando Machado abandona tanto a esperança de uma reforma interna do paternalismo que animara seus primeiros romances , como a perspectiva da possibilidade de superação das relações de dependência por meio do trabalho livre insinuada no final de Iaiá Garcia , passando a explorar, a partir das Memórias póstumas de Brás Cubas, sem mais qualquer tipo de freio ideológico, as virtualidades retrógradas do progresso no país19.

Dez anos mais tarde, em 1888, quase um mês antes da aprovação da Lei Áurea, Machado iniciaria na Gazeta de Notícias uma série de crônicas que duraria até pouco antes da proclamação da República. Compostas no calor da hora, elas revelam o extraordinário discernimento histórico-social do escritor, que expunha, na contracorrente do otimismo abolicionista, seu profundo ceticismo com relação aos efeitos da mudança de regime de trabalho20. Sempre com muita ironia, Machado desmascara as alforrias de última hora, desmistifica os principais nomes políticos ligados à elaboração e à aprovação da lei, inclusive o da regente, e prevê o advento de uma república oligárquica e branca tão branca, ele adverte, quanto a república escravista da Confederação do Sul dos Estados Unidos.

Naquela que talvez seja a melhor crônica da série, publicada uma semana depois da Abolição, o escritor a palavra a um proprietário e senhor de escravos, estratégia que empregara nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Percebendo que a Abolição era inevitável, o cronista fictício decide alforriar seu escravo doméstico. Prepara, então, um grande banquete para muitos convidados, e concede a liberdade ao negro no meio do jantar. Na manhã seguinte, oferece ao liberto um salário irrisório, para que continue a servi-lo e não embora ressaltando, porém, que agora ele pode recusar a proposta e partir para onde bem entender. O negro, que não tem para onde ir, aceita de bom grado o salário e muito mais: Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para , tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes de abolição legal, eu em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras21.

Criando um cronista particularmente descarado o que potencializa o efeito da crítica social , Machado deixa claro que a Abolição não modificara a situação do negro, que esta era apenas um avatar da escravidão. Não diminuíra a possibilidade de abuso da classe dominante, e a idéia de que o ex-escravo pudesse ter acesso aos bens da sociedade não passava de uma mentira forjada pela elite em benefício de si mesma. Aos olhos de Machado de Assis, a libertação dos escravos no Brasil era uma grande farsa22.

Por outras razões, também no Memorial de Aires um proprietário decide alforriar seus escravos às vésperas da Abolição. O barão de Santa-Pia, provavelmente o fazendeiro mais representativo de toda a obra de Machado de Assis23, pertence à oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba, que permaneceu até o fim contrária à emancipação. Para esse setor da classe dominante, a Lei Áurea não significava apenas uma perda patrimonial considerável24, mas também uma violação inaceitável do poder senhorial. Libertar os próprios escravos, antes que o governo o fizesse, era uma questão de honra, o último recurso de que dispunha o proprietário para garantir a força simbólica do domínio absoluto sobre sua propriedade: "O que era seu era somente seu", escreve Aires, transpondo o raciocínio do barão25. Visceralmente ligado ao escravismo, Santa-Pia morre pouco depois da Abolição, sua morte simbolizando, no universo do romance, a derrocada da lavoura cafeeira fluminense. Não obstante, morreu invicto, ao fazer da liberdade de seus escravos uma concessão sua, não o resultado de uma interferência ultrajante e desmoralizadora26. Ao ser indagado sobre os motivos que o levavam a libertar os próprios cativos, uma vez que condenava a idéia atribuída ao governo de decretar a abolição, o barão responde: " Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma exploração, por intervir no exercício de um direito que pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso"27.

A explicação não poderia ser mais cristalina. Todavia, Aires a descreve, não sem uma dose de ironia e outra de cinismo como quase insondável: "Não sei se subtil, se profunda, se ambas as cousas ou nada"28. Ora, não sutileza nas palavras de Santa-Pia, tampouco profundidade: sem rodeios, o barão defende a inviolabilidade de seu poder sobre sua propriedade humana. No entanto, o conselheiro se faz de desentendido: "Será a certeza da abolição que impele Santa-Pia a praticar esse ato, anterior de algumas semanas ou meses ao outro?"29. Com a pergunta, na qual talvez se encontre a sombra de uma nota mordaz, Aires omite qualquer forma de crítica explícita ao conservadorismo renitente do barão. Entre irônico e obscurantista, o conselheiro as mãos ao colega, e pisca um olho para o leitor.

Voltando à alforria concedida por Santa-Pia, suas implicações conservadoras não se esgotam na afirmação da visão senhorial de mundo. Como concessão, a alforria estigmatiza a liberdade do ex-escravo com a marca da propriedade do antigo senhor, a quem segundo a ideologia dos proprietários o liberto deve corresponder com eterna gratidão. No plano das representações, a alforria funciona como perpetuação dos vínculos da escravidão, que acabam sendo preservados também na prática pelo menos, assim esperam os senhores. No Memorial de Aires, o futuro é o passado estendido ao infinito: " Estou certo que poucos deles deixarão a fazenda; a maior parte ficará comigo, ganhando o salário que lhes vou marcar, e alguns até sem nada"30.

Com efeito, após a morte do barão, cinco semanas depois da Abolição, Fidélia escreve aos Aguiar contando que os libertos continuam vivendo e trabalhando na fazenda. "Por amor da sinhá-moça", afirma Tristão31. "Livres com a mesma afeição de escravos", escreve o conselheiro Aires, nos termos da ideologia de sua classe32. A idéia de que os cativos tinham carinho por seus proprietários integrava o mito da escravidão amena no Brasil, forjado por nossas elites para disfarçar sua própria barbárie. "Ele é bom senhor, eles bons escravos", assegura Fidélia ao conselheiro, referindo-se ao pai e aos cativos de Santa- Pia. Sabe-se que o Império realizou grandes esforços no sentido de criar na Europa uma imagem idealizada da escravidão no Brasil, pintando com cores suaves as relações entre os senhores e os escravos daqui. Em grande parte, o trabalho de tecer um lindo véu que escondesse as iniqüidades do escravismo ficava a cargo da imprensa paga pelo governo, da literatura dos viajantes e dos representantes da Coroa no exterior33. Diplomata de carreira, o conselheiro Aires pertencia à linha de frente dessa empreitada ideológica internacional. Na posição de agente da Monarquia brasileira, procurava disfarçar no estrangeiro as misérias do país34. Em sentido análogo, no Memorial, o conselheiro sugere que os ex-escravos de Santa-Pia continuam trabalhando para a antiga sinhá-moça por dileção: "Livres com a mesma afeição de escravos".

Sabemos que a realidade era outra. Sem ter para onde ir, pois não conseguiam competir com os imigrantes nas zonas rurais mais prósperas, precisando desesperadamente de dinheiro para alimentar, hospedar e vestir a si mesmos e a suas famílias, parte dos libertos do Vale do Paraíba permaneceu nas plantações ou retornou a elas após alguns dias de festa e perambulação pelas estradas: aceitavam qualquer quantia como remuneração adequada de seu serviço; trabalhavam, como nos tempos de cativeiro, do nascer ao pôr do sol, sempre sob vigilância armada; e continuaram morando nos velhos alojamentos, as senzalas, agora chamados "dormitórios dos camaradas". O desamparo completo aguardava os ex-escravos do lado de fora da fazenda. Nesse quadro, apegar-se ao antigo senhor era um recurso para sobreviver, não uma opção afetiva, como sugere o conselheiro. Ao comentar a reação dos libertos à informação de que Fidélia pretende vender Santa-Pia, Aires chega a afirmar que os ex-escravos se agarram à viúva por causa de seu charme: Fidélia chega da Paraíba do Sul no dia 15 ou 16. Parece que os libertos vão ficar tristes; sabendo que ela transfere a fazenda pediram-lhe que não, que a não vendesse, ou que os trouxesse a todos consigo. Eis o que é ser formosa e ter o dom de cativar. Desse outro cativeiro não cartas nem leis que libertem; são vínculos perpétuos e divinos. Tinha graça vê-la chegar à Corte com os libertos atrás de si, e para quê, e como sustentá-los? Custou-lhe muito fazer entender aos pobres sujeitos que eles precisam trabalhar, e aqui não teria onde os empregar logo. Prometeu-lhes, sim, não os esquecer, e, caso não torne à roça, recomendá-los ao novo dono da propriedade35.

Antes de tudo, note-se que a ironia do conselheiro se expõe mais do que o habitual nessa passagem, aproximando-se da desfaçatez característica da prosa de Brás Cubas. Aires se torna mais explicitamente perverso justamente no momento em que registra a derrelição na qual foram lançados os ex-escravos após a Abolição. Por um lado, ele conselheiro omite as causas reais dos pedidos que os libertos fazem a Fidélia. Por outro, ironiza, com um trocadilho maldoso (cativar-cativeiro), a situação dramática dos ex-escravos, que não tinham condições econômicas e culturais para enfrentar sozinhos a nova situação em que se encontravam. A duplicidade do conselheiro encerra sempre em si um elemento de cinismo, que convida o leitor menos ingênuo a uma espécie de cumplicidade acanalhada.

Importa notar no movimento da prosa do trecho acima uma espécie de vaivém ideológico, próprio da classe dominante brasileira do Oitocentos. Valendo-se do ideário paternalista, a elite não deixa escapar a oportunidade de transformar cinicamente um crime histórico, de que é autora a escravidão e seu legado , em motivo de enaltecimento de si mesma: "Eis o que é ser formosa e ter o dom de cativar". Estamos no universo das relações de cunho pessoal, dos vínculos de trabalho permeados pelo favor e teoricamente pelo afeto. Ora, justamente pela manutenção desses laços tradicionais, os ex-escravos, sem outra saída à vista, fazem um apelo desesperado à antiga sinhá: "Sabendo que ela transfere a fazenda pediram-lhe que não, que a não vendesse, ou que os trouxesse a todos consigo". Todavia, quando se trata de corresponder à suposta afeição dos negros, os parâmetros do paternalismo não valem. O modelo passa a ser o das relações contratuais e impessoais, próprias da ordem burguesa. "Para quê?", pergunta o conselheiro, agora nos termos do utilitarismo moderno, ao cogitar da hipótese de a viúva levar os ex-escravos para a Corte consigo. No mesmo espírito, Fidélia não atende ao rogo dos libertos e se desobriga de qualquer responsabilidade por seus destinos: "Custou-lhe muito fazer entender aos pobres sujeitos que eles precisam trabalhar, e aqui não teria onde os empregar logo".

Adotados conforme convém, o critério paternalista e o critério liberal alternam-se quase que a cada frase. O revezamento de medidas permite que a classe dominante goze de auto-imagens queridas, que remontam ao período colonial, sem ter de arcar com a proteção dos antigos cativos, de que a ideologia burguesa a libera. Assim, a sinhá-moça amada por seus ex-escravos deles se despede à maneira de um patrão moderno: "Prometeu-lhes, sim, não os esquecer, e, caso não torne à roça, recomendá-los ao novo dono da propriedade".

A dualidade de registros está ligada à ambivalência ideológica facultada às elites brasileiras pelo estatuto de meia vigência que as idéias burguesas tinham na sociedade escravista36 ambivalência que era reatualizada, na visão de Machado de Assis, por ocasião da Abolição, quando a classe dominante, sem abandonar a figura de mãe generosa que fazia de si mesma, abandonava os ex- escravos à própria sorte.

Enquanto experiência da classe dominante, a alternância entre ideologia paternalista e ideologia burguesa não se restringe, no Memorial, ao trecho comentado acima, tampouco às personagens nele envolvidas. Tristão a expõe em uma fala curtíssima, quando sugere à noiva que doe a fazenda aos libertos: "Uma vez que os libertos conservam a enxada por amor da sinhá-moça, que impedia que ela pegasse da fazenda e a desse aos seus cativos antigos? Eles que a trabalhem para si"37.

Sem prejuízo do ranço ideológico, de Tristão parece ser uma demonstração de consciência social e desprendimento material. Todavia, o leitor tem bons motivos para desconfiar do rasgo de filantropia do rapaz. Conforme dito, as plantações de café do Vale do Paraíba, em processo de esgotamento desde a década de 1870, produziam muito pouco no momento em que Tristão propõe a doação de Santa-Pia. Em média, uma fazenda na região valia em 1889 cerca de 10% do que valia em 186038. À vista disso, aqueles que podiam largavam as terras cansadas.

Ora, Fidélia e Tristão "não precisam do valor da fazenda", pois a viúva herdou do pai "uns trezentos contos"39. Nesse quadro, tanto o benefício que a doação representa para os libertos, dado o estado de exaustão das terras, como o prejuízo que ela representa para Tristão, dada a riqueza da noiva, são muito pequenos. A doação de Santa-Pia parece ser menos uma ajuda aos ex-escravos que um meio de se desfazer de um latifúndio imprestável, com ganho de reputação. A súbita, desconcertante mudança de tom na última frase de Tristão parece confirmar tais suspeitas: "Eles que a trabalhem para si". No Memorial, a irresponsabilidade social do burguês, fundada na idéia da igualdade de condições dos indivíduos, serve às personagens para justificar o abandono dos ex-escravos em uma ordem na qual estes dispunham de meios para sobreviver por si mesmos. Desse modo, de acordo com a ideologia dos proprietários, a doação da fazenda eximiria os noivos de qualquer outra obrigação com relação aos ex- escravos, sobre os quais então recai a responsabilidade por seu próprio estado: " se foi Santa-Pia para os libertos, que a receberão provavelmente com danças e com lágrimas; mas também pode ser que esta responsabilidade nova ou primeira..."40.

Nas reticências do conselheiro está a realidade que ele oblitera, sem deixar de insinuar: os libertos nada poderão fazer com a fazenda que lhes foi dada. Sem capital, sem hábito de autonomia, de que maneira os negros poderiam fazer prosperar terras exaustas, plantações que os próprios fazendeiros, amparados por vultosos empréstimos bancários, não conseguiam tornar produtivas? Aires omite essa evidência, interrompendo a reflexão mas não sem deixar a idéia pairando no ar, o que é um modo de a sugerir... Solidário de sua classe, o conselheiro costuma entretanto indicar, sob o véu tecido com as palavras, os atos inconfessáveis ou indecorosos de seus pares, encobrindo e sugerindo no mesmo gesto as verdades constrangedoras da elite de seu tempo. Todavia, a ironia sutil, que insinua e não desvela, é menos uma denúncia que uma desfaçatez sofisticadíssima, na medida em que não evolui para uma crítica explícita, mas se realiza por meio de velaturas, de modo que o resultado é o obscurecimento da realidade. Em outra passagem, ainda comentando a doação de Santa-Pia aos libertos, Aires faz a pergunta certa, mas de tal maneira que ela não o é de fato: "Poderão estes fazer a obra comum e corresponder à boa vontade da sinhá-moça?"41.

Digno sucessor do Casmurro, na intenção como no engenho, o conselheiro subtrai a verdade dos fatos no e pelo movimento mesmo de sua falsa perquirição. Ele dissimula fazendo as vezes de uma consciência vigilante, que observa atentamente o comportamento das personagens, pronta a surpreender suas motivações ocultas. Inferências, hipóteses, ênfases e relativizações compõem, entre outros meios, uma espécie de aparelho investigativo que o narrador utiliza com o propósito de desencaminhar o leitor, impelindo-o na direção contrária, portanto, de uma genuína apuração da realidade. Em outros termos, Aires é parcial valendo-se dos procedimentos próprios da imparcialidade: O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio. Tudo é que o dono tenha um lampejo de imaginação42.

Sempre me sucedeu apreciar a maneira por que os caracteres se exprimem e se compõem, e muita vez não me desgosta o arranjo dos próprios fatos. Gosto de ver e antever, e também de concluir43.

Conforme visto, essa parcialidade do conselheiro vincula-se a uma conivência de classe: Aires encobre a indiferença dos Aguiar pela Abolição, a demonstração crua de poder do barão de Santa-Pia, o abandono dos libertos por Fidélia, o significado real da doação da fazenda proposta por Tristão. Nesse caso, o estudo da presença discreta da Abolição no Memorial praticamente restrita às passagens comentadas acima deve sempre levar em conta a solidariedade de Aires aos proprietários, porquanto ele é o próprio narrador do romance. A cumplicidade ativa do conselheiro, o caráter socialmente interessado de sua prosa, é uma mediação incontornável para o crítico. Incontornável e decisiva, pois leva à subversão da leitura tradicional do romance. Sobretudo, revela que o Memorial de Aires não é uma obra alheia à história, muito pelo contrário. Por meio da adoção do ponto de vista da classe dominante mas de maneira tal que ele pode ser criticado , a representação da sociedade passa a incluir não apenas a matéria narrada, mas também a narração, estendendo-se, por isso mesmo, à relação com o leitor. Ao incorporar as idéias dos proprietários de seu tempo ao discurso literário, Machado de Assis faz da leitura do romance uma experiência histórica concreta. Para compreender o livro, o leitor tem de aprender a questionar o discurso narrativo, portanto a contestar a ideologia das elites o que implica não concordar, no caso do Memorial, com a versão oficial da Abolição. Enquanto o conselheiro Aires tenta suprimir o juízo autônomo do leitor, Machado de Assis procura criar um leitor independente.

Assim como nas Memórias póstumas de Brás Cubas, o artifício desafia o leitor em toda linha: ensina-o a pensar com a própria cabeça; a discutir não apenas os assuntos, mas também sua apresentação; a considerar com distância os narradores e as autoridades, que são sempre parte interessada, mesmo quando bem- falantes; a duvidar do compromisso civilizador e nacional dos privilegiados, em particular nos países novos, onde essa pretensão tem grande papel44.

Por outro lado, quando esposa o obscurantismo do conselheiro, a crítica contribui, de uma forma ou de outra, à preservação de privilégios de classe que persistem até hoje, ligeiramente modificados ou não. Nesse sentido, a leitura do Memorial de Aires nunca é ideologicamente neutra.

Finalmente, observe-se que a estratégia machadiana está essencialmente ligada à compreensão de que o processo de emancipação dos escravos reatualizava nosso ritmo histórico singular, pautado pela modernização conservadora, a mudança que evita a mudança: "Em 1888 o impulso que os acontecimentos haviam tomado era tal que, de duas, uma: ou revolução ou abolição", escreveu significativamente um historiador monarquista45. A presença apagada da Abolição no Memorial de Aires, arquitetada por Machado de Assis a partir de uma perspectiva crítica, vincula- se à percepção dessa realidade contraditória, em que o que deveria representar uma transformação profunda vem servir, justamente, à manutenção do estado de coisas. Assim, visto que o 13 de Maio não afetou substancialmente as elites, nada mais realista que a indiferença do narrador e das personagens pelos acontecimentos ligados ao fim da escravidão. Em virtude da peculiaridade da matéria histórica e da maestria do romancista, o apagamento da Abolição potencializa sua presença. Na contramão da retórica abolicionista que Raymundo Faoro considerava precursora do populismo brasileiro46 , Machado de Assis denunciou, a seu modo, com rara lucidez, a farsa da Abolição, cujo significado profundo ele compreendeu e dramatizou em seu último romance.

[1] Este artigo é o desenvolvimento de parte de um trabalho mais amplo, intitulado As formas da traição: literatura e sociedade no Memorial de Aires, de Machado de Assis (dissertação de mestrado em Literatura Brasileira). São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2005.

[2] A exceção, que confirma a regra, é o brilhante ensaio que John Gledson escreveu sobre o Memorial. Gledson, John. "Memorial de Aires". In: Machado de Assis: ficção e história. São Paulo: Paz e Terra, 1986, pp. 215-55.

[3] Schwarz, Roberto. Seqüências brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 227-34; Idem. Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 12-5. Ver também "Machado de Assis: um debate (conversa com Roberto Schwarz)". Novos Estudos CEBRAP, 29, São Paulo, 1991, p. 73.

[4] Schwarz, Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 2000, pp. 83-231.

[5] "Uma camada social se define em relação a outra." Novais, Fernando A. "A evolução da sociedade brasileira: alguns aspectos do processo histórico da formação social do Brasil". In: Aproximações. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p.

146.

[6] Assis, Machado de. Memorial de Aires. In: "Edições Críticas de Obras de Machado de Assis". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977 [1908], §§ 246- 52.

[7] Ibidem, § 1057.

[8] Ibidem, § 237.

[9] Apud Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004, p. 15.

[10] "O custo de manutenção do arcaísmo tornara-se elevado demais em comparação ao custo de gestão da mão-de-obra imigrada". Alencastro, Luiz Felipe de. "Vida privada e ordem privada no Império". In: História da vida privada no Brasil, vol 2. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 93. Ver também Costa, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos.

São Paulo: UNESP, 1998, pp. 315-27.

[11] Netto, Coelho. Banzo. Porto: Lello & Irmão, 1927, p. 26. Para uma exposição minuciosa do processo de decadência da lavoura cafeeira do Vale do Paraíba, ver Stein, Stanley. Vassouras, a Brazilian coffee county, 1850-1900. Princeton: Princeton University Press, 1985, pp. 213-90.

[12] Assis, Memorial de Aires, § 643.

[13] Costa, op. cit., p. 341.

[14] Fernandes, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1964, p. 3.

[15] Prado Jr., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2002, pp. 207-18.

[16] Costa, op. cit., p. 340.

[17] Pasta Jr., José Antonio e Penjon, Jacqueline. "Le rythme singulier d'une formation historique". In: Littérature et modernisation au Brésil. Paris: Presse Sorbonne Nouvelle, 2004, pp. 6-12.

[18] Novais, "Passagens para o Novo Mundo", op. cit., pp. 183-94; Alencastro, "La traite négrière et l'unité nationale brésilienne" . Revue Française d'Histoire d'Outre-Mer, LXVI, 1979, 244-245; Costa, op.

cit., pp. 49-60.

[19] Schwarz, Ao vencedor as batatas, op. cit. ; Idem. Um mestre na periferia do capitalismo. São Paulo: Duas Cidades, 2000. Uma síntese desses dois livros encontra-se no ensaio, do próprio autor, "A viravolta machadiana". Novos Estudos CEBRAP, 69, São Paulo, jul.

2004, pp. 15-34.

[20] Ver, em especial, as crônicas de 5 de abril, 4 de maio, 11 de maio, 19 de maio, 10 de junho, 26 de junho e 28 de outubro, todas de 1888, e a crônica de 7 de junho de 1889. Assis, Obra completa, vol. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1992, pp. 485-503, 524-6. Ver também as crônicas, que não constam na edição Aguilar, de 27 de abril e 27 de maio de 1888. In: Diálogos e reflexões de um relojoeiro (ed. Raymundo Magalhães Júnior). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1956, pp. 73-4, 92-4. Para uma ótima apreciação do conjunto da série, ver Gledson, "Bons Dias!", op. cit., pp. 114- 60.

[21] Assis, Bons dias!, "19 de maio de 1888". In: Obra completa, vol. III, pp.

490-1.

[22] Para uma interpretação da mesma crônica em sentido relativamente diverso, ver Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 95-102.

[23] Faoro, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Globo, 2001, pp. 38-9. Sobre o mundo dos fazendeiros de café do Vale do Paraíba, ver Franco, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: UNESP, 1997, pp. 167-233.

[24] Na virada dos anos 1870-1880, os escravos constituíam a parte principal do valor das fazendas de café do Vale do Paraíba e normalmente serviam de garantia, por sua maior liquidez em relação às terras esgotadas, aos empréstimos bancários a que recorriam com freqüência os fazendeiros da região, em franca decadência na época. Stein, op. cit., p. 246. Além disso, o estilo de produção das fazendas do Vale técnicas rudimentares, grande quantidade e preços baixos , tornava o trabalho forçado um elemento essencial para a viabilidade do negócio. Ver Franco, op. cit., pp. 226-33.

[25] Assis, Memorial de Aires, § 225. Para uma refutação brasileira da época, ver o libelo do jovem Joaquim Nabuco, A escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 [1869], pp. 6-9, 44-55.

[26] "Os sujeitos do poder senhorial concedem, controlam uma espécie de economia de favores, nunca cedem a pressões ou reconhecem direitos adquiridos em lutas sociais". Chalhoub, Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 60.

[27] Assis, Memorial de Aires, § 223.

[28] Ibidem, § 222.

[29] Ibidem, § 224.

[30] Ibidem, § 227.

[31] Ibidem, § 1054.

[32] Ibidem, § 373.

[33] Costa, Da senzala à colônia. São Paulo: UNESP, 1997, pp. 335-6.

[34] A respeito de Aires, lê-se em Esaú e Jacó: "Tinha particular amor à sua terra [...]. Não atribuía a esta tantas calamidades. A febre amarela, por exemplo, à força de a desmentir fora, perdeu-lhe a [...]". Assis, Esaú e Jacob. In: "Edições Críticas de Obras de Machado de Assis". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977 [1904], § 386.

[35] Idem, Memorial de Aires, § 450.

[36] Schwarz, "As idéias fora do lugar". In: Ao vencedor as batatas, pp. 11-31; Costa, "Liberalismo: teoria e prática". In: Da Monarquia à República, pp. 131-68.

[37] Assis, Memorial de Aires, § 1054.

[38] Stein, op. cit., p. 247.

[39] Assis, Memorial de Aires, §§ 1057 e 334. Em 1888, a Fazenda Taboões, uma das mais antigas do Vale, valia cerca de 27 contos. Stein, op. cit., p. 247.

[40] Assis, Memorial de Aires, § 1065.

[41] Ibidem, § 1057.

[42] Idem, Esaú e Jacob, § 512.

[43] Idem, Memorial de Aires, § 725.

[44] Schwarz, "A viravolta machadiana", cit., p. 32.

[45] Lyra, Heitor. História de Dom Pedro II, 1825-1891, vol. III - Declínio: 1880-1891. Belo Horizonte: Itatiaia, 1977, p. 28.

[46] Faoro, Raymundo. Os donos do poder, vol. II. Porto Alegre/São Paulo: Globo/Edusp, 1975, p. 453.


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