O Memorial de Aires e a Abolição
A presença apagada da Abolição no Memorial de Aires tem dado margem à idéia de
que Machado de Assis, em seu último romance, não trata de questões histórico-
sociais, mas apenas de aspectos da vida íntima e particular. Para alguns, o
recolhimento da obra a um ambiente doméstico idealizado, aparentemente
desprovido de contradição, assinala uma reconciliação bem-vinda do grande
escritor com a vida: acima do mundo e de seus conflitos, pleno de sabedoria e
indulgência, o romancista finalmente se compraz com as verdades simples e
universais do amor, da bondade, da família. Outros viram no confinamento do
universo ficcional aos assuntos privados de um pequeno grupo de ricos uma
confirmação do suposto desinteresse de Machado pelo movimento abolicionista e
pelo fim da escravidão. De um modo ou de outro, atacado ou reverenciado, o
Memorial de Aires costuma ser visto como um livro que dá as costas à sociedade
e à história2.
No entanto, tal juízo deixa de lado um dado fundamental da composição do
romance, que desloca e reorganiza todos os demais: o narrador do Memorial de
Aires é um narrador que está em situação. Conforme previne a "Advertência" ao
leitor, o livro é um trecho de um diário íntimo encontrado após a morte de seu
autor, um diplomata aposentado que tinha o hábito de registrar os
acontecimentos que ocorriam à sua volta. Assim sendo, o narrador do Memorial
não está fora ou acima do contexto narrativo posição tradicional do narrador
realista , mas entre as personagens do romance, como uma delas. Sua
perspectiva é limitada e parcial, o que naturalmente compromete a objetividade
do discurso. Nesse quadro, o sentido da narração somente se completa quando se
leva em consideração a fisionomia do narrador. Esta, por sua vez, deve ser
apreendida a partir das relações que o narrador mantém com as demais
personagens do livro. Inserido em um campo de interesses e conflitos, é na
mediação desse campo que ele se especifica; sua lógica só se completa através
dos tipos sociais que lhe são complementares. Desse modo, para apreciar
devidamente a prosa, o crítico deve ter sempre em vista a dramaturgia implícita
na composição, o sistema social subjacente ao universo ficcional do romance3.
No Memorial de Aires, os tipos sociais representados pelas personagens
pertencem todos, assim como o próprio narrador, à elite fluminense do final do
Segundo Reinado: o fazendeiro do Vale do Paraíba, a filha do fazendeiro, o
filho do comissário de café, o sócio de banco, o desembargador. Ao fundo
apenas, como sombras, os libertos de Santa-Pia. Em relação aos outros romances
de Machado de Assis, ressalta especialmente a ausência de homens livres não-
proprietários, cuja situação complexa dentro da sociedade escravista o escritor
vinha estudando atentamente desde suas primeiras obras4. No Memorial, nenhum
agregado enredado nas malhas imprecisas do poder paternalista, nenhuma jovem
bela e talentosa às voltas com as ambigüidades degradantes da cooptação. A ação
transcorre sempre no interior da classe dominante ligada à Monarquia, uma
classe que perdeu sua função e que se fecha sobre si mesma em seu momento
terminal: a lavoura decai, o fazendeiro morre, o comissário encerra os
negócios, o diplomata se aposenta. Paira uma atmosfera de desagregação final no
ar quase irrespirável das salas de estar onde, em reuniões íntimas, as
personagens tomam chá, jogam cartas, tocam piano, falam da Europa. Às vésperas
da queda do Império, a sociedade elegante se volta sobre si e se estetiza,
volatilizada na nostalgia e na música, vivendo e narrando sua própria
existência de forma extra-histórica.
Isso posto, a feição social do diário íntimo do conselheiro Aires deve ser
procurada principalmente no modo como ele se posiciona em relação a seus pares
de classe. Nesse caso, o leitor perceberá que Aires, ao longo de todo o
romance, procura abafar as infrações das personagens em relação a princípios
que elas enfaticamente assumem como seus geralmente emprestados do repertório
de ideais romântico-burgueses , como o amor eterno de Fidélia ou a vocação
profissional e o apego à pátria de Tristão. Conforme se verá, uma das
características essenciais do Memorial de Aires é o compromisso de classe do
narrador, compromisso que todavia só se revela plenamente nos comentários do
conselheiro sobre situações em que as personagens estão associadas, de uma
forma ou de outra, aos acontecimentos ligados à Abolição ou seja, quando a
massa de ex-escravos, mesmo ausente, funciona como referência5.
Nesse sentido, as alusões aos fatos relacionados ao fim da escravidão são
decisivas para que seja possível uma leitura crítica do livro, pois evitam que
o romance realize por completo o recolhimento para o intérieur. Possibilitando
a compreensão do quadro social em que a obra se situa, as menções à Abolição,
apesar de raras, conferem sentido histórico ao confinamento do romance à esfera
da vida privada, cuja lógica passa então a ser considerada no interior da
lógica mais ampla de uma determinada formação social. Veja-se, por exemplo, o
registro da primeira soirée do casal Aguiar, que acontece no dia da promulgação
da Lei Áurea:
Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular. Saí
agora do Flamengo, fazendo esta reflexão, e vim escrevê-la, e mais o
que lhe deu origem.
Era a primeira reunião do Aguiar; havia alguma gente e bastante
animação. Rita não foi; fica-lhe longe e não dá para isto, mandou-me
dizer. A alegria dos donos da casa era viva, a tal ponto que não a
atribuí somente ao fato dos amigos juntos, mas também ao grande
acontecimento do dia. Assim o disse por esta única palavra, que me
pareceu expressiva, dita a brasileiros:
Felicito-os.
Já sabia? perguntaram ambos.
Não entendi, não achei que responder. Que era que eu podia saber já,
para os felicitar, se não era o fato público? Chamei o melhor dos
meus sorrisos de acordo e complacência, ele veio, espraiou-se, e
esperei. Velho e velha disseram-me então rapidamente, dividindo as
frases, que a carta viera dar-lhes grande prazer. Não sabendo que
carta era nem de que pessoa, limitei-me a concordar:
Naturalmente.
Tristão está em Lisboa concluiu Aguiar , tendo voltado há pouco
da Itália; está bem, muito bem.
Compreendi. Eis aí como, no meio do prazer geral, pode aparecer um
particular, e dominá-lo. Não me enfadei com isso; ao contrário,
achei-lhes razão, e gostei de os ver sinceros. Por fim, estimei que a
carta do filho postiço viesse após anos de silêncio pagar-lhes a
tristeza que cá deixou. Era devida a carta; como a liberdade dos
escravos, ainda que tardia, chegava bem. Novamente os felicitei, com
ar de quem sabia tudo6.
A prioridade dada por nossas elites aos assuntos particulares, em detrimento
das questões públicas, interessou desde cedo a Machado de Assis. Em Iaiá
Garcia, romance de 1878, Valéria Gomes, viúva de um desembargador honorário,
manda seu filho à Guerra do Paraguai com o intuito de afastá-lo de uma mulher
de classe inferior, por quem ele se diz apaixonado. Em Casa velha, novela de
1885, a onda de rebeliões locais do período regencial, que põe em perigo a
unidade do Império, não desperta qualquer interesse em Dona Antônia, viúva de
um ministro de Estado, diante da suspeita de um envolvimento entre seu filho e
uma agregada. Analogamente, na cena do Memorial transcrita acima, perto de uma
inesperada carta do filho postiço, é como se a Abolição não existisse para os
Aguiar. Após um momento de surpresa, Aires não sem a ironia de quem acusa
defendendo , procura normalizar a indiferença do casal Aguiar, de tal modo que
ela acaba sendo coroada por uma máxima filosofante: "Não há alegria pública que
valha uma boa alegria particular". A frase é um bom exemplo da originalidade
com que Machado de Assis se apropria da tradição européia, adaptando-a ao
contexto brasileiro. No caso, o estilo dos moralistas franceses do século
xviii, nas mãos de um representante das classes dirigentes do período imperial,
funciona como ideologia, dando ares de universalidade à legitimação de uma
conduta particularista, anti-social. O esforço para preservar a imagem da
classe dominante, para justificar os comportamentos que podem comprometê-la, é
constante nos comentários do conselheiro sobre as personagens e constitui,
enquanto cumplicidade ativa do memorialista em relação a seus pares, o
principal modo por que se manifesta, no Memorial de Aires, a feição social do
narrador. Com efeito, Aires compartilha o desinteresse dos Aguiar pelo destino
dos negros. Ao comentar a doação das terras de Santa-Pia aos libertos, ele se
pergunta: "Poderão estes fazer a obra comum e corresponder à boa vontade da
sinhá-moça? É outra questão, mas não se me dá de a ver ou não resolvida; há
muita outra cousa neste mundo mais interessante"7.
Mesmo quando o conselheiro demonstra simpatia pela Abolição, sua satisfação
parece estar menos ligada à liberdade dos escravos do que à imagem do país
portanto da classe dirigente diante das nações modernas:
Dizem que, abertas as câmaras, aparecerá um projeto de lei. Venha,
que é tempo. Ainda me lembra do que lia lá fora, a nosso respeito,
por ocasião da famosa proclamação de Lincoln: "Eu, Abraão Lincoln,
Presidente dos Estados Unidos da América...". Mais de um jornal fez
alusão nominal ao Brasil, dizendo que restava agora que um povo
cristão e último imitasse aquele e acabasse também com os seus
escravos. Espero que hoje nos louvem8.
Preocupação semelhante demonstrava a nossa Câmara dos Deputados, ao comentar a
Abolição na resposta de junho de 1888 à "Fala do Trono" da princesa regente:
Consagramos [o princípio] da uniformidade da condição civil e
eliminamos assim da legislação a única exceção repugnante com a base
moral do direito pátrio, e com o espírito liberal das instituições
modernas. Esse fato, que é testemunho do nosso adiantamento social e
político, e que deve acrescentar a consideração que o Brasil merecia
das nações civilizadas, foi ruidosamente aplaudido dentro e fora do
Império9.
No Brasil, como é sabido, uma vez removida a mancha de atraso a escravidão
que desmoralizava o país diante do mundo "civilizado", os ex-escravos foram
abandonados à própria sorte. Nas prósperas fazendas do Oeste Paulista, o
trabalhador negro foi substituído pelo imigrante, com boa redução de custos e
aumento considerável de eficiência produtiva. Desde a década de 1870, a alta
dos preços de escravos e a modernização das técnicas de beneficiamento do café
haviam tornado o trabalho compulsório cada vez mais caro e improdutivo com
relação ao trabalho livre10. A Abolição vinha libertar a nova oligarquia
cafeeira de uma mão-de-obra excessivamente onerosa e mal adaptada às novas
condições de produção. Por sua vez, as plantações de café do Vale do Paraíba
como as do barão de Santa-Pia, no Memorial de Aires , em processo de
esgotamento desde o início dos anos 1870, foram sendo progressivamente
abandonadas pelos fazendeiros, que se dirigiram para os promissores campos de
São Paulo ou para a Corte, em busca de cargos públicos. Em poucos meses, as
terras, exaustas, tornaram-se pastos para gado, passando a exigir o mínimo de
mão-de-obra. Com isso, os libertos que haviam permanecido nas fazendas se
tornaram supérfluos e deixaram a região, sem ter para onde ir: "Os negros
morriam de fome nos caminhos, não tinham onde morar, ninguém os queria, eram
perseguidos", registrou Coelho Netto, escritor célebre no início do século xx,
que viveu em Vassouras nos anos seguintes à Abolição11.
No Memorial de Aires, o dramático êxodo dos ex-escravos do Vale do Paraíba não
recebe um comentário sequer do narrador. O fato é apenas ligeiramente
mencionado pelo desembargador Campos, a partir de uma perspectiva que tende a
ver os negros como ingratos e hipócritas em relação à antiga sinhá-moça: "Os
libertos, apesar da amizade que lhe têm ou dizem ter, começaram a deixar o
trabalho"12.
Machado de Assis não deixa de registrar, portanto, a saída dos ex-escravos das
velhas zonas cafeeiras, mas o faz dentro do quadro da indiferença e da
ideologia das elites, ou seja, sob a forma de uma breve e tendenciosa menção.
No Memorial de Aires, o absenteísmo da superfície guarda secretamente um
surpreendente teor contra-ideológico: percebido pelo leitor o artifício da
construção, que consiste basicamente em dar a palavra à classe dominante, o
descaso pelos fatos ligados à emancipação dos escravos se revela um modo
enfático de dar forma literária ao verdadeiro significado da Abolição. O
afastamento apenas aparente em relação à história é um modo superior de
historicização do romance, portanto um modo superior de realismo.
Vale retornar ainda uma vez ao significado histórico da Abolição. Conforme
dito, promulgada a lei que extinguia a escravidão no Brasil, as elites deram
por cumprida sua tarefa histórica. O movimento abolicionista se extinguiu. Na
contramão de um comportamento historicamente responsável, os donos do poder
eximiram-se de qualquer dever de assistência ou de proteção aos libertos: "Como
a Abolição resultara mais do desejo de livrar o país dos inconvenientes da
escravidão do que de emancipar o escravo, as camadas sociais dominantes não se
ocuparam do negro e de sua integração na sociedade de classes"13.
No mesmo sentido, as atenções e os recursos do Estado destinaram-se a
garantir, especialmente por meio de subsídios à imigração, que a mudança de
regime de trabalho não causasse danos à lavoura cafeeira. Assim, depois da
Abolição, a posição do negro deixou também de ser matéria política. Nenhuma
medida pública foi tomada no sentido de assistir o ex-escravo na transição para
o trabalho livre, de prepará-lo para viver em uma ordem social na qual ele
ingressava com enorme desvantagem, sem condições técnicas e psíquicas para
concorrer com o imigrante no novo mercado de trabalho: "O liberto viu-se
convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se
responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de
meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia
competitiva"14.
Sem ter como enfrentar a nova situação, o negro permaneceu às margens da
sociedade, em uma situação de ignorância e miséria comparável à dos tempos da
escravidão. Trágica inversão de sentido, a Abolição não promoveu a incorporação
dos ex-escravos à sociedade, mas representou, justamente, o momento supremo de
sua derrelição. Por sua vez, a velha estrutura econômica dos tempos coloniais,
assentada na produção extensiva de gêneros tropicais destinados à exportação,
não apenas sobreviveu à Abolição, como atingiu seu auge nas três décadas
posteriores15. A própria escravidão fora extinta, em certa medida, porque
travava o crescimento da lavoura cafeeira paulista: "O ritmo de desenvolvimento
do país acelerou-se. Removidos os entraves à entrada de imigrantes, eles
afluíram em grande número para as zonas mais novas. Atendiam-se assim às
necessidades da lavoura em expansão"16.
A abolição da escravatura teve entre nós, portanto, o caráter contraditório de
uma modernização conservadora. O progresso que ela representou esteve
essencialmente vinculado à reposição do atraso que ela, a princípio, deveria
liquidar. Com isso, o 13 de Maio reproduzia uma espécie de ritmo fundamental de
nossa história17, de que a Independência foi o momento paradigmático, ao
reatualizar os elementos fundamentais do antigo sistema colonial (monarquia,
latifúndio e escravidão) nos quadros de uma nova conjuntura local (nação livre)
e mundial (crise do Ancien Régime e consolidação do liberalismo)18.
Machado de Assis percebeu cedo que o fim do escravismo não traria liberdade
verdadeira aos ex-escravos e que as velhas estruturas econômico-sociais, com
algum rearranjo, sobreviveriam à Abolição. Conforme demonstra o trabalho de
Roberto Schwarz, uma decepção dessa ordem remonta aos anos 1878-1880, quando
Machado abandona tanto a esperança de uma reforma interna do paternalismo que
animara seus primeiros romances , como a perspectiva da possibilidade de
superação das relações de dependência por meio do trabalho livre insinuada no
final de Iaiá Garcia , passando a explorar, a partir das Memórias póstumas de
Brás Cubas, sem mais qualquer tipo de freio ideológico, as virtualidades
retrógradas do progresso no país19.
Dez anos mais tarde, em 1888, quase um mês antes da aprovação da Lei Áurea,
Machado iniciaria na Gazeta de Notícias uma série de crônicas que duraria até
pouco antes da proclamação da República. Compostas no calor da hora, elas
revelam o extraordinário discernimento histórico-social do escritor, que
expunha, na contracorrente do otimismo abolicionista, seu profundo ceticismo
com relação aos efeitos da mudança de regime de trabalho20. Sempre com muita
ironia, Machado desmascara as alforrias de última hora, desmistifica os
principais nomes políticos ligados à elaboração e à aprovação da lei, inclusive
o da regente, e prevê o advento de uma república oligárquica e branca tão
branca, ele adverte, quanto a república escravista da Confederação do Sul dos
Estados Unidos.
Naquela que talvez seja a melhor crônica da série, publicada uma semana depois
da Abolição, o escritor dá a palavra a um proprietário e senhor de escravos,
estratégia que já empregara nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Percebendo que
a Abolição era inevitável, o cronista fictício decide alforriar seu escravo
doméstico. Prepara, então, um grande banquete para muitos convidados, e concede
a liberdade ao negro no meio do jantar. Na manhã seguinte, oferece ao liberto
um salário irrisório, para que continue a servi-lo e não vá embora
ressaltando, porém, que agora ele pode recusar a proposta e partir para onde
bem entender. O negro, que não tem para onde ir, aceita de bom grado o salário
e muito mais:
Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia
seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas
eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia
anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele
continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase
divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe
despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe
besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele
recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que
mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes de
abolição legal, já eu em casa, na modéstia da família, libertava um
escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que
esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples
suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras21.
Criando um cronista particularmente descarado o que potencializa o efeito da
crítica social , Machado deixa claro que a Abolição não modificara a situação
do negro, que esta era apenas um avatar da escravidão. Não diminuíra a
possibilidade de abuso da classe dominante, e a idéia de que o ex-escravo
pudesse ter acesso aos bens da sociedade não passava de uma mentira forjada
pela elite em benefício de si mesma. Aos olhos de Machado de Assis, a
libertação dos escravos no Brasil era uma grande farsa22.
Por outras razões, também no Memorial de Aires um proprietário decide alforriar
seus escravos às vésperas da Abolição. O barão de Santa-Pia, provavelmente o
fazendeiro mais representativo de toda a obra de Machado de Assis23, pertence à
oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba, que permaneceu até o fim contrária à
emancipação. Para esse setor da classe dominante, a Lei Áurea não significava
apenas uma perda patrimonial considerável24, mas também uma violação
inaceitável do poder senhorial. Libertar os próprios escravos, antes que o
governo o fizesse, era uma questão de honra, o último recurso de que dispunha o
proprietário para garantir a força simbólica do domínio absoluto sobre sua
propriedade: "O que era seu era somente seu", escreve Aires, transpondo o
raciocínio do barão25. Visceralmente ligado ao escravismo, Santa-Pia morre
pouco depois da Abolição, sua morte simbolizando, no universo do romance, a
derrocada da lavoura cafeeira fluminense. Não obstante, morreu invicto, ao
fazer da liberdade de seus escravos uma concessão sua, não o resultado de uma
interferência ultrajante e desmoralizadora26. Ao ser indagado sobre os motivos
que o levavam a libertar os próprios cativos, uma vez que condenava a idéia
atribuída ao governo de decretar a abolição, o barão responde: " Quero deixar
provado que julgo o ato do governo uma exploração, por intervir no exercício de
um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha,
porque assim o quero e posso"27.
A explicação não poderia ser mais cristalina. Todavia, Aires a descreve, não
sem uma dose de ironia e outra de cinismo como quase insondável: "Não sei se
subtil, se profunda, se ambas as cousas ou nada"28. Ora, não há sutileza nas
palavras de Santa-Pia, tampouco profundidade: sem rodeios, o barão defende a
inviolabilidade de seu poder sobre sua propriedade humana. No entanto, o
conselheiro se faz de desentendido: "Será a certeza da abolição que impele
Santa-Pia a praticar esse ato, anterior de algumas semanas ou meses ao
outro?"29. Com a pergunta, na qual talvez se encontre a sombra de uma nota
mordaz, Aires omite qualquer forma de crítica explícita ao conservadorismo
renitente do barão. Entre irônico e obscurantista, o conselheiro dá as mãos ao
colega, e pisca um olho para o leitor.
Voltando à alforria concedida por Santa-Pia, suas implicações conservadoras não
se esgotam na afirmação da visão senhorial de mundo. Como concessão, a alforria
estigmatiza a liberdade do ex-escravo com a marca da propriedade do antigo
senhor, a quem segundo a ideologia dos proprietários o liberto deve
corresponder com eterna gratidão. No plano das representações, a alforria
funciona como perpetuação dos vínculos da escravidão, que acabam sendo
preservados também na prática pelo menos, assim esperam os senhores. No
Memorial de Aires, o futuro é o passado estendido ao infinito: " Estou certo
que poucos deles deixarão a fazenda; a maior parte ficará comigo, ganhando o
salário que lhes vou marcar, e alguns até sem nada"30.
Com efeito, após a morte do barão, cinco semanas depois da Abolição, Fidélia
escreve aos Aguiar contando que os libertos continuam vivendo e trabalhando na
fazenda. "Por amor da sinhá-moça", afirma Tristão31. "Livres com a mesma
afeição de escravos", escreve o conselheiro Aires, nos termos da ideologia de
sua classe32. A idéia de que os cativos tinham carinho por seus proprietários
integrava o mito da escravidão amena no Brasil, forjado por nossas elites para
disfarçar sua própria barbárie. "Ele é bom senhor, eles bons escravos",
assegura Fidélia ao conselheiro, referindo-se ao pai e aos cativos de Santa-
Pia. Sabe-se que o Império realizou grandes esforços no sentido de criar na
Europa uma imagem idealizada da escravidão no Brasil, pintando com cores suaves
as relações entre os senhores e os escravos daqui. Em grande parte, o trabalho
de tecer um lindo véu que escondesse as iniqüidades do escravismo ficava a
cargo da imprensa paga pelo governo, da literatura dos viajantes e dos
representantes da Coroa no exterior33. Diplomata de carreira, o conselheiro
Aires pertencia à linha de frente dessa empreitada ideológica internacional. Na
posição de agente da Monarquia brasileira, procurava disfarçar no estrangeiro
as misérias do país34. Em sentido análogo, no Memorial, o conselheiro sugere
que os ex-escravos de Santa-Pia continuam trabalhando para a antiga sinhá-moça
por dileção: "Livres com a mesma afeição de escravos".
Sabemos que a realidade era outra. Sem ter para onde ir, pois não conseguiam
competir com os imigrantes nas zonas rurais mais prósperas, precisando
desesperadamente de dinheiro para alimentar, hospedar e vestir a si mesmos e a
suas famílias, parte dos libertos do Vale do Paraíba permaneceu nas plantações
ou retornou a elas após alguns dias de festa e perambulação pelas estradas:
aceitavam qualquer quantia como remuneração adequada de seu serviço;
trabalhavam, como nos tempos de cativeiro, do nascer ao pôr do sol, sempre sob
vigilância armada; e continuaram morando nos velhos alojamentos, as senzalas,
agora chamados "dormitórios dos camaradas". O desamparo completo aguardava os
ex-escravos do lado de fora da fazenda. Nesse quadro, apegar-se ao antigo
senhor era um recurso para sobreviver, não uma opção afetiva, como sugere o
conselheiro. Ao comentar a reação dos libertos à informação de que Fidélia
pretende vender Santa-Pia, Aires chega a afirmar que os ex-escravos se agarram
à viúva por causa de seu charme:
Fidélia chega da Paraíba do Sul no dia 15 ou 16. Parece que os
libertos vão ficar tristes; sabendo que ela transfere a fazenda
pediram-lhe que não, que a não vendesse, ou que os trouxesse a todos
consigo. Eis aí o que é ser formosa e ter o dom de cativar. Desse
outro cativeiro não há cartas nem leis que libertem; são vínculos
perpétuos e divinos. Tinha graça vê-la chegar à Corte com os libertos
atrás de si, e para quê, e como sustentá-los? Custou-lhe muito fazer
entender aos pobres sujeitos que eles precisam trabalhar, e aqui não
teria onde os empregar logo. Prometeu-lhes, sim, não os esquecer, e,
caso não torne à roça, recomendá-los ao novo dono da propriedade35.
Antes de tudo, note-se que a ironia do conselheiro se expõe mais do que o
habitual nessa passagem, aproximando-se da desfaçatez característica da prosa
de Brás Cubas. Aires se torna mais explicitamente perverso justamente no
momento em que registra a derrelição na qual foram lançados os ex-escravos após
a Abolição. Por um lado, ele conselheiro omite as causas reais dos pedidos que
os libertos fazem a Fidélia. Por outro, ironiza, com um trocadilho maldoso
(cativar-cativeiro), a situação dramática dos ex-escravos, que não tinham
condições econômicas e culturais para enfrentar sozinhos a nova situação em que
se encontravam. A duplicidade do conselheiro encerra sempre em si um elemento
de cinismo, que convida o leitor menos ingênuo a uma espécie de cumplicidade
acanalhada.
Importa notar no movimento da prosa do trecho acima uma espécie de vaivém
ideológico, próprio da classe dominante brasileira do Oitocentos. Valendo-se do
ideário paternalista, a elite não deixa escapar a oportunidade de transformar
cinicamente um crime histórico, de que é autora a escravidão e seu legado ,
em motivo de enaltecimento de si mesma: "Eis aí o que é ser formosa e ter o dom
de cativar". Estamos no universo das relações de cunho pessoal, dos vínculos de
trabalho permeados pelo favor e teoricamente pelo afeto. Ora, justamente
pela manutenção desses laços tradicionais, os ex-escravos, sem outra saída à
vista, fazem um apelo desesperado à antiga sinhá: "Sabendo que ela transfere a
fazenda pediram-lhe que não, que a não vendesse, ou que os trouxesse a todos
consigo". Todavia, quando se trata de corresponder à suposta afeição dos
negros, os parâmetros do paternalismo já não valem. O modelo passa a ser o das
relações contratuais e impessoais, próprias da ordem burguesa. "Para quê?",
pergunta o conselheiro, agora nos termos do utilitarismo moderno, ao cogitar da
hipótese de a viúva levar os ex-escravos para a Corte consigo. No mesmo
espírito, Fidélia não atende ao rogo dos libertos e se desobriga de qualquer
responsabilidade por seus destinos: "Custou-lhe muito fazer entender aos pobres
sujeitos que eles precisam trabalhar, e aqui não teria onde os empregar logo".
Adotados conforme convém, o critério paternalista e o critério liberal
alternam-se quase que a cada frase. O revezamento de medidas permite que a
classe dominante goze de auto-imagens queridas, que remontam ao período
colonial, sem ter de arcar com a proteção dos antigos cativos, de que a
ideologia burguesa a libera. Assim, a sinhá-moça amada por seus ex-escravos
deles se despede à maneira de um patrão moderno: "Prometeu-lhes, sim, não os
esquecer, e, caso não torne à roça, recomendá-los ao novo dono da propriedade".
A dualidade de registros está ligada à ambivalência ideológica facultada às
elites brasileiras pelo estatuto de meia vigência que as idéias burguesas
tinham na sociedade escravista36 ambivalência que era reatualizada, na visão
de Machado de Assis, por ocasião da Abolição, quando a classe dominante, sem
abandonar a figura de mãe generosa que fazia de si mesma, abandonava os ex-
escravos à própria sorte.
Enquanto experiência da classe dominante, a alternância entre ideologia
paternalista e ideologia burguesa não se restringe, no Memorial, ao trecho
comentado acima, tampouco às personagens nele envolvidas. Tristão a expõe em
uma fala curtíssima, quando sugere à noiva que doe a fazenda aos libertos: "Uma
vez que os libertos conservam a enxada por amor da sinhá-moça, que impedia que
ela pegasse da fazenda e a desse aos seus cativos antigos? Eles que a trabalhem
para si"37.
Sem prejuízo do ranço ideológico, de Tristão parece ser uma demonstração de
consciência social e desprendimento material. Todavia, o leitor tem bons
motivos para desconfiar do rasgo de filantropia do rapaz. Conforme dito, as
plantações de café do Vale do Paraíba, em processo de esgotamento desde a
década de 1870, produziam muito pouco no momento em que Tristão propõe a doação
de Santa-Pia. Em média, uma fazenda na região valia em 1889 cerca de 10% do que
valia em 186038. À vista disso, aqueles que podiam largavam as terras cansadas.
Ora, Fidélia e Tristão "não precisam do valor da fazenda", pois a viúva herdou
do pai "uns trezentos contos"39. Nesse quadro, tanto o benefício que a doação
representa para os libertos, dado o estado de exaustão das terras, como o
prejuízo que ela representa para Tristão, dada a riqueza da noiva, são muito
pequenos. A doação de Santa-Pia parece ser menos uma ajuda aos ex-escravos que
um meio de se desfazer de um latifúndio imprestável, com ganho de reputação. A
súbita, desconcertante mudança de tom na última frase de Tristão parece
confirmar tais suspeitas: "Eles que a trabalhem para si". No Memorial, a
irresponsabilidade social do burguês, fundada na idéia da igualdade de
condições dos indivíduos, serve às personagens para justificar o abandono dos
ex-escravos em uma ordem na qual estes dispunham de meios para sobreviver por
si mesmos. Desse modo, de acordo com a ideologia dos proprietários, a doação da
fazenda eximiria os noivos de qualquer outra obrigação com relação aos ex-
escravos, sobre os quais então recai a responsabilidade por seu próprio estado:
" Lá se foi Santa-Pia para os libertos, que a receberão provavelmente com
danças e com lágrimas; mas também pode ser que esta responsabilidade nova ou
primeira..."40.
Nas reticências do conselheiro está a realidade que ele oblitera, sem deixar de
insinuar: os libertos nada poderão fazer com a fazenda que lhes foi dada. Sem
capital, sem hábito de autonomia, de que maneira os negros poderiam fazer
prosperar terras exaustas, plantações que os próprios fazendeiros, amparados
por vultosos empréstimos bancários, não conseguiam tornar produtivas? Aires
omite essa evidência, interrompendo a reflexão mas não sem deixar a idéia
pairando no ar, o que já é um modo de a sugerir... Solidário de sua classe, o
conselheiro costuma entretanto indicar, sob o véu tecido com as palavras, os
atos inconfessáveis ou indecorosos de seus pares, encobrindo e sugerindo no
mesmo gesto as verdades constrangedoras da elite de seu tempo. Todavia, a
ironia sutil, que insinua e não desvela, é menos uma denúncia que uma
desfaçatez sofisticadíssima, na medida em que não evolui para uma crítica
explícita, mas se realiza por meio de velaturas, de modo que o resultado é o
obscurecimento da realidade. Em outra passagem, ainda comentando a doação de
Santa-Pia aos libertos, Aires faz a pergunta certa, mas de tal maneira que ela
não o é de fato: "Poderão estes fazer a obra comum e corresponder à boa vontade
da sinhá-moça?"41.
Digno sucessor do Casmurro, na intenção como no engenho, o conselheiro subtrai
a verdade dos fatos no e pelo movimento mesmo de sua falsa perquirição. Ele
dissimula fazendo as vezes de uma consciência vigilante, que observa
atentamente o comportamento das personagens, pronta a surpreender suas
motivações ocultas. Inferências, hipóteses, ênfases e relativizações compõem,
entre outros meios, uma espécie de aparelho investigativo que o narrador
utiliza com o propósito de desencaminhar o leitor, impelindo-o na direção
contrária, portanto, de uma genuína apuração da realidade. Em outros termos,
Aires é parcial valendo-se dos procedimentos próprios da imparcialidade:
O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve
de eco ao silêncio. Tudo é que o dono tenha um lampejo de
imaginação42.
Sempre me sucedeu apreciar a maneira por que os caracteres se
exprimem e se compõem, e muita vez não me desgosta o arranjo dos
próprios fatos. Gosto de ver e antever, e também de concluir43.
Conforme visto, essa parcialidade do conselheiro vincula-se a uma conivência de
classe: Aires encobre a indiferença dos Aguiar pela Abolição, a demonstração
crua de poder do barão de Santa-Pia, o abandono dos libertos por Fidélia, o
significado real da doação da fazenda proposta por Tristão. Nesse caso, o
estudo da presença discreta da Abolição no Memorial praticamente restrita às
passagens comentadas acima deve sempre levar em conta a solidariedade de
Aires aos proprietários, porquanto ele é o próprio narrador do romance. A
cumplicidade ativa do conselheiro, o caráter socialmente interessado de sua
prosa, é uma mediação incontornável para o crítico. Incontornável e decisiva,
pois leva à subversão da leitura tradicional do romance. Sobretudo, revela que
o Memorial de Aires não é uma obra alheia à história, muito pelo contrário. Por
meio da adoção do ponto de vista da classe dominante mas de maneira tal que
ele pode ser criticado , a representação da sociedade passa a incluir não
apenas a matéria narrada, mas também a narração, estendendo-se, por isso mesmo,
à relação com o leitor. Ao incorporar as idéias dos proprietários de seu tempo
ao discurso literário, Machado de Assis faz da leitura do romance uma
experiência histórica concreta. Para compreender o livro, o leitor tem de
aprender a questionar o discurso narrativo, portanto a contestar a ideologia
das elites o que implica não concordar, no caso do Memorial, com a versão
oficial da Abolição. Enquanto o conselheiro Aires tenta suprimir o juízo
autônomo do leitor, Machado de Assis procura criar um leitor independente.
Assim como nas Memórias póstumas de Brás Cubas,
o artifício desafia o leitor em toda linha: ensina-o a pensar com a
própria cabeça; a discutir não apenas os assuntos, mas também sua
apresentação; a considerar com distância os narradores e as
autoridades, que são sempre parte interessada, mesmo quando bem-
falantes; a duvidar do compromisso civilizador e nacional dos
privilegiados, em particular nos países novos, onde essa pretensão
tem grande papel44.
Por outro lado, quando esposa o obscurantismo do conselheiro, a crítica
contribui, de uma forma ou de outra, à preservação de privilégios de classe que
persistem até hoje, ligeiramente modificados ou não. Nesse sentido, a leitura
do Memorial de Aires nunca é ideologicamente neutra.
Finalmente, observe-se que a estratégia machadiana está essencialmente ligada à
compreensão de que o processo de emancipação dos escravos reatualizava nosso
ritmo histórico singular, pautado pela modernização conservadora, a mudança que
evita a mudança: "Em 1888 o impulso que os acontecimentos haviam tomado era tal
que, de duas, uma: ou revolução ou abolição", escreveu significativamente um
historiador monarquista45. A presença apagada da Abolição no Memorial de Aires,
arquitetada por Machado de Assis a partir de uma perspectiva crítica, vincula-
se à percepção dessa realidade contraditória, em que o que deveria representar
uma transformação profunda vem servir, justamente, à manutenção do estado de
coisas. Assim, visto que o 13 de Maio não afetou substancialmente as elites,
nada mais realista que a indiferença do narrador e das personagens pelos
acontecimentos ligados ao fim da escravidão. Em virtude da peculiaridade da
matéria histórica e da maestria do romancista, o apagamento da Abolição
potencializa sua presença. Na contramão da retórica abolicionista que
Raymundo Faoro considerava precursora do populismo brasileiro46 , Machado de
Assis denunciou, a seu modo, com rara lucidez, a farsa da Abolição, cujo
significado profundo ele compreendeu e dramatizou em seu último romance.
[1] Este artigo é o desenvolvimento de parte de um trabalho mais amplo,
intitulado As formas da traição: literatura e sociedade no Memorial de Aires,
de Machado de Assis (dissertação de mestrado em Literatura Brasileira). São
Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, 2005.
[2] A exceção, que confirma a regra, é o brilhante ensaio que John Gledson
escreveu sobre o Memorial. Gledson, John. "Memorial de Aires". In: Machado de
Assis: ficção e história. São Paulo: Paz e Terra, 1986, pp. 215-55.
[3] Schwarz, Roberto. Seqüências brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras,
1999, pp. 227-34; Idem. Duas meninas. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997, pp. 12-5. Ver também "Machado de Assis: um
debate (conversa com Roberto Schwarz)". Novos Estudos CEBRAP, n° 29, São Paulo,
1991, p. 73.
[4] Schwarz, Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 2000, pp. 83-231.
[5] "Uma camada social só se define em relação a outra." Novais, Fernando A. "A
evolução da sociedade brasileira: alguns aspectos do processo histórico da
formação social do Brasil". In: Aproximações. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p.
146.
[6] Assis, Machado de. Memorial de Aires. In: "Edições Críticas de Obras de
Machado de Assis". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977 [1908], §§ 246-
52.
[7] Ibidem, § 1057.
[8] Ibidem, § 237.
[9] Apud Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo:
Edusp, 2004, p. 15.
[10] "O custo de manutenção do arcaísmo tornara-se elevado demais em comparação
ao custo de gestão da mão-de-obra imigrada". Alencastro, Luiz Felipe de. "Vida
privada e ordem privada no Império". In: História da vida privada no Brasil,
vol 2. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 93. Ver
também Costa, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos.
São Paulo: UNESP, 1998, pp. 315-27.
[11] Netto, Coelho. Banzo. Porto: Lello & Irmão, 1927, p. 26. Para uma exposição minuciosa do processo de decadência da lavoura
cafeeira do Vale do Paraíba, ver Stein, Stanley. Vassouras, a Brazilian coffee
county, 1850-1900. Princeton: Princeton University Press, 1985, pp. 213-90.
[12] Assis, Memorial de Aires, § 643.
[13] Costa, op. cit., p. 341.
[14] Fernandes, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. São
Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
1964, p. 3.
[15] Prado Jr., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,
2002, pp. 207-18.
[16] Costa, op. cit., p. 340.
[17] Pasta Jr., José Antonio e Penjon, Jacqueline. "Le rythme singulier d'une
formation historique". In: Littérature et modernisation au Brésil. Paris:
Presse Sorbonne Nouvelle, 2004, pp. 6-12.
[18] Novais, "Passagens para o Novo Mundo", op. cit., pp. 183-94; Alencastro,
"La traite négrière et l'unité nationale brésilienne" . Revue Française
d'Histoire d'Outre-Mer, LXVI, 1979, nº 244-245; Costa, op.
cit., pp. 49-60.
[19] Schwarz, Ao vencedor as batatas, op. cit. ; Idem. Um
mestre na periferia do capitalismo. São Paulo: Duas Cidades, 2000. Uma síntese desses dois livros encontra-se no ensaio, do próprio
autor, "A viravolta machadiana". Novos Estudos CEBRAP, n° 69, São Paulo, jul.
2004, pp. 15-34.
[20] Ver, em especial, as crônicas de 5 de abril, 4 de maio, 11 de maio, 19 de
maio, 10 de junho, 26 de junho e 28 de outubro, todas de 1888, e a crônica de 7
de junho de 1889. Assis, Obra completa, vol. III. Rio de Janeiro: Aguilar,
1992, pp. 485-503, 524-6. Ver também as crônicas, que não
constam na edição Aguilar, de 27 de abril e 27 de maio de 1888. In: Diálogos e
reflexões de um relojoeiro (ed. Raymundo Magalhães Júnior). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1956, pp. 73-4, 92-4. Para uma ótima
apreciação do conjunto da série, ver Gledson, "Bons Dias!", op. cit., pp. 114-
60.
[21] Assis, Bons dias!, "19 de maio de 1888". In: Obra completa, vol. III, pp.
490-1.
[22] Para uma interpretação da mesma crônica em sentido relativamente diverso,
ver Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 95-102.
[23] Faoro, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo:
Globo, 2001, pp. 38-9. Sobre o mundo dos fazendeiros de café
do Vale do Paraíba, ver Franco, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na
ordem escravocrata. São Paulo: UNESP, 1997, pp. 167-233.
[24] Na virada dos anos 1870-1880, os escravos constituíam a parte principal do
valor das fazendas de café do Vale do Paraíba e normalmente serviam de
garantia, por sua maior liquidez em relação às terras esgotadas, aos
empréstimos bancários a que recorriam com freqüência os fazendeiros da região,
em franca decadência na época. Stein, op. cit., p. 246. Além disso, o estilo de
produção das fazendas do Vale técnicas rudimentares, grande quantidade e
preços baixos , tornava o trabalho forçado um elemento essencial para a
viabilidade do negócio. Ver Franco, op. cit., pp. 226-33.
[25] Assis, Memorial de Aires, § 225. Para uma refutação brasileira da época,
ver o libelo do jovem Joaquim Nabuco, A escravidão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999 [1869], pp. 6-9, 44-55.
[26] "Os sujeitos do poder senhorial concedem, controlam uma espécie de
economia de favores, nunca cedem a pressões ou reconhecem direitos adquiridos
em lutas sociais". Chalhoub, Machado de Assis, historiador. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 60.
[27] Assis, Memorial de Aires, § 223.
[28] Ibidem, § 222.
[29] Ibidem, § 224.
[30] Ibidem, § 227.
[31] Ibidem, § 1054.
[32] Ibidem, § 373.
[33] Costa, Da senzala à colônia. São Paulo: UNESP, 1997, pp. 335-6.
[34] A respeito de Aires, lê-se em Esaú e Jacó: "Tinha particular amor à sua
terra [...]. Não atribuía a esta tantas calamidades. A febre amarela, por
exemplo, à força de a desmentir lá fora, perdeu-lhe a fé [...]". Assis, Esaú e
Jacob. In: "Edições Críticas de Obras de Machado de Assis". Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1977 [1904], § 386.
[35] Idem, Memorial de Aires, § 450.
[36] Schwarz, "As idéias fora do lugar". In: Ao vencedor as batatas, pp. 11-31; Costa, "Liberalismo: teoria e prática". In: Da Monarquia à
República, pp. 131-68.
[37] Assis, Memorial de Aires, § 1054.
[38] Stein, op. cit., p. 247.
[39] Assis, Memorial de Aires, §§ 1057 e 334. Em 1888, a Fazenda Taboões, uma
das mais antigas do Vale, valia cerca de 27 contos. Stein, op. cit., p. 247.
[40] Assis, Memorial de Aires, § 1065.
[41] Ibidem, § 1057.
[42] Idem, Esaú e Jacob, § 512.
[43] Idem, Memorial de Aires, § 725.
[44] Schwarz, "A viravolta machadiana", cit., p. 32.
[45] Lyra, Heitor. História de Dom Pedro II, 1825-1891, vol. III - Declínio:
1880-1891. Belo Horizonte: Itatiaia, 1977, p. 28.
[46] Faoro, Raymundo. Os donos do poder, vol. II. Porto Alegre/São Paulo:
Globo/Edusp, 1975, p. 453.