As eleições de 2010 e o quadro partidário
A campanha eleitoral de 2010 reservou suas emoções para o final. A oposição
esperneou e temeu pelo seu futuro. Lula foi comparado a Chaves e o PT, ao PRI.
O governo enxergou um complô organizado da mídia para deter as mudanças a favor
dos mais desfavorecidos. O Poder Judiciário complicou as coisas e deixou a bola
quicando na marca do pênalti. Abertas as urnas no primeiro turno, Marina
surpreendeu. Falou-se em nova clivagem, até no surgimento de um voto pós-
material no Brasil. A oposição, aliviada, recobrou suas forças, esqueceu-se dos
temores que expressara quanto à sua própria sobrevivência e partiu para a luta.
O governo, forçado a deixar o salto alto no armário, reviu sua estratégia.
A conjuntura ocupa as atenções dos analistas. Não faltarão interpretações sobre
o recado das urnas. Boa parte delas, como de costume, passará pelo
desvendamento do que teria se passado na cabeça do eleitor. Contudo, já é hora
de mudar o foco das análises, abrir a angular e firmar uma interpretação que
privilegie as tendências de longo prazo. Afinal, desde a redemocratização, já
foram seis eleições presidenciais1.
Vistas em conjunto, as eleições presidenciais revelam uma clara estruturação:
PT e PSDB foram os únicos a concorrer em todas elas, tendo chegado à frente em
cinco delas. Eleições presidenciais no Brasil têm sido eleições bi-
partidárias2. Além disso, dado que a presidência é o ponto mais importante do
sistema político brasileiro, o entendimento da evolução do quadro partidário
nacional deve partir desta constatação. As eleições presidenciais organizam e
estruturam as demais disputas. É o prêmio principal; os demais são
subsidiários.
A clivagem nacional PT-PSDB, progressivamente, tem passado a reger e ditar o
tom das disputas estaduais. Cada um destes partidos comanda um bloco de
aliados, incluindo aí o PMDB que, estado a estado, opta por um dos lados. Em
2010, essa clivagem organizou as disputas pelos governos estaduais, completando
um processo em marcha desde pelo menos 1994. As eleições para o governo
estadual também se tornaram bi-partidárias em quase todos os estados,
espelhando aclivagem que domina as eleições presidenciais. Se PT ou PSDB não
capitaneavam as coligações, estavam representados por seus aliados históricos
(PSB e DEM, respectivamente) ou circunstancial (PMDB). Dessa forma, são cinco
os partidos relevantes nas disputas pelo governo, mas eles nunca estão
presentes no mesmo estado. As disputas estão integradas pelas estratégias
seguidas pelos partidos. O lançamento de candidaturas nos dois planos é uma
decisão interdependente. E os partidos têm retirado candidaturas
estrategicamente em uma disputa para obter apoio em outra.
O quadro partidário nacional, portanto, é bem mais simples e inteligível do que
as análises centradas nas disputas proporcionais deixam entrever. A
fragmentação crescente na Câmara dos Deputados ganha novo significado quando se
atenta para o fato de que uma boa parte dos partidos lá representados
praticamente abandonou as disputas por cargos executivos. PP, PTB e PDT, para
citar apenas os partidos de maior expressão, praticamente deixaram de lado as
disputas por esses cargos. Quando muito, lançam candidatos a governos estaduais
em poucos estados. Em geral, em estados pequenos ou onde não têm chances
efetivas de chegar à vitória.
Assim, a tão temida fragmentação de nosso quadro partidário está limitada ao
Poder Legislativo. A tendência nas eleições para os cargos executivos, os mais
importantes para os partidos e para os eleitores, corre na direção oposta. Nas
eleições que decidem efetivamente a distribuição do poder político, há
concentração e não fragmentação.
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
PT e PSDB são os principais protagonistas das eleições presidenciais, como
mostra a Tabela_1. Desde 1994, dois partidos, e os mesmos dois partidos se
revezaram nos dois primeiros lugares das eleições presidenciais. O PT, na
realidade, tem desempenho superior ao do PSDB, posto que obteve a segunda
colocação em 1989 quando o PSDB amargou a quarta colocação.
![](/img/revistas/nec/n88/a02tab01.jpg)
O predomínio alcançado por esses dois partidos contrasta com a instabilidade e
a fragilidade relativa das "terceiras forças". Não apenas elas tendem a ficar
muito distantes do segundo colocado, como também sua identidade varia de
eleição para eleição. Somente Ciro Gomes candidatou-se duas vezes em seguida, e
naufragou ao insistir. Se Marina e o PV terão outro destino é matéria aberta à
especulação. Sua votação superou as expectativas em relação às projeções feitas
pelas pesquisas, mas não excedeu em muito a de Garotinho em 2002. Além disso, a
candidatura do PV nunca mostrou força para se habilitar a passar ao segundo
turno. O candidato do PSDB manteve sempre uma vantagem confortável sobre sua
adversária.
Como explicar o controle do PT e do PSDB sobre as eleições presidenciais? Por
que foram capazes de estabelecer tal duopólio? A preferência dos eleitores não
é capaz de explicar tais resultados. Eleitorado partidário fiel, um eleitor que
vota sistematicamente no mesmo partido ao longo do tempo, seja o PT ou o PSDB,
é uma minoria do eleitorado. Dados de identificação partidária indicam que
eleitores partidários não passam de um terço do eleitorado. Ademais, não é
claro que um eleitor identificado com um partido votará constantemente neste.
As porcentagens de eleitores identificados a um partido tendem a variar com a
conjuntura. Não servem, portanto, para prever o comportamento de longo prazo.
A flutuação de larga parcela do eleitorado tem sido decisiva para os
resultados. Em 2002, larga parcela do eleitorado abandonou o PSDB e votou no
PT, no PSB e no PPS. Em 2006, ainda que o PT tenha obtido praticamente a mesma
votação de quatro anos antes, perdeu eleitores em alguns estratos e ganhou em
outros. O PSDB, por seu turno, mesmo derrotado, cresceu em 2006, recuperando
uma parte considerável dos eleitores que perdera.
Sem dúvida, o PT e o PSDB têm seus eleitores. Tudo indica que o PT os tem em
maior número do que o PSDB. Mas eleitores fiéis que podem ser contados como
votos certos para o partido em qualquer circunstância não são a maioria do
eleitorado. Desse ponto de vista, terceiras forças têm espaço para crescer e
podem até desbancar os dois líderes. Se não o fazem ou têm pequeno sucesso, é
porque razões de outra ordem explicam a hegemonia desses dois partidos sobre as
eleições presidenciais.
A clivagem básica, portanto, não deve sua existência à cristalização das
preferências do eleitorado. PT e PSDB não são partidos fortes, com enraizamento
social suficiente para explicar o predomínio que têm exercido sobre as eleições
presidenciais. Parte importante da resposta passa pela oferta de candidaturas
(Tabela_2). PT e PSDB são os únicos partidos de relevo a lançar candidatos em
todas as eleições. Os demais, para todos os efeitos, retiraram-se da disputa
direta pela presidência.
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A competição eleitoral é vertebrada pela estratégia dos partidos. Estes agem
antes dos eleitores, decidindo em suas convenções quais serão as alternativas à
disposição dos eleitores. As decisões tomadas pelos líderes partidários,
praticamente, antecipam o segundo turno ao coordenarem suas estratégias.
Eleitores votam nas poucas candidaturas que lhes são oferecidas.
Nem sempre foi assim. A eleição de 1989 foi claramente diversa das demais.
Foram 21 candidaturas. Todos os partidos lançaram candidaturas avulsas. Entre
os maiores partidos, a exceção foi o PT, o único a ter sua candidatura apoiada
formalmente por uma coligação. Ainda assim, o PT juntou-se ao PSB e PCdoB,
ambos sem grande expressão eleitoral naquele momento.
A maioria dos partidos buscou seu lugar ao sol com suas próprias forças. O
resultado é conhecido. A eleição caracterizou-se por alta fragmentação. A falta
de coordenação entre forças afins contribuiu para a imprevisibilidade dos
resultados. Lula ameaçou Collor na reta final do 2º turno, para o qual se
qualificara por uma diferença mínima em relação ao terceiro colocado, menos de
500 mil votos, e tendo recebido meros 17, 2% dos votos válidos. Vale notar que
tanto Garotinho em 2002 como Marina em 2010 receberam mais votos do que Lula em
1989.
O cenário altera-se radicalmente em 1994. O ponto de partida da mudança precede
o pronunciamento dos eleitores. A estratégia de partidos-chave muda. Há um
número menor de candidaturas e um número maior delas amparadas por coligações.
Os dois partidos mais votados estavam à frente de coligações eleitorais,
enquanto os principais derrotados, PDT, PMDB e PPR (ex-PDS e atual PP)
concorreram sozinhos. Vale lembrar que a relação do PT com o PSB e do PSDB com
o PFL (atual DEM) não se esgotou nesta eleição. As coligações provaram-se
estáveis e acabaram por se estreitar com o tempo. Tal estratégia de longo
prazo, é verdade, foi rompida em 2002 em ambos os lados, mas foi prontamente
restaurada em 2006 e reeditada em 2010. O Quadro_I mostra a evolução das
candidaturas presidenciais e das coligações que a sustentaram.
No caso do PT, a coligação de 1994 é uma reedição ampliada da coligação formada
em 1989. O partido contou desta feita com o apoio do PV, do PPS (ex-PCB) e do
PSTU, que se juntaram ao PSB e ao PCdoB. Também foi o único dos partidos
grandes a fazer coligações em 1989 e 1994. Tais fatos são suficientes para
afastar alguns dos mitos recorrentes acerca do PT, a saber, que sua rigidez
ideológica o tornaria infenso a acordos. Sempre foi um partido eleitoral e
disposto a ampliar o leque ideológico de seus apoios em troca de votos. Ainda
que tenha se movimentado inicialmente no interior da esquerda, o partido não
hesitou em se juntar a líderes populistas e comunistas que criticara quando da
sua fundação. Assim, quando a origem do partido é levada em conta, tais
alianças não deixam de representar uma movimentação em direção ao centro.
Em 1994, a aliança com o PSB ganhou maior significado eleitoral, uma vez que
este crescera com a adesão de Miguel Arraes, candidato ao governo do estado de
Pernambuco. O PT, que havia lançado candidato próprio ao governo daquele estado
em 1990, deixa de fazê -lo para integrar a coligação capitaneada pelos
socialistas.
A ampliação da coligação petista continuou em 1998. Novamente, o partido
mostra-se disposto a colher o apoio de líderes populistas, incorporando desta
feita o PDT de Leonel Brizola. O preço que o PT se dispôs a pagar pelo apoio do
PDT a Lula envolveu uma negociação entre os dois planos da disputa. O PT apoiou
a candidatura Garotinho ao governo do Rio de Janeiro pelo PDT, sacrificando a
candidatura própria em um estado em que tinha chances de vitória. O PDT
retirou-se da campanha presidencial para preservar seu capital eleitoral em
estados específicos. Em boa medida, a estratégia do PMDB em 1998 não foi outra:
não entrou na disputa nacional para garantir a autonomia de seus candidatos aos
governos estaduais.
Nesses termos, a chegada do PT ao poder em 2002 não pode ser creditada a uma
alteração radical de sua estratégia de alianças. Para chegar à presidência, o
partido sempre se mostrou disposto a fazer alianças com inimigos do passado,
como também se mostrou aberto a sacrificar sua penetração e expansão estadual
em nome de uma política nacional. A presidência sempre foi sua prioridade e,
portanto, nunca hesitou em se mover em direção ao centro e, se pretendia
conquistar a presidência, não poderia deixar de fazê -lo. Moveu-se nesta
direção ao se juntar ao PSB e ao PDT. O partido abriu suas campanhas
presidenciais de 1994 e 1998 acenando para eleitores de centro, moderando seu
discurso. Os rumos da campanha foram alterados e as críticas dos puristas
ouvidas, quando os resultados das primeiras pesquisas de opinião apontavam para
o insucesso da estratégia. Isto é , incapaz de ampliar seu eleitorado, o
partido opta por preservar seu eleitorado tradicional. Em 2002, a moderação do
discurso deu resultados e a crítica dos puristas pôde ser ignorada.
O PT esteve confinado à esquerda enquanto a estratégia de seu principal
adversário, o PSDB, bloqueou sua movimentação. A chegada do PSDB ao poder em
1994 foi alavancada por sua política de alianças. Como é fartamente sabido, a
estratégia do partido para conquistar a presidência foi amparada pela coligação
com o PFL, hoje DEM. De um lado, a aliança representou uma guinada do partido
em direção à direita. Isto é , o partido construiu uma aliança capaz de romper
o isolamento em que se encontrava, estendendo o alcance de seu apelo eleitoral
à sua direita. O segundo componente da coligação, talvez até mais importante,
envolveu o aspecto regional. Até 1994, salvo a sua cabeça de ponte no Ceará , o
partido praticamente não existia no nordeste. Assim, mesmo contando com um
importante cabo eleitoral - o Plano Real e suas consequências para o poder
aquisitivo dos mais pobres -, o PSDB não correu o risco de lançar uma
candidatura solo à presidência. As dificuldades de ir além das fronteiras de
São Paulo, experimentadas em 1989, estavam vivas nas mentes de seus líderes.
O PSDB, como fez o PT, ampliou seu leque de aliados em 1998, incorporando o PPB
(ex-PDS e ex-PPR). A coligação rompeu-se em 2002 com as consequências
conhecidas. PSDB e PFL não conseguiram fechar um acordo em torno de candidato
comum à presidência. Antonio Carlos Magalhães, que em 1994 havia justificado a
aliança com esquerdistas para barrar uma possível vitória petista, declara que
o "sapo barbudo" já não era tão perigoso e podia ser digerido, sustentando
assim a neutralidade do partido na corrida presidencial após a implosão da
candidatura de Roseana Sarney. Da sua parte, José Serra sempre soube que não
poderia contar com apoio do PFL para chegar à presidência. Já na sucessão da
presidência da Câmara em 2000, o pré -candidato construiu uma aliança com o
PMDB para compensar a perda do aliado tradicional.
Sem dúvida alguma, as dificuldades no fronteconômico contribuíram para a
derrocada da candidatura tucana. Contudo, a inspeção das votações obtidas pelo
candidato estado a estado mostra que a quebra da aliança PSDB-PFL também cobrou
seu preço, qual seja, a queda no nordeste foi mais pronunciada do que nas
demais regiões. Nas capitais dessa região, a votação do PSB em 2002 é um terço
da obtida em 1998.
Em 2006, as velhas alianças foram restauradas. O PSB volta a compor com o PT,
embora não tenha integrado formalmente a coalizão que sustentou a candidatura
Lula, enquanto o PSDB contou novamente com o apoio do PFL. Os filhos pródigos
voltaram ao seio de suas famílias, reconstituindo os dois grandes blocos. O
resultado dessas eleições mostrou o efeito da recomposição de forças. As opções
fora dos dois blocos são mínimas, resumindo-se a duas dissidências no campo
petista (Heloísa Helena e Cristovão Buarque, candidatos do PSOL e do PDT
respectivamente, haviam saído do partido) que não chegou a arranhar o controle
do PT sobre a esquerda. O PSDB perde as eleições, mas mostra grande poder de
recuperação. Em relação a 2002, o desempenho de Alckmin é excepcional.
Obviamente, este crescimento é uma função direta da inexistência de
alternativas à direita do PT. O PSDB recupera eleitores que haviam deixado o
partido para apoiar Lula, mas também parte dos que haviam migrado para Ciro e
Garotinho.
As eleições presidenciais, portanto, são regidas pelas opções oferecidas pelos
dois grandes blocos partidários, capitaneados pelo PT e pelo PSDB. Vale
observar que as duas alianças se revestem de um claro componente regional. PFL
(hoje DEM) e PSB são partidos mais fortes na região nordeste e praticamente
ausentes no centro-sul do país. Contudo, no que se refere à penetração no
nordeste, a dependência do PSDB para com o DEM é maior do que a do PT em
relação ao PSB. O PT nunca mostrou fragilidade no nordeste, antes o contrário.
Em 1989, Lula foi mais bem votado no nordeste do que no sudeste. Sua melhor
votação estadual foi em Pernambuco, onde obteve 33, 6% dos votos válidos. Na
Bahia, Lula teve 25, 9% dos votos, enquanto em São Paulo o partido ficou apenas
um pouco acima da sua votação nacional (17, 8%). Este quadro não se alterou em
1994, quando, para dar um exemplo emblemático, o PT bateu o PSDB em Salvador.
Em todas as eleições presidenciais, o desempenho do PT nos centros urbanos do
nordeste sempre esteve bem acima da média da votação nacional do partido. Nas
pequenas cidades e zonas rurais do nordeste, nos chamados grotões, a votação de
Lula nunca se desgarrou da média nacional. Logo, a penetração do PT no nordeste
não se deu após a chegada ao poder. Na realidade, quando se leva em conta o
desempenho de seu adversário direto, o pior desempenho relativo do partido
sempre se deu na região sudeste.
A eleição de 2002 registra uma desarticulação na espinha dorsal das duas
coligações. Sejam quais tenham sido as forças em operação - e, paradoxalmente,
a imposição pelo TSE da verticalização das coligações com certeza teve seu peso
-, os incentivos para a recomposição das principais alianças se fizeram sentir
já na eleição seguinte. A análise das votações de Garotinho e Ciro em 2002
revela que ambos esbarraram nas mesmas dificuldades enfrentadas pelas
candidaturas solo lançadas no passado: não foram capazes de ir muito além de
seus estados natais, Rio de Janeiro e Ceará , respectivamente.
Os altos custos de entrada na disputa presidencial inviabilizam candidaturas
que não contam com amparo de coligações partidárias que garantam a presença nos
principais colégios eleitorais. Esta é a principal lição da eleição de 1989, em
que muitos candidatos, como Paulo Maluf, Mário Covas e Brizola, tiveram
votações expressivas em apenas alguns estados. O PSB e o PPS confrontaram-se
com os mesmos limites em 2002. Levando essas dificuldades em consideração, os
partidos são induzidos à coordenação pré -eleitoral, costurando coligações
partidárias com forte componente regional. Porisso mesmo, as coligações
formadas tendem a repercutir sobre as disputas estaduais. As estratégias dos
partidos nos dois planos da disputa se entrelaçam. Em 1998, o acordo PT-PDT
pode ter sido excepcional e chamou atenção, mas, em 2010, tal tipo de acordo se
tornou a regra. Foi a forma pela qual o PT logrou estender a operação da base
de apoio ao governo à eleição. O acordo com o PMDB e o PSB foi abrangente e
levou a uma série de retiradas estratégicas de candidaturas, a presidencial de
Ciro Gomes pelo PSB aí incluída. Em Minas, o PT não lançou candidato ao governo
estadual para garantir sua aliança com o PMDB. O PSDB também construiu seus
palanques em quase todos os estados, e onde não tinha força para agir
diretamente recorreu ao DEM ou ao PMDB. Em 2010, disputas intrablocos, como a
que se deu na Bahia, foram raríssimas.
Na realidade, ainda que não seja possível desenvolver o ponto neste artigo,
tudo indica que a imposição da verticalização das coligações teve efeito
contrário ao pretendido, retirando a flexibilidade necessária para a composição
e a articulação entre as estratégias nacionais e estaduais dos partidos. O fato
é que em 2010, livre das ingerências legais, a nacionalização das disputas foi
bem mais pronunciada do que em 2002 e 2006.
DISPUTAS ESTADUAIS
O controle do PT e do PSDB sobre as eleições presidenciais não se estende às
disputas pelos governos estaduais. Não são os únicos competidores de peso na
maioria dos estados e, na realidade, sequer mar-cam presença em uma série
deles. Em 2006, oito partidos venceram pelo menos uma eleição para o governo
estadual. No primeiro turno de 2010, cinco partidos já conquistaram pelo menos
uma governadoria e, dependendo dos resultados do segundo turno, este número
pode chegar a nove. Contudo, é preciso ir além das aparências para detectar o
processo em curso.
O número de partidos a lançar candidatos ao governo em cada estado permanece
relativamente alto. O número médio de candidaturas por estado entre 1990 e 2010
é de 5, 5, enquanto a média de partidos participando da eleição para o governo
estadual em pelo menos um estado é de 24. Contudo, esses números não levam em
conta a viabilidade das candidaturas. Pequenos e micropartidos sem chances de
obter votações expressivas distorcem o quadro.
Os principais competidores variam de estado a estado, mas as eleições para
governador têm sido basicamente bi-partidárias (Tabela_3). A média de votos
recebidos no primeiro turno pelos dois principais partidos nas 27 disputas
estaduais está estabilizado em patamares relativamente elevados, acima dos 80%
dos votos válidos. O número de estados em que os dois maiores partidos obtêm
menos de 75% dos votos tem caído sistematicamente desde 2002, de oito naquela
oportunidade caiu para quatro em 2006 e para 2 em 2010. O número de eleições
decididas em segundo turno vem decrescendo a cada eleição, de dezoito em 1994
caiu para apenas nove em 20103. São cada vez mais raras eleições que contam com
uma terceira força viável e em que os participantes de um eventual segundo
turno não sejam conhecidos de antemão. Os terceiros colocados têm, em geral,
votações inexpressivas.
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Na realidade, do ponto de vista das votações recebidas, três partidos, PT, PSDB
e PMDB, levam nítida vantagem sobre os demais. A votação acumulada desses três
partidos nas eleições para os governos estaduais vem crescendo eleição a
eleição, passando de 43, 5% em 1990 para 67, 2% em 2006. Há , portanto, uma
clara simplificação do quadro partidário nas disputas pelos governos estaduais.
Se considerarmos os dois grandes blocos identificados na disputa presidencial,
isto é , se tratarmos a votação do PT e do PSB em conjunto, assim como a do
PSDB e do DEM, teremos um quadro ainda mais nítido do processo em curso. O
bloco PT-PSB mais do que triplicou sua força entre 1990 e 2004 e controla hoje
algo como um terço dos votos nacionais nas eleições para governos estaduais.
Atualmente, a participação do PSDB-DEM nestas eleições é similar à sua
contraparte à esquerda, isto é , recebeu algo como um terço dos votos
nacionais. Os demais partidos passaram por um processo de definhamento, obtendo
pouco mais de 15% dos votos válidos nas duas últimas eleições. Temos, portanto,
como jogadores efetivos nas disputas pelos governos estaduais, o PMDB e os dois
blocos formados pelo PT e PSDB (Tabela_4).
O PMDB aparece como a terceira força nas disputas estaduais. Sua votação, como
se vê na Tabela_4, ainda que com variação significativa em alguns anos, nunca
deixou de ser marcante. Ficou abaixo do PSDB e do PT nas três últimas eleições,
mas em nenhum momento perdeu contato com os líderes. O PMDB, portanto, é a
única força partidária que contrarresta a tendência das disputas estaduais de
espelharem a bi-polarização nacional. Contudo, a posição do partido na
configuração das disputas estaduais mudou com o tempo.
O controle sobre os executivos estaduais tem ficado restrito aos cinco partidos
listados acima desde pelo menos 1998 (Tabela_5). Como se vê , a participação
dos demais partidos vem caindo a cada eleição. Nada mais do que 22 estados
foram governados por um desses cinco partidos entre 2006 e 2010. O bloco PT/PSB
venceu oito eleições em 2006, enquanto o PSDB-DEM venceu sete. O PMDB rivaliza
com esses blocos, tendo controlado sete estados no último quadriênio.
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Os resultados do primeiro turno das eleições de 2010 seguem a mesma toada. O
bloco PT-PSB obteve sete vitórias no primeiro turno e passou ao segundo em
cinco. O bloco PSDB-DEM obteve seis vitórias em primeiro turno, qualificando-se
ao segundo turno em cinco. O PMDB venceu quatro eleições no primeiro turno e
participou de três no segundo turno. O PMN foi o único pequeno partido a vencer
no primeiro turno, ao conquistar o governo do Amazonas. Das nove disputas
levadas ao segundo turno, PDT, PTB, PP, PPS e PSC participaram em uma cada,
apenas. No máximo, portanto, estes partidos poderão controlar um governo
estadual nos próximos quatro anos.
Com base nessas informações, é possível reconstituir sinteticamente a estrutura
das competições estaduais. Em geral, os partidos de um mesmo bloco não lançam
candidatos ao governo em um mesmo estado. O enfrentamento entre membros de um
mesmo bloco é a exceção e não a regra. Por exemplo, em 1994, a Bahia foi o
único estado em que o PSDB e o PFL lançaram candidatos ao governo, enquanto o
PT e o PSB estiveram presentes concomitantemente em dois estados (Rio Grande do
Norte e Alagoas). Na eleição seguinte, PT e PSB não se enfrentaram em um estado
sequer, o que aconteceu em quatro estados entre o PSDB e o PFL. Nestas duas
eleições, o PMDB lançou candidatos em quase todos os estados, em dezenove deles
para ser exato, apresentando-se como alternativa aos candidatos dos dois blocos
em nove estados em 1994 e em doze, em 1998.
A coordenação do lançamento de candidaturas foi interrompida em 2002 sob o
impacto conjunto da ruptura das principais coligações e da imposição de que as
mesmas fossem verticalizadas. PT e PSB lançaram candidatos ao governo em quase
todos os estados, enfrentando-se em dezoito estados.
Em 2006, o bloco comandado pelo PSDB mostrou-se mais eficiente do que o do PT
para evitar disputas estaduais. Três estados assistiram a disputas entre PSDB e
PFL, enquanto PT e PSB se enfrentam em seis estados. Contudo, destas nove
disputas intrablocos, apenas em três delas um dos partidos envolvidos era mais
do que mero figurante na disputa, obtendo mais do que 3% dos votos. Competição
real entre PT e PSB ocorreu apenas em Pernambuco (onde o PFL também apresentou
candidato forte) e Rondônia, enquanto PSDB e PFL se enfrentaram para valer no
Distrito Federal.
Nesse mesmo ano, o PMDB lançou candidatos em dezesseis estados, sendo que em
seis destes os dois blocos também têm pelo menos um representante. Exame dos
resultados indica que o PMDB era mero figurante em um dos estados (São Paulo),
enquanto ambos os representantes dos blocos presidenciais não conseguiram
marcar presença em dois deles (Rio de Janeiroe Goiás). Disputas envolvendo
representantes das coligações presidenciais e o PMDB ficaram resumidas ao Rio
Grande do Sul, Piauí e Pará . Assim, em geral, a disputa nos estados gira em
torno dos representantes diretos dos dois blocos ou se dá entre um destes e o
PMDB.
O mapeamento das disputas estaduais em 2010 confere tons mais nítidos ao
quadro. Os dois grandes blocos mostraram-se capazes de coordenar suas entradas
nas disputas estaduais. PSDB e DEM não lançaram candidatos ao governo estadual
em um mesmo estado. PT e PSB tiveram candidatos simultaneamente apenas em São
Paulo, onde o candidato do PSB não conseguiu conquistar espaço. Ou seja, os
dois blocos foram capazes de evitar o desgaste de lutas internas, retirando
candidaturas potencialmente viáveis para unificar palanques. O PT retirou-se da
disputa em vários estados em nome de sua aliança nacional com o PSB e o PMDB,
fazendo com que o número de candidatos ao governo lançado pela sigla caísse de
dezoito para dez.
Em nove estados, o principal confronto deu-se entre representantes diretos dos
dois blocos. O PSDB esteve diretamente envolvido em seis destas disputas,
enfrentando o PT em três delas (PP, PA e AC) e o PSB nas três restantes (CE, ES
e PI). O DEM capitaneou o bloco de direita em três estados, batendo-se com o PT
em dois deles (BA e SE) e com o PSB noutro (RN). Há ainda disputas em que um
dos blocos está representado por uma força auxiliar, como foi o caso do
confronto PSDB-PDT em dois estados (PR e AL) e do PSB-PTB (AP).
O PMDB, como já vimos, é um capítulo à parte, a única força não engolfada pela
clivagem nacional. Contudo, nesta eleição não se apresentou propriamente como
força autônoma, se é que o fora em 2006. Em seis estados, alinhou-se com o
bloco comandado pelos tucanos, enfrentando o PT em dois deles (MS e RS), o PSB
em três (PE, MT, PB) e o PV no restante (RJ). Aliou-se à força contrária, isto
é , ao bloco comandado pelo PT em três estados e em todos estes seu adversário
foi o PSDB (MG, GO, TO).
Poucos estados tiveram suas disputas pelo governo estadual descoladas da lógica
que imperou na disputa presidencial (apenas seis, segundo o mapeamento
apresentado). Nestes, o PMDB aparece em dois estados, no Maranhão e em
Rondônia. Possivelmente, um conhecimento mais detalhado da política estadual
permitiria classificação diversa tanto destas como das disputas classificadas
acima. Seja como for, parece inegável a inter-relação entre os planos nacional
e estadual da disputa eleitoral e a posição pendular do PMDB.
PT e PSDB são os maiores partidos nacionais tanto na disputa pela presidência
como nas disputas pelos governos estaduais, sejam estas avaliadas em termos de
votos recebidos ou vitórias conquistadas. A relação entre a ascensão nos dois
planos da disputa é evidente. O PSDB saltou de 11, 6% em 1990 para 23, 2% em
1994.
Ganhara a eleição apenas para um governo em 1990; venceu em cinco estados em
1994, incluindo os principais colégios do país, como SP, MG e RJ. O PT, de sua
parte, que recebera 14, 5% dos votos para o governo estadual em 1998, pulou
para 27, 6% dos votos em 2002. Os dados para PSB e DEM também mostram a mesma
associação: o primeiro cresceu desde a chegada do bloco ao poder nacional, o
segundo definhou.
O reverso da medalha merece ênfase. Os demais partidos, como PP, PDT, PTB, PR e
tantos outros são meros coadjuvantes nas disputas estaduais. No máximo, são
forças auxiliares que se juntam a um dos lados em disputas específicas. A perda
de espaço e poder destes partidos são evidentes. Nas últimas eleições,
praticamente se retiraram das disputas pelo executivo estadual. Só lançaram
candidatos viáveis em alguns poucos estados e, em geral, o fizeram nos de menor
expressão.
ELEIÇÕES PROPORCIONAIS
A redução de partidos viáveis não alcançou as eleições proporcionais. A Câmara
dos Deputados mantém sua alta fragmentação, a qual, de fato, continua a
crescer. Os cinco partidos que controlam as eleições para cargos executivos não
têm o mesmo desempenho nas eleições legislativas (Tabela_6). Na realidade,
perderam eleitores nas últimas eleições.
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Contudo, pelo que foi visto anteriormente, uma parte considerável dos partidos
ali representados não alimenta maiores pretensões ou possibilidades de
crescimento. Tendo sido excluídos, para todos os efeitos, das disputas pelos
cargos executivos, isto é , das eleições em que se decidem os maiores prêmios.
Sobrevivem a duras penas, valendo-se de uma política de alianças diversificada
estado a estado. Essa fragilidade tem decorrências para as relações entre o
Executivo e o Legislativo. É difícil imaginar que partidos nesta situação
possam sobreviver fazendo oposição ao governo. Mas esta é outra história.
CONCLUSÃO
A estratégia eleitoral dos partidos, ancorada no monopólio que eles detêm sobre
o lançamento de candidaturas, formata a competição eleitoral. Cidadãos só podem
votar nas opções que lhes são oferecidas. A coordenação das estratégias
partidárias tem levado a uma significativa restrição das opções efetivamente
disponíveis nas disputas presidenciais e pelos governos estaduais. O
multipartidarismo está , para todos os efeitos, restrito às eleições
proporcionais.
PT e PSDB são os principais protagonistas das eleições presidenciais.
Asseguraram esta posição em 1994 e não a perderam nas eleições subsequentes.
Processos eleitorais são dotados de grande força inercial. O alto custo de
entrada nas eleições presidenciais desestimula a participação de potenciais
desafiantes. Para estes, negociar a troca de apoios pode ser mais vantajoso.
Partidos coordenam suas estratégias nos diferentes planos, articulando o
lançamento (e a retirada) de candidaturas nos diferentes distritos.
O PMDB ocupa uma posição singular no quadro que se desenha. Para além do PT e
do PSDB, é o único partido com implantação em vários estados e capaz de
rivalizar em votos com os dois grandes blocos. Contudo, o fracasso das
candidaturas presidenciais em 1989 e 1994 alijou o partido desta disputa,
reforçando o peso das lideranças estaduais. Muito provavelmente se uma
liderança estadual peemedebista tentar alçar vôos mais altos, seu destino será
similar ao de Ciro Gomes em 2010. Outras lideranças estaduais estarão dispostas
a negociar seu apoio a outras candidaturas presidenciais em nome do apoio
destas em seus estados.
A polarização da disputa presidencial foi transplantada aos estados. PT e PSDB
também são os mais fortes contendores nas eleições para governador. Recebem
mais votos e controlam mais governos do que os demais. Quando não estão
presentes, são representados por seus aliados históricos, PSB e DEM
respectivamente, ou por uma aliança circunstancial com o PMDB.
Análises do quadro partidário brasileiro tendem a privilegiar as eleições para
a Câmara dos Deputados. Os analistas não se cansam de alertar para a
fragmentação excessiva que caracterizaria o sistema partidário brasileiro, tido
e havido como um dos mais fragmentados do mundo. Nessas análises, contudo, a
eleição presidencial e para os governos estaduais são deixadas de lado. Não há
boas razões para tanto.
As eleições presidenciais são as mais importantes tanto para os partidos como
para os eleitores. Por isso mesmo, devem ocupar o centro das análises. Nesse
sentido, o bi-partidarismo que caracteriza as eleições presidenciais merece
maior destaque do que a fragmentação na Câmara dos Deputados, sobretudo quando
se atenta para seus efeitos na estruturação das demais disputas.
PT e PSDB foram os partidos mais votados nas cinco últimas eleições
presidenciais. O domínio desses dois partidos sobre tais eleições não foi
ameaçado entre 1994 e 2010. Terceiras forças ficaram sempre muitos distantes do
segundo colocado e não conseguiram repetir seus resultados nas eleições
subsequentes. A polarização PT-PSDB na eleição presidencial repercute e
reorganiza as disputas pelos governos estaduais. Não por acaso, estas mesmas
agremiações são as principais vitoriosas das disputas pelos governos estaduais.
O PMDB é o único partido com presença nacional e votos a rivalizar com estes
dois partidos. Contudo, não é uma força verdadeiramente autônoma, na medida em
que representa um dos dois blocos nos estados.
A simplificação do quadro partidário é visível. São poucos os partidos que
realmente contam. A clivagem política nacional se reproduz nos estados. PT e
PSDB estão presentes, diretamente ou por meio de representantes, em todos os
estados. A oferta de candidaturas viáveis pelos partidos se reduz a dois tanto
no âmbito nacional como no estadual. O resto é o resto.
FERNANDO LIMONGI é professor titular do departamento de Ciência Política da
Universidade de São Paulo e pesquisador sênior do Cebrap.
RAFAEL CORTEZÉ doutor em Ciência Política pela USP, professor da PUC-SP e
consultor da Tendências Consultoria Integrada.
[1] Agradecemos a Lara Mesquita, Danilo Buscatto Medeiros e Andrezza Davidian
pela ajuda na organização dos dados.
[2] Não somos os primeiros a notar tal fato. Meneguello, Rachel. "Tendências
eleitorais ao fim de 21 anos de democracia". In: Carlos Ranulfo Melo, C. R. e
Sáez, Manuel Alcântara (orgs.) . A democracia brasileira: balanço e
perspectivas para o século 21. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2007, pp. 267-
302. ; Melo, Carlos Ranulfo. "Nem tanto ao mar, nem tanto à
terra: elementos para uma análise do sistema partidário brasileiro. In: Melo e
Sáez (orgs.) , op. cit., pp. 374-404.
[3] Lara Mesquita nos chamou a atenção para este ponto.