Crime, oportunidade e vitimização
Introdução
Tema ainda inexplorado na literatura sobre crime e violência no Brasil, o
ambiente de oportunidades para a ocorrência de delitos tem revelado uma notável
capacidade explicativa na literatura criminológica internacional. A dinâmica de
fatores ambientais na distribuição de crimes em espaços urbanos tem sido cada
vez mais utilizada para a discussão dos componentes racionais da atividade
criminosa, assim como para o desenvolvimento de estratégias de prevenção
situacional (Newman et al., 1997; Clarke, 1997; Clarke e Felson, 1993).
No contexto brasileiro, isso é uma inovação conceitual e teórica. Na
perspectiva criminológica tradicional, a ênfase na explicação da distribuição
de crimes recai nos vários fatores que afetam a escolha por parte dos
indivíduos, como predisposições pessoais, forças socializantes da família, dos
pares e da escola, reforços proporcionados pela comunidade e, ainda,arranjos
institucionais de diversas naturezas. Do ponto de vista da formulação de
políticas públicas, esse tipo de resultado pode ser irrelevante, uma vez que
aponta para fatores que não estão sob o controle do Estado ou onde a
intervenção estatal pode não ser desejável. Outros fatores estão num plano no
qual o Estado tem muito pouco a fazer (Wilson, 1983). Não se pode obrigar os
pais a amarem os filhos, comunidades a supervisionarem seus adolescentes ou
proibir jovens de desenvolverem certas atividades e comportamentos de risco.
Existem algumas vantagens em conceber crimes não como resultado de disposições
sociológicas e psicologicamente determinadas, mas de decisões e escolhas
individuais. Dos determinantes sociais do comportamento de criminosos, partimos
para a análise de crimes e das condições em que eles ocorrem. O que se pretende
é descobrir os processos de tomadas de decisão por parte dos criminosos. Quais
são os mecanismos cognitivos em ação? Como eles justificam suas condutas? Quais
informações são relevantes para a ação criminosa? (Clarke e Cornish, 1985).
Contexto teórico da discussão
O impacto das teorias ecológicas dos anos de 1930 e 1940 sobre a teoria das
oportunidades tem sido ressaltado pelos modernos comentaristas da teoria
criminológica (Bursick e Grasmick, 1993). Desde então, a teoria social se
preocupa com aspectos de natureza ecológica e ambiental na determinação de
fenômenos sociais tais como o da criminalidade (Park e Burguess, 1924; Hawley,
1944; Shaw e MacKay, 1942). A mútua dependência entre grupos funcionalmente
distintos que formam relacionamentos simbióticos, assim como as demandas sobre
o ambiente que marcam organizações comensalistas, fornecem as bases para a
compreensão da interação entre predadores e vítimas no mercado de atividades
criminosas. Nas palavras de Felson:
Um novo padrão de criminalidade surge com o crescimento das cidades,
com ofensores predatórios ocultos na multidão, que atacam e, então,
se escondem novamente para não serem presos. Vendas ilegais e
consumo, assim como brigas podem sobreviver mais facilmente dentro de
um ambiente urbano (1994, p. 49).
Jacobs (1961) destacava os ecossistemas urbanos compostos por processos
físicos, econômicos e éticos, em que a diversidade e a interdependência
cumpririam a função de revitalização e controle. O problema da segurança nas
grandes cidades estaria diretamente relacionado ao enfraquecimento dos
mecanismos habituais de controle exercidos naturalmente pelas pessoas que vivem
nos espaços urbanos. A partir daí, perspectivas de intervenção ambiental
passaram a incorporar conceitos como o de "espaço defensivo" (Newman, 1972) ou
de "prevenção de crime através do design ambiental" (Jeffery, 1971). A idéia de
espaço defensivo relaciona-se a soluções arquitetônicas de recuperação de
moradias públicas nos Estados Unidos, obrigando seus moradores a exercer seus
naturais instintos de "territorialidade". Este instinto é perdido quando se
constroem grandes prédios de habitação coletiva, em que os moradores mal se
conhecem, e onde existe uma variedade enorme de acessos não supervisionados que
facilitam a atividade de predadores. A idéia é reduzir esse anonimato não
apenas pelo incremento da vigilância natural, mas também diminuindo as vias de
escape para potenciais ofensores.
Outra estratégia é denominada Teoria das Abordagens de Atividades Rotineiras
(Cohen e Felson, 1979), que busca explicar a evolução das taxas de crime não
por meio das características dos criminosos, mas das circunstâncias em que os
crimes ocorrem. Para que um ato predatório ocorra é necessário que haja uma
convergência no tempo e no espaço de três elementos: ofensor motivado, que por
alguma razão esteja predisposto a cometer um crime; alvo disponível, objeto ou
pessoa que possa ser atacado; e ausência de guardiões, que são capazes de
prevenir violações.
Trata-se de um modelo bastante econômico no que diz respeito aos elementos
utilizados. Contudo, a própria definição desses elementos guarda muitas
sutilezas. Embora esteja se tratando de uma abordagem preocupada com as
características ambientais nas quais ocorrem os crimes predatórios, ela ainda
mantém algumas ressonâncias na criminologia mais tradicional ao enfatizar a
motivação dos ofensores como um dos elementos centrais. A origem dessa
motivação, entretanto, é deixada em aberto. O segundo aspecto é que a ação
predatória dirige-se a "alvos", ou seja, pessoas ou objetos em dada posição no
tempo e no espaço. Isto termina por retirar o aspecto moral que a palavra
vítima carrega consigo: um alvo define-se como coisas que tem algum valor, além
de algumas propriedades que o tornam adequado à ação predatória:
[...] adequabilidade provavelmente reflete tais coisas como valor (o
desejo material ou simbólica de uma propriedade pessoa ou propriedade
para os ofensores), visibilidade física, acesso e a inércia de um
alvo para o tratamento ilegal pelos ofensores incluindo o tamanho,
peso, portabilidade ou características de trancamento da propriedade
que inibem sua remoção e a capacidade das vítimas pessoais a
resistirem aos ataques com ou sem armas (Cohen e Felson, 1979, p.
591).
Finalmente, os guardiões não se referem apenas às organizações do sistema de
justiça criminal, tal como concebido pela criminologia mais tradicional. Isso
significa que os mecanismos de controle social informais são igualmente
críticos na ocorrência de delitos. Nas palavras de Clarke e Felson:
Realmente, as pessoas mais aptas para prevenir crimes não são os
policiais (que raramente estão por perto para descobrir os crimes no
ato), mas antes os vizinhos, os amigos, os parentes, os transeuntes
ou o proprietário do objeto visado. Note que a ausência de um
guardião adequado é crucial. Definir um elemento-chave como ausência
antes do que presença é claramente um princípio fundamental na
despersonalização e na despsicologização no estudo do crime. Certos
tipos de pessoas são mais prováveis de estar ausentes do que outras,
mas o fato de uma ausência ser enfatizada é mais um lembrete de que o
movimento das entidades físicas no tempo e no espaço é central para
esta abordagem (Clarke e Felson, 1993, p. 3).
Cohen e Felson mostram como características ' local de residência dos ofensores
e das vítimas, relacionamento entre ofensores e vítimas, local dos contactos,
idade das vítimas ou o número de adultos em uma casa e horário de ocorrência,
entre outras ' estão relacionadas à incidência de crimes. Assim, o aumento de
arrombamentos residenciais liga-se a mudanças na estrutura de empregos na
sociedade norte-americana, de tal maneira que um número maior de pessoas
(incluindo mulheres) abandona os lares, deixando-os à mercê das atividades
predatórias.
A idéia um tanto óbvia de que ofensores e vítimas devem convergir no tempo e no
espaço deu origem a estudos que visam a identificar as dinâmicas pelas quais os
indivíduos proporcionam oportunidades para vitimização. Esse tipo de abordagem
usa dados de pesquisas de vitimização para compreender as diversas maneiras
pelas quais a alocação de atividades de trabalho e lazer pelos indivíduos
influencia suas probabilidades de vitimização (Hindelang, 1978). As diferenças
de "estilos de vida" afetam o montante de tempo alocado a cada uma dessas
atividades e, conseqüentemente, a exposições a situações de risco de
vitimização.
Neste artigo trataremos especificamente da teoria das oportunidades avaliada a
partir de dados de pesquisa de vitimização realizada em Belo Horizonte (Crisp,
2002). A utilização desse tipo de dados tem algumas implicações que merecem ser
ressaltadas. Em primeiro lugar, salienta-se que as taxas de vitimização são
distintas nos diferentes grupos e segmentos sociais. Isso significa que não nos
deteremos em elementos mais locais e de vizinhança em que as vitimizações
ocorrem (Bursick e Grasmick, 1993), embora o questionário utilizado nos permita
fazer avaliações de alguns fatores físicos e ambientais que colaboram para as
ocorrências. Em particular, observaremos a influência de variáveis de desordem
e incivilidade (Kelling e Colles, 1996). Na verdade, a plena investigação de
fatores de ordem ecológica nos levaria ao desenvolvimento de uma "ecometria",
em que instrumentos específicos poderiam ser desenvolvidos para avaliar
processos físicos e ambientais, assim como processos de supervisão e controle
que contribuem para a incidência de crimes (Sampson e Radenbush, 1997).
Em segundo lugar, não trataremos de "crime" de uma maneira genérica, mas das
condições de incidência de determinados tipos de crime. A denominação "crime"
implica fenômenos muito distintos: "roubar uma revista em quadrinhos, esmurrar
um colega, sonegar impostos, assassinar a esposa, roubar um banco, corromper
políticos, seqüestrar aviões ' esses e inumeráveis outros atos são crimes"
(Wilson e Herrenstein, 1985, p. 21). Exploraremos aqui especificamente os
correlatos de crimes, como furto, roubo e agressão, efetivados ou não.
Uma abordagem da criminalidade toma a vítima como objeto de estudo, buscando
investigar como o estilo de vida do indivíduo e as oportunidades geradas por
ele influenciam a probabilidade de vitimização. Esse enfoque é baseado nas
teorias de "estilo de vida" (life-style models) e "oportunidades" (opportunity
models), utilizadas em estudos de vitimização, como, por exemplo, de Cohen,
Kluegel e Land (1981). Fatores que mais influenciam o risco de vitimização dos
indivíduos são: exposição, proximidade da vítima ao agressor, capacidade de
proteção, atrativos das vítimas e natureza dos delitos. A exposição é definida
pela quantidade de tempo que os indivíduos freqüentam locais públicos,
estabelecendo contatos e interações sociais. O estilo de vida de cada indivíduo
determina em que intensidade os demais fatores estão presentes na sua vida.
Assim, determina em que medida os indivíduos se expõem ao freqüentar lugares
públicos, qual a sua capacidade de proteção, seus atrativos e a proximidade com
os agressores.
A proximidade da vítima ao agressor diz respeito à freqüência de contatos
sociais estabelecida entre ambos, o que depende do local de residência, das
características socioeconômicas e dos atributos de idade e sexo, assim como da
proximidade de interesses culturais. Indivíduos com a mesma idade costumam
freqüentar os mesmos ambientes nas atividades de lazer.
A capacidade de proteção está relacionada ao estilo de vida das vítimas.
Indivíduos que têm maior capacidade de se resguardar, evitando contato com
possíveis agressores, têm menor probabilidade de serem vitimados. Por exemplo,
indivíduos que andam de carro em vez de ônibus têm maior capacidade de proteção
porque diminuem a possibilidade de contato com os agressores. Do mesmo modo,
aqueles que contratam segurança privada diminuem a probabilidade de serem
vítimas de crime.
As vítimas tornam-se ainda mais atrativas quando oferecem menor possibilidade
de resistência ou proporcionam maior retorno esperado do crime. Os indivíduos
que oferecem menor possibilidade de resistência, provavelmente, reagem com
pouca intensidade, o que representa menor risco de aprisionamento para o
agressor. Aqueles que proporcionam maior retorno esperado do crime têm maior
probabilidade de serem vitimados, uma vez que, por um mesmo risco de
aprisionamento, o criminoso pode ganhar mais.
A natureza do delito é importante para determinar em que proporção cada fator
exposto acima influencia a probabilidade de vitimização. Isso acontece porque a
influência de cada fator na determinação do crime é diferente, dependendo do
tipo de delito. Por exemplo, no caso de homicídios em Belo Horizonte a
proximidade geográfica entre a vítima e o agressor é um fator crucial (Beato,
2003).
Este artigo baseia-se nos modelos de estilo vida e de oportunidades, por meio
dos quais procuramos descrever o perfil da vítima de crimes no município de
Belo Horizonte, ou seja, suas características, condição socioeconômica,
hábitos, características familiares e características dos locais onde vivem. A
pesquisa foi realizada com base no cálculo da probabilidade de vitimização, de
acordo com as características do indivíduo.
Metodologia
a. Dados
Os dados utilizados neste trabalho provêm da Pesquisa de Vitimização realizada
pelo Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), entre
fevereiro e março de 2002. Esse tipo de pesquisa contém informações sobre os
acontecimentos criminais sofridos pelos indivíduos, sobre a quantidade e o tipo
de perda incorrida e as características dos criminosos. Além disso, engloba
informações sobre as características socioeconômicas, os hábitos e as
características de residência e vizinhança dos indivíduos.
A pesquisa de vitimização realizada em Belo Horizonte considera as seguintes
categorias de crime: furtos (ato de apropriação de bens alheios sem que a
vítima perceba a apropriação na hora da efetivação do ato); roubos (ato de
apropriação de bens alheios em que a vítima percebe a apropriação na hora da
efetivação do ato); tentativa de roubo (quando o indivíduo é vítima de roubo,
mas consegue evitar a consumação do mesmo); roubo em residência (ato de
apropriação de bens alheios que estejam dentro da residência da vítima, estando
ela presente ou não); tentativa de roubo em residência (quando o indivíduo é
vítima de roubo na residência em que, por algum motivo, não consegue ser
efetivado); agressão (ato de ferir outrem com ou sem uso de armas); tentativa
de agressão (quando o indivíduo é vítima de agressão, mas não é ferido).1
O objetivo deste trabalho é, portanto, identificar, por intermédio da estimação
de modelos econométricos, o perfil das vitimas no município de Belo Horizonte,
no ano de 2002. A fim de avançarmos no entendimento da criminalidade,
analisamos cada categoria de crime separadamente (furto, roubo, roubo a mão
armada e agressão). Em seguida, fizemos uma agregação, partindo de crimes de
menor periculosidade para os de maior periculosidade, até que todos os crimes
com motivação econômica (furto, roubo, roubo a mão armada) estivessem
agregados. Ao trabalharmos separadamente com cada tipo de crime, flexibilizamos
a hipótese de que o perfil das vítimas de todos os crimes com motivação
econômica seja o mesmo. Por exemplo, permitimos a diferenciação entre o perfil
das vítimas de furto e de roubo a mão armada. É nesse sentido também que
consideramos as combinações das tentativas e o crime efetivamente sofrido com a
hipótese de que as características que influenciam a probabilidade de ser
vitimado sejam as mesmas que influenciam a probabilidade de sofrer uma
tentativa de vitimização.2
Os modelos serão estimados considerando as categorias de agregação dos crimes
apresentada na Tabela_1. A primeira coluna indica a numeração dos modelos e a
segunda coluna indica o tipo de crime que será analisado, ou seja, a variável
dependente.
Foram consideradas independentes as variáveis de características dos
indivíduos, de características da residência e da vizinhança, dos hábitos
pessoais, e para o Modelo de roubo em residência, as variáveis de equipamentos
de segurança das residências.
b. Variáveis de características pessoais
Sexo; cor; idade; estado civil; condição na atividade econômica;3 escolaridade;
e renda familiar.
c. Variáveis de características da residência
Número de moradores da residência; e condição da residência.
d. Variáveis de característica da vizinhança
Prédios abandonados ' variável construída como dummy para a existência de
prédios abandonados na vizinhança; e tiro, variável dummy para existência de
barulho de tiro na vizinhança.
e. Variáveis dos hábitos pessoais
Transporte público, variável dummy para o uso freqüente de transporte público;
e horário que mais freqüenta/anda na rua ' variável construída como dummy para
identificar se o indivíduo anda mais na rua de noite ou de dia.
f. Variáveis de segurança residencial
Este é um grupo de variáveis específicas do Modelo de roubo em residência, as
quais refletem o sistema de segurança existente. Seu efeito é ambíguo, pois
pode ocorrer um problema de endogeneidade, isto é, as residências possuem mais
equipamentos pelo fato de ter sofrido mais roubos. Se esse problema não
ocorrer, esperamos que residências com mais equipamentos de segurança tenham
menor probabilidade de sofrer roubo, pois a segurança aqui aumenta o risco de o
criminoso ser capturado. As variáveis são: presença de grades nas janelas;
presença de tranca extra nas portas; olho mágico; interfone; existência de cão;
alarme; câmera de vídeo; vigia desarmado ou porteiro; vigia armado; muro com
caco de vidro; muro com cerca elétrica; muro com mais de 2 metros; muro com
menos de 2 metros; existência apenas de grade; e não possuir muro nem grade.
Método de estimação
A variável dependente assume valores zero ou um. Neste caso em específico,
aplicamos os valores tendo como variáveis dependentes os crimes apresentados na
Tabela_1. Em todos os casos as respostas dos indivíduos são "sim, foi vítima do
crime ou da tentativa do crime" ou "não foi vítima do crime ou da tentativa do
crime".
Análise descritiva
A incidência de vitimas na amostra varia bastante conforme o tipo de crime
considerado. O furto foi o crime de maior incidência (13,92% na amostra),
seguido do roubo (8,86%), roubo em residência (5,34%) e agressão (3,21%). As
tentativas de cometer os crimes incidem quase sempre na mesma proporção que os
mesmos. No total da amostra, 22,4% dos indivíduos relataram ter sofrido algum
tipo de crime.4 Na Tabela_2 mostramos, além da incidência dos crimes
considerados, as combinações das vítimas de crimes com as vítimas de tentativas
dos mesmos, por acreditar que as características que levam os indivíduos a
serem vitimados e a sofrerem tentativas de crimes são as mesmas.
As demais variáveis são mostradas na Tabela_3, onde se relacionam com os
delitos analisados. A incidência de furto é maior entre as mulheres (14,6%),
enquanto a incidência de roubo é maior entre os homens (9,6% dos homens em
contraposição a 8,4% das mulheres). A cor parece ser fator determinante quando
se considera furto e roubo, pois estes incidem em uma proporção maior em
brancos, 15,1% e 10,5%, enquanto em não brancos esta proporção cai para 12,9% e
7,3%, respectivamente. No caso da agressão, esse quadro se inverte ' os não
brancos são mais vitimados (4,1% dos não brancos em contraposição a 2,4% dos
brancos). Esses resultados podem sugerir que talvez o problema de exclusão
social dos não brancos seja determinante da vitimização.
Com relação à idade, o grupo de 13 a 24 anos é o de maior incidência tanto de
furto como de roubo. Isto pode estar acontecendo devido aos fatores
"exposição", "menor capacidade de proteção" e "proximidade entre vítima e
agressor". Indivíduos mais jovens em sua maioria são solteiros, freqüentam mais
lugares públicos sem se preocupar muito com sua própria proteção. A proporção
de agredidos na amostra vai diminuindo à medida que consideramos as faixas
etárias mais elevadas, o que pode estar indicando a relação desse tipo de crime
com o fator exposição. Quanto ao estado civil, a maior incidência de furto e
roubo estão entre os indivíduos solteiros e os separados. Por exemplo, no caso
de furto, do total de solteiros, 15,8% foram vitimados, e dos separados, 14,5%.
Esses indivíduos estão mais expostos, pois tendem a passar menos tempo com suas
famílias. Talvez a agressão aconteça com mais freqüência entre os solteiros
pelo mesmo motivo.
Indivíduos que trabalham são vitimas preferenciais de todos os tipos de crime.
No caso de roubo e furto, uma possível explicação é o fato de serem mais
atrativos, pois proporcionam maior retorno esperado do crime. No caso de
agressão, a explicação pode residir no fato de estarem mais expostos, uma vez
que transitam mais em locais públicos, e manterem maior proximidade com
possíveis agressores, pois seu círculo social é maior.
Os furtos e os roubos incidem mais em indivíduos com nível superior e nos três
grupos de renda familiar mais elevada, mostrando a importância do fator
atratividade.5 Indivíduos com nível superior são mais bem educados e
provavelmente auferem mais rendas do que os demais grupos de escolaridade.
Indivíduos com altas rendas são mais atrativos, pois exibem um maior retorno
esperado do crime. Em contrapartida, a agressão incide mais em indivíduos menos
escolarizados e nos três menores grupos de renda, indicando a importância da
capacidade de proteção e do efeito socializador da educação.
Com relação aos hábitos, indivíduos que andam de coletivo e sobretudo à noite
apresentam maior incidência de todos os tipos de crime. Em coletivos os
indivíduos têm menor capacidade de proteção se comparados aos que circulam de
carro, uma vez que estes têm menos contato com desconhecidos e, ao mesmo tempo,
estão mais protegidos no interior de seus veículos. Além disso, ao andarem de
transporte público, os indivíduos se expõem mais, aumentando as oportunidades
de se tornarem vítimas. Os indivíduos que andam mais a noite são vítimas
preferenciais, talvez porque apresentem menor risco de aprisionamento para o
criminoso dada a menor incidência de testemunhas nas ruas nesse período.
Quanto às características da residência e da vizinhança, indivíduos que vivem
em residências invadidas têm maior probabilidade de sofrerem agressão, furto e
roubo em residência. Esse resultado reflete o fato de que desses indivíduos têm
baixa escolaridade, no caso da agressão, e pouca capacidade de proteção, nos
outros dois casos. A pouca capacidade de proteção provém da não legitimação do
direito de propriedade. Com relação ao barulho de tiros, indivíduos que moram
em regiões onde isso ocorre sofrem com maior freqüência todos os tipos de
crimes considerados, o que reflete a importância de fatores relacionados à
desordem e à ausência de controle e supervisão, que caracterizariam a ausência
de mecanismos de eficácia coletiva (Sampson e Raudenbush, 1997).
A incidência de roubos em residência não acontece de maneira regular nas demais
variáveis, não permitindo especulações sobre as tendências nesta área. Assim,
foi feita uma análise em que se considerou as variáveis que retratam a
segurança da residência. A Tabela_4 mostra que o roubo em residência para
alguns tipos de equipamento de segurança ocorre com mais freqüência quando a
residência não os possui e, para outros equipamentos, ocorre com mais
freqüência quando a residência os possui. Isto pode estar retratando o fato de
que muitas vezes os indivíduos adotam o uso de equipamento de segurança após
terem sofrido crimes.
A utilização de medidas de autoproteção referem-se às percepções de riscos e ao
medo da população, o que gera um conjunto de medidas de natureza reativa ou
pró-ativas em relação aos equipamentos de segurança. É interessante notar na
Tabela_4 como as medidas pró-ativas de segurança, características de prédios e
condomínios residenciais, tais como porteiros, interfones e olhos mágicos, são
as únicas que apresentam taxas menores de vitimização. Medidas reativas
traduzem os signos da insegurança e do medo, explorados pela indústria de
segurança privada e de tecnologias de proteção, e que resultam em sua maioria
de experiências de vitimização anteriores.
Análise dos Modelos
Na Tabela_5, reportamos o resultado para cada modelo estimado.6 O Modelo 1 tem
como variável independente o furto. No Modelo 2, a variável independente é o
roubo, e no Modelo 3 é a acumulação do roubo e/ou tentativa de roubo. A junção
de furto e/ou tentativa de roubo e/ou roubo é reportada no Modelo 4. A agressão
é reportada no Modelo 5 e, por fim, a combinação entre agressão e tentativa de
agressão é reportada no Modelo 6. Todos esses modelos foram estimados com duas
especificações diferentes, a primeira que considera as faixas de renda como
variável explicativa e a segunda que usa a variável condição da residência como
proxy de riqueza. Como já explicitado anteriormente, essa proxy justifica-se
pelo fato de normalmente os indivíduos sub-reportarem sua renda.
Modelo 1
O furto é definido como o ato de apropriação de bens alheios sem que a vítima o
perceba na hora da efetivação do mesmo, que pode ocorrer na casa ou no trabalho
da vítima. Os fatores "exposição" e "proximidade entre vítima e agressor" foram
de fundamental importância para a determinação da probabilidade de vitimização.
O fator exposição foi confirmado pelo modelo. Quem usa freqüentemente
transporte público tem probabilidade 39% maior do que os não usuários (no
Modelo de furto 2, esta probabilidade foi de 38%). Além disso, quem trabalha
tem probabilidade de ser vitimado 41% maior do que os não trabalhadores (no
Modelo de furto 2, esta probabilidade é de 37%). Ao andarem de coletivo e
trabalharem os indivíduos estão mais expostos, pois freqüentam mais lugares
públicos e têm mais contato com pessoas desconhecidas. Trabalho significa
ausência de casa e de vigilância sobre o que ali ocorre. Cohen e Felson (1979)
mostraram como mudanças na estrutura de trabalho da sociedade norte-americana
acarretaram um maior tempo de ausência das pessoas em suas residências, com o
conseqüente aumento de arrombamento de casas.
A atratividade dos indivíduos na determinação da probabilidade de vitimização
foi também confirmada pelo resultado encontrado no Modelo de furto 2, em que
indivíduos com ensino superior têm probabilidade de ser furtados 78% maior dos
que têm somente o ensino fundamental. No Modelo de furto 1, o coeficiente para
esta variável não se mostrou significativo apesar do seu sinal confirmar o
resultado já citado.7
Indivíduos que escutam barulho de tiro perto da vizinhança têm probabilidade de
vitimização 26% maior dos que não escutam (no Modelo de furto 2, esta
probabilidade é de 27%). Tiros são sinais de desordem e desorganização social,
já que revelam uma deficiência de eficácia coletiva, ou de capacidade de
controle e supervisão por parte dos moradores de uma vizinhança, o que termina
por se traduzir em maior desordem e criminalidade (Sampson e Raudenbush, 1997).
Indivíduos que residem em locais onde existem prédios abandonados têm
probabilidade de vitimização 43% maior dos não residentes nestes locais (no
Modelo de furto 2, é 42% maior).
No Modelo de furto 1, os grupos de renda não foram significativos. No Modelo de
furto 2, a variável "tipo de residência" foi significativa, de forma que
indivíduos residentes em casa própria têm probabilidade 19% menor de ser
vítimas do que indivíduos residentes em casa alugada. Este resultado sugere que
os criminosos, ao construir suas expectativas sobre o retorno esperado do
crime, não levam em conta a condição da residência (muitas vezes desconhecida
por eles), mas os locais onde elas se encontram (bairros de classe alta, média
ou baixa).
As demais variáveis não se mostraram significativas apesar de o sinal da
maioria ocorrer como o esperado. Assim, homens apresentaram menores
probabilidades de serem vítimas de furto por causa de sua maior capacidade de
reação. A variável cor não foi significativa, como era esperado, sugerindo que
ela não influi na probabilidade de ser furtado; os casados e separados têm uma
probabilidade menor de serem vítimas de furto do que os solteiros, por estar
menos expostos em virtude de seu estilo de vida.
Modelo 2, Modelo 3 e Modelo 4
Nesta seção apresentamos os resultados dos modelos de roubo, da acumulação
"roubo com tentativas de roubo" e "vítimas de furto com as de roubo e tentativa
de roubo". Como já mencionado anteriormente, trabalhamos dessa forma para
flexibilizar a hipótese de que a probabilidade de vitimização dependa das
mesmas características em todos os tipos de crime. Por outro lado, estimamos o
modelo com a acumulação de todos os crimes, a fim de comparar os resultados com
a literatura internacional, usualmente apresentados em forma de crimes com
motivação econômica.
O roubo é definido como ato de apropriação de bens alheios em que a vítima
percebe a apropriação na hora da efetivação do ato. A diferença para a
tentativa de roubo é que nesta o criminoso não consegue efetivar o ato de
apropriação. Em ambos os casos, todos os quatro fatores que determinam a
vitimização (exposição, capacidade de proteção, atrativos e proximidade da
vítima com o agressor) foram fundamentais para estabelecer sua probabilidade,
assim como a probabilidade de interação ofensor/vítima/vigilância, que é um
aspecto central na interação agente/vítima no tempo e no espaço.
A exposição do indivíduo foi confirmada como um importante componente na
determinação da probabilidade de vitimização nos três modelos, a partir da
variável "transporte público". No caso de roubo, os indivíduos que usam
freqüentemente transporte público têm probabilidade 30% maior dos que não usam
(no Modelo de roubo 2, em que a proxy de riqueza é usada no lugar dos grupos de
renda, esta probabilidade é 37% maior). No caso do Modelo 3 e do Modelo 4, esta
probabilidade foi de 31% e 40%, respectivamente (em Tentativa de roubo 2
(Troubo2) e Furto, tentativa de roubo 2 (Ftroubo 2), a probabilidade foi de 35
e 43%, respectivamente). No caso do Modelo 4, revelou-se a importância do fator
"exposição", pois o resultado indica que indivíduos casados têm a probabilidade
de vitimização 19% menor do que solteiros. Nos demais modelos, o coeficiente
não se mostrou significativo, apesar de o resultado ir de encontro ao do Modelo
4. Indivíduos casados passam mais tempo com suas famílias e, portanto, se
expõem menos em lugares públicos e têm menos contato com desconhecidos do que
indivíduos solteiros. Dessa forma, estão menos expostos e têm probabilidade de
vitimização menor. Resultados similares foram encontrados para ambas as
variáveis por Eyzaguirre e Puga (2001) na Região Metropolitana de Lima.
Com relação à capacidade de proteção, indivíduos que não usam transportes
públicos exibem maior capacidade de se protegerem, pois circulam dentro de
automóveis, longe do contato com os criminosos ou, simplesmente, não circulam
muito em lugares públicos, se protegendo em suas casas. Assim, os resultados
encontrados para a variável "transporte público" confirmam também a importância
deste fator na determinação da probabilidade de vitimização.
A atratividade da vítima foi captada pela variável de educação em todos os
modelos. Por exemplo, no caso do Modelo de roubo 2, indivíduos com segundo grau
têm probabilidade de vitimização 60% maior e, com nível superior, 104% maior do
que indivíduos com primário. Quanto maior a escolaridade, mais inserido o
indivíduo está no mercado de trabalho, maior o seu salário e, portanto, maior o
retorno esperado do crime para o criminoso. Esses resultados são similares aos
encontrados na literatura internacional. No Modelo 4, a atratividade foi também
confirmada pela variável trabalho. Indivíduos que trabalham têm probabilidade
de vitimização 20% maior do que os não trabalhadores. Além de exibirem um
retorno esperado maior para o criminoso, esses indivíduos circulam mais em
lugares públicos, estando, então, mais expostos. Os mesmo resultados foram
também encontrados para o Rio de Janeiro e São Paulo, por Araújo Jr. &
Fajnzylber (2001) e para a Região Metropolitana de Lima, por Eyzaguirre e Puga
(2001).
Os coeficientes das variáveis "existência de prédios abandonados" e "barulho de
tiros" indicaram que indivíduos residentes nessas vizinhanças têm probabilidade
de vitimização maior do que os não residentes. Por exemplo, para o Modelo
tentativa de roubo 1, caso o indivíduo resida em vizinhança que têm prédios
abandonados, a probabilidade de vitimização é 54% maior, e, se residem em
vizinhança onde se escuta barulho de tiro, a probabilidade é 30% maior.
Novamente aqui temos a importância dos fatores relacionados à desordem e à
incivilidade (Kelling e Coles, 1996).
Nos três modelos, quando usada a variável "proxy de riqueza", a segregação
racial se faz sentir pela maior probabilidade de os indivíduos brancos serem
vítimas dos crimes. Por exemplo, no caso do Modelo roubo 2, a probabilidade de
vitimização dos brancos é 29% maior do que os não brancos. Esses resultados
podem estar confirmando a hipótese de que indivíduos brancos têm mais acesso à
educação, o que lhes aufere rendas mais elevadas, tornando-os mais atrativos do
que os não brancos.
Modelo 5 e Modelo 6
Um dos testes cruciais para a teoria das oportunidades diz respeito aos
conflitos interpessoais, em que as motivações não são de natureza econômica.
Trata-se de conflitos de natureza expressiva que, entretanto, guardam as
dimensões de um comportamento racional. Oportunidades e interações espaço/tempo
também parecem ser componentes importantes para esse tipo de delito.
Os modelos para agressão foram também estimados utilizando ora grupos de renda,
ora a proxy de riqueza (condição na residência). Além disso, foram estimados
dois modelos para agressão, um que tem como variável dependente os indivíduos
que sofreram agressão (Modelo 5) e outro, os indivíduos que sofreram agressão
e/ou tentativa de agressão. Os resultados foram similares no sentido de que as
características individuais que determinam a probabilidade de vitimização estão
presentes em todos os modelos.
Com relação ao fator exposição, indivíduos mais velhos têm a probabilidade de
sofrer agressão menor do que os mais jovens. Por exemplo, o Modelo Tentativa de
agressão 1 (Tagre 1) indica que indivíduos de 35 a 44 anos de idade têm
probabilidade de sofrer agressão 63% menor, e, entre indivíduos com 45 anos ou
mais, esta probabilidade é 79% menor do que entre indivíduos de 13 a 18 anos de
idade. Os mais velhos tendem a se expor menos, pois passam grande parte do seu
tempo cuidando de suas famílias. em contrapartida, a tendência entre os mais
jovens é uma maior exposição ' aumenta o consumo de álcool e a freqüência em
lugares de vida noturna. Dessa forma, como grande parte das agressões estão
relacionadas à ingestão de álcool e a brigas entre gangues, os mais jovens têm
maior probabilidade de sofrer esse tipo de crime. Esse mesmo resultado também
foi mostrado, por Eyzaguirre e Puga (2001), para a Região Metropolitana de
Lima.
Ainda em relação à exposição, indivíduos que trabalham têm probabilidade de ser
vitimados por agressão maior do que os não trabalhadores. Para o Modelo tagre
1, a probabilidade aumenta em 42%. Nos demais modelos, esta variável não foi
significativa, porém seu sinal corroborou o resultado encontrado. Indivíduos
que trabalham tendem não só a uma maior exposição, porque freqüentam mais
lugares públicos, como também a estar mais próximos dos agressores, pois
circulam por uma maior malha social. No Modelo agressão 1, a probabilidade de
ser vitimado é 38% menor para indivíduos que circulam mais durante o dia, uma
vez que o estilo de vida de quem costuma andar à noite é mais vulnerável à ação
de predadores. Dados de ocorrências policiais mostram um padrão temporal muito
claro, no qual os crimes interpessoais se concentram nos períodos noturnos e
nos finais de semana (Beato et al., 2002).
A capacidade de proteção pode ser avaliada em termos de renda, no sentido de
que indivíduos de maior renda conseguem se expor menos. O fato de possuírem
carro, por exemplo, diminui bastante o contato com possíveis agressores. Além
disso, se pensarmos no vínculo já comentado entre renda elevada e maior nível
de escolaridade, a probabilidade de ser vítima de agressão nesse caso é menor
em virtude do efeito "civilizador" da educação. No Modelo 5, quem tem renda
maior do que dezesseis salários mínimos apresenta chance de ser vítima 80%
menor em comparação àqueles com renda menor do que um salário mínimo. No Modelo
6, apesar das variáveis não serem significativas, uma vez que consideramos os
grupos de maior renda, a probabilidade de vitimização vai diminuindo. Se
considerarmos os modelos em que a proxy de renda foi utilizada, temos que
indivíduos que moram em residências invadidas (mais pobres) têm probabilidade
de serem agredidos 276% maior do que indivíduos que residem em casas alugadas
(Modelo 5). No Modelo 6, esta probabilidade passa para 281%, enquanto
indivíduos que moram em residências próprias têm probabilidade de serem
vitimados 28% menor em relação aos que pagam aluguel.
As variáveis dos coeficientes que não foram reportados na tabela foram
excluídas do modelo por não apresentarem nem uma "falha" do evento.
Conclusão
Esta pesquisa estabeleceu um teste empírico a uma teoria raramente utilizada no
contexto brasileiro, o que acreditamos ser importante. Teorias de oportunidade
ainda não foram testadas no Brasil em virtude da ausência não só de dados que
permitam esse tipo de análise, mas também de enfoques teóricos preocupados com
o contexto de ocorrência de crimes. Outros estudos mostraram a importância da
análise de oportunidades no âmbito municipal (Beato, 2000). Assim, a estrutura
urbana municipal seria um dos elementos da estrutura de oportunidades que levam
à ocorrência de crimes. Os resultados são bastante relevantes, pois conseguem
explicar as variações regionais na distribuição de distintos tipos de crime.
Este estudo, por sua vez, buscou realizar essa modalidade de análise na esfera
individual por meio da utilização de informações oriundas de uma pesquisa em
torno da vitimização.
As implicações disso para o desenvolvimento de programas e projetos em
políticas públicas são, a nosso ver, de extrema importância. Em primeiro lugar,
ressalta como as taxas de vitimização são distintas nos diferentes grupos e
segmentos sociais, o que mostra o quanto. Isso significa que estratégias
focalizadas de ação devem ponderar resultados tais como os que foram expostos,
a fim de lograr um maior grau de efetividade. Com relação ao fator "exposição",
por exemplo, indivíduos mais velhos têm probabilidade de sofrer agressão menor
do que os mais jovens ' o Modelo Tagre1 indicou, como vimos, que entre 35 a 44
anos de idade a probabilidade de sofrer agressão é 63% menor, com 45 anos ou
mais a probabilidade cai para 79% em relação à faixa etária de 13 a 18 anos.
Para os crimes motivados economicamente (furto, roubo e tentativa de roubo), os
atributos pessoais, exceto escolaridade e condição na atividade econômica, não
são muito significativos. A probabilidade de vitimização está mais ligada aos
hábitos e às características da vizinhança. Assim, pessoas que transitam em
locais públicos, em horários de maior fluxo e à noite são vítimas mais
prováveis de crimes motivados economicamente. O mesmo acontece se residem em
locais onde existem muitos prédios abandonados e onde se escuta barulho de
tiros. Para os crimes de agressão, a idade passa a ser relevante, ou seja, os
jovens são vítimas mais prováveis desse tipo de crime. Além disso, a
probabilidade de ser agredido é maior quando se transita em lugares públicos à
noite ou se reside em locais onde se escuta barulho de tiro, como já comentado.
Observamos também aspectos relacionados à influência de variáveis como
"desordem" e "incivilidade" (Kelling e Coles, 1996). Os coeficientes das
variáveis "existência de prédios abandonados" e "barulho de tiros" indicaram a
chance de ser vítima é maior para aqueles que residem nesse tipo de vizinhança.
Por exemplo, para o Modelo troubo 1, caso o indivíduo resida em vizinhança que
possui prédios abandonados, a probabilidade de vitimização é 54% maior, e se
reside em vizinhança onde se escuta barulho de tiro, a probabilidade é 30%
maior.
Com relação à capacidade de proteção, indivíduos que não usam transportes
públicos exibem maior capacidade de se protegerem, pois andam em seus carros
longe do contato com os criminosos ou simplesmente não circulam muito em
lugares públicos se protegendo em suas casas.
Do ponto de vista teórico e conceitual, as teorias de "estilo de vida" e
"oportunidades" foram corroboradas pelos modelos, confirmando que a
probabilidade de vitimização depende em grande parte da exposição e da
atratividade do indivíduo, além da capacidade de proteção e da proximidade
entre vítima e agressor. Por outro lado, depende também da natureza do delito a
ser considerado, indicando que vítimas de crimes com e sem motivação econômica
têm características e hábitos diferentes. Esse enfoque baseou-se nas teorias de
"estilo de vida" (life-style models) e "oportunidades" (opportunity models),
utilizadas em estudos de vitimização, como o de Cohen, Kluegel e Land (1981).
Reiterando, os fatores que mais influenciam o risco de vitimização são:
exposição, proximidade da vítima ao agressor, capacidade de proteção, atrativos
das vítimas e natureza dos delitos. A exposição é definida pelo tempo em que os
indivíduos permanecem em locais públicos, estabelecendo contatos e interações
sociais. O estilo de vida determina em que intensidade os demais fatores estão
presentes em sua vida. Assim, estabelece em que medida os indivíduos se expõem
ao freqüentar lugares públicos, qual a sua capacidade de proteção, seus
atrativos e a proximidade com os agressores.
NOTAS
1 Essas informações referem-se às seguintes questões: se o indivíduo foi vítima
de furto ou não no último ano; se o indivíduo foi vítima de roubo ou não no
último ano; se o indivíduo foi vítima de tentativa de roubo ou não no último
ano; se o indivíduo foi vítima de roubo em sua residência ou não no último ano;
se o indivíduo foi vítima de tentativa de roubo a residência ou não no último
ano; se o indivíduo foi vítima de agressão ou não no último ano; se o indivíduo
foi vítima de tentativa de agressão ou não no último ano.
2 Para comparar os resultados, podemos entender como crimes com e sem motivação
econômica os Modelos 4 e 6, respectivamente.
3 A pesquisa de vitimização não tem uma definição rígida de desemprego; o
indivíduo é quem define seu grupo.
4 Carneiro e Fajnzylber (2001) mostraram que na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro entre o ano de 1995 e 1996 a incidência de vítimas na população foi de
21,9% e na Região Metropolitana de São Paulo foi de 7,1%. Segundo Eyzaguirre e
Puga (2001), na Região Metropolitana de Lima, no Peru, 26% dos entrevistados
foram vítimas de algum tipo de crime. Na Região Metropolitana de El Salvador o
número foi de 25,7%, como relatado por Cruz, Arguello e González (2001).
5 Os pesquisadores brasileiros já se detiveram exaustivamente na investigação
acerca da relação entre educação e renda. É consenso na literatura econômica
brasileira a correlação positiva entre esses dois fatores. Lau et al. (1996)
estimam que, com um ano a mais de escolaridade, a força de trabalho no Brasil
aumentaria em 20% a renda per capita.
6 Não reportamos os resultados dos modelos para roubo em residência, pois não
apresentaram resultados satisfatórios.
7 O fato de não ser significativo deve-se, talvez, à inclusão das faixas de
renda no Modelo furto1.