A eleição presidencial de 2002: a decisão do voto na região da grande São Paulo
Este trabalho analisa o comportamento dos eleitores da região da Grande São
Paulo, na eleição presidencial de 2002, a partir dos dados de um survey
aplicado em 2002 a uma amostra dos eleitores da região. Na primeira seção,
tratamos de contextualizar a disputa eleitoral presidencial; em seguida,
caracterizamos a base empírica e os aspectos metodológicos da operacionalização
da análise; por fim, têm-se a análise propriamente dita e as considerações
finais.
Eleição presidencial de 2002: contexto e campanha
Em 2002, pela primeira vez na história brasileira, foi eleito um presidente
claramente vinculado à esquerda: Lula, com 61% dos votos válidos, que venceu o
candidato Serra no 2º turno eleitoral. Do contexto em que se deu o processo
eleitoral, o fator mais relevante parece ter sido a avaliação que o eleitorado
fazia do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Havia, de um
lado, uma parcela não desprezível que avaliava o governo positivamente
(sobretudo por ele ter eliminado a hiperinflação). Por outro lado, na maioria
do eleitorado a avaliação era negativa ou neutra ("regular")1 devido,
fundamentalmente, às elevadas taxas de desemprego e à manutenção de enormes
desigualdades sociais. Assim, o percentual de eleitores que avaliavam
positivamente o governo fornecia combustível para que um candidato
situacionista pudesse chegar ao 2º turno, embora dificilmente pudesse vencê-lo.
Quanto à campanha e aos candidatos, Serra conseguiu formar, junto a uma parcela
substancial dos eleitores, a imagem de um administrador honesto e competente;
seu principal problema era o da credibilidade de suas propostas, na medida em
que era o candidato do governo, o qual aos olhos da grande maioria do
eleitorado havia deixado a situação social se deteriorar muito.
A análise da evolução das intenções de voto a partir de dezembro de 2001 mostra
diversas "ondas" de crescimento de diferentes candidatos, indicando uma grande
volatilidade do voto, pelo menos até o final de agosto de 2002 (cerca de
quarenta dias antes do 1º turno). Pode-se dizer, em relação a Roseana Sarney,
Garotinho e Ciro Gomes, que seus defeitos, na percepção do eleitorado,
limitaram a capacidade de crescimento de suas candidaturas.
Além disso, parece ter sido fundamental para a vitória de Lula uma campanha que
tenha conseguido neutralizar dois aspectos centrais da rejeição ao candidato
nas eleições anteriores: a idéia de que Lula não tinha preparo para governar e
o "radicalismo" seu e do Partido dos Trabalhadores (PT). A sinalização clara de
moderação por parte do PT e do candidato contribuiu para reduzir o medo em
relação ao segundo aspecto. O trabalho de marketing foi facilitado pelo
contexto político: a grande insatisfação com a situação do país reforçava as
possibilidades das candidaturas de oposição. Lula era o principal beneficiário
em potencial, já que tinha um nome e uma trajetória mais conhecidos, e o PT
representava o núcleo duro de oposição a FHC. Quando do início da campanha na
TV, o candidato teve a possibilidade de manter uma "postura de estadista", com
uma campanha propositiva e com a construção de um estilo que ficou conhecido
como "paz e amor", enquanto os demais brigavam entre si na disputa para chegar
ao 2º turno.
Modelo de decisão do voto
Hipóteses, modelo de análise e variáveis
Nesta seção serão descritos as hipóteses que nortearam a pesquisa, o tipo de
análise estatística e as variáveis utilizadas para formular o esboço de um
modelo de decisão de voto entre os eleitores da região da Grande São Paulo. A
base empírica em que se sustenta a análise é um survey aplicado a uma amostra
de 1.500 eleitores na região em questão, em maio de 2002.2
Julgamos relevante testar as hipóteses que direcionaram a pesquisa, não porque
tivéssemos a idéia de que todas seriam corroboradas pelos dados, mas por causa
do debate em torno delas existente tanto na literatura nacional como na
internacional. Na realidade, nossa expectativa inicial ' a partir de estudo
anterior (Carreirão, 2002) ' era de que os fatores de maior peso na decisão
eleitoral fossem os relacionados às hipóteses 4 e 5 subseqüentes.
1. A hipótese de que as opiniões políticas dos eleitores influenciem sua
decisão de voto. Não se trata aqui de propor que os eleitores tenham um
"sistema de crença" bastante estruturado (ou seja, têm opiniões "coerentes"
entre si). Trata-se apenas de verificar se alguns conjuntos de opiniões
relevantes têm associação com o voto, como propõem Almeida e Young (2002).3
2. A hipótese de que a "identidade ideológica" dos eleitores (medida por seu
autoposicionamento numa escala esquerda-direita) influencie sua decisão de
voto. Esta tese é defendida por Singer, que define: "a identificação ideológica
passa a ser vista como a adesão a uma posição no contínuo esquerda-direita ou
liberal-conservador que, mesmo sendo difusa, isto é, cognitivamente
desestruturada, sinaliza uma orientação política geral do eleitor" (Singer,
2000, p. 49). Após calcular coeficientes de correlação entre esta variável e o
voto, Singer afirma ter mostrado "que a identificação ideológica havia sido uma
poderosa preditora do voto nas eleições [presidenciais] de 1989 e 1994" (Idem,
p. 163).
3. A hipótese de que as inclinações ou os "sentimentos" dos eleitores em face
dos partidos influenciem seu voto. Na literatura internacional, no que se
refere a este tema, há um debate entre a chamada Escola de Michigan e a teoria
da "escolha racional", em torno da noção de "identidade partidária". Para a
primeira, essa identidade seria forjada em bases afetivas no processo de
socialização (antes mesmo da idade adulta), sendo, portanto, mais resistente a
mudanças; para a segunda, a identificação partidária seria fruto do resultado
da avaliação que o indivíduo faz da experiência acumulada como eleitor ao longo
de sua vida adulta, monitorando as promessas e os desempenhos partidários ao
longo do tempo. Nessa perspectiva, a mudança de identificação estaria mais
condicionada pelas modificações desse tipo de avaliação. De toda forma, nas
duas abordagens a identificação partidária seria um elemento central da decisão
do voto, seja como uma escolha baseada numa adesão afetiva, seja pela escolha
do partido que apresenta um comportamento mais de acordo com as idéias e/ou
interesses do eleitor. Ao longo das últimas décadas do século XX foram sendo
apontados sinais do declínio da importância dos partidos políticos, inclusive
no que se refere ao peso das identificações partidárias na escolha eleitoral.4
Apesar disso, a identificação partidária é ainda um tema central para a
literatura sobre o comportamento eleitoral (ver, por exemplo, o excelente
estudo de Weisberg e Greene, 2003).
Atualmente no Brasil, embora haja algumas variações, predominam as
interpretações que dão pouca relevância à identificação partidária na decisão
de voto do eleitor.5 De toda forma, os estudos têm trabalhado sistematicamente
apenas com a noção de identificação (ou preferência) partidária ("medida", em
geral, a partir de uma única pergunta de survey). Uma das propostas do presente
trabalho é testar o peso dos sentimentos manifestados pelos eleitores em
relação aos partidos, operacionalizando esta variável de forma mais abrangente,
a partir de uma bateria maior de questões.
4. A hipótese de que a decisão de voto para presidente seja influenciada pela
avaliação que o eleitor faz do desempenho do governo (presidente) em exercício.
A tese central em discussão aqui é a de que eleitores que avaliam o desempenho
do governo como bom tendem a votar no candidato do governo, e, ao contrário,
eleitores que avaliam o desempenho do governo como ruim tendem a votar na
oposição.6
5. A hipótese de que o voto seja influenciado pela avaliação que os eleitores
fazem de características pessoais dos candidatos relevantes para sua capacidade
de governar e/ou de cumprir promessas. A partir da década de 1980 tem surgido
na literatura internacional um conjunto de análises que não compartilham do
diagnóstico, predominante até então, de que o voto influenciado pela avaliação
de características pessoais dos candidatos seria necessariamente "irracional",
ou "emocional" ' em que o julgamento do eleitor seria baseado em critérios
superficiais, como a aparência ou o "estilo" do candidato. Fiorina (1981), por
exemplo, sustenta que, nas avaliações (feitas pelos eleitores) dos candidatos,
os julgamentos retrospectivos (a partir de performances governamentais
passadas) ou prospectivos (a partir das propostas para o futuro) e as
avaliações centradas em características pessoais relevantes para a habilidade
de governar (competência, inteligência etc.) são muito mais importantes do que
avaliações baseadas em características físicas e de personalidade, as quais são
independentes da habilidade para governar (simpatia, beleza etc.). Rahn et al.
(1990), a partir da análise de eleições presidenciais norte-americanas,
concluíram que o processo de avaliação das qualidades profissionais e pessoais
dos candidatos tem um papel central na decisão final do voto. Segundo esses
autores, as avaliações não são nem idiossincráticas nem superficiais; ao
contrário, são muito razoáveis, fundadas em processos diários de formação de
impressões. Além disso, o contexto político, segundo eles, modifica o processo
de avaliação. Os eleitores estruturam suas avaliações das qualidades dos
candidatos em termos de liderança política e competência. Esses julgamentos são
relacionados com variáveis políticas, como preferência partidária, posições
ante issues e ideologia.7
6. A hipótese de que a maioria do eleitorado tenda a votar no candidato que
conseguir formar a imagem de defensor dos interesses do "povo" (dos "pobres",
dos "trabalhadores", da "maioria"). Essa tese aparece, com certas variações,
nos trabalhos de Singer (1990) e Castro (1994).
Com o objetivo de estudar a intenção de voto em função das variáveis
relacionadas às hipóteses levantadas (incluindo também algumas variáveis de
controle), adotou-se a análise de regressão logísticapara a intenção de voto em
cada um dos quatro principais candidatos. No Apêndice Metodológico 1 são
descritas as principais caraterísticas dessa técnica de análise. Foram
incluídas no modelo, para cada candidato, as seguintes variáveis independentes:
a) Variáveis demográficas e socioeconômicas: a1) sexo [M/F]; a2) idade[até 24
anos; 25 a 40 anos; 41 anos ou mais]; a3) renda[até 3 S.M.; + de 3 a 10 S.M.; +
de 10 S.M]; a4) escolaridade[escola: até 4ª série do 1º Grau; 5ª a 8ª série do
1º Grau; 2º Grau; superior]; a5) religião[católica; evangélica; outras/sem
religião].
b) Variáveis político-ideológicas: b1) identidade ideológica (ou
"posicionamento ideológico") [Esq./Dir.] ' autoposicionamento do eleitor numa
escala esquerda-direita, com valores de 1 (mais à esquerda) a 7 (mais à
direita);8 b2) partido político ' variável construída (uma para cada candidato:
PartLula, PartSerra, PartCiro, PartGaro) com base nas respostas dos
entrevistados a três questões, a saber, preferência, simpatia e rejeição aos
partidos. A partir das respostas, os entrevistados eram classificados
relativamente a cada candidato, em três situações: i) como tendo "sentimentos
partidários" que teoricamente desfavoreceriam o voto no candidato; ii) como
tendo tendência partidária neutra em relação ao candidato; iii) como tendo
sentimentos partidários favoráveis ao voto no candidato (ver Apêndice
Metodológico 2); b3) a opinião dos eleitores a respeito do direito de greve
para todas as categorias (mesmo polícia e sevidores públicos) [contra; a favor]
[DirGreve].9
c) Avaliação do governo FHC [AvFHC]: ruim/péssimo; regular; bom/ótimo.
d) Avaliação de atributos dos candidatos: foram consideradas as notas dadas (de
zero a dez) pelos entrevistados aos seguintes atributos de cada candidato: d1)
honestidade [HonLula, HonSerra, HonCiro, HonGaro]; d2) competência
administrativa [CoAdLula, CoAdSerr, CoAdCiro, CoAdGaro]; d3) defesa dos
interesses da população [DIPLula, DIPSerra, DIPCiro, DIPGaro].
A análise dos dados
A seguir são mostrados os resultados das análises de regressão logística para
cada candidato.
Lula
A Tabela_1 mostra as estatísticas para cada variável independente mantida no
modelo final (para a intenção de voto em Lula).
Restaram no modelo as variáveis "direito de greve", partido, avaliação do
governo FHC, honestidade e competência administrativa. Os dados relativos ao
modelo como um todo, mostrados abaixo da tabela (qui-quadrado, significância,
R2 e percentagens de acerto das respostas previstas), indicam que o modelo é
bastante satisfatório. Observando a estatística de Wald e a significância,
vemos que as variáveis remanescentes são estatisticamente significativas ao
nível de 0,01; os coeficientes maiores mostram que a variável "partido" e, em
seguida, "honestidade" são as que têm maior peso.
A última coluna da 1ª linha indica que a chance de votar em Lula por parte de
um eleitor que fosse contra o direito de greve(para todas as categorias) era
equivalente a apenas cerca de 60% (Exp B = 0,604) da de um eleitor que fosse a
favor (
considerando a probabilidade de votar em Lula ajustada em termos das demais
variáveis do modelo
).10
Quanto à variável partido, a chance de votar em Lula, por parte de um eleitor
cujas manifestações em relação a partidos representavam uma situação negativa
para o voto no candidato, era cerca de 16% da chance de um eleitor cujas
manifestações representavam uma situação positiva. As chances de um eleitor
cujas manifestações em relação a partidos representavam uma situação "neutra"
em relação ao voto em Lula eram de cerca de 23% das de um eleitor cujas
manifestações representavam uma situação positiva.11
A avaliação de desempenho do governo FHC também mostrou-se relevante: a chance
de eleitores que avaliavam o governo como ruim ou péssimo votarem em Lula era
cerca de 2,3 vezes a chance de eleitores que avaliavam o governo como ótimo ou
bom. E a chance de votar em Lula entre eleitores que avaliavam o governo como
regular era o dobro da dos eleitores que avaliavam positivamente.
Quanto aos atributos dos candidatos, como foram operacionalizados como
variáveis contínuas, o coeficiente B não é comparável aos das demais variáveis.
De toda forma, os coeficientes para honestidadee competência
administrativamostram, como esperado, que as chances de votar em Lula aumentam
significativamente quando passamos dos eleitores que davam notas mais baixas
para o candidato nestes atributos, para os que davam notas mais altas. Já a
variável que indica a avaliação do quanto o candidato defende os "interesses da
população", aos olhos dos eleitores, acabou sendo excluída da equação, porque o
coeficiente da variável não foi estatisticamente significativo.
José Serra
Restaram no modelo as variáveis escola, renda, competência administrativa,
partido, honestidade e avaliação do governo FHC, sendo as últimas três as de
maior peso (Tabela_2). O modelo foi menos satisfatório do que o modelo para a
intenção de voto em Lula (menores R2 e percentagens de acerto das respostas).
As chances de voto em Serra declinavam com a escolaridade, embora o coeficiente
para a variável seja estatisticamente significativo apenas no nível de 0,06; em
relação à renda, por outro lado, as chances de Serra eram maiores entre os
eleitores de alta renda, comparativamente às duas faixas mais baixas de renda.
A chance de votar em Serra por parte de um eleitor cujas manifestações em
relação a partidos representavam uma situação negativa para o voto em Serra era
cerca de 15% da chance de um eleitor cujas manifestações eram positivas.
No que respeita à avaliação de desempenho do governo FHC, a chance de votar em
Serra por parte de um eleitor que avaliava o governo como ótimo ou bom era
cerca de 2,5 vezes a de um eleitor que o avaliava como ruim ou péssimo e cerca
de 52% a mais do que a de um eleitor que o avaliava como regular. Quanto aos
atributos pessoais do candidato, a situação é semelhante à encontrada para
Lula: as chances de votar em Serra aumentam quando passamos dos eleitores que
davam notas mais baixas para o candidato nos atributos honestidade e
competência administrativa, para os que davam notas mais altas.
Ciro Gomes
Permanecem no modelo: posicionamento do eleitor numa escala esquerda-direita,
partido, honestidade e competência administrativa (Tabela_3). O modelo é menos
satisfatório do que os dos demais candidatos.
A chance de votar em Ciro por parte de um eleitor que se posicionava à
esquerdarepresentava cerca de 47% da de um eleitor que se posicionava à
direita. Mas a melhor situação para Ciro era entre os eleitores que se
posicionavam ao centro (com cerca de 37% mais chances de votar no candidato, do
que os eleitores que se posicionavam à esquerda).12
Quanto à variável partido, os coeficientes mostram uma relação com o voto menos
consistente do que a encontrada para Lula e Serra. A chance de votar em Ciro,
por parte de um eleitor cujas manifestações em relação a partidos representavam
uma situação negativa para o candidato, era de cerca de 40% da de um eleitor
cujas manifestações representavam uma situação positiva. Mas a chance de votar
em Ciro, por parte de um eleitor cujas manifestações representavam uma situação
neutra, era praticamente igual a de um eleitor cujas manifestações
representavam uma situação positiva, o que não era esperado teoricamente. O
teste mostra que na comparação entre cada par de categorias não foi possível
detectar significância. Um problema em relação a esta variável é o de que
pouquíssimos casos foram enquadrados na categoria dos "com influência
partidária pró-Ciro", o que gerou uma baixa confiabilidade nas conclusões da
análise.
No que diz respeito aos atributos pessoais do candidato, a situação é
semelhante à encontrada para Lula e Serra.
Garotinho
Permanecem no modelo: escola, honestidade, "defesa dos interesses populares",
religião, idade e competência administrativa, sendo as de maior peso estas três
últimas (Tabela_4). As estatísticas para o modelo como um todo parecem indicar
um modelo razoavelmente satisfatório.
A chance de votar em Garotinho declinava com a idade dos eleitores ' entre os
mais jovens, era igual a 2,6 vezes a chance entre os eleitores mais velhos.
Quanto à variável escolaridade, apesar do coeficiente para a variável (como um
todo) ser significativa, os coeficientes para as diferentes categorias de
escolaridade não o eram. No que concerne à religião, a força de Garotinho entre
os evangélicos é confirmada: o coeficiente de Wald é o maior encontrado no
modelo ' a chance de votar em Garotinho por parte de um eleitor evangélico
representa mais do que o dobro da de um eleitor sem religião (ou de outras
religiões, além da católica e das evangélicas) e a diferença de chance de votar
em Garotinho é ainda maior se comparamos os evangélicos com os católicos.
Quanto à honestidade e à competência administrativa, a situação é semelhante à
encontrada para os demais candidatos. Mas, para Garotinho, a variável "defesa
dos interesses da população" também permanece na equação, tendo o mesmo sentido
dos outros dois atributos.
As variáveis do modelo e o voto
No conjunto da análise, destacam-se as seguintes conclusões: das variáveis
demográficas e socioeconômicas, a escolaridadeaparece como relevante para a
decisão de voto em Serra e Garotinho. A rendafoi relevante apenas para o voto
em Serra. Quanto às variáveis idadee religião, foram relevantes para o voto em
Garotinho. Fenômeno inédito: pela primeira vez nas eleições presidenciais
recentes, a religião dos eleitores foi a variável mais significativa na decisão
de voto em um dos candidatos com chance de chegar ao 2º turno.
No que se refere às variáveis mais estritamente "políticas", uma primeira
observação é a de que, num conjunto relativamente grande de opiniões políticas
dos eleitores, a única que acabou se mostrando significativa, para um dos
candidatos, foi a opinião sobre o direito de greve("para todas as categorias,
inclusive polícia e funcionários públicos"): eleitores com opinião favorável ao
direito de greve tinham mais chance de votar em Lula do que eleitores
contrários ao direito.
Quanto ao posicionamento dos eleitores numa escala esquerda-direita, acabou por
não permanecer significativo em nenhuma das equações finais. Uma possível
explicação para isso é a de que não foram testados, em nossos modelos, os
efeitos possíveis de interações entre as variáveis. Conforme Carreirão (2002),
a associação entre aquele posicionamento e o voto só é forte entre os eleitores
com maior escolaridade. Como esta é uma parcela minoritária no conjunto do
eleitorado, quando analisamos o impacto da variável no conjunto da amostra, sem
introduzir os possíveis efeitos de interação com a variável escolaridade, os
efeitos se mostram realmente reduzidos. Como forma de testar, parcialmente,
esta hipótese, "rodamos" novamente os mesmos modelos para os quatro candidatos,
mas agora considerando apenas os eleitores com 2º Grau ou nível superior de
escolaridade: o resultado é de que apenas no modelo referente a Serra a
variável posicionamento esquerda-direita permanece na equação, ao final. Em
suma, o conjunto das análises parece indicar um peso relativamente fraco desta
variável na decisão de voto dos eleitores de nossa amostra.
A variável "política" que se mostrou mais relevante para o voto em Lula e Serra
foi partido. Como esta é uma conclusão que, de certa forma, vai contra grande
parte da literatura recente, e como utilizamos uma forma de operacionalizar a
variável também diferente da que tem sido tradicionalmente usada, faremos aqui
uma discussão mais detalhada dos dados referentes à variável partido.
Uma primeira informação relevante, mostrada na Tabela_5, é relativa à
distribuição dos eleitores da amostra segundo suas preferências, simpatias e
rejeições em relação aos principais partidos.
O percentual de eleitores que indicavam preferência por algum partido (cerca de
46%), na amostra da Grande São Paulo, é semelhante aos percentuais que têm sido
encontrados em dados recentes para o conjunto do país (ver Carreirão e Kinzo,
2004). Cerca de 14% dos eleitores manifestavam simpatia e 47% rejeição por
algum partido. Fica também evidente que o PT é o partido central, em torno do
qual ocorre a maioria das manifestações de "sentimentos partidários". Seguem-se
o PMDB, o PSDB, o PFL e o PPB. Esses cinco partidos concentram cerca de 86% das
manifestações de simpatia e rejeição e 95% das manifestações de preferência
partidária.
Os subtotais dos percentuais de preferência (ou simpatia) e de rejeição não
podem ser somados, já que há superposição parcial entre alguns desses tipos de
manifestação; de toda forma, apenas 25% dos entrevistados indicaram não ter
preferência, nem simpatia, nem rejeição por algum dos partidos. Ou seja, o
conjunto dos eleitores que manifestaram algum "sentimento" em relação aos
partidos (75% da amostra) é bastante superior ao dos que manifestaram
preferência (46%), indicador que tem sido usado nas análises sobre o tema no
país.
A Tabela_6 mostra a associação entre os "sentimentos" em relação aos partidos
que sustentavam as principais candidaturas e o voto no candidato apoiado por
esses partidos.
No que respeita às manifestações em relação ao PT, a seqüência é muito clara:
entre os que demonstravam preferência, 77% pretendiam votar em Lula; esse
percentual é de 49% entre os que manifestavam "simpatia" e cai para apenas 3%
entre os que rejeitavam o partido. No que se refere aos outros partidos que
formaram a coligação de apoio a Lula, os números são baixos, podendo trazer
mais distorções em virtude de pequenos erros amostrais; de toda forma, dos oito
eleitores com preferência ou simpatia pelo PL, nenhum pretendia votar em Lula.
Já entre os dezenove que manifestavam rejeição ao partido, sete tinham intenção
de voto no candidato. O único eleitor que manifestou preferência pelo PCdoB
pretendia votar em Lula. Dos oito que manifestaram rejeição, três pretendiam
votar em Lula.
Quanto ao PSDB, pode-se dizer que as tendências relativas ao candidato Serra
são semelhantes às encontradas entre Lula e o PT: enquanto apenas 2% dos que
rejeitavam o PSDB pretendiam votar em Serra, 54% dos que manifestavam
preferência pelo partido pretendiam votar neste candidato. Tendências
semelhantes às do PSDB (embora de menor intensidade) são encontradas em relação
ao PMDB (coligado a Serra).
Apenas um eleitor manifestou preferência e um, também, simpatia pelo PPS, ambos
com intenção de voto em Ciro Gomes. Dos doze eleitores que manifestavam
rejeição ao PPS, nenhum pretendia votar em Ciro. Por outro lado, quanto ao PDT,
dos dez que manifestaram preferência ou simpatia, nenhum pretendia votar em
Ciro Gomes. Dos doze eleitores que manifestaram rejeição ao partido, um
pretendia votar no candidato. Dos 27 entrevistados que manifestaram preferência
ou simpatia pelo PTB, cinco pretendiam votar em Ciro, enquanto dos oito que
manifestaram rejeição ao partido, dois tinham intenção de votar no candidato.
Quanto a Garotinho, pretendiam votar nele dois dos nove eleitores que
manifestavam preferência ou simpatia e seis dos vinte eleitores que
manifestavam rejeição ao partido do candidato (PSB), situação oposta à esperada
teoricamente.
Apesar de PFL e PPB não terem apoiado oficialmente nenhum partido, as
tendências são semelhantes para os dois partidos. Vale a pena destacar o
contraste: entre os eleitores com preferência por esses partidos, Lula seria o
menos votado dos quatro candidatos, mas seria disparadamente o mais votado
entre os que manifestavam rejeição a esses partidos.
Como se pode ver, há situações bastante diversas, mas, se agruparmos apenas os
"sentimentos" manifestados em relação aos partidos a que pertencem os
candidatos (PT, PSDB, PPS ou PSB), a associação é muito próxima da esperada
teoricamente: três em cada quatro eleitores que manifestaram preferência por um
desses partidos pretendiam votar nos candidatos de seus partidos preferidos. A
manifestação de simpatia apresenta, como esperado teoricamente, uma associação
positiva com o voto, mas de menor intensidade do que aquela apresentada entre
preferência partidária e voto: 47% dos eleitores que manifestavam simpatia por
um desses partidos pretendiam votar nos seus candidatos. Em contrapartida,
apenas 4% dos eleitores que manifestavam rejeição por um desses partidos votava
no candidato deste partido. Considerando os demais partidos que faziam parte
das coligações de apoio aos candidatos (PL, PCdoB, PMDB, PDT e PTB), porém, as
associações são bem mais fracas.
Por fim, uma análise um pouco mais detalhada (na Tabela_8) em relação a Lula,
mostra que a influência dos diferentes "sentimentos partidários" manifestados
pelos eleitores, sobre sua decisão de voto, parece seguir uma escala contínua.
Tais "sentimentos" foram agrupados em dez categorias, seguindo uma escala que
vai das situações teoricamente mais favoráveis às mais desfavoráveis ao voto em
Lula.13
A análise da associação entre os "sentimentos partidários" dos eleitores e suas
intenções de voto mostra que, com uma única exceção, há um declínio monotônico
da intenção de voto em Lula, à medida que se passa das situações teoricamente
mais favoráveis para as mais desfavoráveis ao voto no candidato.
Deve-se ainda acrescentar que, ao "rodar" o mesmo modelo de regressão logística
' tendo a intenção de voto em Lula como a variável dependente, mas utilizando a
variável "partido" como uma variável contínua (com os dez pontos acima), no
lugar da variável categórica (com três posições, como definido anteriormente)
', não há modificação significativa no modelo. Isso torna mais robusta a
conclusão de que, pelo menos para o candidato vencedor, a variável partido foi
realmente relevante na decisão de voto, o que minimiza uma possível suspeita de
que essa conclusão seria fruto de artefato metodológico, ou seja, da forma como
a variável foi operacionalizada.
De toda forma, é necessário destacar que a influência dessa variável se deve em
grande parte ao peso dos sentimentos manifestados em relação ao PT. Para Serra,
Garotinho e Ciro, os percentuais de intenção de voto superam os percentuais de
manifestações de preferência ou simpatia pelos partidos que os apoiavam. A
rejeição ao PT, manifestada por parcela desses eleitores, pode explicar por que
eles não votavam em Lula, mas não por que escolhiam especificamente um desses
três candidatos.
Passando agora a analisar outra variável, a avaliação feita pelos eleitores do
desempenho do governo em exercício aparece como relevante para os votos em Lula
e Serra: conforme o esperado, quanto pior a avaliação do governo, maior a
chance de votar em Lula e menor a de votar em Serra.
Uma questão importante é saber se essa avaliação do governo é influenciada
pelas opiniões políticas dos eleitores. Testamos, então, um modelo em que a
avaliação de governo passou a ser a variável dependente, sendo que todas as
variáveis "políticas" do modelo inicial permaneceram como variáveis
independentes.14 Obtivemos um modelo com as seguintes características: R2
(Nagelkerke) = 0,11; % de acerto: avaliação negativa = 82,9 %; avaliação
positiva = 40,4 %; total = 65,9%. As variáveis que permaneceram no modelo foram
as opiniões relacionadas com o direito de greve, com o pagamento (ou não) da
dívida externa, com um índice de estatismo e a variável PartSerra(partido, em
relação a Serra), sendo as duas últimas as de maiores coeficientes de Wald. Os
coeficientes mostram que as associações seguiram o sentido esperado:
crescimento da avaliação do governo, entre os eleitores contrários ao direito
de greve para todas as categorias; entre os que discordavam totalmente da idéia
de não pagar a dívida externa; entre os menos estatistas e entre os que
manifestavam "sentimentos partidários" que teoricamente influenciariam
positivamente o voto em Serra. Os dados revelam, portanto, que parte dessa
avaliação era "explicada" por tais posicionamentos. De toda forma, dado que o
modelo não é muito satisfatório, há uma parcela da avaliação feita pelos
eleitores do desempenho do governo FHC que parece independente dos seus
posicionamentos políticos e partidários, devendo ser feita a partir de
critérios de outra natureza.
Por fim, variáveis que se mostraram das mais relevantes foram alguns dos
atributos pessoais dos candidatos (segundo a avaliação dos eleitores),
especialmente honestidadee competência administrativa: para todos os
candidatos, como esperado, a chance de voto aumentava consideravelmente à
medida que se passava dos eleitores que avaliavam mal o candidato, para os que
o avaliavam bem. No que se refere ao atributo "defesa dos interesses
populares", só se mostrou relevante para o voto em Garotinho.
Quanto aos atributos pessoais dos candidatos, temos que lidar com um problema
que tende a ser bem menor no que se refere às demais variáveis. Trata-se de uma
tendência à "racionalização" que os entrevistados podem ter ao responder
questões sobre os candidatos em que pretendem votar. Há uma tendência a avaliar
positivamente os atributos do candidato escolhido, mesmo que a escolha tenha se
dado por outros motivos.15
Para minimizar esse problema, operacionalizou-se novamente as variáveis
relativas aos atributos por intermédio de um diferencial entre os candidatos, a
partir das notas dadas a cada um deles, em cada atributo. Com isso, um
entrevistado só foi considerado como manifestando uma tendência pró-Lula (por
exemplo) em determinado atributo se a nota dada a Lula neste atributo fosse
maior do que a de todos os demais candidatos. Embora essa forma de
operacionalizar as variáveis relativas aos atributos dos candidatos não esteja
isenta do problema mencionado (e talvez nenhuma outra esteja), acreditamos que
ela possa amenizá-lo, comparativamente à utilização das notas. No caso do
diferencial, há uma possibilidade de o eleitor que decidiu votar em Lula por
outro motivo, mesmo apontando uma nota alta para ele, indicar nota de igual
valor a pelo menos um dos outros candidatos no atributo em questão. O
resultado, porém, é o de que com essa operacionalização os coeficientes para
essas variáveis se tornam muito elevados (para praticamente todos os atributos,
para os quatro candidatos), indicando que o eleitor que atribui um diferencial
para um candidato num determinado quesito têm uma chance muito maior de votar
neste candidato do que um eleitor que não atribui um diferencial para o
candidato. Contudo, apenas uma proporção relativamente pequena de eleitores (4%
a 24%, conforme o candidato e o atributo; média de 14% no conjunto) acaba por
apontar diferenciais para um candidato, contrastada a uma alta proporção que
não o faz.
Em suma, os resultados da análise sobre o "peso" dessas avaliações na decisão
de voto não são conclusivos: a forte associação que parece haver entre a
avaliação que os eleitores fazem de atributos dos candidatos e seu voto pode
derivar, em parte, de um processo de "racionalização" por parte dos eleitores.
A tentativa metodológica de reduzir esse problema levou-nos a encontrar uma
associação ainda mais forte entre as variáveis, mas apenas para uma pequena
parcela da amostra, reduzindo, assim, o possível peso dos atributos dos
candidatos no resultado agregado da eleição.
Tínhamos uma hipótese complementar, de que parte da avaliação dos atributos
pessoais dos candidatos feita pelos eleitores poderia também ser "explicada"
pelas variáveis de natureza mais propriamente política. Fizemos, então, uma
análise complementar para testar parcialmente essa hipótese. Formulando um
modelo em que a variável dependente era a "honestidade de Lula"
(operacionalizada como variável binária: 0 = diferencial negativo ou nulo; 1 =
diferencial positivo) e tendo como variáveis independentes as variáveis
"políticas" do modelo inicial (mais a avaliação do governo), obtivemos um
modelo com poder preditivo não muito alto: embora significativo ao nível de
0,01, o R2 (Nagelkerke) é de 0,21, com os seguintes percentuais de acerto:
diferencial negativo/nulo = 100%; diferencial positivo = 0%; total = 76,9%.16
Assim, realmente uma parte das avaliações feitas pelos eleitores a respeito das
qualidades pessoais dos candidatos parece poder ser "explicada" pelas opiniões
e posicionamentos políticos dos eleitores. De outro lado, porém, boa parte
dessa avaliação parece ser feita a partir de considerações menos "contaminadas"
por posicionamentos políticos prévios.
Considerações Finais
Nossa análise comprova o quão complexa é a decisão de voto dos eleitores da
Grande São Paulo: algumas variáveis (especialmente as demográficas e
socioeconômicas) mostraram-se relevantes para "explicar" o voto em um
candidato, mas não para os demais. As variáveis que se mostraram mais
freqüentes e com peso mais considerável foram partido, honestidade, competência
administrativa (do candidato) e avaliação de desempenho do governo em
exercício.
Quanto à avaliação feita pelos eleitores dos atributos dos candidatos, cabe
lembrar as ressalvas feitas na análise a respeito dos possíveis efeitos de uma
"racionalização" por parte dos entrevistados em suas respostas ao survey.
Acreditamos, de toda forma, que seja necessário um maior debate sobre a
possível influência desse tipo de variável na decisão de voto em todo o país.
Especialmente relevante foi o peso que a variável "partido" adquiriu na
análise. Acreditamos que os resultados apresentados possam contribuir para um
debate metodológico a respeito da forma pela qual deva ser tratada esta
variável. A análise confirmou a expectativa teórica de que uma manifestação de
"simpatia" (tal como aqui definida) a um partido está também associada a uma
tendência de voto no candidato do partido, embora de forma mais fraca do que no
caso de uma manifestação de "preferência". Isso pode indicar a necessidade de
se reconsiderar a maneira de medir sentimentos "positivos" em relação a
partidos (e sua influência sobre o voto). Contudo, especialmente a rejeição a
partidos parece ter influência significativa na decisão de voto, restringindo o
campo das opções palatáveis a uma parcela considerável do eleitorado. Mesmo
levando em conta as limitações relativas à extrapolação das conclusões a que
chegamos, importa destacar que a influência dos "sentimentos partidários" no
resultado agregado da eleição é superior àquela que teria sido estimada a
partir da consideração apenas das manifestações de preferência partidária dos
eleitores. Se nossa análise estiver correta, uma avaliação adequada da possível
influência dos "sentimentos partidários" dos eleitores sobre sua decisão de
voto precisa incorporar não só suas preferências partidárias, como tem sido
feito na quase totalidade dos estudos no país, mas também outras manifestações
dos eleitores.
É importante apontar alguns dos limites deste trabalho no que se refere à
"validade externa" de suas conclusões. O universo aqui estudado ' eleitores da
região da Grande São Paulo ' impede a extrapolação das conclusões para o
comportamento do conjunto do eleitorado nacional. Particularmente importante é
o fato de que a porcentagem de eleitores com preferência pelo PT (30,6%) é, na
amostra, bem superior às proporções encontradas no âmbito nacional (em torno de
21%, no mês em que foi aplicado o survey). Isso certamente contribuiu para que
o "peso" da variável partido fosse tão importante. Deve-se considerar, ainda,
que foi analisada apenas a eleição presidencial, em que a associação PT-Lula
era muito nítida. Para outros níveis eleitorais, acreditamos que a associação
entre os "sentimentos partidários" dos eleitores e seu voto seja menos intensa.
Um outro fator que pode ter contribuído para "inflacionar" o peso da variável
partido é o fato de que o survey no qual se apóia a análise foi realizado em
maio de 2002, antes, portanto do início do Horário de Propaganda Eleitoral.
Como é a partir daí que a campanha ganha força e a ênfase nos candidatos se
intensifica, talvez com um survey mais próximo do momento da eleição se
chegasse à conclusão de que a variável "partidos" influenciasse menos a decisão
de voto.17
De toda forma, acreditamos que a análise realizada possa estimular o debate
metodológico a respeito das formas de operacionalização das variáveis e, além
disso, possa nos dar pistas de como operam diversas variáveis relevantes na
decisão de voto de um subconjunto relevante do eleitorado nacional.
Apêndice metodológico 1: a análise de regressão logística
Para cada candidato, a variável dependente ' intenção de voto ' foi definida
como 0 e 1 (um, quando a intenção de voto é no candidato em questão; zero, para
qualquer outra situação). Sejam P{Y = 1}, a probabilidade de intenção de voto
no candidato, e X1, X2,..., as variáveis independentes. Pelo modelo de
regressão logística, a probabilidade de intenção de voto no candidato, P{Y =
1}, pode ser predita por
onde b0, b1, b2, são parâmetros que podem ser estimados a partir da amostra.
No presente trabalho, com exceção dos atributos dos candidatos, as variáveis
independentes X1, X2, são todas categóricas. Para as variáveis originalmente
dicotômicas, como sexo, a codificação é direta (0, para uma categoria, e 1,
para a outra). Para as variáveis politômicas, como escola, foi usada uma
variável indicadora para cada categoria (1, quando o elemento pertence à
categoria; 0, caso contrário), com excessão da categoria do nível mais alto,
adotada como base de comparação.
Os coeficientes b0, b1, b2, das variáveis independentes, após estimados a
partir dos dados pelo princípio da máxima verossimilhança, fornecem informações
sobre a influência de cada variável sobre a intenção de voto. Quanto maior o
coeficiente, maior é a influência. O sinal do coeficiente informa o sentido da
relação de causalidade. Na apresentação dos resultados, optamos por analisar o
valor da função exponencial aplicada a cada coeficiente, que representa a razão
da chance de intenção de voto ao candidato, entre indivíduos da categoria em
pauta e indivíduos da categoria do nível mais alto da variável em estudo,
"descontando" o efeito das outras variáveis do modelo.
As estatísticas e os testes para a avaliação do modelo são construídos a partir
da função de verossililhança, L, que é uma medida de quão verossímil é o modelo
proposto em relação aos dados efetivamente observados. Sendo L0 a função de
verossimilhança num modelo sem variáveis independentes (apenas com o termo
constante b0) e Lp, a função de verossimilhança num modelo com as p variáveis
independentes, a estatística
' que tem, para amostras grandes, distribuição qui-quadrado com p graus de
liberdade ' pode ser usada para testar a significância do modelo como um todo.
Ou seja, quando o valor-p, baseado no resultado da estatística G e na
distribuição qui-quadrado com p graus de liberdade, for menor que o nível de
significância adotado, então as p variáveis, em conjunto, têm influência
significativa na probabilidade do eleitor votar no candidato.
Na regressão linear, é comum apresentar o coeficiente de determinação R2, cujo
valor está no intervalo entre 0 e 1, como representando a proporção da
variância da variável dependente, que pode ser "explicada" pelas variáveis
independentes, segundo o modelo adotado. Na regressão logística, não existe um
coeficiente com esta interpretação, mas existem propostas de generalizações do
coeficiente R2, em que quanto maior o seu valor, maior é o poder preditivo do
modelo com os dados da amostra. No caso do R2 proposto por Nagelkerke, o
resultado estará sempre no intervalo de 0 a 1.18 Em termos dos dados da
amostra, R2 = 0 indica que o modelo não colabora em nada para predizer a
intenção de votos, e R2 = 1 indica que o modelo prediz corretamente todas as
intenções de voto da amostra. Cabe observar que, num contexto geral, o poder
preditivo do R2 é superavaliado, pois se deseja um modelo que prediga
adequadamente a intenção de votos de indivíduos em geral, e não especificamente
dos indivíduos cujo resultado é conhecido e que foram usados na própria
construção do modelo.
Outra maneira de avaliar a qualidade do modelo é por meio de sua capacidade em
predizer a intenção de voto do candidato. Usando a equação de P{Y = 1}, com os
parâmetros b0, b1, b2,... estimados a partir da amostra, podemos predizer a
probabilidade de cada elemento da amostra votar no candidato em questão. Se for
considerado P{Y = 1} > 0,5 (ponto de corte) como uma predição favorável ao
candidato, pode-se avaliar a proporção de casos em que a predição do modelo
coincidiu com a intenção de voto do eleitor (% acerto). O mesmo problema de
superavaliação do poder preditivo apontado acima ocorre aqui.
A seleção das variáveis independentes pode ser feita a partir de algoritmos
automatizados. Neste trabalho foi usado o algoritmo Backward LR, que inicia o
processo com um modelo incluindo todas as variáveis. As variáveis não
significativas vão sendo excluídas uma de cada vez, até resultar num conjunto
de variáveis em que todas são significativas ao nível de significância
estabelecido. Neste algoritmo, a significância é verificada por meio de testes
da razão de máxima-verossimilhança, em que a estatística G compara o modelo com
e sem a variável em questão, ou seja,
onde Lq é a função de verossimilhança no modelo com q variáveis e Lq-1 é a
função de verossimilhança sem a variável que está sendo testada. O valor -p é
obtido por meio da distribuição qui-quadrado com 1 grau de liberdade.
Apêndice metodológico 2: operacionalização da variável "partido"
A variável "partido" (uma para cada candidato) foi construída a partir das
respostas às questões sobre preferência ["Qual é o partido político de sua
preferência ?" (espontânea e única)]; simpatia[(Só para quem não indicou
preferência por algum partido) "Mesmo não tendo preferência por nenhum partido,
o(a) sr(a). tem simpatia ou inclinação por um destes partidos ?" (mostrar
cartão com lista de partidos)] e rejeição["Qual o partido em que o(a) sr(a).
não votaria nos candidatos de jeito nenhum ?" (espontânea e única)]
partidárias. Embora a diferença de significados entre preferência e simpatia
não seja clara, a simpatia será tomada aqui como uma manifestação positiva em
relação a um partido, mas de menor intensidade do que a preferência, dados os
enunciados das questões.
Passos para a construção da variável partido, na forma como foi utilizada:
1º) Recodificação das variáveis: para preferência, simpatia e rejeição, para
cada candidato, foi feita uma recodificação da seguinte forma:
0 = sem preferência (simpatia ou rejeição) ou preferência (simpatia ou
rejeição) por partido que não tenha lançado candidato, nem esteja coligado a
um.
1 = PC = partido do candidato (em que o entrevistado pretendia votar).
2 = PCC = partido coligado ao do candidato (em que o entrevistado pretendia
votar).
3 = PCA = partido de candidato adversário (do candidato que o entrevist.
pretendia votar).
4 = PCCA = partido coligado ao candidato adversário (do candidato que o
entrevistado pretendia votar).
2º) Criação da variável Partido = Preferência+Simpatia+Rejeição (para cada
candidato), resultando em diversas combinações, que foram depois agregadas em
seis tipos diferentes (indicadas pelas letras de A a F abaixo), cada um
correspondendo a um valor da variável Partido (1, quando a combinação de
preferência, simpatia e rejeição manifestadas pelo entrevistado representar, do
ponto de vista teórico, uma tendência favorável ao voto no candidatoem questão;
0, quando esta combinação for neutraem relação a escolha do candidato; -1,
quando a combinação representar uma tendência negativa de voto no candidatoem
questão).
A) Pref. ou simp. por PC ou PCC, sem rejeição a PC ou PCC = 1.
B) Pref. ou simp. por PC, rejeição a PCC = 1.
C) Sem pref. ou simpatia (ou pref. ou simpatia por partido sem candidato e sem
coligação com candidato) e sem rejeição a PC ou PCC = 0.
D) Pref. ou simp. por PCC, rejeição a PC = -1.
E) Sem pref. ou simpatia (ou pref. ou simpatia por partido sem candidato e sem
coligação com candidato), com rejeição a PC ou PCC = -1.
F) Pref. ou simp. por PCA ou PCCA (independente de rejeição) = -1.
Obs.: Alguns dos critérios usados para atribuir os valores das combinações
foram:
1) Preferência, simpatia ou rejeição a PPB e PFL (além de "outros partidos"),
foram considerados com valor zero, ou seja, não influenciando na escolha de
candidatos.
2) Preferência ou simpatia por PC > rejeição por PCC.
3) Rejeição por PC > preferência ou simpatia por PCC.
4) Rejeição por PCA ou PCCA não implica necessariamente tendência favorável ao
candidato em questão, podendo redundar em voto para um 3º candidato.
5) Preferência ou simpatia por PCA ou PCCA representa tendência negativa para o
voto no candidato em questão.
NOTAS
1 Os eleitores que avaliavam o governo FHC como "regular" somavam 40% antes do
1º turno. De 1989 para cá, com exceção do período pré-eleitoral de 1994, a
grande maioria dos eleitores que avaliam o governo como regular tende a votar
contra o governo.
2 Survey aplicado no âmbito da pesquisa Partidos e Representação Política: O
Impacto dos Partidos na Estruturação da Escolha Eleitoral no Brasil, coordenada
pela profa. Dra. Maria D'Alva Gil Kinzo (Depto. de Ciência Política da USP) e
financiada pela Fapesp.
3 Converse (1964) elaborou a noção de "sistema de crenças", constatando que a
maioria do eleitorado não tem um sistema estruturado. Para uma revisão de
aspectos importantes do debate sobre esse tema na literatura norte-americana,
ver Singer (2000), Rennó (2001) e Carreirão (2002).
4 Boas revisões da literatura internacional sobre identificação partidária
podem ser encontradas em Dalton e Wattenberg (1993) e Weisberg e Greene (2003).
Sobre o declínio do papel dos partidos políticos, ver Wattenberg (1991, 1998) e
Dalton e Wattenberg (2000), entre outros.
5 Carreirão e Kinzo (2004) fazem uma revisão da literatura sobre o tema, no que
se refere ao atual sistema partidário brasileiro.
6 Além da vasta literatura internacional (Key, 1966; Fiorina, 1981; Lewis-Beck,
1988), esta tese aparece, de alguma forma, em muitos textos recentes no Brasil:
Lavareda (1989); Muszynski e Mendes (1990); Albuquerque (1992); Figueiredo
(1994); Mendes e Venturi (1994); Meneguello (1995); Kinzo (1992); Carreirão
(1999, 2002), entre outros.
7 Para outros estudos que valorizam a avaliação de atributos dos candidatos na
decisão de voto dos eleitores, ver Miller et al. (1986) e Popkin (1994).
8 As posições na escala foram recodificadas da seguinte forma (seguindo Singer,
2000, e Carreirão, 2002): 1 e 2 = esquerda; 3 a 5 = centro; 6 e 7 = direita.
9 Outras opiniões políticas foram incluídas originalmente num modelo mais
completo. Como nenhuma delas permanecia nas equações finais, foram eliminadas e
passamos a trabalhar apenas com as variáveis descritas acima, o que reduz o
número de casos perdidos por não resposta.
10 Se todas as variáveis independentes fossem não correlacionadas e as
observações (amostra) fossem feitas uniformemente em relação às combinações
entre elas ' como pode ser feito em estudos experimentais ', poderíamos ter
medidas independentes do efeito de cada variável. Como isso não acontece, o
efeito de cada variável pode ser influenciado pelas demais variáveis. A análise
simula manter constantes as demais variáveis, para tentar medir apenas o efeito
da variável em questão. Para as demais conclusões, ao longo do texto, tiradas a
partir da interpretação dos Exp (B), também deve ser levada em conta essa
consideração.
11 Para uma compreensão adequada das interpretações feitas aqui, é importante
ter em conta que a ordenação das categorias, em cada variável, é aquela
descrita no item "Hipóteses, modelo de análise e variáveis".
12 As conclusões a respeito desta variável devem ser vistas com ressalva, dado
que as significâncias dos coeficientes correspondentes às categorias que a
variável assume estão acima do que se considera aceitável (0,05).
13 Embora se possa discordar da posição específica de alguma(s) das
manifestações em relação aos partidos, na ordenação por nós proposta,
acreditamos que essa ordenação reflete de forma razoavelmente adequada as
expectativas teóricas que possam vincular essas manifestações dos eleitores com
seu voto. A preferência ou a simpatia por PCdoB ou PL, sem rejeição pelo PT,
foi incluída junto com a categoria "sem preferência ou simpatia partidária e
rejeição por partido de candidato adversário", porque tinha apenas seis casos e
achamos que se aproximaria desta última categoria mais do que da categoria
anterior.
14 De forma a podermos realizar esse teste utilizando a regressão logística,
recodificamos a variável "avaliação de governo" para apenas duas categorias: 0
= péssimo/ruim/regular "pra pior"; 1 = regular "pra melhor"/bom/ótimo.
15 Como, em geral, grande parte dos entrevistados não quer ser vista como
incoerente, tende a racionalizar respostas. O caso mais grave parece ser o
relativo às avaliações diretas de atributos dos candidatos. Comparativamente,
parece mais fácil, para um eleitor mediano, "perceber" que está "sendo
incoerente", se ele diz que vai votar em Lula e, simultaneamente, diz que o
mais honesto é Serra, do que se ele indica preferência por um partido e vota no
candidato de outro partido (ou se diz estar no ponto 2 da escala esquerda-
direita e vota no candidato que julgamos mais à direita do espectro ideológico,
ou se indica uma tendência de apoio a uma menor intervenção do Estado na
economia e vota em Lula).
16 Incluir as variáveis demográficas, além das "políticas", não melhora
significativamente o modelo. Modelos semelhantes para os outros atributos de
Lula fornecem resultados semelhantes.
17 Devemos algumas dessas observações aos comentários de Maria D'Alva Kinzo,
Antônio Lavareda e Orjan Olsen.
18 A respeito do uso do R2 de Nagelkerke, ver o site: http://
linuxndsweb.mcs.muohio.edu/doc/sassystem/SUGI25/25/st/25p256.pdf.