Constituição, governo e democracia no Brasil
To embody a right in an entrenched constitutional document is to adopt a
certain attitude towards one's fellow citizens. That attitude is best summed up
as a combination of self-assurance and mistrust: self-assurance in the
proponent's conviction that what he is putting forward really is a matter of
fundamental right and that he has captured it adequately in the particular
formulation he is propounding; and mistrust, implicit in his view that any
alternative conception that might be concocted by elected legislators next year
or in ten years' time is so likely to be wrong-headed or ill motivated that his
own formulation is to be elevated immediately beyond the reach of ordinary
legislative revision.
Jeremy Waldron, Law and disagreement
Introdução
Um dos aspectos mais evidentes e controversos da democracia brasileira
contemporânea diz respeito ao fato de que a nossa Constituição, promulgada em
outubro de 1988, não adquiriu até o momento as condições de estabilidade e
permanência que normalmente caracterizam os textos constitucionais.
Observando-se a dinâmica política e a produção legislativa pós-1988, é possível
afirmar, sem exagero, que o país permaneceu numa espécie de agenda
constituinte, como se, paradoxalmente, o processo de reconstitucionalização não
houvesse se encerrado em outubro daquele ano (Couto, 1997, 1998). Por razões
que este texto pretende elucidar, o fato é que os governos posteriores a 1988
se viram obrigados a desenvolver boa parte de sua produção normativa ainda no
plano constitucional, isto é, por meio de modificações, acréscimos e/ou
supressões de dispositivos localizados na própria Carta. Tomar decisões e
implementar políticas governamentais são atividades que, no Brasil pós-1988,
não lograram adquirir uma rotina apenas infraconstitucional. Pelo contrário,
boa parte dessas atividades teve lugar no nível superior da hierarquia
legislativa, ou seja, na própria Constituição.
À parte o fato de nossa história constitucional ser marcada pela instabilidade
(estamos na oitava constituição desde a Independência do país, e a durabilidade
média das Cartas, desconsiderados os diferentes tipos de regime que as
ensejaram, é pouco maior do que duas décadas), o texto de 1988 parecia refletir
um novo estágio de maturidade política e de longevidade institucional, coroando
e habilitando ao pleno desenvolvimento a democracia recém-conquistada, desta
feita, em bases aparentemente mais sólidas do que em períodos anteriores. No
entanto, passada a euforia inicial, também a Carta de 1988 cedeu aos velhos
signos da instabilidade e da reforma, e aquele que parecia um texto definitivo,
capaz de encerrar uma fase da história política do país e dar início a outra
com chances de longa durabilidade, foi submetido a freqüentes modificações.
No debate público, as alterações na Constituição de 1988 foram e têm sido
defendidas e combatidas ao sabor do jogo político e das forças em disputa.
Entre os analistas, entretanto, não se avançou muito além da análise de tipo
conjuntural; quando muito, tais alterações foram interpretadas à luz dos
processos mais amplos de reforma econômica ou do Estado que marcaram os anos de
1990, mas não logramos desenvolver uma explicação das razões mais específicas
das mudanças constitucionais. O objetivo central desse texto é suprir esta
lacuna e oferecer um modelo de análise capaz de explicar por que a Constituição
de 1988 não adquiriu a estabilidade esperada e o país permaneceu numa espécie
de agenda constituinte.
Nosso modelo de análise da Constituição buscará determinar em que medida ela
contém dispositivos que podem ser classificados como princípios fundamentais ou
dispositivos que mais se assemelham a políticas públicas, e dessa distinção
várias conseqüências de ordem política e institucional poderão ser derivadas. O
modelo aqui desenvolvido já foi aplicado preliminarmente em estudo anterior
(Couto e Arantes, 2003), no qual avaliamos se as emendas constitucionais
aprovadas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-
2002) incidiam mais sobre políticas públicas ou sobre princípios propriamente
constitucionais. Verificamos naquele trabalho que 68,8% dos dispositivos
integrantes das emendas constitucionais aprovadas durante o período FHC
correspondiam a políticas públicas. Diante de tal montante e do fato de que a
maior parte das emendas constitucionais fora de iniciativa do Executivo,
poderíamos nos questionar: o que levaria um governo a implementar sua agenda de
políticas públicas modificando a Constituição, em vez de fazê-lo pela via
infraconstitucional?
A pergunta é pertinente, considerando-se que os procedimentos necessários à
aprovação de emendas constitucionais são muito mais exigentes do que aqueles
requeridos para leis ordinárias ou mesmo para a legislação complementar. Sendo
assim, nenhum governo buscaria implementar sua agenda, lançando mão de tal
expediente, se não fosse realmente obrigado a fazê-lo.1 Uma das possíveis
razões para tal escolha poderia ser a exigência, pelos parlamentares, de que
determinadas mudanças ocorressem pela via constitucional ' talvez como forma de
dar guarida a determinadas decisões ao constitucionalizá-las. Outro motivo, a
nosso ver mais plausível, é a existência de impedimentos constitucionais à
implementação de algumas políticas pelo governo. Ou seja, se a Constituição
determina certas políticas públicas, implementar alternativas a elas exigirá '
necessariamente ' a modificação da Carta. No caso da maior parte das emendas
promovidas pelo governo FHC, foi isto de fato o que se verificou.
É necessário, entretanto, além de analisar as emendas, avaliar o próprio texto
constitucional originário, com vistas a identificar o peso de cada um dos tipos
de dispositivos constitucionais existentes e, considerando-se sua natureza,
aferir se foram ou não emendados pelos governos subseqüentes.
A maneira como distinguimos diferentes tipos de dispositivos no interior da
Carta deve ser explicada, a fim de que não pareça arbitrária. Para tanto, na
seção que se segue, apresentamos os fundamentos teóricos da Metodologia de
Análise Constitucional (MAC), por nós desenvolvida. Essa discussão reproduz em
parte a seção metodológica de nosso trabalho de 2003, supramencionado. Contudo,
tendo em vista que realizaremos neste texto uma nova aplicação da MAC, julgamos
por bem reapresentá-la, incorporando também algumas modificações à versão
original, advindas do desenvolvimento da própria pesquisa desde então.
O problema constitucional brasileiro: reformas (não necessariamente)
constitucionais
A hipótese mais usual sobre a permanência de uma agenda constituinte no Brasil
pós-1988 (comprovada pela intensa atividade de reforma do texto constitucional
nesse período) afirma que a Constituição teria caducado logo após seu
nascimento, isto é, o texto teria sofrido de um envelhecimento súbito, como se
tivesse mais a ver com o passado do país do que com o presente. Esse
descompasso seria especialmente perceptível diante da agenda de reformas
estruturais do Estado e do sistema econômico que, gradualmente, foi-se impondo
ao país como necessária para a desejada estabilização da economia e a retomada
do desenvolvimento em novas bases. Nesse sentido, o fato de a atividade
governamental ter continuado a ocorrer no plano constitucional seria
conseqüência de uma incompatibilidade substancial entre o conteúdo da Carta de
1988 e os desafios que a nova realidade econômica e política, nacional e
internacional, passou a impor ao país.
Desde a promulgação do texto constitucional, vozes dissonantes levantaram-se
contra a Carta, acusando-a de constituir, no plano econômico, um obstáculo à
modernização do país e, no plano político, um desastre do ponto de vista da
governabilidade. Assim, a Constituição escrita sob a égide da "remoção do
entulho autoritário" do regime militar pós-64 ter-se-ia tornado ela mesma ' e
muito rapidamente ' uma espécie de "entulho nacional-desenvolvimentista", que
precisaria ser removido para permitir a implementação das chamadas reformas
orientadas para o mercado.
Na perspectiva dessa hipótese substantiva, desde José Sarney (1985-1990) e
sobretudo com Fernando Collor (1990-1992), questões fundamentais do Estado e do
modelo econômico no Brasil começaram a ser levantadas e o novo regime
constitucional logo foi atacado por seu anacronismo, mal tinha ele nascido. Com
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), essa hipótese sobre uma
incompatibilidade substancial entre a Carta e os novos desafios estruturais
evidenciou-se na formação de uma ampla coalizão de governo que, diferentemente
do pouco sucesso de seus antecessores, conseguiu implementar um conjunto
importante de alterações na Constituição.
Este texto não explora essa hipótese ' que investe na incompatibilidade
substantiva entre a Carta de 1988 e a agenda de reformas dos anos de 1990 ',
pois desejamos mostrar uma outra dimensão do problema constitucional
brasileiro. Para além de eventuais anacronismos legados pela Constituição,
nosso objetivo é demonstrar que ela nos legou um peculiar modus operandi de
produção normativa, com conseqüências significativas para o funcionamento da
democracia brasileira. Nesse sentido, nossa hipótese é mais formal do que
substantiva, pois se refere ao modo pelo qual o processo decisório e
governamental vem-se dando no Brasil. Importa-nos pouco o conteúdo concreto das
agendas de governos específicos. Comprovando-se nossa hipótese, a conclusão
necessária será que, enquanto vigorar a Carta de 1988 em seus moldes atuais,
independentemente do conteúdo de políticas governamentais específicas, levadas
à esquerda ou à direita, por progressistas ou conservadores (ou qualquer outra
denominação ideológica que se queira dar), a atividade de governo no Brasil
seguirá ocorrendo em grande medida no plano constitucional, e estaremos fadados
a uma dinâmica constituinte permanente, incapaz de pôr um ponto final no
processo iniciado em 1988.
Nosso argumento principal é de que a Carta brasileira de 1988 se caracteriza
por ter constitucionalizado formalmente diversos dispositivos que apresentam,
na verdade, características de políticas governamentais com fortes implicações
para o modus operandi do sistema político brasileiro. Em primeiro lugar, a
constitucionalização de políticas públicas faz com que os sucessivos
governantes se vejam diante da necessidade de modificar o ordenamento
constitucional para poder implementar parte de suas plataformas de governo. Em
segundo lugar, construir amplas maiorias legislativas passa a ser condição
básica para superar o engessamento prévio a que foi submetida a agenda
governamental pelo constituinte, algo especialmente difícil no contexto
institucional de um Estado federativo e de um regime presidencialista
multipartidário e bicameral como o brasileiro (Tsebelis, 1997). Por fim, mas
não menos importante, esse tipo especial de Constituição tende a causar impacto
significativo sobre o funcionamento do sistema de justiça, na medida em que o
Judiciário, e especialmente seu órgão de cúpula ' o Supremo Tribunal Federal
(STF) ', passa a ser mais acionado para controlar a constitucionalidade das
leis e demais atos normativos (Arantes, 1997; Arantes e Kerche, 1999), nem
sempre relativos a princípios constitucionais fundamentais, mas freqüentemente
relativos a políticas públicas.
Quais seriam as razões da grande presença de políticas públicas no interior do
texto constitucional? Acreditamos que uma das principais foi o formato que
presidiu os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, favorecendo
enormemente a introdução no texto de dispositivos de cunho particularista. Um
bom resumo desse processo é dado por Souza e Lamounier:
De acordo com as diretrizes legais estabelecidas pela chamada "Emenda
Sarney", os deputados e senadores a serem eleitos em novembro de 1986
reunir-se-iam unicameralmente, decidindo por maioria simples, como
uma verdadeira Assembléia Constituinte. Quando esse novo Congresso
iniciou os seus trabalhos, no princípio de 1987, houve tensos debates
entre os constituintes a respeito dos poderes de que se achavam
investidos e sobre a organização a ser adotada nos trabalhos.
Predominou, no final, uma organização fortemente descentralizada:
subcomissões e comissões temáticas fariam os estudos iniciais,
ouvindo a sociedade e votando relatórios preliminares; encerrada essa
fase, uma Comissão de Sistematização de 97 membros (cuja presidência
coube também ao Senador Afonso Arinos), encarregar-se-ia de preparar
o projeto final a ser votado pelo plenário. O projeto constitucional
foi finalmente levado a uma primeira votação em plenário no princípio
de 1988. Uma vez que não se formou nenhum bloco monolítico no
Congresso, o voto majoritário, na maior parte dos artigos, teve que
ser negociado e renegociado vezes sem conta. A segunda e última
rodada ocorreu em setembro de 1988, sendo a nova Constituição
promulgada a 5 de outubro (Lamounier, 1990, p. 82).2
Este processo descentralizado, o quorum de maioria simples e a ausência de um
projeto-base do qual se pudesse partir3 constituíram fatores favoráveis à
introdução no texto dos mais variados dispositivos, bastando para isso que
estes contassem com o apoio substancial de algum grupo de pressão ou bancada
parlamentar e não ferissem os interesses da maioria congressual.4 Nesse
sentido, pode-se dizer que as negociações travadas em torno da elaboração da
nova Carta ocorreram sob a égide de um amplo log rolling: ao apoio de um grupo
X a medidas patrocinadas pelo grupo Y, retribuir-se-ia noutra ocasião com o
apoio do grupo Y a uma medida de interesse do grupo X.
Coelho e Oliveira chamaram a atenção para a dinâmica extremamente
descentralizada que marcou os trabalhos constituintes, destacando a falta de
paralelo de processos semelhantes na história constitucional brasileira e mesmo
no direito comparado. Segundo esses autores,
[...] a construção do futuro Projeto deu-se de fora para dentro, de
partes para o todo. Vinte e quatro subcomissões temáticas recolheram
sugestões, realizaram audiências públicas e formularam estudos
parciais. Estes foram reunidos em blocos de três a três, através de
oito comissões temáticas. Só então a Comissão de Sistematização
organizou o primeiro anteprojeto, em 15 de julho de 1987. A partir
daí, ocorreu uma tramitação formal, com emendas, pareceres e
votações. Muitos impasses, negociações, confrontos. Ao todo foram
apresentadas, durante as várias fases de comissões, sistematização,
primeiro e segundo turnos de plenário, um total de 65.809 emendas.
Existiram nove projetos, desde o de 15 de julho de 1987 até a redação
final, em setembro de 1988 (Coelho e Oliveira, 1989, p. 20, grifo
nosso).
Embora uma análise mais detalhada dos resultados desse método de funcionamento
da Constituinte seja recomendável, antes de conclusões generalizantes, parece-
nos defensável a hipótese de que esse formato foi o grande responsável pela
introdução no texto constitucional de uma grande quantidade de dispositivos
mais adequadamente definidos como políticas públicas do que como princípios
constitucionais gerais e fundamentais. Nesse sentido, para além dos conteúdos
específicos consagrados pela Carta, esse tipo de normatização constitucional
engessou formalmente a agenda governamental futura e era mesmo de se esperar,
como de fato ocorreu, que boa parte desses dispositivos se tornasse futuramente
alvo de tentativas de reforma por parte de novas maiorias parlamentares ou de
novas gestões à frente do Executivo. Assim, o baixo grau de universalismo
atingido pela Constituição e a grande quantidade de dispositivos
particularistas e controversos presentes no texto são fatores que ajudam a
entender por que a promulgação da nova Carta ocorreu sob o signo de certa
indefinição ou provisoriedade, tendo a própria Constituinte programado uma
Revisão Constitucional geral para daí a cinco anos (sob a influência da
Constituição portuguesa, que possuía a previsão de revisões a cada cinco anos),
por meio do artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
Art. 3.º A revisão constitucional será realizada após cinco anos,
contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria
absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Anos mais tarde, por mais que alguns intérpretes da Constituição tenham tentado
vincular o artigo 3º do ADCT aos resultados do plebiscito sobre sistema de
governo realizado em 1993, prevaleceu a opinião de que a revisão autoprogramada
da Carta deveria ser irrestrita, podendo versar sobre todo o texto.
A Constituição, que nasceu sob o signo da reforma em moto-contínuo, passou,
entretanto, pela Revisão Constitucional de 1993/1994 sem que muitas e
prometidas alterações fossem feitas no texto original.5 Segundo Melo, em um dos
estudos mais completos sobre as principais reformas constitucionais no Brasil,
o malogro da revisão de 1993/1994 deu-se em virtude de uma conjunção de
fatores, a despeito do potencial e das expectativas de mudança que antecederam
o processo. Comparativamente aos aspectos que favoreciam a mudança
constitucional,
[...] outras características, no entanto, tais como o monopólio, pelo
Legislativo, da iniciativa propositiva, a inexistência de policy
advocates para as emendas e a simultaneidade de votações reduziam o
potencial de mudança por parte do governo. A análise sugere que esse
potencial, que o arranjo institucional propiciava, foi anulado pelo
impacto devastador de fatores contextuais, tais como os
constrangimentos eleitorais, a polarização da agenda pública e a
estrutura de incentivos com que se deparavam o Executivo e o
Legislativo na conjuntura da CPI do orçamento. O calendário
eleitoral, como variável isolada, se constituiu no fator decisivo
(Melo, 2002, p. 76).
A análise de Melo é em si reveladora de um aspecto fundamental disso que
estamos chamando de o problema constitucional brasileiro. Afinal de contas, por
que o sucesso ou o fracasso de um processo de revisão constitucional deveria
estar condicionado pelos interesses do "governo", pela presença ou ausência de
policy advocates, pelo efeito negativo ("devastador") de fatores "contextuais",
pela "conjuntura" política e pelo "calendário eleitoral", se não pelo fato de
que essa Constituição é ela mesma uma Carta que encerra muitos dispositivos
tipicamente governamentais? Isto é, os fatores identificados por Melo para
explicar o fracasso da revisão constitucional de 1993/1994 são a própria
confirmação do nosso argumento de que a Constituição criou um modus operandi de
produção normativa que vincula os interesses conjunturais, de governo e dos
policy advocates, ao marco constitucional. É por essa razão que nossa agenda
política seguiu sendo uma agenda constituinte no pós-1988.6
O outro exemplo que confirma o argumento sobre a peculiaridade do nosso
ordenamento constitucional é justamente o processo de reformas constitucionais
conduzido durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso na presidência
da República. O maior sucesso do governo FHC na implementação de mudanças
constitucionais explica-se pela conjunção complexa, porém favorável, de fatores
como os mencionados acima por Melo, em grau suficiente para que a agenda
governamental de um presidente em particular pudesse vencer os obstáculos da
constitucionalização a que ela foi previamente submetida pelo modelo de 1988.7
Ao longo de dezoito anos de vigência da Constituição de 1988 transcorridos até
2006, um total de 58 emendas constitucionais foram aprovadas, sendo seis
durante o referido processo de revisão ' as Emendas Constitucionais de Revisão
' e outras 52 como Emendas Constitucionais comuns. Destas últimas, 35 foram
aprovadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso (entre os anos de 1995 e
2002) e treze durante o governo Lula. Foram elas, na sua maior parte, propostas
de iniciativa do Poder Executivo, recaindo predominantemente sobre matérias que
compunham uma agenda tipicamente governamental e não necessariamente
constitucional, no sentido mais rigoroso que essa expressão possa conter.
Como distinguir, afinal, princípios fundamentais de dispositivos veiculadores
de políticas públicas no âmbito de um texto constitucional? A próxima seção
destina-se a formular um modelo que seja capaz disso.
Polity, politics, policy
Que papéis têm, nas democracias constitucionais, (a) as estruturas do regime,
compreendendo os direitos individuais e as regras do jogo político, (b) a
competição política e (c) as decisões concretas de governo? Embora cada uma
dessas dimensões seja parte constitutiva do processo poliárquico, elas não têm
o mesmo significado nem contribuem da mesma forma para o funcionamento do
regime democrático. Se quisermos, portanto, compreender corretamente a dinâmica
política real das democracias constitucionais, é indispensável verificar como
regimes desse tipo são capazes de distinguir e articular essas três dimensões
do arcabouço institucional e da dinâmica política.
Em primeiro lugar, é importante considerar que regimes democráticos normalmente
se distinguem dos não democráticos pela presença de alguns elementos-chave, a
saber:
1. O jogo político ocorre de acordo com regras preestabelecidas.
2. As eleições são periódicas e se sucedem por meio de sufrágio
universal.
3. Os mandatos dos eleitos são limitados, tanto temporalmente como no
que concerne ao alcance de suas decisões e ações.
4. A vontade majoritária da população e as decisões de seus
representantes eleitos prevalecem nos limites das regras
preestabelecidas.
5. A oposição é participante legítima do jogo e não deve encontrar
impedimentos para chegar ao poder pelo voto popular.
6. Os governantes são responsáveis perante o eleitorado, prestando-
lhe contas.
7. Os direitos civis clássicos são garantidos, viabilizando o
desenrolar da competição política ' direitos fundamentais
operacionais.
8. São assegurados direitos sem os quais os atores políticos não se
disporiam a participar da competição democrática ' direitos
fundamentais condicionantes.8
Esses oito elementos estabelecem as regras básicas do jogo político
democrático, conformando o que há de essencial na estrutura constitucional de
uma poliarquia (Dahl, 1997). Por delinear os contornos fundamentais do regime,
definem as condições paramétricas estáveis do jogo político, não se confundido
com este ou com seus resultados. Temos aí a primeira dimensão da política
democrática, estrutural, a polity.Justamente por definir os parâmetros da
convivência poliárquica, a estrutura constitucional se alicerça sobre um
indispensável consenso mínimo dos diversos atores políticos quanto a seus
aspectos centrais.
Dado se tratar de um acordo institucional básico ' um pacto implícito ou
explícito entre os atores poliárquicos ' os dispositivos por ele estabelecidos
têm caráter não controverso, isto é, não dizem respeito àquilo que a competição
democrática tem como finalidades: (a) definir a ocupação dos postos de poder
por um determinado período e (b) definir quais políticas públicas serão
implementadas num dado momento. Estes dois objetivos correspondem, portanto, a
duas outras dimensões, mais visíveis e perceptíveis no dia-a-dia das
democracias do que a primeira:
1. A competição política por cargos e influência.
2. A decisão sobre políticas governamentais.
A competição política constitui o próprio jogo e nela estão implícitos os
enfrentamentos, as disputas, as negociações, os acordos e as coalizões. Trata-
se da dimensão dinâmica da realidade política, ao passo que as condições
paramétricas estáveis constituem a sua dimensão estática. Noutras palavras, o
jogo político diz respeito à ação (e à interação), ao passo que as condições
paramétricas dizem respeito à estrutura, no âmbito da qual ocorrem as ações (e
interações). É também no âmbito dessa competição que se definem, nos limites
das regras estabelecidas, os que ganham e os que perdem, os que ocuparão os
cargos públicos (eletivos ou não) e os que ficarão excluídos do poder, os
aliados e os adversários etc. A esta segunda dimensãoda realidade política
denominamos politics.
Entretanto, além do jogo político há também a importante esfera das decisões de
governo, que constitui a terceira dimensãodo regime poliárquico. Tais decisões
são elas próprias um objetivo e uma decorrência ' ao mesmo tempo ' do jogo
político. Afinal, por que motivos competem os jogadores nas poliarquias? Como
certa vez definiu Schumpeter (1980), para ocupar postos de poder e influência;
mas também para definir políticas públicas. Sobre estas últimas, ao contrário
das condições paramétricas estáveis, espera-se que sejam objetos de
controvérsia, e não de consensos mínimos; por isso mesmo, decorrem das disputas
políticas conjunturais. Enquanto a primeira dimensão constitui a base para o
jogo político, essa última representa seus resultados concretos e
circunstanciais. E da mesma maneira como este jogo se desenrola limitado pela
estrutura constitucional, o alcance dos resultados também está limitado por
essa estrutura ' o que não significa dizer que seja predeterminado por ela.9 A
esta dimensão denominamos policy.
Definimos em inglês as três dimensões da política em decorrência da falta de
termos apropriados e claramente diferenciados na língua portuguesa para cada
uma delas. Sumarizando, a polity corresponde à estrutura paramétrica estável da
política e que, supõe-se, deve ser a mais consensual possível entre os atores;
a politics é o próprio jogo político; a policy diz respeito às políticas
públicas, ao resultado do jogo disputado de acordo com as regras vigentes.10 O
Quadro_1 resume a natureza e as características principais destas três
dimensões do processo político democrático.
Como nosso intuito neste artigo é analisar o conteúdo da Constituição
brasileira de 1988, não trataremos da dimensão dinâmica do processo
democrático, a politics, para concentrarmos nossas atenções na hierarquia
normativa que distingue o pacto constitucional (polity) das decisões
governamentais (policy). A Figura_1 ilustra esta hierarquia e diversos aspectos
a ela relacionados.
A lógica poliárquica supõe que normas constitucionais estruturem o sistema
político, estabelecendo condições gerais para seu funcionamento. São por isso
genéricas, tanto na definição dos pressupostos formais do jogo, como na
estipulação dos limiares e dos limites de seus resultados conjunturais. Nessa
dimensão, a constituição corresponde a um pacto entre os atores políticos,
refletindo um consenso básico entre eles. Caso não seja assim e a Constituição
estipule normas de maior especificidade, que ultrapassem esse consenso básico,
ela refletirá a vitória de alguns setores da sociedade sobre outros. Dado seu
caráter de maior permanência, tal Constituição consagrará de modo perene
interesses circunstanciais, por colocá-los fora do alcance do jogo poliárquico
futuro.
A pactuação consensual de princípios constitucionais implica na normatização
apenas dos interesses comuns aos diversos setores da sociedade, ou, no máximo,
daqueles interesses particulares inegociáveis, sem cuja garantia o convívio
pacífico e a competição política leal entre os diversos setores sociais e
políticos seriam inviabilizados. Por isso pode-se afirmar que tais princípios
são relativamente neutros.11 Na medida em que definem somente os parâmetros, os
princípios e os limites do jogo político, as normas constitucionais
poliárquicas têm caráter genérico, pois medidas específicas para sua efetivação
são tomadas conjunturalmente, tendo em vista as circunstâncias particulares com
que lidam os governos do dia.
Dada a função estruturante da polity, as normas constitucionais têm caráter
soberano, razão pela qual não estão em princípio sujeitas à discussão
democrática cotidiana, à qual balizam, resguardando direitos fundamentais e
assegurando que a politics transcorra segundo parâmetros previsíveis e
estáveis. Normativamente, correspondem a um momento inaugural, no qual se
fundaria a polity e se iniciaria o jogo político (Ackerman, 1988). Em virtude
disso, são protegidas contra modificações freqüentes, sendo as regras para sua
alteração bem mais exigentes do que as necessárias para alterar policies:
quoruns ampliados de votação, prazos deliberativos dilatados, poder de veto
conferido a diversos atores institucionais, consultas populares obrigatórias e,
no limite, vedação total a quaisquer mudanças por emendas constitucionais pela
legislatura ordinária, requerendo-se nesse caso a realização de uma nova
Assembléia Constituinte.12 Noutras palavras, o grau de consenso necessário a
decisões constitucionais é muito mais amplo do que aquele aplicável às decisões
da política "normal", isto é, da política governamental (Idem). Vale observar
ainda que nosso modelo tem em vista sistemas políticos dotados de constituições
escritas e com algum tipo de controle constitucional das leis e dos atos
normativos dos governos, duas características que aumentam o grau de
consensualismo do sistema, em detrimento de seu majoritarismo (Lijphart, 1989).
Por outro lado, o governo age na conjuntura; sua ação baliza-se pela eficácia;
suas decisões podem ' sem maiores problemas ' constituir imposições da parte
vitoriosa na disputa democrática (a maioria) sobre a parte derrotada (a
minoria), assim como podem ser específicas e controversas, no sentido já
assinalado. Tudo isto é possível desde que as decisões de governo não
contrariem a normatividade constitucional, respeitando os limiares e os limites
estipulados. É da natureza do próprio jogo democrático o perde-ganha político;
ora um grupo obtém o controle sobre os postos capazes de processar decisões
governamentais, ora outro. As oscilações decorrentes desse processo refletem-se
diretamente sobre a formulação e a implementação das policies, que são objetos
da avaliação do eleitorado o qual ' com base num juízo sobre o desempenho do
governo ' premia ou pune seus representantes nas eleições subseqüentes, por
meio de escolhas eleitorais. Se a alternância de grupos (partidos) no governo é
uma condição do regime democrático, a variação das políticas públicas
(policies) é uma conseqüência prática inevitável (e desejável) desse princípio.
A possibilidade de que tal variação de policies ocorra é, portanto, pré-
requisito a que a alternância de grupos (partidos) no governo tenha efeitos
práticos. Daí as menores exigências das regras decisórias referentes à produção
de policies, se comparadas àquelas necessárias para o emendamento
constitucional.13
Critérios de distinção de matérias constitucionais e não-constitucionais
Considerando-se as dimensões de polity, politics e policy tal como
estabelecidas anteriormente, seria possível distinguir, no interior de uma
determinada Constituição escrita, os aspectos fundamentais do ordenamento
político relativos à estrutura do regime (polity) daqueles outros que, embora
se refiram ao conteúdo material de ações estatais prováveis ou desejáveis
(policies), foram abrigados pelo texto constitucional e equiparados formalmente
aos princípios da polity.
Nossa intenção, nesta seção, é elaborar critérios objetivos que permitam
classificar os dispositivos constitucionais como polity ou policy. A tarefa
exige boa dose de argumentação, dado que o texto formal abriga sem distinção
dispositivos correspondentes a ambos os princípios, de modo que estabelecer uma
hierarquização entre eles é correr um risco considerável.
Como se sabe, o constitucionalismo moderno desenvolveu-se a partir do princípio
liberal da limitação do poder político vis-à-vis a liberdade civil e
individual. De modo geral, os textos constitucionais modernos preocuparam-se
com o estabelecimento dos princípios fundamentais do Estado, ao mesmo tempo em
que procuraram definir os limites da ação estatal da maneira mais rigorosa
possível. Poder e liberdade são considerados antitéticos na tradição liberal, e
essa oposição marcou decisivamente o surgimento das primeiras constituições
escritas do final do século XVIII. Contemporaneamente, o conjunto de
dispositivos constitucionais relacionados à regulação desse antagonismo vem
sendo difundido por meio das noções de Estado de Direito e Rule of Law.
Posteriormente, com a ampliação do sufrágio, as Cartas também passaram a ter de
lidar com a incorporação de contingentes cada vez maiores da população ao
processo político. Dessa forma, às duas noções anteriores acrescentou-se a de
Estado democrático.
Uma primeira classificação do texto constitucional, minimalistaem termos de
polity e policy, deveria retornar às origens do constitucionalismo moderno e
aos princípios liberais que marcaram a refundação do Estado, bem como aos
princípios democráticos que vieram em seguida, especialmente a ampliação dos
direitos de participação. Nesse sentido, os seguintes critérios poderiam ser
adotados para identificar os dispositivos típicos da polity e, por exclusão,
revelar aqueles que poderiam ser considerados veículos de policy. Dentre os
princípios de um regime liberal-democrático clássico, formalizados
constitucionalmente, apenas seriam típicos da polity:
1.As definições de Estado e nação, tais como o regime republicano ou
monárquico, a definição do território, a organização federativa ou
unitária, o exercício direto e/ou representativo do poder político
pelos cidadãos, a noção de nacionalidade e a estrutura do aparato
estatal.
2.Os direitos individuais fundamentais, caracterizados pelas
condições básicas do exercício da cidadania individual (direitos
civis). Consideramos princípios da polity, nessa primeira
classificação geral, as garantias da liberdade civil, que Berlin
(1981, pp. 133-145) reuniu sob a expressão "liberdade negativa"
(proteção do cidadão contra a ação arbitrária do Estado), e os
direitos políticos de participação democrática. Note-se que esse
critério minimalista afasta da definição constitucional da polity os
direitos substantivos, individuais e sociais, que normalmente vêm
acompanhados de normas constitucionais programáticas.
3.As regras do jogo, que organizam os processos de participação e
competição políticas, relacionamento entre e intrapoderes, interação
entre níveis de governo e entre atores coletivos reconhecidos como
lidando com interesses de natureza pública. Tais regras estipulam:
(a) a divisão de prerrogativas e funções entre os atores
institucionais, (b) as regras operacionais do processo decisório
governamental e (c) os tempos e os prazos que balizam tais processos.
Esses três critérios partem da maior generalidade possível da polity (critério
1) e ganham especificidade até quase tocar o nível de policy por duas vezes.
Pela primeira vez, quando, no critério 2, a menção à cidadania poder-nos-ia
levar a incluir direitos constitucionais substantivos que requerem policies
para sua efetivação. Todavia, nessa definição minimalista de polity, evitamos
confundir direitos individuais de proteção (contra o Estado e também contra
outras pessoas) e de participação na esfera pública, com os direitos de
emulação mediante políticas governamentais que visem a atenuar desigualdades
socioeconômicas. Nessa classificação inicial, o primeiro tipo de direitos
compõe a polity e, portanto, tem natureza constitucional. O segundo aproxima-se
da categoria de policy, apesar de sua inclusão na Carta conferir-lhe
formalmente status constitucional.
A policyé quase tocada pela segunda vez quando, no critério 3 (regras do jogo),
mencionamos as funções dos entes governamentais. Note-se que esse critério se
destina a catalogar provisões constitucionais que organizam processos ' como o
da divisão de atribuições governamentais específicas entre órgãos estatais ' e
não devem ser confundidas com dispositivos que estabeleçam funções promocionais
do Estado e são classificados como policy. As funções de governo só serão
classificadas como polity quando disserem respeito a questões de ordem
procedimental, relacionadas à distribuição horizontal de poder entre os
diversos entes estatais, ao funcionamento interno desses mesmos entes, à
participação democrática dos cidadãos e à garantia de suas liberdades
negativas. Funções passíveis de serem classificadas como polity não serão
aquelas que se referem a funções emuladoras do Estado, mas aquelas inspiradas
nos princípios liberal (do governo limitado) e democrático (do governo
participativo). Por outro lado, serão classificadas como policy justamente
quando impuserem obrigações positivas ("direito do cidadão, dever do Estado")
numa perspectiva vertical de relação entre o governo e a sociedade, em torno de
direitos substantivos cuja efetivação depende da implementação de políticas
sociais.
Entretanto, desde que Marshall (1967) definiu a composição tripartite da
cidadania moderna em direitos civis, políticos e sociais e que os textos
constitucionais da segunda metade do século XX estabeleceram um amplo leque de
obrigações sociais do Estado, tornou-se bastante difícil defender um conceito
de polity tão minimalista como o estabelecido acima.14 Em todos os países que
recentemente adotaram o figurino liberal-democrático, gamas importantes de
direitos sociais foram mencionadas nos capítulos constitucionais destinados aos
direitos e às garantias fundamentais. Nossas constituições atuais não se
restringem a estabelecer os limites necessários à vigência da "liberdade
negativa" e tratam de avançar na direção da igualdade, impondo obrigações
positivas ao Estado. É verdade que a realização dessa igualdade é obstada pelo
direito também constitucional da propriedade privada, não sendo demais lembrar
que tal dispositivo é a pedra angular do Estado de Direito liberal.15 De
qualquer forma, considera-se um grande salto de cidadania a
constitucionalização de direitos de igualdade material entre os homens, mesmo
que definições como "função social da propriedade" e "Estado Democrático de
Direito" comportem boa dose de contradição, refletida em tensões no interior do
texto constitucional.
Por essas razões e apesar de os conceitos de cidadania e polity não designarem
a mesma coisa, decidimos trabalhar com dois tipos de classificação: a
minimalista, baseada nos três critérios acima, e uma maximalista, que além dos
três anteriores, incorporaria um quarto critério, mencionado a seguir:
4. Os direitos materiais orientados para o bem-estar e a igualdade,
assim como as funções estatais a eles associadas. Tais direitos e
funções estatais não se confundem com os três critérios anteriores,
dado que não têm implicação direta sobre as definições de Estado e
nação, não constituem direitos civis de proteção à liberdade
individual, nem direitos políticos de participação democrática, assim
como não configuram regras processuais da competição pelo poder ou
das relações entre e intra-órgãos governamentais. Todavia, não se
trata aqui de fazer mera concessão a uma visão da Constituição como
programa social de governo, mas de indicar que determinados direitos
materiais podem ser considerados condições básicas para o
funcionamento adequado do regime democrático. Tais direitos têm a
importante função de promover a adesão ao pacto político democrático
e suprimi-los poderia levar a democracia ao colapso. Enquanto os
direitos civis de liberdade e políticos de participação mencionados
no critério 2 podem ser considerados direitos operacionais
fundamentaisà vida democrática, os direitos materiais aqui
mencionados podem ser considerados direitos condicionantes do jogo
político nesses regimes, na medida em que mantêm a adesão social ao
pacto político democrático.16
Por fim, independentemente do maior peso liberal-democrático ou igualitário das
Cartas, normas propriamente constitucionais referem-se apenas a princípios
fundamentaisdo ordenamento político, e não a detalhes que são o objeto da
politics infraconstitucional cotidiana durante a confecção das policies. A
constitucionalização de assuntos que são a matéria-prima do jogo político
ordinário extrapolaria justamente o caráter constitucional, conformador do
jogo, pois estipularia rigidamente e a priorio que será ou não passível de
mudança pela maioria política. Limitando-se em demasia os resultados possíveis
do jogo, constrange-se a liberdade dos atores na politics cotidiana,
equiparando a polity ao que é considerado policy, primeiramente, pelos próprios
contendores políticos. Tendo isto em vista, incluímos dois critérios adicionais
para classificar textos constitucionais:
5. Critério de Generalidade. Não serão classificados como polity os
dispositivos constitucionais não genéricos (muito específicos).
Embora de difícil definição em abstrato, a distinção entre
generalidade e especificidade poderia ser determinada da seguinte
forma: são específicos os dispositivos derivados de princípios
constitucionais superiores, mas cujo conteúdo pode sofrer alterações
sem que isso ponha em risco as provisões mais amplas sob os quais
esses dispositivos estão abrigados. Essa é uma maneira eficaz de
distinguir polity de policy, uma vez que os textos constitucionais
contemporâneos tendem, metaforicamente, a assemelhar-se a árvores de
cujo tronco saem galhos que se ramificam até os últimos detalhes.
Nosso critério de generalidade poderia funcionar à maneira da poda,
cortando pontas de galhos sem ameaçar a vida da árvore: igualmente,
há dispositivos constitucionais cuja retirada do texto não poria em
risco os princípios fundamentais a que estão associados. Isto será
particularmente útil na desclassificação da condição de polity dos
dispositivos que estabelecem regras do jogo, mas que por serem
demasiadamente detalhistas, especificando processos que caberiam à
normatividade infraconstitucional, poderiam ser "podados" da
Constituição sem que a essencialidade do princípio superior fosse
afetada.
6. Critério de Controvérsia. Também deixarão de ser classificados
como polity dispositivos cujo conteúdo for tipicamente objeto da
controvérsia político-partidária cotidiana, dizendo respeito às
plataformas governamentais apresentadas pelos partidos em seu embate
pelos postos de governo e não se enquadrando, portanto, nas condições
que caracterizam dispositivos de tipo constitucional, seja como
normas paramétricas da politics, seja como regras definidoras de
limiares e limites das policies. Em princípio não serão
desclassificados como politydispositivos constitucionais que
estabeleçam regras procedimentais, exceto quando tenham sido
inseridos na Carta apensados a um outro dispositivo que é, ele mesmo,
policy.
As razões pelas quais adotamos estes dois últimos critérios são as seguintes.
Quanto à generalidade, normas muito específicas não constituem parâmetros de
funcionamento do sistema político, de desenrolar do jogo e de limitação do
escopo das decisões, pois equivalem ' de antemão ' às próprias decisões que
caberia aos atores políticos tomar; por conta disso, não têm caráter
constitucional. Ademais, é de se esperar que acabem por criar obstáculos na
conjuntura à gestão democrática, na medida em que engessam a ação dos
governantes e/ou dos atores sociais diante de situações imprevistas, mudanças
de condições sociais e econômicas, novas tecnologias etc. Com isso, a
Constituição pode se tornar um instrumento que, em vez de conferir maior
segurança jurídica à sociedade, impeça-a de dar cabo de seus problemas em tempo
hábil e com a precisão necessária, devido ao congelamento constitucional de
temas e problemas próprios da conjuntura e afeitos à ação governamental.
O mesmo se aplica à questão da controvérsia ' com um agravante. A
constitucionalização de policies reduz em demasia a liberdade decisória dos
atores e, portanto, o faz em detrimento da democracia. Afinal, restringe para
além do necessário, numa democracia constitucional, a possibilidade de que à
alternância dos partidos e das lideranças no governo corresponda uma
modificação das políticas públicas implementadas ' tendo em vista o leque
ideológico e de interesses de uma determinada sociedade num dado momento
histórico. Com isso a competição democrática não é impedida no plano eleitoral,
mas tem seus efeitos restringidos ou em certa medida anulados no plano
governamental. Pode-se supor que é justamente para isto que servem as
constituições ' restringir a ação dos governos. Mas a suposição é incorreta se
não considera que tal restrição, caso ultrapasse certos limites, impede que a
própria vontade popular se realize periodicamente mediante as ações de
representantes eleitos.
O critério da controvérsia aponta para o fato de que não é legítimo numa
democracia constitucionalizar questões que sejam controversas na disputa
partidária. A Constituição deve procurar definir (no limite do possível) apenas
o que é incontroverso: as condições básicas de funcionamento de um sistema
político competitivo. Daí, o que for objeto de disputa deve ser resolvido na
disputa, ou seja, nos processo eleitoral e decisório, dentro dos marcos
poliárquicos.
Por fim, a excessiva limitação constitucional restringirá ainda mais o alcance
das decisões majoritárias ao multiplicar os motivos para que minorias
derrotadas recorram à Justiça como forma de obliterar decisões legislativas
ordinárias, alegando sua inconstitucionalidade ' claro, apenas onde se adote o
controle judicial da constitucionalidade das leis. Em suma, a
constitucionalização de policiesimpõe a vontade momentânea de uma maioria
conjuntural às maiorias futuras, cerceando-lhes (Cf. Holmes, 1988). O Quadro_2
resume os critérios de classificação do texto constitucional relativos aos dois
modelos teorizados nesta seção.
Análise dos resultados17
A versão original da Constituição de 1988 contém 245 artigos. Decompostos em
parágrafos, incisos e alíneas, eles se desdobram em 1.627 dispositivos. Para
efeitos desta primeira contabilidade do texto constitucional, preferimos
excluir o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), por sua
natureza específica de regra de transição.18 Depois de rigoroso exame de cada
um dos 1.627 dispositivos da Carta original e aplicação da Metodologia de
Análise Constitucional (MAC), concluímos que 30,5% deles podem ser
classificados seguramente como policy e 69,5% dizem respeito a normas de
caráter constitucional ' polity (ver Tabela_1).
Dispositivos de polity
O Gráfico_1 apresenta a distribuição de dispositivos de polity e policy ao
longo dos nove títulos que compõem a Constituição. Em termos gerais, deve-se
destacar que o título "Da organização dos poderes" é responsável por quase 1/
3 do total de dispositivos da Carta, indicando que os constituintes de 1988
tiveram grande preocupação em estabelecer minuciosamente a dimensão horizontal
e funcional do sistema político brasileiro: composição, competências,
prerrogativas e regras de funcionamento dos poderes Executivo, Legislativo,
Judiciário e órgãos auxiliares como o Ministério Público, a Advocacia-Geral da
União, entre outros. O segundo maior é o título "Da organização do Estado", que
estabelece a estrutura político-administrativa do país, enfatizando a dimensão
do federalismo, dos governos subnacionais e de suas relações com a União.
Apenas em terceiro lugar, praticamente empatados, aparecem os títulos "Direitos
e garantias fundamentais" e "Ordem Social", responsáveis justamente pelos
elementos mais concretos e definidores da cidadania civil, política e social
brasileira.
A Tabela_2 apresenta um novo perfil da Constituição, mais revelador do que a
topografia aparente dos títulos formais. Com base na aplicação dos quatro
critérios formulados pela MAC, foi possível revelar que mais da metade dos
dispositivos de polity da Carta de 1988 (55,3%) diz respeito a regras do jogo,
estabelecendo a divisão de prerrogativas e funções entre os atores
institucionais, os mecanismos operacionais do processo decisório governamental
e os tempos e prazos que balizam tais processos. Quanto aos aspectos que
poderíamos definir como ainda mais estruturais ou estáticos do ordenamento
constitucional ' as "definições de Estado e nação" ', estes ocuparam apenas
6,5% do texto promulgado em 1988.
Em 24,3% dos dispositivos constitucionais de tipo polity detectamos mais de um
sentido normativo, isto é, tais dispositivos contemplam mais de um dos quatro
critérios formulados pela MAC, com destaque também para a presença de regras do
jogo na maior parte deles: 230 dos 275 dispositivos de polity duplos, triplos
ou quádruplos contém regras do jogo, simultaneamente a outro(s) dos três
critérios de classificação.
Em suma, observamos que 855 ou 75,5% dos dispositivos de polity da Carta
brasileira dizem respeito ' exclusivamente ou em associação com outros ' a
definições de regras do jogo.
Uma primeira conclusão a extrair desse resultado é que, se a Constituição
brasileira pode ser considerada muito extensa, seu tamanho reflete o nível de
detalhamento atingido pela Constituinte na definição dos procedimentos que
deveriam presidir o funcionamento da democracia vindoura, algo que certamente
pode ser explicado pelas preocupações da época em torno da liberalização e da
redemocratização do regime político. Por outro lado, se Ulysses Guimarães
alcunhou o texto como "Constituição Cidadã", o adjetivo perde força aos
verificarmos que, quantitativamente, os componentes sociais, civis e políticos
da cidadania são incomparavelmente inferiores à dimensão das regras do jogo:
apenas 5,7% dos dispositivos constitucionais dizem respeito a direitos
materiais de bem-estar e igualdade social, ao passo que somente 8,1% concernem
a direitos individuais de liberdade e de participação política. Somados, os
dispositivos "cidadãos" perfazem pouco mais de 13% da Carta de 1988.
O Tabela_3 apresenta o perfil dos dispositivos de polity no interior de cada
título da Constituição, à luz dos quatro critérios da MAC. Como era de se
esperar, a Carta abre majoritariamente com "Definições de Estado e de Nação" no
seu primeiro título, embora este contenha também um pouco de "direitos
individuais fundamentais" e outros dispositivos que combinam de dois a três
tipos de polity. O segundo título, como o próprio nome indica, contém
majoritariamente "direitos individuais fundamentais", ladeados por um pouco de
"direitos materiais" e também de "regras do jogo". O terceiro título,
"Organização do Estado", traz dispositivos que criam estrutura estatal e
simultaneamente introduzem regras do jogo para o seu funcionamento,
especialmente no que diz respeito à dimensão federativa.
Previsivelmente, no título "Da organização dos Poderes" predominam regras do
jogo. O título IV, que é o maior e talvez mais importante da Carta (por definir
o modus operandi das instituições que compõem o regime democrático brasileiro),
estrutura detalhadamente os três Poderes de Estado e alguns organismos
paralelos e auxiliares (Conselho da República, Conselho de Defesa Nacional,
Ministério Público, Advocacia Geral da União e Defensoria Pública). Além de
definir a organização e as atribuições do Legislativo, do Executivo, do
Judiciário e do Ministério Público, estabelece condições de elegibilidade e de
investidura nas respectivas carreiras públicas, bem como normas relativas ao
exercício do cargo (mandatos, imunidades, responsabilidades etc.); estabelece
regras para o processo Legislativo, a fiscalização financeira e orçamentária do
governo e outros procedimentos para o controle recíproco entre os poderes;
chega a detalhes na organização do Judiciário federal e impõe linhas gerais
para a organização do Judiciário nos estados.
O título V reúne dispositivos que ascenderam a tal ponto da topografia
constitucional, provavelmente por terem como elemento principal as Forças
Armadas. Refletindo o peso político remanescente dos militares à época da
Constituinte, não só se manteve o statusconstitucional diferenciado para as
Forças Armadas, como também, preservando a tradição, disciplinaram-se a seu
lado os mecanismos de "Defesa do Estado e das instituições democráticas" (nome
do título V), a saber, a Segurança Pública e os Estados de Defesa e de Sítio.
Noutro contexto de transição democrática possivelmente tais elementos
dispersar-se-iam (submetidos normativamente) a outros títulos constitucionais.
Seja como for, por estabelecer condições da decretação dos Estados de Defesa e
de Sítio, o título também reúne boa soma de dispositivos classificados como
regras do jogo.
Ao estabelecer princípios de "Tributação e orçamento" no título VI, os
constituintes também instituíram um detalhado conjunto de regras do jogo sobre
a conduta governamental em relação às finanças públicas. Mais do que isso, a
maior parte dos dispositivos foi assim classificada por se referir ao pacto
federativo em torno das possibilidades de tributar e dos princípios de
repartição das receitas tributárias. A dimensão federativa tem um peso
excepcional em todo o texto constitucional e essa é uma das principais
explicações para o grande número de dispositivos de polity do tipo regras do
jogo, dispersos por vários títulos e seções da Carta de 1988.
Embora menor do que os demais na proporção de polity, o título VII contempla um
pouco de cada um dos quatro princípios definidos pela MAC. Já no título VIII
predominam os "direitos materiais" até porque ele trata "Da ordem social". Por
fim, os poucos dispositivos classificados como polity, presentes no último
título da Carta e destinados a aspectos gerais, dizem respeito, na sua
totalidade, a regras do jogo.
Dispositivos de policy
Excetuado o título relativo aos "Princípios fundamentais" (por sinal o menor
deles, com apenas 22 dispositivos), encontramos dispositivos de policy em todos
os demais. Percentualmente, os títulos das "Disposições constitucionais gerais"
e da "Ordem econômica e financeira" foram os que apresentaram maior freqüência
de policy, com aproximadamente 70% do total de dispositivos (ver Gráfico_2). Na
seqüência, figura o título da "Ordem social", no qual cerca de 60% dos
dispositivos contemplam policy e não polity. Nada menos que 1/3 do título "Da
tributação e do orçamento" e até mesmo do título "Direitos e garantias
fundamentais" não contemplam matérias de natureza constitucional, pois se
referem a policy e não a polity. Enfim, mesmo títulos referidos às linhas
básicas do moderno constitucionalismo ' "Da organização do Estado" e "Da
organização dos poderes" ' revelaram a existência de dispositivos policy em seu
interior: o primeiro com taxa de 27% e o segundo com taxa de 10% do total de
dispositivos.
Como mostra a Tabela_4, dos 496 dispositivos classificados como policy, 205
deles (41,3%) sequer têm relação com os quatro princípios constitucionais
definidos pela MAC e podem, portanto, ser considerados políticas públicas em
estado puro. Logo, poderiam tranqüilamente integrar a agenda legislativa
ordinária de qualquer governo, sem afetar quaisquer dos princípios. Outros
43,5% dos dispositivos de policy da Constituição ao menos tangenciam um dos
quatro critérios, mas sua especificidade é tamanha que caberia à lei
complementar ou ordinária discipliná-los. Pelo critério de controvérsia, 35
dispositivos que remetem a aspectos de polity foram desclassificados de tal
condição, justamente por constitucionalizarem aspectos que estão longe do
consenso básico característico de regras constitucionais. Ocorre que, ao
resguardá-los sob o manto protetor da Constituição, os constituintes retiraram
de futuras maiorias políticas ordinárias o direito de adotar soluções
alternativas, tão razoáveis ' porém controversas ' quanto as estabelecidas pela
Carta. Outros quarenta dispositivos foram classificados como policy por serem
simultaneamente específicos e controversos.
A Tabela_5 traz a exata medida da agenda legislativa futura (de tipo
complementar ou ordinário) criada pela Constituição: 379 dispositivos ou 23,3%
da Carta fixaram a necessidade de lei federal para regulamentar ou garantir a
efetividade de princípios constitucionais. Uma tarefa de pesquisa empírica é
verificar em que medida as legislaturas posteriores lograram cumprir essa
missão e quantos dos 379 dispositivos foram de fato complementados e/ou
regulamentados por normatização infraconstitucional. Outros poucos dispositivos
remetem a leis federais e estaduais.
Um último dado interessante, mostrado na Tabela_6, é que a Constituição de 1988
contém auto-referências em 12,4% dos seus dispositivos, os quais remetem a
outros pontos da própria Carta. Uma pequena quantidade faz remissão inclusive a
determinados aspectos das constituições estaduais que iriam ser elaboradas na
seqüência da federal.
Constituição e reforma constitucional
Uma das principais motivações deste estudo reside na tentativa de mensurar o
impacto do perfil da Carta constitucional sobre o processo governamental, a
elaboração legislativa e a produção de políticas públicas. A pergunta
subjacente a esse objetivo segue sendo a mesma, desde que nos aproximamos do
tema pela primeira vez: afinal, por que a Constituição brasileira de 1988 não
teria conseguido se estabilizar e por que todos os governos posteriores se
esforçaram por modificá-la em diversos aspectos? No trabalho anterior (Couto e
Arantes, 2003) em que aplicamos a MAC ao conjunto de emendas constitucionais
promulgadas durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso,
chegamos a resultados surpreendentes:
1. Dos 482 dispositivos de emendas que modificaram ou aglutinaram
novos elementos constitucionais, nada menos que 68,8% (332) eram de
policy e apenas 31,2% (150) eram de polity.
2. Do total de dispositivos de emendas constitucionais, 60,8% eram
aglutinadores, isto é, vieram agregar novos aspectos à Constituição.
Dentre os aglutinadores, nada menos que 82,7% diziam respeito a
policy e apenas 17,9% acrescentaram mais polity à Carta.
3. A conclusão geral a que chegamos naquele estudo foi que, ao
contrário do que se afirmava no debate público, nossa Constituição
não fora mutilada pelas emendas constitucionais do período FHC. Pelo
contrário, graças a elas, a Carta cresceu nada menos que 15,3%, o
dobro da taxa de modificação do texto original, nesse mesmo período,
que foi de apenas 8,8%.
Em suma, o crescimento do texto constitucional no período FHC foi marcado pela
inclusão de novos dispositivos de policy na Constituição, em proporção
significativamente superior aos dispositivos de polity incluídos. Compreender
precisamente por que isso ocorreu segue sendo um desafio analítico e de
pesquisa empírica. Nessa perspectiva, verificamos com maior acuidade sobre o
que incidiram as emendas que visaram a modificar aspectos do texto
constitucional (se polity ou policy). O resultado encontra-se na Tabela_7.
Embora o maior número de emendas modificadoras tenha incidido sobre
dispositivos de polity do texto original, proporcionalmente é bem mais
significativo o número de emendas sobre dispositivos de policy, se
considerarmos o perfil geral da Constituição. O fato é que teste estatístico19
rejeitou a hipótese de independência entre as variáveis da tabela, revelando
que existe uma associação entre policy constitucionalizada e emendas
modificadoras. Noutras palavras, as mudanças constitucionais do período FHC
incidiram mais significativamente sobre dispositivos de policy do que em
dispositivos de polity, o que corrobora a hipótese com a qual estamos
trabalhando desde o início: a agenda política e governamental brasileira segue
sendo uma agenda constituinte, não porque sucessivos presidentes quiseram
mutilar os princípios fundamentais ou por outra razão exógena, mas porque a
própria Carta os obrigou a alterar a Constituição para implementar as políticas
públicas. Mais do que isso, o grande legado constitucional da era FHC foi ter
acrescentado 250 novos dispositivos de policy à Carta brasileira,
constitucionalizando mais a agenda governamental e estendendo o desafio de
formar coalizões legislativas majoritárias à base de 3/5 aos governos
posteriores.