Índices plaquetários em indivíduos com doença hepática alcoólica crônica
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Índices plaquetários em indivíduos com doença hepática alcoólica crônica
Platelet indices in chronic alcoholic liver disease patients with
thrombocytopenia
Ana Cláudia CostaI, II; Barbara RibeiroII; Elísio CostaI
IDepartamento de Tecnologias de Diagnóstico e Terapêutica da Escola Superior de
Saúde do Instituto Politécnico de Bragança
IIServiço de Patologia Clínica do Hospital Distrital de Chaves, Bragança,
Portugal
Correspondência
INTRODUÇÃO
O consumo de álcool é aceite socialmente, mesmo quando consumido em doses muito
elevadas. Por esta razão, o alcoolismo é actualmente um problema de saúde
pública mundial, sendo doença encontrada em indivíduos de diferentes níveis
socioeconómicos e de diferentes grupos étnicos, tendo repercussões negativas e
consequências nefastas a nível orgânico, social e psicológico(2, 4, 9). Uma das
principais consequências orgânicas associadas com o alcoolismo é a doença
hepática alcoólica crónica (DHAC), sendo o seu diagnóstico precoce difícil, uma
vez que nem sempre é fácil fazer relação directa entre o consumo de álcool e a
doença hepática(8, 12).
Estão descritos muitas alterações orgânicas associadas ao consumo excessivo de
álcool, nomeadamente a nível da medula óssea. Estão descritas alterações nas
linhas eritróide, granulocítica e megacariocítica, isoladamente ou
concomitantemente, assim como alterações hematológicas a nível periférico,
sendo as mais evidentes a anemia, a leucopenia, trombocitopenia e aumento no
volume globular médio (VGM)(6, 9).
A trombocitopenia é um dos achados laboratoriais mais comuns na DHAC, estando
habitualmente associada com hipertensão portal e a aumento da sequestração
esplénica. A etiopatogenia desta trombocitopenia não está ainda totalmente
esclarecida. Várias hipóteses têm vindo a ser levantadas e estudadas,
nomeadamente, o aumento da sequestração esplénica, a produção inapropriada pela
medula óssea, e diminuição da sobrevida das plaquetas em circulação(3, 15, 16).
O objectivo deste estudo foi detectar alterações nos índices plaquetários em
indivíduos com DHAC que desenvolveram trombocitopenia, e determinar o seu grau
de correlação com outros parâmetros hematológicos.
MÉTODOS
Foram incluídos neste trabalho todas as amostras que deram entrada no serviço
de Patologia Clínica da Hospital Distrital de Chaves, Portugal, provenientes de
doentes com DHAC que apresentassem trombocitopenia (contagem de plaquetas
inferior a 150103/µL), durante um período de 10 meses. Em todos os casos, para
além de se registar a idade e o sexo, foi efectuado hemograma completo,
incluindo contagem de plaquetas e os índices plaquetários, utilizando o
aparelho automático Cell Dyn3500 (Abbott Diagnostics, Califórnia, EUA). Foi
incluído um grupo controlo, constituído por indivíduos emparelhados por idade e
sexo, com o grupo de doentes. Estes indivíduos foram seleccionados na avaliação
laboratorial pré-operatória e não apresentavam alterações nos parâmetros
hematológicos, nem indicadores laboratoriais de infecção/inflamação.
No tratamento estatístico dos resultados foi utilizado o teste tStudent para
comparação de médias e a correlação de Pearson para determinar o grau de
correlação entre os diferentes parâmetros analisados. Foi considerado como
significativo valores de P inferiores a 0.05.
RESULTADOS
Durante o período em que decorreu o estudo, foram seleccionados um total de 65
indivíduos, divididos em dois grupos: controlos (n = 35) e com DHAC e
trombocitopenia (n = 30). A média de idades era de 49.7 anos (variando entre os
35 e os 74 anos) e a percentagem de indivíduos do sexo masculino era de 89%.
Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa (P>0.05), na idade
e distribuição por sexos entre os dois grupos (controlo vs doentes). Os
indivíduos com DHAC apresentavam evidência de hipertensão portal e
esplenomegalia.
Os achados laboratoriais estão sumariados na Tabela_1. Os doentes com DHAC
apresentam uma contagem de eritrócitos, hemoglobina, hematócrito e valores
absolutos de leucócitos totais, linfócitos, neutrófilos e plaquetas
significativamente inferiores aos encontrados na população controlo (P<0.05). O
VGM, a hemoglobina globular média e o RDW ("red cell distribution width")
apresentam valores significativamente superiores (P<0.05) no grupo de doentes.
Relativamente aos índices plaquetários foi encontrado no grupo de doentes um
aumento estatisticamente significativo no PDW ("platelet distribution width")
(19.01 ± 1.78 (%) vs 17.76 ± 1.15 (%), P= 0.004) (Figura_1) e diminuição
estatisticamente significativa no plaquetrócito (PCT) (0.082 ± 0.031 % vs 0.192
± 0.049 %, P<0.005) (Figura_2). Em relação ao volume plaquetário médio (VPM)
não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os dois
grupos. Foi encontrada correlação estatisticamente significativa entre a
contagem de plaquetas e os outros parâmetros hematológicos analisados (Tabela
2).
DISCUSSÃO
A trombocitopenia é reconhecidamente um achado comum associado com a ingestão
de álcool. Contagem de plaquetas inferiores a 100x109/L ocorrem em
aproximadamente 3% dos alcoólicos de longo tempo(2, 4, 9). A etiologia desta
trombocitopenia não está ainda completamente esclarecida, tendo vindo a ser
associada com aumento da sequestração esplénica, produção inapropriada pela
medula óssea, e diminuição da sobrevida das plaquetas em circulação(10, 14).
Alguns estudos in vitro e experimentação animal têm demonstrado que doses
elevadas de etanol são capazes de inibir o crescimento de colónias formadoras
de megacariócitos e a diminuição dos níveis séricos de trombopoietina. Sendo o
défice de produção a etiologia mais consensual para a trombocitopenia associada
com o consumo de álcool(1, 5, 7, 9, 10, 11, 13, 14). Nos doentes desta série,
em que o critério de inclusão era a presença de trombocitopenia, encontrou-se
associada a presença de anemia e de leucopenia. A presença desta pancitopenia,
associada à esplenomegalia e à hipertensão portal que estes doentes apresentam,
sugere que a sua etiologia mais provável é a sequestração esplénica, já que
todas as linhas celulares hematopoiéticas estão afectadas. No entanto, apenas o
exame da medula óssea poderia dar informação mais definitiva sobre os efeitos
do álcool na hematopoiese, o que não foi efectuada nestes doentes.
Os contadores hematológicos existentes, na maioria dos laboratórios clínicos,
disponibilizam sem custos acrescidos, os resultados dos índices plaquetários
que na maioria das vezes não são valorizados na prática clínica corrente. Uma
das principais razões para isto acontecer está relacionada com o facto destes
índices não terem sido ainda muito estudados, nomeadamente no que se refere à
sua utilidade em termos de diagnóstico. Na literatura existem poucos trabalhos
que tiram partido dos índices plaquetários no estudo de doentes com DHAC(11).
Este trabalho tenta efectuar essa abordagem, tendo-se demonstrado um aumento do
PDW e uma diminuição do PCT nestes doentes. O primeiro parâmetro relaciona-se
com anisocitose plaquetária e o segundo, está directamente relacionado com o
volume que as plaquetas ocupam. Adicionalmente, foi encontrada boa correlação
entre o número de plaquetas e índices plaquetários entre si, e também boa
correlação entre a contagem de plaquetas e a maioria dos outros parâmetros
hematológicos estudados. O PDW aumentado, encontrados nos doentes da presente
casuística, poderá estar relacionada com o esforço que a medula óssea está a
fazer no sentido de contrariar a trombocitopenia associada ao hiperesplenismo
encontrado nestes doentes ou então, estar relacionada com os efeitos directos
do álcool sobre as plaquetas. No entanto, mais estudos são necessários para que
conclusões definitivas possam ser tiradas, nomeadamente estudos ao nível da
medula óssea, estudos in vitro onde possam os efeitos directos do álcool nas
células sanguíneas possam ser melhor caracterizados ou então, estudos em
animais onde sejam criadas as condições in vivo.
Em conclusão, os doentes com DHAC apresentam alterações nas três linhas
hematopoiéticas associadas com o hiperesplenismo. Adicionalmente, os
eritrócitos e as plaquetas, apresentam evidência de alterações morfológicas,
demonstráveis pelos respectivos índices, que poderão estar associadas com
aumento da activa hematopoiética da medula óssea, resultante do hiperesplenismo
ou por efeito directo do álcool.