Reestruturação do serviço nacional de saúde em Portugal: balanço da
empresarialização dos hospitais públicos portugueses
1. INTRODUÇÃO
Portugal, no início deste século, pôs em marcha importantes reformas nos mais
diversos sectores do Estado. Sectores como a saúde e a educação têm sido uma
constante prioridade dos sucessivos governos. A necessidade de contenção de
despesa e de melhoria da eficiência e da eficácia dos diversos organismos do
Estado trouxe importantes mudanças estruturais, como é o caso do sector público
da saúde, que após o elevado crescimento da despesa e das necessidades
financeiras levou a que, nos últimos anos, este tenha sido alvo das grandes
preocupações dos diversos governos. O processo de empresarialização foi a
solução encontrada para dar resposta aos problemas estruturais existentes no
sector público da saúde, em Portugal.
A implementação dessa transformação visou à criação de uma cultura de gestão
capaz de lidar com os principais desafios que se colocam ao Serviço Nacional de
Saúde (SNS), o qual é financiado por recursos públicos, e a melhoria da
eficiência e eficácia na gestão dos hospitais públicos. Nesse âmbito, a partir
de 2002, verificou-se a transformação de 34 hospitais públicos em 31 hospitais
EPE (Entidades Públicas Empresariais) e a implementação de importantes
mecanismos e instrumentos, que tiveram uma aplicação universal com relativo
sucesso e contribuíram para uma mudança significativa daquilo que era, até à
data, a perceção do SNS.
No presente artigo, o objetivo é fazer um balanço do que foi a
empresarialização dos hospitais públicos portugueses no período de 2002 a 2005,
bem como uma análise do impacto no sector das mudanças ocorridas nesse mesmo
período. O artigo encontra-se estruturado em mais cinco seções. Na seção 2,
descreve-se a evolução do SNS português desde sua formação em 1979 até ao
momento em que o governo decidiu enveredar pela transformação dos hospitais
públicos em EPEs. Na seção seguinte, apresentam-se a metodologia e os métodos
de investigação adoptados. Seguidamente, na seção 4, discutem-se os cinco eixos
prioritários da empresarialização. O artigo continua com a apresentação, na
seção 5, do novo modelo de financiamento preconizado para o sector e, na seção
6, da avaliação do impacto da introdução de contratos programa entre o
Ministério da Saúde e os hospitais. O artigo termina com a apresentação das
conclusões.
2. A EVOLUÇÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE EM PORTUGAL
O sector da saúde em Portugal compreende uma rede de entidades públicas, por um
lado, e por outro, uma rede de índole privada. Quer a rede de serviços de saúde
pública, quer a privada estão dependentes das políticas e estratégias definidas
pelo Ministério da Saúde para o sector. A maior parte da população portuguesa
acede a pelo menos uma dessas redes. A rede de serviços de saúde pública foi
constituída em 1979, por meio da criação do SNS português. Este tem como modelo
o SNS britânico, o que significa que preconiza o acesso gratuito a cuidados de
saúde de elevada qualidade a todos os cidadãos, independentemente de seu
estatuto económico e social.
Efetivamente, a revolução de 25 de abril de 1974, que pôs termo a mais de 40
anos de ditadura de extrema direita, conduziu a que fosse estabelecido no
artigo 64º da Constituição da República Portuguesa de 1976 o direito à saúde
por parte de todos os cidadãos por meio da "criação de um serviço nacional de
saúde universal, geral e gratuito"(1). Esse sistema é financiado pelos impostos
diretos e indiretos cobrados pelo Estado português. Em 2008, o SNS era
constituído por 77 hospitais públicos, os quais incluem hospitais centrais (que
servem todo o país), distritais (vocacionados para prestar serviços de saúde
nas várias regiões do país) e especializados (por tipo de patologia) (Barros,
Machado & Simões, 2011). Paralelamente a essa rede de hospitais que integra
o SNS existem hospitais privados localizados maioritariamente nos centros
urbanos; esses em 2008 representavam mais de 110 hospitais (Barros et al.,
2011).
De maneira geral, Portugal tem acompanhado a tendência europeia de fusão de
hospitais em grandes unidades hospitalares. Como se discutirá de seguida, até
2002 a rede pública de cuidados de saúde estava concebida de forma a funcionar
de forma totalmente separada da rede privada (ainda que alguns dos governos
tenham por vezes procurado introduzir práticas de gestão do sector privado no
sector público). Contudo, pressões no início do século XXI para a melhoria da
eficiência na gestão dos recursos públicos afetos à saúde conduziram a que o
SNS se desenvolvesse a partir dessa altura no sentido de permitir a maior
interação entre os sectores público e privado (Barros et al., 2011).
Para compreender-se o porquê da reestruturação ocorrida a partir do século XXI
no SNS português, é preciso recuar até ao início da década de 1990. Nesse
período, o SNS atravessava uma situação crítica. A falta de eficiência na
afetação de recursos, a baixa produtividade, as elevadas listas de espera, a
insatisfação dos utentes e dos profissionais de saúde e os elevados custos na
prestação de serviços de saúde originaram bastantes críticas por parte dos
partidos políticos que exigiam soluções para o melhoramento da gestão pública
hospitalar (Ribeiro, 2004). Todos esses fatores, aliados a uma forte pressão
política, levaram a um repensar da estratégia até então adotada, e à adoção de
novas medidas, dentre as quais se destacam a regionalização do SNS e a criação
de regiões administrativas de saúde(2); o desenvolvimento de sistemas de
informação baseados em grupos de diagnóstico homogéneo (GDH), os quais serviram
de apoio à gestão; a introdução da taxa moderadora, aumento dos incentivos à
colaboração entre os sectores privado e público da saúde, de forma a reduzir as
elevadas listas de espera nos hospitais públicos, e algumas melhorias na
carreira dos profissionais de saúde(3). Apesar do vasto número, as medidas
implementadas mostraram-se insuficientes mais tarde (OPSS, 2003; Ribeiro, 2004;
Varanda, 2004).
Ainda na década de 1990, por toda a Europa eram feitas sucessivas reformas da
administração pública, cujos objetivos tinham como princípio o lema "Menos
Estado, melhor Estado". Procurava-se, essencialmente, diminuir as funções do
Estado com o intuito de aumentar a qualidade e a transparência da administração
pública. Nesse contexto, surge no fim do século XX uma nova ideologia de gestão
pública a New Public Management (NPM)(4) , adotada por Portugal, à
similitude de outros países, trazendo uma reconfiguração organizacional do SNS.
Essa reconfiguração resultou do reconhecimento geral de que as medidas
aplicadas não eram suficientes e que seu alcance prático estava longe de ser
aquilo que se pretendia (Simões, 2004). Dessa forma, deu-se início ao processo
de empresarialização do sector público hospitalar, entendendo-se como
empresarialização o processo de autonomização das competências dos órgãos de
gestão, situação semelhante à do sector privado, ligado à prestação de cuidados
de saúde (Stoleroff & Correia, 2008).
A adoção de um modelo empresarial na gestão dos hospitais públicos, em
Portugal, inicia-se, com a criação da nova Lei de Bases de Saúde, em 1990, ao
permitir que houvesse uma descentralização da gestão(5) para níveis regionais
(Campos, 2003; Barros & Simões, 2007; Barros et al., 2011). O
desenvolvimento dessa lei seguiu a tendência a que se assistia por toda a
Europa, em que se pretendia uma maior aproximação dos órgãos de decisão à
comunidade em que se inseriam.
Mais tarde, em 1993, surge o Estatuto do SNS, resultado das alterações
provocadas pela Lei de Bases de Saúde que estabeleceu a possibilidade de a
gestão dos hospitais e centros de saúde do SNS ser entregue a privados
"mediante contrato de gestão"(6). Essa nova medida trouxe maior flexibilização
na gestão dos recursos humanos e a criação das cinco ARSs (Administrações
Regionais de Saúde), que passariam a deter, na teoria, maior responsabilidade
financeira na elaboração de orçamentos. Na prática isso nunca aconteceu, pois
essa responsabilidade continuou a ser da autoridade central (isto é, do
Ministério da Saúde português) até recentemente. A década de 1990 fica assim
marcada por um movimento de apoio em toda a Europa, por parte dos diversos
governos, à integração do sector privado na gestão de entidades públicas, com
vista à promoção da eficiência e da eficácia no sector público da saúde;
contudo, conforme se referiu, em Portugal até ao final do século XX, essas
ideias nunca verdadeiramente passaram do papel (legislação) para a prática
(Reis, 2004; Simões, 2004).
Em 2002, com a realização de eleições legislativas em Portugal e com o
reconhecimento de que as insuficientes medidas até ali tomadas estavam longe de
ser cumpridas na íntegra, surgem por parte dos diversos partidos políticos,
propostas que pretendiam introduzir uma nova reforma com vista ao melhoramento
do SNS. Duas iniciativas foram tomadas: a criação das parcerias público-
privadas (PPP) e a empresarialização da gestão hospitalar. As PPP foram
instituídas pelo Decreto-Lei n.º 185/2002, o qual estabeleceu uma cooperação
formal entre as entidades públicas e privadas. O sector privado, por via desse
decreto-lei, passa a assegurar o financiamento e a gestão, enquanto o público
assegura a amortização do investimento feito e financia a exploração (definida
em função do número de utentes). Essa cooperação, entre privados e públicos,
permite que os utentes tenham acesso a melhores cuidados básicos e a maior
qualidade dos serviços prestados. Enquanto isso, o Estado beneficia-se na
partilha do risco na gestão hospitalar e na construção de novas unidades
hospitalares(7), que a curto prazo seriam impossíveis de se realizar, sendo o
Estado o único financiador (Simões, 2004).
A empresarialização da gestão hospitalar foi publicada por meio da Resolução do
Conselho de Ministros n.º 41/2002, de 7 de março, que definiu, com algum
detalhe, as medidas que visavam à transformação dos estabelecimentos públicos
portugueses de prestação de cuidados de saúde em entidades públicas
empresariais (EPE). O diploma foca-se, essencialmente, na necessidade de
reforma e inovação da gestão hospitalar e considera essa a única forma de
conseguir melhorar o desempenho do SNS, embora reconheça a existência de
algumas dificuldades na concretização desses objetivos. O diploma também define
as condições necessárias para a transformação dos hospitais públicos
portugueses em EPE ao definir requisitos mínimos para a admissão. As condições
mínimas de admissão obrigam que a unidade hospitalar tenha uma dimensão média,
uma dívida acumulada nunca superior a 35% da despesa total do ano anterior e,
ainda, a demonstração de capacidade de gestão.
Os hospitais que cumprissem com os requisitos necessários, apenas teriam de
submeter sua candidatura a uma avaliação; caso esta fosse aceita proceder-se-ia
a sua publicação por meio de decreto-lei. No final de 2002, com a Lei n.º 27/
2002, de 8 de novembro, foi aprovado o novo Regime Jurídico da Gestão
Hospitalar, o qual integrou os vários modelos jurídicos de hospitais. No caso
dos hospitais EPE, ficou definido que seriam classificados dessa forma todos os
estabelecimentos públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia
administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial, enquanto os
hospitais S.A. seriam sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos.
Ainda em dezembro desse ano, foram publicados os diplomas que transformavam os
34 hospitais em 31 sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos.
Decorridos três anos, os hospitais S.A. foram alvo de algumas críticas, o que
levou a que, pela publicação do Decreto-Lei n.º 93/2005, se procedesse à
transformação dos hospitais S.A.(8) em EPE. Essas entidades continuaram a ser
autónomas, mas sob tutela e superintendência do ministro português da Saúde
(Campos, 2005). A passagem dos hospitais de S.A. para EPE tornou a situação dos
hospitais públicos mais transparente e salvaguardou o interesse público dos
portugueses (Ramos, 2005). Por último, é importante mencionar que todo o
processo de transformação dos hospitais em S.A. e sua passagem para EPE foi
conduzido pela Unidade de Missão dos Hospitais S.A. (Resolução do Conselho de
Ministros n.º 15/2003, de 5 de fevereiro), a qual se encontrava sob a
jurisdição do Ministério da Saúde. O Grupo Missão, com a colaboração de
consultores externos, permitiu que fossem implementadas as condições
necessárias para a empresarialização dos hospitais públicos, ao criar um bom
ritmo de trabalho e uma elevada motivação que, em seu conjunto, constituíram o
fator crítico de sucesso de todo o processo (Ribeiro, 2004).
A empresarialização de uma grande parte dos hospitais públicos portugueses
permitiu introduzir novas práticas de gestão no SNS, típicas das organizações
privadas. Por exemplo, o financiamento dos hospitais públicos passou a ser
feito com base em contratos programa que previam no início de cada ano a
produção hospitalar a ser realizada pelos hospitais, bem como o preço de cada
episódio clínico. O Estado português deixou, por consequência, de financiar
todas as atividades desenvolvidas pelos hospitais (financiamento retrospetivo)
para passar a financiar, apenas, aquelas que tinham sido contratualizadas entre
o Ministério da Saúde e os hospitais no início do ano (financiamento
prospetivo). Se o hospital produzir mais (e consequentemente gastar mais) do
que foi estabelecido no contrato programa, não será ressarcido pelo Estado, de
acordo com o novo modelo de gestão adoptado para o SNS.
3. METODOLOGIA E MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO
Nesta investigação, segue-se uma orientação qualitativa dado seu objetivo de
analisar, descrever e identificar os principais aspetos que caraterizaram o
processo de empresarialização dos hospitais públicos Portugueses iniciado em
2002. Optou-se por uma abordagem qualitativa, essencialmente, por esta permitir
obter explicações que envolvem a compreensão da complexidade, do detalhe e do
contexto (Miles & Huberman, 1994; Mason, 2002). Por outro lado, só pela
adoção de métodos de recolha de evidência sensíveis ao contexto em que o
fenómeno em estudo se insere e da análise holística, próprios da investigação
qualitativa (Miles & Huberman, 1994; Mason, 2002), é possível analisar de
forma integrada o processo de empresarialização dos hospitais do SNS português.
Como Miles e Huberman (1994, p. 1) observam, "with qualitative data one can
preserve chronological flow, see precisely which events led to which
consequences, and derive fruitful explanations".
Com a adoção desse tipo de investigação, pretende-se obter as explicações ricas
e contextuais descritas por esses investigadores, as quais dificilmente
poderiam ser obtidas se seguida uma abordagem de natureza quantitativa.
Contudo, embora o presente trabalho seja qualitativo, são considerados não
apenas dados qualitativos, mas também os quantitativos, o que não põe em causa
a orientação qualitativa do estudo. Tal como afirmam Berry e Otley (2004, p.
242),
yet it is quite possible for qualitative research projects to have
some hybrid characteristics and combine a naturalistic inquiry with
some quantitative data and some statistical analysis; there is no
need to exclude useful data collection and analysis for the sake of
purity of approach.
São duas as questões de investigação colocadas neste artigo:
* No que consistiu a empresarialização dos hospitais públicos portugueses?
* Qual o impacto da empresarialização no sector?
Para a obtenção de resposta às questões de investigação, foram utilizadas
diversas fontes escritas de informação, nomeadamente: peer-review journals
(como a Revista Portuguesa de Saúde Pública, publicada pela Universidade Nova
de Lisboa, que encoraja estudos científicos sobre administração no sector da
saúde); relatórios do Tribunal de Contas (sendo de destacar o Relatório Global
de Avaliação do Modelo de Gestão dos Hospitais SEE, que resultou de uma
auditoria por parte do Tribunal de Contas aos hospitais EPE em 2006);
relatórios variados da Unidade de Missão (entre os quais os seguintes,
Relatório de Atividade do Ano 2003 e Empresarialização dos Hospitais S.A., nos
quais se apresentam balanços do processo de empresarialização); relatório da
Comissão para Avaliação dos Hospitais S.A. (CAHSA), elaborado em 2006 por uma
equipa criada especialmente pelo Conselho de Ministros, para avaliar a
qualidade, o acesso, a produção e a eficiência dos hospitais EPE; legislação
portuguesa diversa a regulamentar o sector público da saúde (Lei 56/79 de 15 de
setembro, Lei 48/90 de 24 de agosto, Lei 27/2002 de 8 de novembro, Decreto-Lei
185/2002 de 20 de agosto e Decreto-Lei 93/2005 de 7 de junho, entre outra
legislação consultada); relatórios do Observatório Português e Europeu dos
Sistemas de Saúde; artigos sobre o SNS português publicados no Semanário
Expresso; e consulta de informação sobre o desempenho económico-financeiro e
atividade dos hospitais EPE nos sites do Ministério da Saúde e da Administração
Central dos Serviços da Saúde (ACSS).
Toda essa informação foi recolhida, lida e classificada de forma a integrar uma
base de dados, especialmente preparada para a investigação conduzida. Na
análise da evidência recolhida, as três componentes do modelo interativo de
análise proposto por Miles e Huberman (1994) foram contempladas: redução da
evidência; construção de data displays; e verificação/formulação das
conclusões. Essas componentes foram seguidas de forma interativa como
preconizado por estes investigadores. Tal significa que após se terem lido
todos os documentos recolhidos, procurou-se, numa primeira etapa da análise,
construir tabelas e mapas que resumissem a evidência obtida. A construção
dessas tabelas e mapas possibilitou às investigadoras a possibilidade de
encontrar padrões e repetições na evidência, os quais permitiram a construção
de clusters e categorias de informação. Dessa forma, foi possível evoluir
progressivamente da obtenção de descrições (isto é, do processo em que se
pretende a mera decomposição das partes integrantes de um problema de forma a
tornar questões complicadas em questões simples) para a obtenção de explicações
(ou seja, para o processo em que se procuram encontrar regras que expliquem a
forma como as partes integrantes de uma questão complexa se relacionam).
4. EIXOS PRIORITÁRIOS DA EMPRESARIALIZAÇÃO
Em 2002, com a empresarialização dos hospitais públicos portugueses, o SNS
estava numa situação difícil: os profissionais de saúde encontravam-se
desmotivados com sua carreira e com suas condições de trabalho; a gestão dos
hospitais era pouco eficiente, devido à má gestão de recursos, que, aliada à
falta de informação e à inexistência de um planeamento, conduziu a uma situação
de elevados custos. Por sua vez, o serviço prestado aos doentes carecia de
alguma qualidade e produtividade, originando um elevado número de reclamações
por parte dos usufrutuários dos serviços públicos hospitalares. Todos esses
fatores constituíram o principal desafio de todo o processo de
empresarialização, ao alertarem para a necessidade de se ter de proceder ao
melhoramento das condições de acesso e de qualidade, assim como ao
desenvolvimento de mecanismos que assegurassem melhor desempenho, eficiência e
controlo da despesa pública com a saúde (Ribeiro, 2004).
A Unidade de Missão dos Hospitais S.A., juntamente com o Ministro da Saúde
português, desde cedo definiu sua visão e os objetivos estratégicos para o
sector público hospitalar (Figura_1).
A formulação desses objetivos contribuiu para o lançamento dos pilares sobre os
quais se desenvolveram iniciativas e projetos que fomentaram uma nova cultura
de gestão nos hospitais públicos portugueses. Os pilares definidos,
inicialmente, para a gestão empresarial dos hospitais EPE, foram essencialmente
cinco: cultura de gestão por objetivos e de responsabilização pelos resultados;
acompanhamento rigoroso e publicação regular da informação; melhoria da
qualidade e da eficiência operacional; promoção do mérito e do desenvolvimento
profissional; e por último, melhoria da comunicação e do serviço aos utentes. A
definição dos pilares de gestão constituiu uma parte fundamental de todo o
projeto, sobre os quais foram desenvolvidas importantes iniciativas.
4.1. Cultura de gestão por objetivos e de responsabilização pelos resultados
A empresarialização dos hospitais do SNS trouxe como principal prioridade o
acompanhamento e o controlo da atividade dos hospitais EPE, razão pela qual
foram adotados, no sector público, importantes instrumentos de gestão
utilizados no sector privado. A adoção dos princípios subjacentes ao NPM no
sector público português, mostra, à semelhança do que ocorreu noutros países,
que existe a crença de que esses instrumentos de gestão sejam melhores do que
os utilizados no sector público, criando um ambiente de competição que conduz a
um aumento de eficiência e a eficácia e a um melhor desempenho (Silvestre &
Araújo, 2009). Exemplo disso foi a adoção do Tableau de Bord, um importante
instrumento de gestão que fornece a informação necessária à tomada de decisão e
ao controlo dos hospitais. A informação é transmitida aos gestores por meio de
indicadores de atividade hospitalar, ou seja, indicadores que representam a
eficiência operacional e económico-financeira, assim como, de qualidade e
serviço, permitindo, dessa forma, que o gestor tenha uma ideia global de todo o
hospital. O gestor, ao ter uma fotografia completa do hospital, pode proceder a
comparações de produtividade com outros hospitais públicos benchmarking
identificando quais as áreas onde se deve atuar com maior prioridade (Unidade
de Missão Hospitais S.A., 2005).
Assim sendo, a implementação do Tableau de Bord como instrumento de informação
permitiu: aferir mensalmente não só o grau de desempenho relativo, como também
a evolução nos hospitais EPE; acompanhar a atividade; e efetuar comparações
entre os hospitais EPE de modo a identificar as áreas de atuação prioritárias.
O primeiro Tableau de Bord compreendeu a informação de um ano inteiro (janeiro-
dezembro de 2003), e os restantes foram publicados mensalmente tal como estava
previsto. O último foi em junho de 2005, altura em que o Tableau de Bord foi
substituído. A existência de informação sobre seu desaparecimento é
praticamente inexistente; contudo, Leite e Rodrigues (2010, p. 11) publicaram
em seu artigo alguma informação sobre o abandono do Tableau de Bord nos
hospitais:
O instrumento de Tableau de Bord, usado nos dois primeiros anos de
empresarialização, essencialmente com indicadores económico-
financeiros suportados em custos unitários ajustados que permitiram
elaborar um ranking de eficiência, foi substituído por um conjunto de
cerca de 50 indicadores, de periodicidade trimestral, acrescentados
mais indicadores clínicos qualitativos aos económico-financeiros, mas
sem ranking e sem divulgação pública.
Desse modo, é impossível saber se realmente existe ou não um outro instrumento
de substituição. No entanto, é evidente que o objetivo inicial da Unidade de
Missão, em tornar pública a informação relativa ao desempenho dos hospitais
EPE, perdeu-se com o abandono do Tableau de Bord. Da mesma opinião é o próprio
responsável pela já extinta Unidade de Missão, o Dr. Mendes Ribeiro, que numa
entrevista realizada ao Fórum Hospital do Futuro (2005) referiu o seguinte:
Infelizmente interrompeu-se mais um ciclo de mudança que vai deixar
todos os agentes sem confiança em mudanças futuras. A informação
sobre os Hospitais era totalmente pública e estava disponibilizada na
Internet. Agora já não encontramos informação atualizada e isso
compromete toda a transparência necessária à credibilização da
mudança.
Além da implementação do Tableau de Bord foi definido, também como prioridade,
o acompanhamento permanente da execução orçamental de cada hospital EPE, o que
obrigou esses hospitais a desenvolverem uma cultura organizacional de
informação de gestão fiável e atempada, permitindo a implementação de
mecanismos de evolução económico-financeira, tais como a análise de desvios,
que, por sua vez, contribuíram para que cada hospital conseguisse "identificar
áreas e/ou iniciativas que poderiam ajudar a corrigir as tendências
verificadas" (Unidade de Missão Hospitais S.A., 2004, p. 23). Ao contrário do
Tableau de Bord, este tem sido constantemente desenvolvido, e também cada vez
mais rigoroso, devido, principalmente, às dificuldades que o país tem
enfrentado, que têm obrigado a um maior controlo orçamental da despesa pública.
É importante também referir que, com a criação dos hospitais EPE, "e pela
primeira vez na história do SNS, todos os hospitais da rede EPE tiveram a sua
atividade auditada por Revisores Oficiais de Contas (ROC)" (Unidade de Missão
dos Hospitais S.A., 2004).
4.2. Acompanhamento rigoroso e publicação regular da informação
A partilha de informação e de conhecimento contribui para o aumento da
eficiência e da eficácia da rede de hospitais EPE, já que permite melhor
alocação e gestão de recursos públicos. Os hospitais públicos deixam de ser
vistos de forma individual e passam a integrar um conjunto, tornando assim
possível a criação de sinergias. A constante monitorização da atividade dos
hospitais EPE possibilita a obtenção de uma visão alargada da rede de
hospitais, contribuindo para melhor organização da oferta ao evitar situações
de sobreposição de serviços públicos de saúde. Pretende-se tornar possível a
realização de um conjunto de análises fundamentais (análise da oferta e sua
respetiva organização), por parte da gestão de cada hospital do SNS, assim como
a comparação entre os diferentes anos de atividade, de forma a elaborarem-se
estimativas para os anos seguintes com o objetivo de ajustar a oferta à
eventual procura (Unidade de Missão dos Hospitais S.A., 2005).
De modo a concretizar o objetivo anteriormente descrito, os hospitais EPE
passaram a ter de elaborar o plano de atividades (instrumento fundamental de
gestão, uma vez que obriga a definir a estratégia a médio prazo de cada
instituição) e o relatório de atividade (em que é feito um balanço do ano
anterior). O plano de atividades foi considerado "um marco fundamental do
planeamento da prestação de cuidados de saúde em Portugal" (Unidade de Missão
dos Hospitais S.A., 2004), pois estabelece a base para a fixação da produção a
contratar pelo Ministério da Saúde. Para além de ser um instrumento fundamental
da gestão, ele é, também, um documento que possibilita a formalização de um
compromisso bilateral entre o hospital e o acionista Estado, e a elaboração do
contrato programa de cada Hospital EPE. Já no relatório de atividades,
elaborado pela primeira vez em 2003, foi feito um balanço de todo o processo de
empresarialização e, inclusivamente, a divulgação das prioridades para o ano
2004. Ao contrário do que seria previsto, no ano seguinte, não houve a
elaboração do relatório de atividade do ano 2004. Em lugar dele surgiu o
relatório de acompanhamento e avaliação dos hospitais, cuja imagem é totalmente
diferente. A diferença deve-se ao facto de este relatório cingir-se, apenas, a
aspetos relacionados com a produção e a situação económico-financeira dos
hospitais do SNS. Contudo, em ambos os casos, a divulgação dos relatórios no
site dos hospitais EPE foi feita apenas nos primeiros anos. Atualmente, não
existe nenhuma informação sobre o desempenho global da rede EPE.
4.3. Melhoria da qualidade e da eficiência operacional
Um dos principais objetivos dos hospitais EPE consiste no aumento do desempenho
económico-financeiro "num contexto de melhoria simultânea da qualidade do
serviço prestado aos utentes, nomeadamente a nível do acesso" (Unidade de
Missão dos Hospitais S.A., 2004, p. 2). Para que tal fosse possível, foi
adotada uma importante ferramenta de gestão o benchmarking , entendendo-se
benchmarking como "an improvement process used to discover and incorporate best
practices into your operation" (Damelio, 1995, p. 1). Sua utilização nas
organizações pode ser resumida em dois aspectos: primeiro, permite que as
entidades que o utilizam efectuem
comparison of performance levels to ascertain the gap between "us"
and the "best" and to ascertain from which organizations we are
likely to be able to learn the most.
Segundo, permite
studying how the best or better performers achieve their superior
performances and then adapting and adopting their practices as
appropriate (Stapenhurst, 2009, p. 18).
No caso das organizações não lucrativas, o uso do benchmarking constitui um
enorme desafio para seus gestores, pois a inexistência de lucro obriga à
criação de diferentes fatores de comparação. No entanto, não é impossível a
realização de benchmarking. Existem diversos autores que defendem seu uso em
todo tipo de organização, como é o caso de Saul (2004, p. 2): "Any organization
(for-profit or nonprofit) with a mission and a clear set of goals can
benchmark",acrescentando que"while businesses make a profit, nonprofits make a
difference" (Saul, 2004, p. 2).
Em Portugal, a adoção do benchmarking nos hospitais da rede EPE teve como
principais objetivos: explicar as diferenças de desempenho económico-financeiro
entre os hospitais por meio de alavancas operacionais (e acionáveis) de gestão
corrente; avaliar o potencial de melhoria de cada hospital em cada uma das
principais áreas de atuação; e identificar as melhores práticas e programas
transversais a lançar no curto prazo para capturar o potencial de melhoria
identificado. O processo de benchmarking ocorreu nos 31 hospitais EPE,
desenvolveu-se em quatro fases e demorou cerca de quatro meses a estar
concluído. Numa primeira fase, procedeu-se à recolha de toda a informação junto
dos hospitais EPE, das ARSs e do Instituto de Gestão Informática e Financeira
(IGIF)(9), e a seu respetivo tratamento. Na segunda fase, determinou-se o nível
de desempenho relativo entre as unidades hospitalares e foram identificadas as
alavancas primordiais, que permitiram compreender o desempenho do sistema em
seu conjunto. Numa terceira fase, efetuaram-se análises comparativas das
diversas alavancas encontradas e identificou-se o potencial de melhoria dos
hospitais. Por último, identificaram-se os programas de atuação primordiais e
os hospitais prioritários para sua execução.
Decorridas as quatro fases, foi possível proceder à medição do desempenho
global de cada unidade, tendo sido criado o Indicador Geral de Eficiência
(IGE), responsável pela medição da eficiência relativa do hospital em face da
média dos 31 hospitais EPE. Na prática, o que esse indicador faz é comparar a
a quantidade de recursos que cada hospital consome para produzir atos
médicos equivalentes, depois de a produção de cada hospital ser
ajustada pela respetiva complexidade e pelo fator de estrutura de
cada hospital (Unidade de Missão dos Hospitais S.A., 2004, p. 31).
O IGE obtido pode ser superior, igual ou inferior a 100, o que significa que o
hospital pode ser mais ou menos eficiente. Caso o valor seja igual a 100,
significa que o hospital está dentro da média de eficiência da rede EPE. O
primeiro exercício de benchmarking foi concluído no final de 2002 e permitiu
retirar importantes conclusões. Em primeiro lugar, concluiu-se que os dez
melhores hospitais EPE eram 10% mais eficientes que a média da rede EPE, e que
os restantes eram 11% menos eficientes. Em valores monetários, esse resultado
traduzia-se da seguinte forma: os dez hospitais mais eficientes tinham um custo
total de 409 milhões de euros, enquanto os menos eficientes tinham um custo de
1.184 milhões de euros. Em segundo lugar, foi possível avaliar o desempenho dos
hospitais do SNS por diferentes linhas de atividades, segundo as quais se
averiguou que:
* no caso do internamento, uma alta custava aproximadamente 1.922 euros por
doente nos dez melhores hospitais EPE, enquanto, nos restantes, esse
valor era de 2.792 euros, o que significa que os primeiros eram 31% mais
eficientes do que os demais hospitais. É importante referir que o
internamento, nessa altura, era a linha de atividade que exercia maior
peso nos custos totais da rede EPE. Em face desse elevado peso, em 2002,
cerca de 63% da diferença de custos entre os hospitais públicos era
explicada por essa atividade;
* relativamente à linha de consultas externas, os dez melhores hospitais
EPE apresentavam um custo médio por consulta de 79 euros, enquanto os
restantes apresentavam um valor de 106 euros, ou seja, os dez melhores
hospitais EPE eram 26% mais eficientes do que os restantes. O impacto das
consultas externas não era tão significativo como no internamento. No
entanto, explicava 17,5% do diferencial de custos entre os hospitais;
* no caso da linha de urgências, os melhores hospitais EPE apresentavam um
valor por episódio de 78 euros, e os restantes hospitais apresentavam um
valor de 119 euros. Os melhores hospitais EPE eram cerca de 34% mais
eficientes que os restantes. As urgências, por sua vez, explicavam em
cerca de 18% o diferencial de custos totais;
* os episódios registados no hospital de dia, no caso dos hospitais EPE
mais eficientes, apresentavam um custo de 98 euros, ao passo que, nos
demais, o custo era de 122 euros, isto é, os primeiros eram 20% mais
eficientes. O hospital de dia, de todas as linhas de atividade, era o que
explicava menos as diferenças de custo existentes, tendo sido sua
contribuição de cerca de 2%.
Com a identificação das diferenças de desempenho, no global e por hospital, foi
possível identificar os potenciais de melhoria de toda a rede EPE. No ano
seguinte, assistiu-se a algumas melhorias. A comparação entre os hospitais EPE
foi feita durante algum tempo, mas com o fim do Tableau de Bord, em junho de
2005, deixou de existir o IGE. Sendo assim, atualmente, não é possível saber o
desempenho global e individual dos hospitais EPE. Por outras palavras, nos dias
de hoje, o comum utilizador não consegue ter acesso a informações como o custo
unitário por cada linha de atividade, a lista de hospitais mais e menos
eficientes e sua respetiva evolução. No entanto, é importante realçar que o
facto de a informação não se encontrar publicada, não quer dizer que não
exista. Contudo, levanta-se uma série de questões: em primeiro lugar,
questiona-se se o esforço inicial e o investimento realizado foram úteis; em
segundo lugar, que tipo de regulação existe atualmente, visto que, com o
aumento de autonomia dos prestadores de cuidados de saúde, é necessário existir
maior regulação; e, por último, até que ponto a não divulgação da informação
constitui uma estratégia dos órgãos de gestão e, até mesmo, do próprio Governo.
4.4. Promoção do mérito e do desenvolvimento profissional
Tal como foi referido anteriormente, antes do processo de empresarialização, a
gestão de recursos humanos nos hospitais públicos era alvo do descontentamento
dos profissionais de saúde. Eles encontravam-se insatisfeitos com alguns
aspetos que caracterizavam sua profissão, nomeadamente com a progressão da
carreira (a qual era caracterizada pela existência de elevada estratificação e
rigidez), a ausência de incentivos ao melhor desempenho e os baixos salários
praticados. Por sua vez, o Estado português também sofria com as consequências
da própria gestão de recursos humanos: existia elevada escassez de recursos
devido, não só, à contenção da despesa, mas também à dificuldade em contratar
novos profissionais de saúde, o que obrigava ao pagamento de horas
extraordinárias de forma a assegurar o funcionamento dos hospitais do SNS.
A transformação dos hospitais do SNS em EPE trouxe alterações significativas na
gestão de recursos humanos, nomeadamente pela criação de um ordenamento
jurídico, o qual trouxe a possibilidade de proceder a contratações individuais,
criando a possibilidade de dentro do mesmo hospital existirem trabalhadores com
vínculos profissionais distintos (contratos a termo ou sem termo e em regime de
prestação de serviços ou subcontratação). Por outras palavras, foi criada uma
maior flexibilização na gestão dos profissionais e uma política de carreiras e
salarial adaptada ao novo contrato individual (Ribeiro, 2004).
As alterações introduzidas passaram, também, pela avaliação de desempenho dos
profissionais de saúde, assim, foi criado um regulamento que prevê a entrega de
incentivos por meio da medição do nível de cumprimento dos objetivos definidos
para cada unidade hospitalar. Os objetivos definidos estão relacionados não
apenas com o desempenho dos profissionais, mas também com o desempenho do
serviço e do próprio hospital. Como os profissionais de saúde são avaliados e
compensados pelo sucesso/insucesso da instituição e do serviço onde trabalham,
passa a existir maior participação nos objetivos globais da instituição e não
apenas nos objetivos individuais (Ribeiro, 2004). Assim sendo, o
desenvolvimento de um sistema de incentivos contribuiu não só para uma gestão
de recursos humanos eficaz, como também deu resposta às seguintes necessidades
(Centro em Revista, 2004, p. 2):
* implementação de uma filosofia de gestão empresarial, aos vários níveis
da estrutura de gestão;
* melhorar a produtividade do conjunto de colaboradores recompensando-os
pelos resultados;
* comunicar e envolver cada colaborador na consecução dos objetivos
estratégicos de cada hospital.
Inicialmente, desenvolveu-se o sistema de incentivos com o apoio de oito
hospitais EPE piloto(10). Mais tarde, no primeiro semestre de 2004, procedeu-se
a sua implementação em toda a rede EPE. O sistema de incentivos é aplicado a
todos os colaboradores dos hospitais. O prémio atribuído é de natureza
pecuniária e representa o cumprimento dos objetivos individuais (mérito
profissional ou o desempenho individual) e globais (resultados obtidos pelo
hospital). Quanto ao desenvolvimento profissional, foram criados programas de
formação profissional, os quais permitiram a atualização de conhecimento e a
divulgação de novas práticas (Unidade de Missão dos Hospitais S.A., 2004). As
formações são destinadas a todos os profissionais de saúde e podem estar
relacionadas com a tecnologia e a inovação, ou com a eficiência e a eficácia na
prestação dos cuidados de saúde. O objetivo é que todos os profissionais fiquem
inteirados das necessidades e dos desafios que os hospitais enfrentam.
4.5. Melhoria da comunicação e do serviço aos utentes
A satisfação do utente é uma preocupação recente nas organizações públicas
prestadoras de cuidados de saúde. Não chega ser-se eficaz no tratamento do
utente, é também importante que este se sinta satisfeito com o serviço prestado
pelos profissionais da saúde. Fatores como ser atendido a horas, condições da
infraestrutura e qualidade do atendimento pesam muito no nível de satisfação do
utente. Por esse motivo, têm sido desenvolvidas iniciativas que permitem
assegurar e avaliar a satisfação do utente nos hospitais do SNS, tais como: a
criação do documento "Compromisso de Qualidade dos Hospitais S.A.", que reflete
a visão, a missão e os valores de todos os hospitais EPE e ao qual todos os
hospitais da rede se comprometem a honrar, e a criação de vários projetos
totalmente inovadores o projeto ComuniCare, o Facilitar e o Acreditar. No
caso do projeto ComuniCare, pretende-se desenvolver seis iniciativas que
abranjam importantes fatores da qualidade (Figura_2), e no qual se destacam o
inquérito de satisfação, em que o utente tem uma participação ativa na
avaliação da qualidade dos hospitais, e o portal dos hospitais do SNS (http://
www.hospitaisepe.min-saude.pt/), onde são disponibilizadas todas as informações
sobre as iniciativas desenvolvidas e sobre os estudos realizados.
O primeiro ano de avaliação da satisfação do utente ocorreu no primeiro
trimestre de 2003, quando foram realizadas 11.808 entrevistas a utentes com
idades compreendidas entre os 15 e os 75 anos e que estiveram, pelo menos, uma
vez internados nos hospitais EPE. Os resultados do questionário revelaram um
índice de satisfação(11) de 80,5%. Em 2006, procedeu-se a um inquérito
semelhante; contudo, as entrevistas foram alargadas não só aos utentes
internados, mas também aos utentes que frequentaram uma consulta externa e que
usufruíram do serviço de urgência, em determinado período do ano 2005. Os
resultados com o índice de satisfação foram de 81,7% para os internamentos,
78,5% para as consultas externas e 70,6% para as urgências. No entanto, o
estudo anterior não efetuou análises comparativas com os hospitais do SNS que
não foram empresarializados. Para tal, é necessário recorrer a outros estudos
efetuados, como é o caso do trabalho elaborado pela Comissão para Avaliação dos
Hospitais S.A. ' CAHSA (CAHSA, 2006), em que se procedeu à análise comparativa
da qualidade entre os hospitais EPE e os hospitais do Sector Público
Administrativo (SPA)(12). As principais conclusões deste estudo foram as
seguintes: a qualidade dos hospitais EPE era superior à dos hospitais SPA antes
da existência da empresarialização, a qual teve um impacto nulo na qualidade
percecionada pelos utentes; e a mortalidade, que constitui "um dos indicadores
mais importantes da qualidade da prestação de cuidados", teve uma redução
positiva nos hospitais S.A., na maioria das patologias (CAHSA, 2006, p. 28).
Por último, existe um relatório global de avaliação do modelo de gestão dos
hospitais SEE (isto é, dos hospitais pertencentes ao Sector Empresarial do
Estado ' SEE), elaborado pelo Tribunal de Contas (2006), no qual foi avaliada a
qualidade técnica e funcional dos hospitais EPE e SPA, entendendo-se como
qualidade técnica a qualidade intrínseca dos cuidados de saúde, enquanto a
qualidade funcional é o resultado da avaliação da forma como os cuidados de
saúde são prestados ao doente. Neste estudo a avaliação não é feita com base na
opinião do utente, mas sim por indicadores existentes nos hospitais. No caso da
qualidade técnica, procedeu-se à utilização de seis indicadores: taxa de
mortalidade maiores de 65 anos; taxa de mortalidade menores de 65 anos;
readmissões em GDH cirúrgicos; complicações relacionadas com procedimentos
cirúrgicos; úlcera de decúbito(13) como diagnóstico secundário; e, por último,
a percentagem de infeções nosocomiais(14).
O impacto da transformação dos hospitais em EPE foi sentido em alguns aspetos
como: a taxa de mortalidade, que foi consideravelmente mais reduzida para
maiores de 65 anos (contudo essa diferença tem apenas significância estatística
para 2003); e a percentagem de complicações relacionadas com procedimentos
cirúrgicos, que foi tendencialmente inferior, assim como os níveis de
ocorrência de úlceras de decúbito. O Tribunal de Contas (2006) aponta como
razão para as diferenças existentes o aumento da qualidade da prestação de
cuidados, que resultou do investimento realizado com a transformação dos
hospitais em EPE. Relativamente à qualidade funcional, foram utilizados como
indicadores os casos extremos de longa duração no internamento, cujo tempo de
permanência é superior aos parâmetros estabelecidos pelo GDH(15). Nessa
situação, assistiu-se a uma tendência generalizada para a diminuição dos
episódios de longa duração.
Por último, foi ainda criado um indicador global de qualidade que engloba os
dois indicadores anteriores e que permite concluir que existiu um aumento da
qualidade média do serviço nos hospitais EPE no período de 2003 a 2004.
Relativamente ao projeto Facilitar, o objetivo é proporcionar ao utente maior
facilidade e maior rapidez no acesso aos serviços hospitalares, por meio do
aumento de consultas externas e das intervenções cirúrgicas. O primeiro ano da
rede EPE, de acordo com o Unidade de Missão dos Hospitais S.A. (2004, p. 42),
foi bastante positivo, pois assistiu-se a um aumento do volume de serviços
prestados. O relatório também menciona a razão pela qual houve um aumento de
produção, atribuindo como principal fator "as melhorias de eficiência
conseguidas" e realçando "a melhoria do acesso às consultas, ao hospital de dia
e às cirurgias" e a implementação de um sistema de triagens de prioridades, o
que contribui para o melhoramento da organização dos serviços de urgência.
Num estudo feito pela CAHSA, também foi avaliada a acessibilidade, contudo, sua
avaliação foi realizada sob uma perspetiva diferente. Nesse caso, a medição não
foi feita por meio da quantidade e dos tipos de serviços utilizados, mas por
meio da (in)existência de discriminação. Isto é, pretendeu-se compreender se a
empresarialização dos hospitais levou a uma distinção entre os doentes com
diferentes entidades pagadoras e com idades diferentes. Esse estudo procurou,
essencialmente, responder a duas questões:
Haverá indícios no padrão de utilização que revelem dificuldades no
acesso? Haverá indícios de discriminação entre grupos de doentes,
presumivelmente de acordo com sua "rentabilidade" para o hospital?
(CAHSA, 2006, p. 43).
De acordo com CAHSA (2006), as principais conclusões foram: a inexistência de
discriminação dos doentes por entidade pagadora, ou seja, a transformação dos
hospitais em EPE em nada afetou a propensão para atender doentes do SNS com
diferentes subsistemas/seguros de saúde; os doentes com idades superiores a 65
anos não tiveram nenhum tipo de dificuldade em aceder aos cuidados de saúde por
parte da rede EPE; e, por último, os cuidados foram administrados com a mesma
qualidade dos hospitais SPA.
No estudo de Costa e Lopes (2005, p. 18), em que se pretendeu analisar o
desempenho dos hospitais com base na efetividade e na eficiência, concluiu-se,
entre outros aspetos, o seguinte:
Face ao exposto, tudo indica que o processo de empresarialização em
Portugal, nos dois primeiros anos, não contribuiu para uma diminuição
no acesso aos cuidados de saúde, tanto em termos quantitativos, como
qualitativos e que inclusivamente estes acréscimos de produção não
implicaram sacrifícios ao nível da qualidade e da eficiência dos
cuidados prestados, visto que globalmente estes apresentaram
resultados mais positivos nos Hospitais S.A.
Desse modo, é possível concluir, com base nos dois estudos analisados, que a
transformação dos hospitais em EPE trouxe um aumento significativo na
quantidade de serviços prestados, o que permitiu sua utilização por um maior
número de utentes, não sendo esta alvo de nenhum tipo de discriminação.
Por último, no projeto Acreditar, pretende-se que seja certificada e
monitorizada a qualidade de todos os serviços prestados pelos hospitais. Para
que tal fosse possível, foi necessário dar início ao processo de acreditação
que começou, em maio de 2003, com sete hospitais (Hospital Senhora da Oliveira
' Guimarães; Hospital Padre Américo ' Penafiel; Hospital de S. Sebastião '
Santa Maria da Feira; Hospital de Santo André ' Leiria; Centro Hospitalar da
Cova da Beira ' Covilhã; Centro Hospitalar do Médio Tejo ' Torres Novas;
Hospital José Joaquim Fernandes ' Beja). Para esse processo de acreditação, foi
aplicado o modelo da Joint Commission International (JCI), entidade
independente, sem fins lucrativos e líder mundial na acreditação de cuidados de
saúde. A acreditação da JCI "pode ajudar instituições de saúde internacionais,
agências de saúde pública, ministérios da saúde e outros a avaliar, melhorar e
demonstrar a qualidade do cuidado ao paciente em seus países enquanto acomoda
fatores legais, religiosos e culturais específicos dentro de uma nação" (Joint
Commission International Accreditation, 2011). Contudo, o processo de
acreditação tem-se arrastado por vários anos e, atualmente, apenas quatro
hospitais encontram-se acreditados pela JCI:
* Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE a 11 de julho de 2008;
* Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE ' Unidade de Guimarães, no dia 20 de
dezembro de 2008;
* Centro Hospitalar Cova da Beira, EPE a 29 março de 2010;
* Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE ' Hospital de Vila
Real, no dia 28 de outubro de 2010.
5. O MODELO DE FINANCIAMENTO DOS HOSPITAIS EPE
Antes do processo de empresarialização, os hospitais do SNS eram financiados
por uma dotação orçamental anual. De acordo com Ribeiro (2004, p. 68), esse
tipo de financiamento caracterizava-se pela ausência de "uma expressão
contratual suficientemente explícita quanto aos níveis de produção a conseguir
para a capacidade instalada". Como tal, a inexistência de níveis de produção
originou sérias questões, como:
Será justo aplicar o mesmo nível de recursos financeiros a entidades
equivalentes, em dimensão e complexidade, cujo produto final é por
vezes inexplicavelmente diferente? (Ribeiro, 2004, p. 68).
Para além da questão do financiamento, outra das importantes questões estava
relacionada ao papel do Estado como entidade financiadora. Isso porque alguns
especialistas do sector defendiam a existência de uma separação entre a função
financiadora e a função prestadora do Estado, por considerarem que a política
de financiamento deveria ter um efeito estimulador, o que até à data não
acontecia. A ideia consistia em estimular os hospitais menos eficientes a
procurarem formas de atingir os valores dos hospitais mais eficientes,
conseguindo-se assim uma competição saudável entres os diversos hospitais do
SNS. Em face dessa proposta, em 2003, no âmbito da reforma lançada pelo
Ministério da Saúde, assistiu-se a uma separação dos três tipos de funções:
contratação, prestação e gestão acionista (Unidade de Missão dos Hospitais
S.A., 2005). Desse modo,
a separação entre o financiador e as entidades prestadoras, bem como
a introdução da relação acionista, vieram constituir a base da "nova"
contratualização dos cuidados de saúde prestados por estes hospitais
S.A. (Tribunal de Contas, 2006, p. 23).
Consequentemente, "os hospitais S.A. passaram a ser financiados em função de
sua produção/atividade, e não em função da despesa gerada" (Unidade de Missão
dos Hospitais S.A., 2004, p. 64). Dessa forma, com o desenvolvimento do novo
modelo de financiamento foi possível assegurar quatro objetivos-chave: o
controlo da despesa total; a maximização da eficiência das unidades
prestadoras; a certificação de um elevado nível de qualidade dos cuidados
prestados; e, por último, a responsabilização da gestão dos hospitais públicos
pelos resultados alcançados.
O novo modelo de financiamento (Figura_3) consiste, assim, numa
contratualização entre os hospitais e o Estado. De acordo com Ribeiro (2004),
esse novo modelo assenta essencialmente sobre cinco pilares:
* a criação de uma relação contratual entre o Estado e o respetivo
hospital. A relação contratual é feita por meio de um contrato programa
que se encontra previsto no art. 24 dos estatutos de cada um dos
hospitais do SNS, em que está prevista "a celebração de contratos
programa plurianuais no âmbito da determinação da prestação dos serviços
e cuidados de saúde" (Tribunal de Contas, 2006, p. 23);
* os contratos programa que definem o valor a pagar com base nas linhas de
produção internamentos, consultas, episódios de urgência, cirurgia do
ambulatório e hospital de dia ou seja, em função do tipo de cuidados de
saúde prestado, é fixado um preço, o qual é depois ajustado em função das
especificidades de cada hospital, como, por exemplo, a severidade média
das patologias e o nível tecnológico;
* a existência de um volume de produção contratada a qual é calculada em
função da capacidade instalada e das necessidades dos utentes e visa,
essencialmente, à cobertura de todos os custos fixos;
* a produção marginal, que é paga até determinado limite médio, sofrendo
penalizações degressivas e ajustadas em face dos custos variáveis. Essa
situação corresponde aos casos em que os hospitais ultrapassem o limite
do número de internamentos previstos, e, por isso, poderão ser
penalizados. Nesse ponto existem opiniões discordantes. É o caso de Rosa
(2004), que critica fortemente essa medida, pois considera que "quando um
hospital S.A. ultrapassa o objetivo de produção, no lugar de ser
premiado, é fortemente penalizado", acrescentado ainda que "o hospital
S.A. recebe mais por não fazer do que por realizar mais produção". Em
face dessa situação, têm existido algumas alterações na elaboração dos
contratos programa;
* o contrato programa deverá funcionar como instrumento de regulação da
procura. A ideia é desincentivar a produção que se desvie dos volumes de
produção contratada, o que possibilitará a distribuição estratégica das
produções pelas diferentes unidades hospitalares, levando, assim, a uma
otimização da capacidade instalada do SNS.
A contratualização dos serviços, por parte do Estado, permite dessa forma
clarificar e separar as responsabilidades das diferentes entidades. O Estado
como acionista "controla o nível de desempenho operacional e económico dos
hospitais", enquanto os hospitais são responsáveis pelo "fornecimento dos
cuidados de saúde na quantidade e com a qualidade especificadas no contrato, e
gerem a sua própria atividade". A relação entre as duas entidades é criada pelo
plano de atividades de cada hospital que é
o instrumento que rege as relações entre este (hospital) e o
acionista, na medida em que é o repositório dos objetivos de
desempenho que o hospital se propõe a atingir (Unidade de Missão dos
Hospitais S.A., 2004, p. 65).
Por último, é importante referir que a contratualização traz também benefícios
para o cliente, visto que
constitui um instrumento fundamental para estimular os prestadores a
aumentarem a qualidade e a eficiência dos cuidados prestados e a
orientarem-se mais para o cliente (Valente, 2010, p. 38).
6. AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS CONTRATOS PROGRAMA
Tanto a CAHSA como o Tribunal de Contas apresentaram, em seus relatórios,
conclusões relativamente à implementação dos contratos programa, no período de
2003 e 2004. A primeira conclusão diz respeito ao facto de os contratos
programa terem entrado em vigor a meio do respetivo ano. Do ponto de vista do
Tribunal de Contas (2006, p. 36), essa situação "terá prejudicado a afirmação
de autonomia de gestão dos hospitais" e, como tal, "a aplicação do modelo foi
retrospetiva e não prospetiva". Outra das conclusões, expressa em ambos os
relatórios, diz respeito ao facto de os contratos programa de 2004 não
refletirem, necessariamente, o acréscimo de produção de 2003. De facto, embora
em ambos os anos os hospitais EPE tenham conseguido cumprir com 90% do que
estava estipulado, certo é que não houve diminuição de listas de espera para as
cirurgias e consultas, o que demonstra que existe "um desajustamento às
necessidades efetivas de saúde, à capacidade instalada e à atividade programada
naqueles hospitais" (Tribunal de Contas, 2006, p. 36). Por último, ambos
expressam sua opinião relativamente às verbas de convergência. A CAHSA (2006,
p. 120) adverte que
as verbas de convergência correm o risco de funcionar de forma
perversa, já que, ao pagar mais aos mais ineficientes, os
incentivamos a não corrigir a situação.
Contudo, "há sempre a possibilidade de estes subsídios facilitarem correções
estruturais". Relativamente a essa última questão, a CAHSA chegou a uma
conclusão contrária ao que seria expectável, já que concluiu que as verbas de
convergência estão a ser contraproducentes, ou seja, estão a funcionar como um
desincentivo à superação de problemas estruturais. O Tribunal de Contas (2006,
p. 36), por sua vez, chegou a uma conclusão idêntica, afirmando que o valor de
convergência não "teve quaisquer incentivos associados à qualidade e eficiência
dos prestadores".
7. CONCLUSÕES
Com este estudo, procurou-se analisar o contexto em que a empresarialização dos
hospitais do SNS ocorreu, bem como caracterizar a forma que assumiram as
reformas introduzidas e as implicações desse processo para o sector. Como se
discutiu, as reformas introduzidas a partir de 2002 foram resultado de uma
insatisfação geral em torno da ineficiência na utilização dos recursos públicos
na área da saúde e da falta de produtividade e qualidade dos serviços clínicos
nos hospitais públicos. Essas críticas assumiram especial preponderância a
partir do momento em que a despesa com a saúde passou a crescer a ritmos
economicamente incomportáveis para o país e de forma superior à média da União
Europeia (UE): em 2010, a despesa da saúde representava 10,7% do Produto
Interno Bruto (PIB) em Portugal quando a média da UE era de 9,5% (OCDE, 2010).
A introdução de práticas de gestão típicas do sector privado da economia foi
considerada como a solução para os problemas de ineficiência e ineficácia do
SNS português.
Para melhorar seu SNS, Portugal importou ideias do movimento New Public
Management, o qual teve suas raízes na década de 1980 em países anglo-
saxónicos, como é o caso da Inglaterra (Hood, 1991; 1995). O NPM defende, entre
outros aspetos, a responsabilização pelos resultados (accountability), a
definição de medidas de desempenho objetivas e quantificadas, a adoção de
práticas e ferramentas de gestão próprias do sector privado e, ainda, a
introdução de mecanismos que estimulem a concorrência com outras organizações
(dos sectores público e privado). Tendo por base a experiência do SNS do Reino
Unido, no qual desde os fins da década de 1980 foi seguida uma lógica
empresarial e de mercado, assistiu-se em Portugal, no início do século XXI, à
introdução de uma lógica idêntica na gestão de seu SNS. Como se viu, as
reformas NPM introduzidas em Portugal iniciaram-se com a empresarialização de
parte dos hospitais públicos, os quais passaram a ter um nível de autonomia
maior na gestão do pessoal e de seus recursos financeiros. Igualmente,
assistiu-se à introdução de mecanismos de mercado no sector público da saúde
por meio da separação formal entre quem compra os cuidados de saúde (Ministério
da Saúde português) e quem os presta (hospitais públicos).
A produção hospitalar que o Ministério da Saúde está disposto a comprar
anualmente a cada hospital passou a ser definida a priori (isto é, no início de
cada ano civil) depois de consultado o Orçamento Geral de Estado e o Ministério
das Finanças relativamente às verbas afetas à saúde para aquele ano. Nesse
processo, passaram a ter uma relevância significativa as várias ARS, as quais
são consultadas sobre as necessidades dos cuidados de saúde previstos por
região do país. Por meio da elaboração de contratos programa, passaram a ser
acordados o volume de produção hospitalar detalhado por linha de produção, o
preço por episódio clínico, bem como a qualidade dos serviços de saúde
contratualizados. Os contratos programa tornaram-se, assim, um instrumento de
gestão indispensável para assegurar os níveis de produção e qualidade acordados
entre os hospitais públicos e o Estado português.
Em resultado das reformas introduzidas a partir de 2002, o financiamento dos
hospitais públicos passou a ser feito com base nos volumes de produção
contratualizados. O Estado português deixou, por consequência, de financiar
todas as atividades desenvolvidas pelos hospitais como no passado sucedia (esse
tipo de financiamento era designado por retrospetivo) para passar a financiar,
apenas, as atividades contratualizadas entre o Ministério da Saúde e os
hospitais no início do ano (o financiamento passou a ser, por essa razão, de
natureza prospetiva). Dessa forma, se o hospital produzir mais (e
consequentemente gastar mais) do que foi estabelecido no contrato programa, não
será ressarcido pelo Estado português, de acordo com o novo modelo de gestão
adotado para o SNS. Tal medida implicou maior responsabilização dos hospitais
na gestão de suas atividades e recursos que lhe são afetos.
Diversos relatórios parecem indiciar que esse novo modelo de gestão do SNS está
a conduzir a ganhos de eficiência, produtividade e qualidade diversos (CAHSA,
2006; Tribunal de Contas, 2006; Deloitte, 2011). Contudo, ainda não houve tempo
suficiente para fazer-se uma avaliação mais completa do impacto no sector da
empresarialização dos hospitais públicos portugueses e reformas associadas
introduzidas. Sugerem-se, como pista para investigações futuras, a análise do
impacto dessas mudanças na eficiência, na produtividade dos hospitais, nos
níveis de satisfação dos utentes, bem como na qualidade dos cuidados de saúde
prestados e no desempenho económico-financeiro dos hospitais. Só o tempo
permitirá avaliar com equidade e maior objetividade os efetivos ganhos e/ou
perdas resultantes da empresarialização dos hospitais. Igualmente, sugere-se
como tópico de investigação no futuro o estudo dos efeitos dessas reformas na
reestruturação interna de organizações tão complexas, como é o caso dos
hospitais.
NOTAS
(1) Contudo, em 1989, a Constituição Portuguesa foi revista e a palavra
gratuita foi substituída por tendencialmente gratuita (artigo 64,º, 2).
(2) Pelo Decreto-lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, foram criadas cinco regiões
administrativas de saúde, em 1993, as quais se designam por Administrações
Regionais de Saúde (ARS). Fazem parte das cinco regiões: a ARS do Norte; a ARS
do Centro; a ARS de Lisboa e Vale do Tejo; a ARS do Alentejo e, por último, a
ARS do Algarve. Essas regiões estão sob a dependência direta da Administração
Central dos Serviços de Saúde (ACSS), a qual é responsável pela gestão dos
recursos financeiros e dos sistemas de informação do SNS. A ACSS é uma das
muitas agências que integram o Ministério da Saúde em Portugal.
(3) Nomeadamente por meio do aumento salarial dos médicos e de outros
profissionais da saúde.
(4) A NPM representa um conjunto de doutrinas administrativas que dominaram as
reformas em vários países (Hood, 1991) e que podem ser sumarizadas por meio da
identificação de sete dimensões que se encontram interligadas (Hood, 1995): a
desagregação das organizações públicas; a promoção da concorrência do sector
público e do sector privado por meio de mecanismos como a contratação; a
utilização de práticas de gestão de sector privado no sector público; o aumento
da preocupação com a disciplina e a parcimónia na utilização de recursos; a
atuação mais ativa, visível e a atribuição de um poder discricionário aos
gestores de topo; a definição de medidas e padrões de desempenho com objetivos
mensuráveis e claramente definidos; e a atribuição de uma maior ênfase no
controlo dos resultados.
(5) Existem diversos tipos de descentralização, no caso dos hospitais existiu
uma descentralização administrativa, visto ter sido conferida aos hospitais
autonomia administrativa e organizacional.
(6) A única concessão existente foi realizada no Hospital Fernando da Fonseca
ou Amadora/Sintra, em 1995, por concurso público e por um período de cinco anos
que pode ser renovado.
(7) No primeiro programa Governamental de PPP foi anunciada pelo Governo a
construção de 10 unidades hospitalares até ao final de 2006.
(8) Por uma questão de simplificação será usado a partir daqui hospitais EPE e
não hospitais S.A.
(9) Atual Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS).
(10) Esses hospitais foram: Hospital Egas Moniz; Hospital José Joaquim
Fernandes ' Beja; Centro Hospitalar da Cova da Beira; IPO Porto; Hospital de
São Sebastião ' Feira; Unidade Local de Matosinhos; Hospital Pulido Valente; e
Hospital de Santa Marta.
(11) As variáveis do índice de satisfação correspondem a: imagem, expectativas,
instalações, pessoal de admissão, médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar,
exames e tratamentos, visitas, alimentação, processo de alta, qualidade global,
reclamações, satisfação e lealdade.
(12) O sector público é constituído pelo Sector Público Administrativo (o qual
inclui todas as entidades não empresariais de natureza pública) e o Sector
Empresarial do Estado (que inclui todas as empresas sob a dependência do Estado
' empresas públicas). Com a introdução da empresarialização no SNS em 2002,
passaram a existir dois tipos de hospitais públicos (e que como tal integram o
SNS): os hospitais EPE (hospitais que são entidades públicas empresariais); e
os hospitais SPA (hospitais que não foram empresarializados e que,
consequentemente, se encontram no âmbito do Sector Público Administrativo).
(13) É considerada um indicador de qualidade dos serviços de saúde na América
do Norte e na Europa, por tratar-se de uma doença que pode ser evitada com o
uso de materiais e equipamentos adequados.
(14) Trata-se de um indicador de qualidade por ser uma das maiores causas de
morte. A existência desta infeção evidencia má qualidade na prestação de
cuidados de saúde.
(15) O uso dessa informação é uma forma de monitorizar a qualidade dos cuidados
prestados aos doentes. Isto porque, em hospitais, casos que se afastem desse
padrão são considerados atípicos, e devem ser alvo de avaliação.