Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCEEn0870-11642012000100001

EuPTCEEn0870-11642012000100001

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

A eficiência das técnicas electroquímicas na remoção de IõES cloreto em amostras de uma bala de canhão de um naufrágio do séc. XVIII

1. INTRODUÇãO Os objectos arqueológicos provenientes de meios subaquáticos estão inevitavelmente sujeitos a fenómenos de degradação, sendo particularmente susceptíveis às alterações de meio ambiente, em particular quando transitam de um ambiente molhado, muitas vezes anaeróbio, para um ambiente seco e oxigenado. Quando se recolhe e traz para a superfície um artefacto, após um longo período de imersão, sem quaisquer medidas de conservação, ocorrem alterações irreversíveis ao nível da sua estrutura física e composição química, que se traduzem, na maioria dos casos, na perda de informação e, muitas vezes, na perda do próprio artefacto [1]. Estes fenómenos de degradação estão directamente relacionados com a acção de iões agressivos do meio, nomeadamente dos iões cloreto (Cl-). Perante tais evidências, torna-se crucial, durante qualquer tipo de trabalho arqueológico, garantir os meios necessários ao posterior tratamento dos artefactos recolhidos; por exemplo, conseguir a estabilização das peças através da remoção dos iões agressivos que possam vir a comprometer a sua conservação.

As primeiras experiências centradas na aplicação de métodos electroquímicos à conservação de metais, datam de finais do séc. XIX, e tem vindo a ser objecto de diversos estudos nas últimas décadas [2-5]. Com este estudo pretende-se testar e comparar a eficiência de metodologias de estabilização [6-9], pela remoção de iões cloreto, em objectos de ferro arqueológico, retirados de contextos arqueológicos subaquáticos. Para o efeito, foram utilizados fragmentos de uma bala proveniente de um sítio de naufrágio do século XVIII [10], sito no Oceano Atlântico, na costa algarvia perto de Lagos (Portugal), recolhida a uma profundidade de aproximadamente 5 m.

Para os ensaios de remoção de iões cloreto foram testados métodos electroquímicos (redução electrolítica, redução galvânica), imersão em soluções alcalinas, com monitorização do potencial em circuito aberto, e o método químico de redução pelo sulfito alcalino [11-15].

Com vista à caracterização dos produtos de corrosão presentes na superfície da bala, foram utilizadas as técnicas de difracção de raios - X de pós (DRX) e a microanálise de raios - X (EDX). A monitorização da quantidade de iões cloreto, removidos por cada procedimento, em função do tempo de tratamento, foi efectuada através da técnica de cromatografia de permuta iónica.

O presente estudo deixa bem patente a elevada eficiência das técnicas electroquímicas na remoção de iões cloreto de pequenas amostras de ferro arqueológico retirado do fundo do mar, face aos clássicos métodos de simples imersão em solução alcalina e redução pelo método do sulfito alcalino.

2. EXPERIMENTAL 2.1. Caracterização do sítio arqueológico Em 1967, um mergulhador amador declarou oficialmente o achado de um conjunto de âncoras e canhões avistados a cerca de 300 metros da praia das Pias, na freguesia de Budens. Este local foi posteriormente identificado por Jean-Yves Blot como o sítio de naufrágio do navio-almirante francês Océan e, durante alguns anos, visitado por inúmeros mergulhadores, tendo sido alvo de sucessivas pilhagens [16]. Em 1969, o Ministério da Marinha autorizou a SUBMAR, Trabalhos Submarinos, Lda., a intervir no sítio de naufrágio do Océan, garantindo ao estado o direito sobre 10 % do valor das peças recuperadas e ao achador 25 %.

Em 1981, sob a direcção do então director do Museu Nacional de Arqueologia (MNA), Francisco Alves, foram iniciados os primeiros trabalhos arqueológicos [10, 17].

O programa de recuperação dos espólios submersos marcou o início da arqueologia subaquática em Portugal, e contou com a participação de várias entidades, em colaboração com o MNA, das quais se destacam o Museu do Mar da Câmara Municipal de Cascais, o Centro Português de Actividades Subaquáticas, o Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos, e o Centro de Actividades Subaquáticas do Algarve.

2.2. A recuperação da bala Os fragmentos de ferro a partir dos quais se prepararam os eléctrodos de trabalho, utilizados no presente estudo, foram retirados de uma bala em ferro recolhida no sítio do itinerário arqueológico do Ócean, praia da Salema, Lagos, a 24 de Agosto de 2009, com autorização da Divisão de Arqueologia Náutica e Subaquática (DANS) do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR, I.P.), entidade que tutela o património cultural subaquático português.

A bala foi recolhida de uma profundidade de aproximadamente 5 m, a meia maré, com recurso a um martelo pneumático acoplado a uma garrafa de mergulho (Fig.1).

Foi também recolhida água do mesmo sítio, suficiente para manter a bala imersa em laboratório, até à altura do corte dos fragmentos que deram origem aos eléctrodos de trabalho. Originalmente, a bala pesava 8,171 kg e media 13,2 cm de diâmetro (Fig. 2).

Figura 1 Fotografia que mostra a recolha da bala de canhão (Foto: Inês Pinto Coelho).

Figura 2 Fotografia da bala, após a sua recolha. Do lado esquerdo é possível ver parte da concreção que cobria a bala (Foto: José Paulo Ruas).

2.3. Caracterização do meio ambiente: parâmetros electroquímicos medidos in- situ Antes da recolha da bala, foram efectuadas medições de pH e de potencial redox, in-situ , com recurso a um medidor de pH HANNA® HI 9024, equipado com um eléctrodo de pH de base plana VWR® 662-1805 e, um multímetro ESCORT® 95/97 equipado com eléctrodo de referência Ag/AgCl, VWR® 662-1806, ambos os equipamentos inseridos numa caixa estanque IKELITE, preparada para trabalhos subaquáticos. Para se proceder às medições foi efectuado um orifício com diâmetro equivalente ao do eléctrodo de pH, na concreção que cobria a bala, através de um berbequim pneumático equipado com uma broca diamantada, acoplado a uma garrafa de mergulho. Após a abertura do orifício, foi imediatamente efectuada uma tentativa de medição de pH, seguindo-se posteriormente a medição de potencial. Foram determinados, em laboratório, os parâmetros característicos da amostra de água do sítio de proveniência da bala.

2.4. Condições e procedimentos experimentais O material de vidro utilizado nas experiências foi periodicamente lavado com solução de permanganato de potássio a 10 %, em seguida passado por água corrente e água destilada, depois por água desionizada ultra-pura e finalmente seco.

Todas as soluções foram preparadas com reagentes de elevado grau de pureza, certificada pelas respectivas marcas: KOH, puro, da Pronalab ([Cl-] < 0,01 %); NaOH, QP, da Panreac ([Cl-] < 0,01 %); Na2SO3, PA, da Riedel-de Haën ([Cl-] < 0,005 %). As experiências foram todas efectuadas à temperatura ambiente e as soluções não foram desoxigenadas. As medições de pH foram efectuadas com um eléctrodo da marca HANNA® HI 1131 acoplado a um medidor da mesma marca, modelo HI 3222. Antes de cada série de medições, o aparelho foi calibrado com padrões comerciais de pH 4, 7 e 10.

Eléctrodos de trabalho Os fragmentos de ferro foram cortados com recurso a uma rebarbadora, com discos para corte de aço inoxidável da marca BOSCH (Fe/S/Cl < 0,1 %), dado ter sido o único método acessível que permitiu recolher os fragmentos de metal, apesar de se ter a noção que, devido ao calor gerado, a microestrutura da liga poderá ter sofrido alterações. Todos os fragmentos foram cortados de forma a conterem parte do núcleo metálico (isento de corrosão) e parte da camada de corrosão superficial da bala. A cada fragmento foi soldado um fio de cobre revestido, na zona de ferro limpo (utilizando solda de estanho Sn60 da marca NEVEX) tendo sido estas secções lavadas com água, secas com acetona e isoladas com resina epoxídica (Araldite® standard ' CEYS®), ficando descoberta somente a secção com camada de produtos de corrosão como exemplificado na Fig. 3.

Figura 3 Fotografia de um eléctrodo de trabalho

Durante a preparação dos eléctrodos, a secção com camada de produtos de corrosão foi mantida húmida com água do mar e, após a secagem da resina epoxídica aplicada às restantes secções, foi colocado um pedaço de algodão embebido em água do mar junto a esta secção, sendo cada eléctrodo envolto em película de polietileno e colocado individualmente num boião também em polietileno, onde foi guardado até ao início da experiência.

Devido à dificuldade de corte dos fragmentos de ferro, não foi possível o seu dimensionamento de forma idêntica. Assim, a secção com camada de corrosão de todos os eléctrodos, foi fotografada, tendo sido mantida paralela ao plano da objectiva. Seguidamente, com recurso às fotografias das secções, as respectivas áreas foram vectorizadas com o programa informático CorelDraw 12 e calculadas com recurso à ferramenta Get Area (IsoCalc.com), acoplada ao referido programa. As áreas dos vários eléctrodos variaram entre 2,0 e 3,6 cm2.

Amostras para análise da composição do núcleo e da camada superficial Para efectuar a caracterização do núcleo da bala e dos produtos de corrosão foram utilizados dois tipos de amostras: amostras de pós recolhidas durante tentativas iniciais de corte da bala e amostras de pós recolhidas da superfície da bala com recurso a uma lima diamantada, tendo sido ambas posteriormente moídas e homogeneizadas, individualmente, num almofariz de ágata. Das primeiras amostras foram eliminadas, com recurso a uma pinça e a um íman, as limalhas de ferro resultantes das tentativas de corte. Imediatamente após a sua recolha e preparação, e entre as várias análises, as amostras foram acondicionadas em cápsulas de polietileno herméticas. Para as análises por difracção de raios - X (XRD) os pós foram distribuídos, de forma o mais homogénea possível, sobre uma lâmina de vidro, tendo-se utilizado etanol para proceder à suspensão da amostra.

Na identificação elementar dos produtos de corrosão, por MEV/EDX, foram utilizados os pós das amostras preparadas inicialmente para as análises por XRD, tendo-se colocado um pouco deste sobre um filme condutor de carbono, por sua vez fixo num porta amostras adequado ao microscópio. Foram também efectuadas análises de MEV/EDX a uma amostra sólida retirada do núcleo metálico da bala.

Células, eléctrodos de referência e eléctrodos secundários Para as experiências electroquímicas de remoção de iões cloreto foram preparadas células com recurso a recipientes para amostras em polietileno, nas tampas dos quais se abriram orifícios para suporte dos eléctrodos necessários a cada experiência (Fig.4).

Figura 4 Esquema das células utilizadas nas experiências de remoção de iões cloreto de amostras da bala: A ' imersão em solução alcalina; B ' redução galvânica e redução electrolítica; C ' método do sulfito alcalino

Dentro de cada recipiente foi colocado um copo em vidro, no qual, por sua vez, se colocou o respectivo electrólito.

Os eléctrodos de referência, utilizados nas experiências electroquímicas de remoção dos iões cloreto foram eléctrodos Ag/AgCl de dupla junção, da marca Metrohm® (E0 = +0,210 V vs SHE), de modo a que pudessem ser mantidos em contacto com as soluções alcalinas durante o tempo total das experiências, sem que sofressem danos e sem libertarem iões Cl- para os electrólitos das experiências. Após a preparação e antes da utilização, os eléctrodos de referência foram mantidos durante 24 horas em solução de KOH a 1 % (m/V) para que estabilizassem, de acordo com as instruções da respectiva marca. Após este período procedeu-se à sua verificação contra um eléctrodo Ag/AgCl (KCl 3M) da marca Metrohm®.

Os eléctrodos secundários utilizados, na experiência de redução electrolítica, foram eléctrodos de platina e na experiência galvânica foi um eléctrodo de zinco (E0 = +0,763 V vs SHE) que actuou como ânodo sacrificial e conferiu protecção catódica ao ferro (E0 = +0,440 V vs SHE).

Análise por MEV/EDX Foram efectuadas análises de MEV/EDX a uma amostra do núcleo metálico e a um conjunto de amostras de pós retirados da superfície. Nas análises efectuadas ao núcleo metálico foi utilizado um microscópio electrónico de varrimento JEOL JSM 35C, associado a um espectrómetro de microanálise de raios-X (por dispersão de energia) Noran Voyager. No caso das amostras realizadas aos pós da superfície foi utilizado um microscópio JEOL JSM-700 1F com detector de raios-X Oxford Instruments INCA-sight, utilizando uma energia de 25 KeV.

Análise por DRX As análises por DRX foram realizadas com um difractómetro PHILIPS® PW1710, com aquisição automática de dados através do programa informático APD v3.6B, equipado com um monocromador de grafite, e acoplado a um goniómetro vertical PW1820. Como fonte de raios-X foi utilizada uma ampola de cobre operando a 30 mA e 40 kV. A calibração do aparelho foi efectuada com um padrão de silício.

2.5. Remoção de iões cloreto As experiências de remoção dos iões cloreto foram efectuadas, de forma contínua, durante aproximadamente seis semanas, tendo sido as soluções renovadas ao fim de cada semana e guardadas para posterior análise. O volume de electrólito utilizado em cada experiência foi de 50 mL. Com a excepção do método do sulfito alcalino, o electrólito utilizado nas restantes experiências foi KOH a 1 % (m/V), com pH 13,3. Para o método de Imersão em solução alcalina com medição do potencial em circuito aberto foi utilizado um multímetro digital, HP 34401A, com aquisição automática de dados, através de um programa informático Microsoft® Excel, com a ferramenta Excel IntuiLink for Multimeters Toolbar Addin (Agilent Technologies) acoplada.

Redução electrolítica Para a redução electrolítica foi utilizada uma célula de três eléctrodos ligada a um potenciostato AUTOLAB® PGSTAT10 (Eco Chemie B.V.), com aquisição automática de dados através do programa informático GPES v.4.7, instalado num computador pessoal, que possibilitou a programação/controlo da experiência e a aquisição e tratamento dos dados obtidos. Como eléctrodo de referência foi utilizado um eléctrodo Ag/AgCl de dupla junção, da marca Metrohm®. O ânodo escolhido foi um eléctrodo de platina, pelas suas características inertes, e o electrólito uma solução de KOH a 1 % (m/v).

Durante as experiências, foi aplicado um patamar de potencial contínuo com valor de -0,950 V vs Ag/AgCl. Este potencial foi escolhido de acordo com as referências da literatura, sobre a conservação de ferro arqueológico [3,18-19].

Segundo a literatura [20] o método promove simultaneamente a remoção de iões Cl- e a redução de compostos de Fe(III) a compostos de Fe(II), sem promover a libertação de H2.

Redução galvânica Para a redução galvânica foi utilizado um multímetro digital HP 34401A, com aquisição automática de dados. A monitorização do potencial da amostra de trabalho imersa numa solução de KOH a 1 % (m/V) foi efectuada utilizando um eléctrodo de referência Ag/AgCl de dupla junção, da marca Metrohm®, e foi utilizado como ânodo sacrificial um eléctrodo de zinco com uma área de aproximadamente 8,8 cm2.

Método de redução pelo sulfito alcalino As experiências foram realizadas utilizando uma solução 0,1 M de NaOH + 0,05 M de Na2SO3 e as amostras foram colocadas em recipientes selados, de modo a evitar o contacto da solução com o ar. Na tampa de cada recipiente foi aberto um orifício pelo qual se fez passar o fio do eléctrodo de trabalho. Após a montagem das experiências, a solução foi aquecida a 50 ºC numa estufa Lenton WF 30. Antes de cada mudança de solução, foi efectuada a medição do potencial em circuito aberto de cada amostra.

Análise dos iões cloreto A análise dos iões cloreto foi efectuada por cromatografia iónica. O equipamento utilizado foi um cromatógrafo Dionex DX-500, equipado com uma bomba isocrática Dionex IP20, pré-coluna IonPac AG9-HC, coluna IonPac AS9-HC, supressor de iões Dionex ASRS-ULTRA II e detector de condutividade Dionex CD20.

A aquisição de dados foi feita automaticamente através do programa informático Peaknet®. O eluente usado nas análises foi uma solução de Na2CO3 3,5 mM /NaHCO3 1 mM. Devido à sensibilidade da coluna, da ordem de ppb, foi feita uma diluição das amostras de solução de 1:100. Assim, prepararam-se soluções pela diluição de 1 mL de amostra original em balões volumétricos de 100 mL, utilizando água ultra-pura referida em 2.4.

Face à alcalinidade das soluções das amostras originais (pH ~ 13) seria necessária a sua neutralização de modo a não danificar a coluna. Porém, como se procedeu à diluição acima referida, o pH da solução desceu para valores de acordo com a gama de trabalho indicada para a coluna. Também a possível presença de sulfatos nas amostras das soluções obtidas pelo método do sulfito alcalino foi atenuada pela diluição das amostras.

Admitindo que a camada de produtos de corrosão de todas as amostras apresenta a mesma espessura, pois foram cortadas de zonas adjacentes na bala, a área constitui o melhor termo para a sua comparação. Assim, a normalização dos valores relativos à concentração de iões cloreto de cada solução, efectuou-se com base no quociente obtido através da divisão da sua concentração (obtida pela análise cromatográfica) pela área da respectiva amostra.

3. RESULTADOS E SUA ANÁLISE 3.1. Caracterização do meio ambiente Os parâmetros característicos da amostra de água do mar proveniente do sítio do achado arqueológico constam da Tabela 1.

Tabela 1 Valores dos parâmetros da amostra de água do mar recolhida no local de proveniência da bala

De salientar as elevadas condutividade e concentração de iões cloreto do sitio do achado arqueológico.

3.2. Caracterização do núcleo e da superfície da bala por MEV/EDX A Fig. 5 apresenta o espectro de EDX correspondente a uma análise global de uma amostra do núcleo da bala.

Figura 5 Espectro de EDX do núcleo da bala (análise global)

Da análise do espectro conclui-se que os principais elementos constituintes da liga são o ferro, o carbono, o fósforo e o silício. Além da análise global foram ainda efectuadas análises pontuais, em diferentes localizações da amostra. A Fig. 6 apresenta três imagens de MEV do núcleo da bala, assinalando os pontos nos quais as análises pontuais por EDX foram efectuadas.

Figura 6 Micrografias de MEV (2000 x) de uma amostra do núcleo da bala, com as zonas Z1 a Z5 analisadas

Os microconstituintes identificados foram: na zona Z1, de cor cinza, predominantemente ferro e carbono em quantidades correspondentes à cementite; na zona Z2, de cor cinza claro, uma mistura de ferrite-a e cementite; na zona Z3 uma mistura fosforosa; na zona Z4 inclusões de sulfureto de manganês e, por último, na zona Z5, as inclusões de coloração negra correspondem a grafite lamelar. O teor relativamente elevado em carbono, a quantidade de silício e a sua cor esbranquiçada permitiu concluir que o núcleo da bala é essencialmente constituído por ferro fundido, muito provavelmente do tipo branco, pois segundo Mentovich et al. [21] a concentração de silício constitui o factor primordial na diferenciação entre o ferro fundido branco e o ferro fundido cinzento. Tem, como característica, uma microestrutura composta por uma mistura de ferrite- a com cementite, e, apresenta elevada dureza e brilho, assim como elevada resistência ao corte e perfuração, o que efectivamente se verificou na preparação dos eléctrodos de trabalho. Segundo esses autores [21] este tipo de liga apresenta na sua estrutura inclusões de grafite, o que está de acordo com as observações efectuadas na zona Z5.

Análise da Superfície A análise, por EDX, de duas amostras dos produtos presentes na superfície da bala conduziu aos resultados apresentados nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2 Resultados da microanálise de raios-X (%) do da amostra A.

Tabela 3 Resultados da microanálise de raios-X (%) da amostra B.

Os elementos presentes na amostra A, além do ferro, são essencialmente C, Si, P, e, em quantidades vestigiais Mn, Al, S e Cl. Os elementos em quantidades vestigiais estão usualmente presentes nas ligas de ferro fundido da antiguidade [22- 24] Os resultados das análises permitem concluir que para além do ferro, principal elemento da liga, os outros elementos predominantes são o silício e o fósforo.

No entanto, os valores consideravelmente elevados para o silício poderão resultar também do contacto do metal com os sedimentos do leito marinho.

Para além destes elementos, nas análises globais, ainda a destacar a identificação de alumínio na amostra A, também presente, embora em muito pouca quantidade numa análise pontual da amostra B. Não se pode rejeitar a hipótese de o elevado teor em alumínio detectado na amostra A ser proveniente da lâmina utilizada na tentativa de corte das amostras.

As análises pontuais na amostra B identificaram: cloro (0,9 - 2,8), enxofre (0,9 - 29,2), sódio (2,2 - 4,7), fósforo (2,0 a 12,2) e silício (6,0 a 11,0), provavelmente relacionados com o longo período de imersão da bala em água do mar (dois séculos e meio).

Difractogramas de raios-X de pós Através das análises efectuadas por difracção de raios-X de pós (DRX), não foi possível a identificação dos produtos de corrosão usualmente reportados para o ferro arqueológico [25-27]. No caso presente, a não identificação destes compostos poderá dever-se ao facto dos produtos de corrosão se apresentarem muito pouco cristalinos.

3.3. Monitorização de parâmetros electroquímicos durante o tratamento de extracção dos iões cloreto 3.3.1 Imersão em solução alcalina A análise da curva E vs t (Fig. 7) revela no início da aplicação do método uma evolução de EOCP no sentido catódico seguindo-se, passadas algumas horas, uma inversão no sentido do potencial até se atingir o valor de aproximadamente -430 mV vs Ag/AgCl ao fim de 33 dias. Através do cruzamento dos dados obtidos, pela monitorização do EOCP, com o diagrama de Pourbaix, para o sistema Fe-H2O-Cl, é possível perceber que a evolução inicial do EOCP, no sentido catódico, colocou o metal no domínio de corrosão. Seguidamente, verifica-se uma evolução do EOCP no sentido anódico, que poderá indicar a eventual passivação do metal.

Figura 7 Curvas de EOCP e da quantidade de iões cloreto removidos, em função do tempo, para uma amostra de ferro da bala, imersa durante 6 semanas sucessivas em solução alcalina de KOH a 1 %, pH 13. Área do eléctrodo: 2,0 cm2.

Nas amostras de solução foram quantificados os iões cloreto removidos durante cada período semanal. O total de iões cloreto removidos durante os 39 dias foi de 97 ppm por cm2 da superfície da amostra. Segundo a literatura, numa primeira fase ocorre a interacção da camada de corrosão com o electrólito, depois o potencial desloca-se no sentido anódico, o que indica o crescimento de um filme passivante na superfície do artefacto. Como supracitado, e de acordo com a literatura [18], o comportamento do ferro corresponde globalmente ao esperado quando da sua imersão em soluções alcalinas.

3.3.2. Redução electrolítica Aplicou-se à amostra (eléctrodo de trabalho) um potencial de -950 mV vs Ag/ AgCl. A Fig. 8 apresenta a variação da intensidade de corrente e da quantidade de iões cloreto removidos, durante um período de seis semanas sucessivas.

Figura 8 Curvas de i e da quantidade de iões cloreto removidos para uma amostra de ferro da bala imersa em solução alcalina de KOH a 1 %, polarizada a -950 mV vs Ag/ AgCl, durante 6 semanas sucessivas. Área do eléctrodo: 2,0 cm2

Pela análise da curva i vs t (Fig. 8) observa-se uma diminuição da intensidade de corrente nos primeiros 7 dias, seguindo-se um patamar no qual a corrente se manteve sensivelmente nos 50 µA. Após o 17º dia, registou-se uma ligeira subida de corrente, seguida por uma descida pouco acentuada, a partir da qual a corrente se manteve relativamente estacionária durante o restante período de tempo (aproximadamente 22 dias).

O ruído que se observa no transiente da Fig.8 pode ser justificado pelo facto da camada de produtos de corrosão não ser homogénea. No entanto, pode-se concluir que a intensidade de corrente diminui durante o decurso do processo, provavelmente devido à redução dos produtos de corrosão. A corrente faradaica medida tende a atingir um valor constante de aproximadamente 70 µA, provavelmente após a redução dos compostos de ferro existentes na superfície do eléctrodo.

Ao fim de 39 dias foram removidos 439 ppm de iões Cl- por cm2 da superfície da amostra. O pH das soluções variou entre 13 e 11.

3.3.3. Redução galvânica O registo do potencial desenvolvido entre a amostra da bala (cátodo) e um ânodo de zinco imersos numa solução de KOH a 1 % é apresentado na Fig. 9. Observa-se nos primeiros cinco dias um decaimento do valor de potencial no sentido catódico; depois o potencial mantém-se relativamente constante, na ordem de - 1,0 V vs Ag/AgCl, o que coloca o metal no domínio de imunidade/ passivação no respectivo diagrama de Pourbaix.

Figura 9 Curvas de EOCP e da quantidade de iões cloreto removidos para uma amostra de ferro da bala imersa em solução alcalina de KOH a 1 %, sob protecção catódica de um eléctrodo de zinco. Área do eléctrodo de trabalho: 3,6 cm2. Área do ânodo de zinco: 8,8 cm2.

Ao fim dos 39 dias foram removidos 352 ppm de iões Cl- por cm2 da superfície da amostra e o pH das soluções manteve-se constante (pH ~ 13).

3.3.4. Método de redução pelo sulfito alcalino: solução 0,1 M NaOH + 0,05 M Na2SO3/p> Com o método do sulfito alcalino pretendeu-se promover a remoção de iões cloreto das amostras de ferro arqueológico em solução alcalina desoxigenada pela acção do sulfito de sódio. No fim de cada ciclo (mudança de solução) relativo às experiências, foi medido o EOCP do respectivo eléctrodo de trabalho (Fig.10). Os valores de EOCP apresentam uma variação de potencial no sentido catódico, mantendo-se o metal no domínio de passivação. Esta variação de potencial indica uma gradual protecção do metal, provavelmente pela combinação da acção dos iões OH- presentes na solução, com a remoção do O2 dissolvido na mesma.

Figura 10 Curvas de EOCP e da quantidade de iões cloreto removidos para uma amostra de ferro da bala de área 2,4 cm2, imersa em solução alcalina de 0,1 M NaOH + 0,05 M Na2SO3

Ao fim dos 39 dias foram removidos 101 ppm de iões Cl- por cm2 da superfície da amostra e o pH das soluções manteve-se constante (pH ~ 13).

3.3.5. Comparação da eficiência dos métodos na remoção de iões cloreto Para efeito de comparação da eficiência dos métodos em análise, são apresentadas no gráfico da Fig.11 as respectivas curvas de remoção de ião cloreto, para os métodos testados em função do tempo de tratamento.

Figura 11 Comparação das curvas de remoção dos iões cloreto pelos métodos indicados no gráfico

Da análise do gráfico da Fig. 11 conclui-se que o método mais eficiente para a remoção de iões cloreto é o método de redução electrolítica, seguido, respectivamente, pelo método de redução galvânica, sulfito alcalino, e por fim do método da simples imersão em solução alcalina.

Quando comparados os resultados da remoção de iões cloreto obtidos por redução electrolítica e por redução galvânica, estes não diferem muito (439 ppm/cm2 contra 352 ppm/cm2, de remoção total, respectivamente), tendo sido o potencial aplicado no primeiro caso de -0,950 V vs Ag/AgCl e o potencial obtido no segundo caso de aproximadamente -1,0 V vs Ag/AgCl, potenciais relativamente próximos.

4. CONCLUSÕES Através da análise elementar da amostra do núcleo da bala, e tendo em conta as percentagens relativas de carbono e silício, conclui-se que, tal como expectável, a bala é de ferro fundido, muito provavelmente do tipo branco.

Contrariamente ao expectável, e também ao reportado nalguma literatura, não foi identificado por DRX qualquer produto de corrosão cristalino nas amostras da superfície da bala, nem antes nem após a remoção de iões cloreto, apesar de visualmente ter sido possível observar a existência de produtos de corrosão. No entanto, a não identificação destes compostos poderá dever-se ao facto de se apresentarem muito pouco cristalinos.

O estudo evidenciou uma eficiência muito maior de dois métodos electroquímicos (redução electrolítica e redução galvânica), na remoção de iões cloreto em artefactos de ferro arqueológico, mantidos em meios marinhos durante séculos, cobertos por concreções e produtos da interacção do ferro com o meio ambiente.

Em condições idênticas (39 dias, 50 mL de KOH 1 %, área das amostras entre 2,0 e 3,6 cm2) a eficiência dos métodos testados segue a ordem: redução electrolítica (439 ppm/cm2)> redução galvânica (352 ppm/cm2)> redução com sulfito alcalino (0,1 M NaOH + 0,05 M Na2SO3) (101 ppm/cm2)> simples imersão em solução alcalina (97 ppm/cm2).


transferir texto