Diversidade de microrganismos relacionados com a biocorrosão no sistema óleo e
gás
1. INTRODUÇÃO
O estudo da corrosão de metais influenciada pela presença de microrganismos em
ambientes industriais e naturais merece destaque, pois estes podem provocar
diversos tipos de danos aos sistemas, como entupimento de filtros e válvulas,
devido à formação de biofilmes; aumento nos custos de bombeamento; risco de
contaminação de produtos e redução na vida útil dos equipamentos. Este tipo de
corrosão é encontrado com frequência na indústria petrolífera, tanto na fase de
extração, como nas fases de distribuição e armazenamento [1].
Os microrganismos estão amplamente distribuídos no ambiente e são
frequentemente encontrados em solos e águas naturais. Em sistemas de óleo e
gás, podem estar presentes em gotículas de água em suspensão, na interfase
água/combustível e também aderidos às paredes dos tanques de armazenamento.
A causa principal da contaminação microbiana em combustíveis é a presença de
água no meio. Esta água pode ser inserida através de: condensação da umidade do
ar contido no interior dos tanques; decantação da água dissolvida no
combustível ou penetração de água de chuva pelo local de abastecimento.
Diversos grupos microbianos, dentre eles bactérias precipitantes de ferro,
redutoras de sulfato, fermentadoras e metanogênicas, além de fungos, têm sido
isolados nestes ambientes [2]. Alguns destes microrganismos podem ter a
capacidade de metabolizar hidrocarbonetos, levando à degradação do combustível
[3]. Esta biodegradação envolve consórcios microbianos, ou seja, grupos
heterogêneos de microrganismos. Além das espécies capazes de degradar o
combustível, outras espécies podem crescer utilizando os produtos metabólicos
das primeiras.
Hormoconis resinae e Pseudomonas aeruginosa são os contaminantes microbianos
mais frequentemente encontrados em sistemas de água/ combustível. Estes estão
relacionados com a formação de biofouling e biocorrosão em ligas de ferro e
alumínio.
A atividade metabólica dos microrganismos em sistemas de óleo e gás pode causar
uma biocorrosão rápida e grave [4]. Produtos metabólicos corrosivos derivados
da degradação microbiológica de um combustível, como sulfuretos, ácidos
orgânicos e inorgânicos (incluindo ácido sulfúrico e sulfuroso) levam à
degradação de revestimentos protetores de tanques, destroem ou inativam
inibidores de corrosão e levam à corrosão localizada de tanques e equipamentos
de injeção. O crescimento microbiano e a formação de tubérculos também
estimulam a corrosão eletroquímica através de arejamento diferencial.
Sendo assim, o objetivo deste estudo é avaliar a diversidade de microrganismos
presentes no sistema de óleo e gás a fim de ampliar o conhecimento sobre os
grupos microbianos causadores de biocorrosão, facilitando ações que permitam
manter a integridade do sistema frente ao ataque microbiológico.
2. METODOLOGIAS EXPERIMENTAIS
2.1 Amostragem
Amostras de querosene de aviação, biodiesel, petróleo e água do mar foram
analisadas no laboratório de acordo com a necessidade de pesquisa. Estas foram
coletadas sob responsabilidade do solicitante e analisadas num prazo de 48
horas. A partir destas amostras, os microrganismos cultiváveis foram isolados
para identificação.
2.2 Identificação microbiana
2.2.1 Bactérias
Algumas estirpes de bactérias foram isoladas em cultura pura a partir de
amostras de petróleo, água de produção e tanques de armazenamento de
combustíveis.
As estirpes isoladas foram observadas ao microscópio ótico para avaliação da
morfologia celular e determinação das características morfotintoriais. Para
isto, as células foram coradas pelo método de coloração de GRAM. As
características macroscópicas também foram observadas a partir das colônias
microbianas que cresceram em agar.
As estirpes bacterianas isoladas foram preservadas em triplicados por
congelamento em 5 % de DMSO a -80 ºC, após crescimento em meio de cultivo.
A identificação bacteriana foi realizada por meio de biologia molecular. As
estirpes foram identificadas através da análise do gene rRNA 16S, seguindo as
etapas [5]:
1. Extração de DNA ' o DNA bacteriano foi extraído através de kits comerciais.
2. Amplificação de DNA ' a replicação de sequencia de nucleotídeos do gene rRNA
16S foi realizada a partir da técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR),
utilizando o primer universal Sadir (5'-AGAGTTTGATCATGGCTCAGA-3', forward) e
S17 (5' GTTACCTTGTTACGACTT-3 , reverse).
3. Sequenciamento do gene de RNA 16S e identificação filogenética das estirpes
' as sequências obtidas foram comparadas com as já disponíveis na base de dados
GenBank utilizando o programa BLAST [6] para identificação da espécie.
As etapas seguidas desde o isolamento até a identificação das bactérias estão
ilustradas no esquema da figura_1.
2.2.2 Fungos
Para detectar a presença de fungos, as amostras estudadas foram inoculadas em
agar Sabouraud adicionado de cloranfenicol e posteriormente isoladas em agar
extrato de malte, Czapek ou agar batata. Todas as placas foram incubadas a 25
ºC por 14 dias.
Após o isolamento das estirpes foi realizada uma identificação taxonômica
mediante a observação das morfologias macroscópicas e microscópicas [7]. As
estirpes fúngicas foram preservadas em óleo mineral. Para isto, as estirpes
isoladas foram crescidas em agar batata e incubadas a 25 ºC. Após esporulação,
a cultura foi coberta por uma camada de 3 mL de óleo mineral estéril e
armazenada à temperatura ambiente.
A identificação filogenética foi realizada por biologia molecular através das
seguintes etapas:
1. Lise celular por choque térmico ' a lise celular foi realizada através de 3
ciclos de congelamento em nitrogênio e descongelamento em banho-maria a 60 ºC.
2. Extração de DNA ' o DNA foi extraído através da utilização de kits
comerciais.
3. Amplificação de DNA ' o gene que codifica a região ITS foi amplificado
utilizando o conjunto de "primers" ITS5 (5'-GGAAGTAAAAGTCGTAACAAGG-3', forward)
e ITS4 (5'TCCTCCGCTTATTGATATGC-3', reverse) [8].
4. Sequenciamento do DNA e identificação das espécies ' os produtos de PCR
foram purificados e sequenciados. As sequencias obtidas foram comparadas com as
já disponíveis na base de dados GenBank utilizando o programa BLAST [6] para
identificação da espécie.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Microrganismos isolados de querosene de aviação - QAV
Diversos microrganismos podem ser encontrados em tanques de aviões, e elevadas
concentrações destes microrganismos indicam baixa qualidade do combustível.
Neste caso, a qualidade do combustível é extremamente importante uma vez que
problemas de contaminação microbiana podem acelerar a corrosão no tanque
através de entupimento dos filtros e falhas nas bombas de combustível,
comprometendo a segurança do voo [9, 10].
Na amostra de QAV analisada, foram encontradas 3 espécies do gênero
Pseudomonas, suas características macroscópicas e microscópicas estão
ilustradas na Tabela_1.
Este microrganismo também já foi encontrado em solo contaminado com derivados
de petróleo e é comum ser citado na literatura pela capacidade de degradar
hidrocarbonetos [11]. O gênero Pseudomonas é conhecido pela produção de
exopolissacarídeo, uma matriz polimérica que favorece a formação do biofilme,
importante para o processo corrosivo. Além disso, essas bactérias são capazes
de precipitar o ferro formando tubérculos de óxido de ferro que se depositam
sobre as superfícies metálicas.
A pesquisa por fungos mostrou a presença de Hormoconis resinae na amostra de
QAV estudada. O crescimento do fungo em agar está representado na figura_2 e
sua característica microscópica na figura_3.
A presença do fungo filamentoso Hormoconis resinae em QAV é considerada grave e
potencialmente causadora de sérios problemas, pois este fungo produz uma grande
quantidade de biomassa e adere fortemente à parede do tanque, dificultando a
sua remoção mesmo com a drenagem da água presente no fundo de tanque.
3.2 Microrganismos isolados de biodiesel
Algumas estirpes bacterianas foram isoladas a partir de diferentes amostras de
biodiesel: Bacillus cereus, Staphylococcus pasteuri e Cupriavidus pauculus
(Tabela_2). Estes microrganismos são diferentes dos normalmente isolados de
diesel. Há evidências de que o biodiesel seja maisp ropenso à contaminação
microbiológica do que o diesel de origem fóssil [12].
O fungo Aureobasidium pullulans também foi isolado de amostras de biodiesel.
Este fungo é conhecido pela sua produção de polissacarídeo (pululana), o que
leva ao comprometimento da qualidade do combustível, pois além de aumentar a
viscosidade do produto, pode causar entupimento do sistema.
3.3 Microrganismos isolados de petróleo
O crescimento de microrganismos na cadeia de produção de petróleo pode causar
problemas de degradação do combustível, além de problemas relacionados com a
corrosão microbiologicamente induzida de tanques e dutos.
Diversas espécies de microrganismos foram relatadas como responsáveis pela
deterioração de hidrocarbonetos e derivados sob condições aeróbicas e
anaeróbicas. Eles utilizam estes compostos como fonte de carbono e energia. Os
principais gêneros de bactérias capazes de degradar compostos do petróleo são
Acidovorans, Acinetobacter, Agrobacterium, Alcaligenes, Aeromonas,
Arthrobacter, Burkholderia, Bacillus, Comomonas, Corynebacterium,
Cycloclasticus, Flavobacterium, Gordonia, Microbacterium, Moraxella,
Mycobacterium, Micrococcus, Neptunomonas, Nocardia, Paracoccus, Pasteurella,
Polaromonas, Pseudomonas, Ralstonia, Rhodococcus, Sphingomonas,
Stenotrophomonas, Streptomyce e Vibrio[13]. Porém nenhum destes gêneros foi
encontrado na amostra analisada. Após o isolamento dos microrganismos de uma
amostra de petróleo, foi possível identificar três estirpes de bactérias.
Enterobacter asburiae; Rhodobacter capsulatus e Ochrobactrum tritici. Como
exemplo, apresentamos as características fenotípicas da espécie Rhodobacter
capsulatus na figura_4.
Além de espécies de bactérias, foi isolada da fase óleo de um tanque de
armazenamento de petróleo uma espécie do fungo Penicillium, o Penicillium
citrinum. A figura_5 ilustra as características morfológicas deste fungo.
3.4 Microrganismos isolados de água do mar
A água é um elemento fundamental para manutenção da vida em diversos ambientes.
Sendo assim, a diversidade de microrganismos encontrada em processos que
envolvam a água é bem grande.
A água do mar utilizada para injeção em poços de petróleo para recuperação do
óleo fornece condições favoráveis para o crescimento microbiano, pois possuem
altas concentrações de cloretos e hidrocarbonetos que podem ser utilizados como
fonte de nutrientes [14].
Em plataformas de petróleo offshore os maiores problemas de biocorrosão estão
relacionados com as incrustações, perfurações, problemas no armazenamento e
transporte do produto e sistema de injeção de água [4].
Amostras de água de produção foram analisadas e diferentes espécies microbianos
foram isolados. Observou-se a presença de Pseudomonas stutizeri, Salinicola
salarius, Bacillus cereus, Marinobacterium sediminicola, 3 espécies do gênero
Vibrio, Vibrio sinaloensis, Vibrio corallilyticus e Vibrio neptunensis, além
dos fungos Aspergillus versicolor e Penicillium citrinum.
Penicillium citrinum é conhecido pela sua capacidade de degradar substâncias
consideradas tóxicas como pesticidas, inibidores de corrosão e plastificantes
[15].
As características morfológicas das bactérias Salinicola salarius e
Marinobacterium sediminicola e do fungo Aspergillus versicolor, estão
ilustradas na Tabela_3 e figura_6, respectivamente.
4. CONCLUSÕES
O gênero Pseudomonas já foi relatado em diversas amostras de processos
corrosivos e foi isolado a partir de amostras de QAV, petróleo e água de
produção. Essas bactérias são extremamente versáteis, o que as torna capazes de
sobreviver numa grande variedade de ambientes. Este gênero já foi citado na
literatura como capaz de degradar hidrocarbonetos e estão frequentemente
associados a problemas de biocorrosão em sistemas de água e combustível [1,
11].
A espécie Bacillus cereus é um microrganismo amplamente distribuído na
natureza. Este microrganismo é importante nas indústrias do sistema de óleo e
gás devido à sua capacidade de formar biofilmes em estruturas metálicas. Além
disto, são microrganismos formadores de esporos, o que confere resistência
adicional a processos de limpeza e agentes antimicrobianos [16]. A presença
deste microrganismo pode comprometer sistemas de produção, transporte,
armazenamento e qualidade final de produtos. Neste trabalho foi possível
observar a presença de B. cereus em biodiesel e água de produção.
Dentre os fungos isolados, foi identificado o Penicillium citrinum, presente em
petróleo e água de produção. Os fungos possuem capacidade de sobreviver a
condições adversas do meio ambiente devido a formação de esporos, que são
estruturas de resistência. A presença de fungos pode contribuir para o aumento
da espessura dos biofilmes.
Todos os microrganismos isolados, caracterizados e identificados neste trabalho
encontram-se mantidos em banco de culturas do laborátorio. Esses microrganismos
também são utilizados para estudos de resistência de materiais, eficiência de
biocidas, degradação de combustíveis, entre outros.
No entanto, a diversidade microbiana de ambientes naturais é enorme e o cultivo
de microrganismos em laboratório não reflete as reais condições do ambiente,
pois apenas uma minoria das bactérias é capaz de crescer em meios de cultivo.
Sendo assim, estes resultados refletem uma pequena parcela da diversidade real
destes ambientes, podendo ser utilizado como estudo preliminar no conhecimento
da diversidade microbiana destes locais. Para uma análise mais completa,
técnicas de biologia molecular como clonagem gênica e pirosequenciamento podem
ser aplicadas para o entendimento da comunidade microbiana, incluindo os
microrganismos não cultiváveis.
No geral, os processos de biocorrosão são associados não somente aos
microrganismos, mas também aos seus produtos metabólicos e à presença de água,
mesmo que em pequena quantidade. Por isso é importante conhecer a diversidade
de microrganismos presentes nestes ambientes e tomar medidas preventivas contra
o ataque microbiano.