Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCEEn0870-11642014000100001

EuPTCEEn0870-11642014000100001

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioEx-Tech-Multi Sciences
Great areaEngenharia
ISSN0870-1164
ano2014
Issue0001
Article number00001

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Corrosão sob tensão em ancoragens

1. INTRODUÇÃO Ancoragens em terreno são por definição sistemas que permitem a transferência de tensões da estrutura ao terreno, contribuindo assim para a estabilidade global da estrutura. O início da utilização das ancoragens remonta a finais do séc. XIX, inicialmente com a construção de suportes provisórios e, especialmente a partir dos anos 50 do século passado, na forma de ancoragens definitivas. Posteriormente, o desenvolvimento das ancoragens resulta do progresso no fabrico do aço de alta resistência e da otimização das técnicas construtivas, sendo que atualmente as ancoragens, com elevada capacidade de carga, apresentam uma grande variedade de soluções de utilização corrente para um vasto campo de aplicações.

Genericamente, uma ancoragem em terreno é constituída por (i) cabeça, (ii) comprimento livre e (iii) comprimento de selagem (Fig._1), sendo a respetiva capacidade de carga devida à resistência intrínseca de cada um dos seus componentes e às reações neles mobilizadas. Geralmente, a cabeça prende a armadura da ancoragem a um suporte através de uma ligação mecânica, o comprimento livre transfere a carga da estrutura para o comprimento de selagem e este último assegura a transmissão das tensões ao terreno.

As ancoragens são caracterizadas de acordo com o tipo de terreno (solo ou rocha), vida útil, forma de transferência de carga, nível de pré-esforço e capacidade. No que respeita à vida útil projetada as ancoragens são classificadas em (i) provisórias ou (ii) definitivas respetivamente quando a vida útil é inferior ou excede um período de tempo regulamentado, normalmente de 24 meses.

Os conceitos de ancoragem passiva e ativa são respeitantes à respetiva função e força aplicada: (i) as ancoragens ativas estão permanentemente solicitadas, enquanto que (ii) a resistência das ancoragens passivas é apenas mobilizada proporcionalmente aos movimentos da estrutura e, em particular, na fase construtiva.

O comportamento e a capacidade de carga das ancoragens dependem do projeto, características do terreno, propriedades dos materiais, técnicas construtivas e qualidade da execução. Os materiais constituintes das ancoragens devem ser compatíveis e estáveis para que a sua capacidade se mantenha inalterada durante a vida útil prevista da ancoragem, sendo a sua integridade essencial para assegurar a estabilidade e, especialmente no caso das ancoragens definitivas, a durabilidade duma obra. Neste contexto é então especialmente crítica a proteção contra a corrosão dos diversos componentes das ancoragens.

A corrosão em ancoragens pode ter sérias consequências, podendo estar na origem de roturas catastróficas. Deste modo, a aplicação de um sistema de proteção contra a corrosão eficaz e durável, durante o tempo de vida útil da estrutura, é fundamental. Genericamente, a seleção do sistema de proteção contra a corrosão das ancoragens em terreno deverá considerar a agressividade do terreno, a vida útil projetada para o sistema de ancoragem, as consequências da sua rotura e os custos associados.

A norma EN 1537:2013 [1] contém os requisitos que os sistemas de ancoragem devem satisfazer para que apresentem bom desempenho e durabilidade adequada.

Esta norma especifica a proteção contra a corrosão de todos os componentes de aço durante o respetivo tempo de vida e, em particular, para ancoragens de carácter definitivo em terreno considera dois níveis de proteção: (i) uma camada contínua de um material preventivo da corrosão que não se degrade durante o tempo de vida útil da ancoragem, como condição mínima de proteção, e (ii) a utilização de duas barreiras de proteção contra a corrosão, como garantia de que pelo menos uma permanece intacta durante a instalação e colocação em serviço da ancoragem, ou a utilização de uma única barreira cuja integridade seja provada por testes in situ. As características dos materiais e respetiva aplicação são pormenorizadamente especificadas para cada um dos constituintes que compõem o sistema de proteção, sendo adicionalmente recomendada uma especial atenção às zonas de transição entre diferentes componentes.

Os critérios genéricos aplicáveis ao sistema de proteção incluem [2]: (i) assegurar a vida útil efetiva numa única aplicação; (ii) não ter efeitos adversos, tanto no meio ambiente como na ancoragem; (iii) não restringir os movimentos no comprimento livre da ancoragem; (iv) envolver materiais estáveis e compatíveis; (v) não sofrer alterações, durante os ensaios de carga, que afetem o seu desempenho; (vi) não limitar a fabricação, transporte e construção da ancoragem; (vii) não impedir ações de observação da ancoragem.

Apesar das especificações existentes, verifica-se que a durabilidade das estruturas ancoradas é normalmente comprometida por falhas na fase de projeto, resultantes da inadequada seleção dos materiais, da deficiente execução e/ou dum ineficaz controlo de qualidade. Na sua maioria, este tipo de falhas conduz à corrosão dos elementos de reforço metálicos e à sua consequente rotura.

Dependendo das propriedades do aço e das condições de exposição e de solicitação, a corrosão poderá dar origem ao início de fissuração e consequente rotura frágil por diferentes mecanismos.

Em ancoragens é reportada a ocorrência de problemas devidos à corrosão por mecanismos similares aos registados em estruturas préesforçadas, porém agravados pela maior agressividade das usuais condições de exposição.

De acordo com a literatura [3 - 5], os mecanismos de rotura do aço de pré- esforço são essencialmente devidos a: (i) corrosão sob tensão e (ii) fragilização por hidrogénio. Apesar de não serem frequentemente observados em estruturas pré-esforçadas, para além destes mecanismos são ainda referidas (iii) a corrosão por atrito e (iv) a corrosão por fadiga, que influenciam o limite de fadiga. Encontram-se ainda referências à ocorrência de rotura frágil no aço de pré-esforço, depois de excedida a sua capacidade de carga residual, resultante da perda de secção devida à corrosão localizada.

Por definição, a corrosão sob tensão resulta da utilização de um material suscetível sob esforços de tração num ambiente agressivo que favoreça a ocorrência de corrosão. Genericamente regista-se uma grande diversidade de modelos e argumentos no estudo da corrosão sob tensão, tais como a dissolução por escorregamento, a mobilidade superficial e a clivagem induzida por filme.

Normalmente existem condições eletroquímicas que podem favorecer a ocorrência do processo de corrosão sob tensão, tais como (i) passivação instável, (ii) corrosão localizada e (iii) corrosão ativa [6]. Em meio alcalino as principais reações anódica e catódica da corrosão do aço são traduzidas respetivamente pelas equações (1) e (2).

Em particular, no caso de corrosão localizada por picadas, a hidrólise dos catiões no interior da picada e a separação espacial das zonas anódicas e catódicas promove localmente a diminuição do pH e a depleção de oxigénio com consequente propagação autocatalítica da corrosão.

Nestas condições a fissuração por corrosão sob tensão pode ser assistida por fragilização por hidrogénio, sendo por vezes difícil a atribuição precisa do mecanismo envolvido na rotura do elemento de pré-esforço.

O fenómeno de fragilização por hidrogénio é inteRpretado por recurso a diferentes modelos, tais como a ação da adsorção de hidrogénio na fissura, a descoesão que promove ou a sua interação com os deslocamentos na fissura.

Contudo, é consensual que, depois de gerado, o hidrogénio difunde-se no aço promovendo a sua fratura frágil. O hidrogénio pode ser produzido catodicamente como parte do processo de corrosão (i) em ambientes ácidos (equação (3)), tal como numa picada, ou (ii) pela decomposição da água (equação (4)). A sua adsorção pode ainda ser potenciada (iii) em interstícios sob condições de depleção de oxigénio ou (iv) pela presença de promotores, que dificultem a formação de hidrogénio molecular, tais como sulfuretos, tiocianetos ou compostos de arsénico ou selénio.

Uma vez iniciada a corrosão, a fragilização por hidrogénio em aços de pré- esforço ocorre preferencialmente em meios ácidos, por polarização a baixos valores de potencial, na presença de determinados elementos promotores da adsorção ou sob condições de depleção de oxigénio.

Uma vez iniciada a corrosão, a fragilização por hidrogénio em aços de pré- esforço ocorre preferencialmente em meios ácidos, por polarização a baixos valores de potencial, na presença de determinados elementos promotores da adsorção ou sob condições de depleção de oxigénio.

A ocorrência da corrosão sob tensão e da fragilização por hidrogénio é condicionada pelas propriedades do material, sendo que, em particular para os aços de pré-esforço, se regista um aumento da sua suscetibilidade com o aumento da sua resistência [7].

Na prática, o mecanismo de rotura de elementos pré-esforçados nem sempre é evidente dificultando o diagnóstico e as sequentes ações corretivas e de prevenção de eventos similares. Para além da complexidade destes fenómenos, as sérias consequências da corrosão e rotura deste tipo de elementos estruturais fundamenta a necessidade de investigação e divulgação nesta área.

No presente artigo são apresentados resultados da análise das causas de rotura de ancoragens ativas em terreno existentes numa estrutura de betão. As ancoragens, cuja rotura em serviço foi detetada durante uma inspeção de rotina, eram constituídas por barras roscadas de elevada resistência ligadas entre si por acopladores metálicos, e protegidas por um sistema que incluía, tal como especificado, duas barreiras de proteção contra a corrosão (bainha plástica e calda cimentícia). O início da fissuração a partir duma área com corrosão localizada na superfície das armaduras das ancoragens e a típica morfologia das fraturas indicia a existência de deficiente proteção anticorrosiva que propiciou, em conjugação com a tensão aplicada, a ocorrência de um processo de rotura por corrosão sob tensão.

2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL De diversas ancoragens foram extraídas amostras constituídas por troços incluindo: (i) zonas de acoplamento onde se deram roturas e (ii) armaduras com as respetivas bainhas para proteção, sem acoplador (troços simples) e com acoplador (troços compostos).

A análise das causas da rotura de armaduras de ancoragens envolveu a caracterização química, microestrutural e mecânica das barras de aço, bem como a observação dos elementos fraturados e a respetiva análise fratográfica.

As superfícies de fratura foram observadas depois de limpeza apropriada, por recurso a técnicas microscópicas, com lupa binocular OLYMPUS SZH e microscópio eletrónico de varrimento (MEV) JEOL JSM-6400.

A composição química do aço foi determinada por espectrometria de emissão ótica por faísca de acordo com a especificação de ensaio ASTM E 415-08 [8].

A caracterização microestrutural foi efetuada utilizando um microscópio metalográfico (MO) OLYMPUS PMG 3 e um microscópio eletrónico de varrimento, após preparação prévia, que envolveu polimento progressivo com lixas de granulometria decrescente até P2500 (8,4 µm) e com pasta de diamante até 1 µm e ataque químico com nital 2%.

Para a caraterização mecânica por ensaio de tração, foram adotados os procedimentos estipulados na versão portuguesa da Norma Europeia NP EN ISO 6892-1:2012 [9] e na Norma Europeia EN ISO 15630-3: 2010 [10]. O equipamento utilizado incluiu: máquina de ensaios universal com a Refª LPM/EQ41, da marca MFL, com um alcance máximo de 5000 kN em compressão e de 2500 kN em tração, da Classe 1 de acordo com a norma NP EN ISO 7500-1:2006 [11]; extensómetro com a Refª LPM/EQ24, da marca HBM, modelo DD1, com uma base de medida de 50 mm, da Classe 1 de acordo com a norma NP EN ISO 9513:2007 [12]; craveira com a Refª LPM/EQ48, da marca Horex, com um alcance máximo de 300 mm.

3. RESULTADOS 3.1 Observação visual das amostras O sistema de proteção contra a corrosão utilizado nas ancoragens em estudo compreendia uma bainha plástica corrugada com injeção de pasta cimentícia, tal como se mostra na secção em corte esquematizada na Fig._2. Nas zonas de ligação das armaduras, efetuada com um acoplador metálico, a proteção era conferida por massa anticorrosiva, sendo a interface entre o acoplador metálico e a bainha corrugada protegida por um anel de borracha.

A observação preliminar dos troços das ancoragens onde se localizaram as roturas revelou a existência de corrosão nas superfícies das armaduras em áreas contíguas às superfícies de fratura, tal como exemplificado na Fig._3. As superfícies de fratura apresentavam-se também muito oxidadas e em certos casos com óxidos muito aderentes. Genericamente, verificou-se que a localização das fraturas ocorreu sob a manga metálica muito próximo da zona de interface com a proteção por injeção com calda cimentícia.

A observação complementar, após remoção das bainhas, de troços das armaduras nas zonas totalmente embainhadas (troços simples) e de troços nas zonas de acoplamento das ancoragens (troços compostos) permitiu verificar que (i) nos troços simples, com a bainha plástica injetada com a calda cimentícia, não se observava corrosão nas armaduras, enquanto que (ii) em alguns dos troços compostos (Fig._4) existiam evidências de corrosão nas proximidades da interface entre os dois sistemas de proteção utilizados nestas áreas (massa anticorrosiva sob o acoplador e bainha com calda cimentícia). O posicionamento e a excentricidade da barra roscada na bainha também parece determinar as zonas, em particular sob a calda cimentícia, preferenciais para a ocorrência de corrosão (Fig._4).

3.2 Análise fratográfica Genericamente, verifica-se que a iniciação da fissuração ocorre na superfície das armaduras em resultado da concentração de tensões em zonas onde se iniciou a corrosão localizada. As superfícies de fratura apresentam, para além dos locais bem definidos de início de fissuração na superfície das barras, zonas com marcas radiais que indicam a direção de propagação do processo de rotura ao longo da secção, tal como exemplificado na Fig._5. As fraturas são do tipo frágil apresentando algumas variações no que se refere à topografia, com progressão de fissuração num plano perpendicular ou em planos ligeiramente inclinados em relação ao eixo longitudinal da armadura, muito provavelmente consequentes de diferenças na intensidade e estado de tensões existentes na zona de acoplamento.

A topografia das superfícies de fratura em análise contrasta com a exibida pela rotura típica de um provete submetido a ensaio de tração (Fig._6). Neste caso, a propagação é também transgranular por clivagem, porém com o início e final da rotura, respetivamente, numa zona central e numa zona de corte muito diminuta junto à superfície.

A observação em MEV das superfícies de fratura permite confirmar a ocorrência de um processo de rotura transgranular por clivagem (Fig._7), característico de um processo de rotura frágil. Regista-se neste caso uma zona de início de fissuração, em forma de semicírculo, com produtos de corrosão incoRporados na matriz metálica, sendo evidente a transição para a zona radial de progressão rápida por clivagem.

3.3 Análise química Os resultados de análise química do aço, apresentados na Tabela_1, indicam uma composição próxima da composição eutectóide, que é compatível com um aço de elevada resistência de matriz perlítica.

A Norma Europeia EN 1537:2013 [1] inclui especificações para a generalidade dos componentes da ancoragem, sendo que em particular as armaduras deverão respeitar as especificações do projeto de Norma Europeia prEN10138 [13] e do Eurocódigo 2, Parte 1-1 [14], prevendo, porém, a possibilidade de se utilizarem outros materiais, desde que se prove a sua adequabilidade. Contudo, a normalização europeia vigente não especifica a composição química do aço de pré-esforço, sendo normalmente o conteúdo dos elementos de liga ajustado face aos requisitos mecânicos. Mesmo considerando as poucas limitações existentes a nível mundial [15], respeitantes aos teores de fósforo (<0,04%) e enxofre (<0,05%), a composição química do varão, em conformidade com o certificado do fabricante, respeita a normalização vigente.

3.4 Caracterização microestrutural A observação em secção longitudinal de amostras do varão de aço (Fig._8) antes do ataque revela uma baixa severidade de inclusões, morfologicamente identificadas como dos tipos A (sulfuretos) e D (óxidos), de acordo com a norma ASTM E 45 97 (2002) [16].

O aço apresenta uma matriz perlítica, formada por lamelas alternadas de ferrite e cementite, muito fina (Fig._9) com espaçamento interlamelar aparentemente variável que não é integralmente resolvido com as ampliações disponíveis em microscopia ótica, sendo apenas possível por observação em microscopia eletrónica de varrimento (Fig._10), registando-se valores na ordem dos nanómetros e confirmando-se a aparente variabilidade do espaçamento interlamelar, muito provavelmente também em consequência da variação da orientação das lamelas relativamente ao plano da secção em observação.

O tamanho das colónias de perlite é também variável numa mesma amostra apresentando, todavia, uma maior homogeneidade no centro da secção transversal do que na sua extremidade, onde se regista a existência de colónias de perlite com menores dimensões.

A microestrutura perlítica observada está em conformidade com a composição química obtida, próxima da composição eutectóide. O tratamento térmico a que as barras de aço são sujeitas no seu fabrico permite a obtenção duma perlite muito fina em colónias de pequena dimensão, que do ponto de vista do comportamento mecânico se traduzem num aumento significativo da força de cedência e numa elevada resistência à tração e dureza, sem afetar a ductilidade.

A observação da microestrutura em secção longitudinal não revela diferenças apreciáveis relativamente às observações em secção transversal.

3.5 Caracterização mecânica por ensaio de tração No ensaio de tração registou-se um patamar de cedência bem definido, correspondente a uma força de 1175 kN, sendo o valor calculado do módulo de elasticidade de 191,5 kN/mm2. A força máxima de ensaio registada foi de 1331,4 kN. O valor da extensão permanente na força máxima, determinado pelo método manual previsto na norma NP EN ISO 6892 [9], é de 5,4 %, sendo o valor correspondente da extensão total na força máxima de 6,1 %. O valor de extensão após rotura é igual a 10,7 %.

Os resultados do ensaio de tração com varão simples satisfazem assim os valores indicados no projeto de norma prEN10138 [13] e na Especificação LNEC 459-2012 [17].

4. DISCUSSÃO A caraterização química e a análise microestrutural do aço revelaram respetivamente uma composição próxima da eutectóide e uma microestrutura perlítica com espaçamento lamelar muito fino. Estas características estão em conformidade com as das armaduras de aço de pré-esforço para ancoragens, não sendo detetada qualquer singularidade nas características do aço que possa à partida comprometer o comportamento mecânico das armaduras. Contudo, a elevada resistência mecânica destes aços poderá aumentar a sua suscetibilidade à corrosão sob tensão, especialmente sob condições que favoreçam a ocorrência de fragilização por hidrogénio.

A análise fratográfica dos troços fraturados, apesar de parcialmente comprometida pelo avançado estado de corrosão das superfícies de fratura das armaduras das ancoragens, permitiu confirmar que a iniciação da fissuração ocorreu na superfície das barras, com um desenvolvimento característico, seguida de progressão transgranular por clivagem. Estas características da iniciação da fissuração promovida por corrosão localizada na superfície das barras e a respetiva progressão contrastam com as de uma rotura típica de tração deste tipo de aço.

A existência de deficiente proteção anticorrosiva nas zonas de interface do anel de borracha, no topo da manga corrugada injetada com a calda cimentícia, e a manga metálica de ligação (acoplador) é especialmente crítica, pois permite o acesso local de água e de elementos agressivos, potenciando ainda a iniciação da corrosão em áreas de fluxo restrito com diferenças significativas nas condições locais (calda cimentícia e massa orgânica anticorrosiva). Estas diferenças favorecem a ocorrência de corrosão localizada na superfície da armadura, nas proximidades destas áreas críticas, preferencialmente na diretriz com nervuras de menor espessura, ou seja, em zonas para as quais é favorecida a contaminação e consequente diminuição de pH. As condições nestas zonas de baixo pH e de escassez de oxigénio poderão também ter favorecido a formação de hidrogénio atómico na reação catódica.

O início da fissuração na superfície das barras e a morfologia típica das fraturas, em conjugação com a tensão aplicada, propiciaram a ocorrência de um processo de rotura por corrosão sob tensão em resultado da ação simultânea da corrosão na superfície da barra e das forças de tração aplicadas no aço e, eventualmente, com a coexistência de fragilização por hidrogénio.

A rotura das ancoragens ocorreu no comprimento livre, sugerindo uma maior agressividade local ou a conjugação de diferentes fatores que resultam numa maior vulnerabilidade dos sistemas nesta zona, comparativamente com o comprimento de selagem. A distinta suscetibilidade das duas zonas é evidenciada pela quantidade de incidentes atribuíveis a roturas por corrosão documentados na literatura [18] (21 e 2 incidentes, respetivamente no comprimento livre e na zona de selagem). Como causas de rotura por corrosão no comprimento livre são identificadas [18]: (i) sobrecarga na armadura devida a movimentos do terreno e iniciação de corrosão por picada ou por fadiga; (ii) armadura exposta ao meio envolvente devido a recobrimento inadequado ou ausência de calda cimentícia; (iii) falha no revestimento betuminoso; (iv) seleção inadequada de materiais de proteção; (v) danos durante o período de armazenamento; (vi) deficiente sistema de proteção.

Em particular, este caso de estudo mostra a suscetibilidade do aço de pré- esforço utilizado nas ancoragens analisadas face a processos de rotura frágil devida a uma falha no respetivo sistema de proteção em zonas próximas da interface entre dois componentes de proteção distintos. A normalização vigente para ancoragens em terreno, para além de especificar os requisitos para uma eficiente proteção contra a corrosão durante o tempo de vida útil da ancoragem, recomenda especiais cuidados em relação à selagem das zonas de transição entre os diferentes componentes de proteção, reconhecendo assim a sua potencial fragilidade face à vulnerabilidade do aço de pré-esforço a processos de rotura frágil promovidos por corrosão. É ainda especificado pelo menos um ensaio no sistema de proteção que assegure a sua eficácia sob as condições de solicitação e de exposição previstas no projeto. As condições e os resultados de avaliação do desempenho dum sistema de proteção são assim fundamentais para assegurar a durabilidade dos elementos de pré-esforço nas ancoragens em terreno.

Na prática, são inúmeros os fatores que determinam o desempenho das ancoragens e, de um modo geral, a resistência à corrosão de elementos de pré-esforço. As características ambientais, a conceção do projeto, incluindo a seleção dos materiais, e as práticas de construção e de manutenção são determinantes para a durabilidade das ancoragens e consequentemente para a estabilidade das estruturas ancoradas.

No que se refere ao ambiente envolvente, devem ser especialmente cuidadas as condições de elevada agressividade, tais como ambientes marítimos e solos com um elevado conteúdo em sais, apesar de genericamente todas as situações representarem um risco para os aços de elevada resistência produzidos por tratamento térmico que induzam microestruturas do tipo intermediário instáveis e que são naturalmente suscetíveis a rotura frágil por corrosão sob tensão, especialmente se esta for assistida por fragilização por hidrogénio.

Na fase de projeto, são especialmente críticas: (i) a seleção dos materiais de acordo com as condições de exposição previstas, garantindo a compatibilidade dos diferentes componentes e a sua estabilidade durante o tempo de vida útil previsto para a estrutura; (ii) os detalhes de projeto, de modo a evitar configurações que favoreçam a acumulação de água, humidade ou contaminantes, assegurando a devida drenagem e circulação de ar; e (iii) a implementação dum sistema eficaz de proteção à corrosão.

Durante a construção, devem ser cumpridas as especificações definidas no projeto, especialmente as relativas ao sistema de proteção, devendo ser evitado qualquer dano que afete a sua durabilidade. Neste âmbito é ainda fundamental o ensaio do sistema de proteção para aferir a sua qualidade, tal como preconizado pelo projeto de norma europeia. Uma vez em serviço, devem ser asseguradas ações de inspeção que permitam detetar irregularidades que possam vir a afetar a estabilidade das ancoragens, de modo a que possam ser tomadas atempadamente as devidas medidas corretivas de reforço.

5. CONCLUSÕES A análise das armaduras das ancoragens no presente estudo revela a ocorrência dum processo de rotura frágil, com iniciação da fissuração por corrosão característica de um processo de rotura por corrosão sob tensão. A iniciação de fissuração é consequência das fragilidades do sistema de proteção em zonas de interface entre componentes. Estes locais são especialmente críticos, pois, também devido a singularidades geométricas, podem gerar condições diferenciais que potenciem a iniciação e progressão da corrosão e que, adicionalmente, favoreçam processos de fragilização por hidrogénio.


transferir texto