Um Sistema Multiagente no Combate ao Branqueamento de Capitais
1. Introdução
Ações de prevenção e combate ao crime de branqueamento de capitais (BC) são
priorizadas por quase todos os governos do mundo, no mínimo, no mesmo nível das
grandes questões globais (Madinger, 2012). BC é tipicamente um crime que consiste em
tornar lícita a origem ilícita de um determinado ganho financeiro. A estimativa global
anual de BC é em torno de 2% a 5% do Produto Interno Bruto Global (UNODC, 2014).
Sobre fraude financeira, somente a América do Norte estima que sua perda passe de
$3,1 mil milhões em 2017 para $4,8 mil milhões em 2018 (Cser, 2017). Este volume
financeiro perdido anualmente já é motivo suficiente para o assunto ser tratado com
prioridade, no entanto, outro fator leva os governos a priorizarem o combate a este
crime: a sua comprovada ligação com outras práticas criminosas como narcotráfico,
fraude, corrupção, sequestro, terrorismo, contrabando de armas, entre outros
(Schott, 2006).
As instituições financeiras, em sua maioria, já utilizam processos semi-automatizados
para sinalização de transações suspeitas de BC, baseados em informações de cadastro,
médias, desvios padrões e regras fixas pré-estabelecidas, geralmente oriundas de
observações empíricas ou da experiência humana dos Analistas de anti-branqueamento
de capitais (ABC). Porém, o crescente aumento no volume das transações realizadas,
aliado à frequente publicação de novas regulamentações, nacionais e internacionais,
acabam por provocar ineficiência neste processo de sinalização.
Visando tornar o processo de ABC mais ágil e eficiente, este artigo apresenta a estrutura
de um sistema multiagente para suporte à tomada de decisão neste contexto. Os agentes
inteligentes utilizam técnicas de data mining para a criação de perfis de comportamento
transacionais históricos, analisam e sinalizam transações suspeitas e auxiliam o Analista
de ABC na tomada de decisão sobre as sinalizações. O modelo BDI (Belief, Desire,
Intention) incorporado pela metodologia de desenvolvimento adotada (Prometheus),
permite utilizar os perfis comportamentais encontrados, bem como possibilita a
implementação de regras especificas em função do risco envolvido. Estas características,
dentre outros benefícios, aumentam a eficiência do processo, enfrentando o aumento no
volume de transações com a redução gradativa da intervenção humana.
Este artigo segue a seguinte organização: indicação dos trabalhos relacionados com
propostas de mineração de dados e arquiteturas de sistemas que buscam o ABC;
apresentação da estratégia baseada no comportamento transacional dos atores para
combate a este tipo de fraude; descrição da abordagem conservadora adotada no
tratamento do risco envolvido; detalhamento do sistema e dos agentes definidos;
apresentação dos resultados obtidos e as conclusões.
2. Trabalhos Relacionados
A capacidade de adaptação do modus operandi dos fraudadores e a falta de informação
sistematizada que associe as transações suspeitas com a comprovação do crime, são
obstáculos para um avanço mais rápido da automatização do processo de prevenção e
combate ao crime de branqueamento de capitais (BC).
O primeiro sistema amplamente divulgado na área do anti-branqueamento de capitais
(ABC) foi o FinCEN Artificial Intelligence System (FAIS) (Senator et al., 1995),
desenvolvido e utilizado pelo Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), órgão do
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Em seguida, a Subcomissão Permanente
de Investigações do Comitê do Senado Americano para Assuntos Governamentais
solicitou ao Office of Technology Assessement (OTA)1 avaliação sobre a utilização de
técnicas de pesquisa baseadas em inteligência artificial (IA), visando monitorizar o
tráfego e transferências bancárias com o propósito de reconhecer transações suspeitas.
Em seu relatório de 1995, o OTA concluiu que “o conceito original na sua formulação
mais simples – o monitoramento do tráfego de transferência bancária, de forma contínua
e em tempo real, usando técnicas de inteligência artificial – não é viável”. Contudo,
ponderou que existiam alternativas na tecnologia da informação a serem utilizadas para
apoiar e reforçar a aplicação da lei contra o BC. Sugeriu, então, a utilização de técnicas
tais como: knowledge acquisition, machine learning, clustering, knowledge sharing
e data transformation (OTA, 1995). Em 1998, por orientação do relatório do United
States General Accounting Office (GAO), a gestão decidiu pela não implementação de
novos produtos utilizando técnicas de IA.
Curiosamente, desde então, os estudos têm direcionado propostas para utilização das
técnicas recomendadas buscando a identificação de anomalias ou situações suspeitas,
conforme bem demonstrado em Chandola et al. (2009) e Sabau (2012). Contudo,
conforme será comentado na seção 2.2, são poucas as propostas de sistemas baseados
em agentes inteligentes para suportar todo o processo de ABC.
2.1. Mineração de Dados
As técnicas de data-mining, machine learning e clustering têm sido fortemente utilizadas
na tentativa de identificar casos suspeitos de BC. Em Zhang et al. (2003) um conjunto
de dados são discretizados, mapeados para espaço dimensional Euclidiano, projetados
numa linha de tempo discretizada, formando um histograma. Os clusters são criados,
utilizando o algoritmo K-means, com base nos segmentos do histograma. Análises de
correlação locais e globais são então aplicadas para detectar padrões suspeitos. É uma
boa abordagem para a análise de comportamentos individuais e/ou de grupo baseado
em picos anormais no histograma. No entanto, na análise de grande quantidade de
clientes e transações durante longo período de tempo, a detecção de casos suspeitos
pode ser dificultada, pois podem existir poucos ou nenhum pico no histograma.
Em Kingdon (2004), é proposta a utilização de técnicas de IA e de uma máquina de
vetores de suporte (Support Vector Machine-SVM) numa perspectiva diferente daquela
até então utilizada, ou seja, montar o perfil histórico dos clientes e buscar utilizações
fora do padrão ao invés de focar em comportamento suspeito baseado apenas em perfil
cadastral. Independente da tecnologia utilizada, esta proposta fortalece o conceito da
política Know Your Customer (KYC) e torna-se ainda mais útil se aplicada de forma
incremental e constante.
<Nota/>1 <http://ota.fas.org/> - escritório do Congresso Americano que funcionou de 1972 a 1995.
Em Tang & Yin (2005) os autores propõem outra extensão da SVM para analisar as
transações dos clientes e detectar comportamento fora do padrão. É apresentada uma
combinação de um kernel com melhoramentos do Radial Basis Function (RBF) Scholkopf
et al. (2001) com definição de distâncias distintas e algoritmos SVM supervisionados
e não-supervisionados. Uma vantagem desta abordagem é ela conseguir lidar com
conjuntos de dados heterogêneos, porém, a avaliação de desempenho foi feita apenas
com dados de simulação.
Combinar a técnica de clustering com Multilayer Perceptron (MLP) foi a proposta de
Le-Khac et al. (2009). O algoritmo K-means, é utilizado para formação dos clusters
e esta técnica baseia-se em duas características principais (fundo de investimento e
investidor) que, em seguida, são usados como entrada do processo de formação de um
MLP. Os resultados apresentados mostram que a sua abordagem é eficiente. No entanto,
o número de características, o número de padrões de treinamento utilizados foi pequeno
e isso pode afetar a precisão.
Outros métodos estatísticos foram propostos, como em Liu & Zhang (2010) que utiliza
scan statistics, onde as transações realizadas num período de tempo são selecionadas
aleatoriamente e agrupamentos incomuns são buscados. Adequado para trabalhos de
auditoria em função da aleatoriedade adotada, no entanto, para um processo cotidiano
de ABC nenhuma transação pode ser desprezada.
Em Le-Khac & Kechadi (2010) os autores apresentam um estudo de caso em que
aplicam uma solução para geração de uma base de conhecimento, combinando técnicas
de mineração de dados, clustering utilizando K-means, redes neurais e algoritmos
genéticos para detectar padrões de BC. Analisando somente por este documento, a
solução pode apresentar um baixo custo benefício, considerando a alta complexidade da
implementação proposta.
Larik & Haider (2011) focam seu trabalho nas informações de débito e crédito realizadas
pelos clientes de numa instituição financeira, visando identificar transações suspeitas.
Propõem um novo algoritmo e um índice para avaliar e classificar as transações. Uma
boa ideia, porém, limitada pela utilização somente das informações de débito e crédito.
2.2. Arquiteturas de Sistemas
Em Gao et al. (2006), uma arquitetura de sistema é definida utilizando um conjunto
de agentes especializados, tais como: agentes de coleta de dados (sistemas internos
e informações externas); agentes de monitoramento para acompanhamento do perfil
cadastral do cliente e das transações realizadas; e um agente que emite relatórios e
alertas sobre possíveis operações de BC. Apesar da boa proposta de arquitetura,
o problema crucial do volume de análises submetidas ao analista humano não é
enfrentando, aliás, pode até ser agravado com a automatização da fase de sinalização
de transações suspeitas.
Outra abordagem baseada em agentes foi apresentada em Xuan & Pengzhu (2007). A
arquitetura proposta é semelhante à descrita em Gao et al. (2006), porém, com evolução
dos agentes incluindo as características de negociação, diagnóstico e autoaprendizagem.
As características dos agentes é o ponto forte desta proposta, contudo, também encerra
sua contribuição nas sinalizações para o analista humano.
Em Xu & Gao (2010) os autores propõem uma alteração na arquitetura apresentada
anteriormente, incorporando as fases e técnicas de um modelo de tomada de decisão,
aplicado em tempo real. A arquitetura do sistema proposto anteriormente foi
melhorada, mas em termos de processo não houve avanços, persistindo a falta de apoio
aos analistas humanos.
Rajput et al. (2014) utilizam ontologias e regras na criação de um sistema especialista
para detecção de transações suspeitas de BC. Uma boa abordagem para a criação das
regras a serem aplicadas, testada com um volume significativo de dados, contudo, a
quantidade de 2% de transações suspeitas detectadas numa base real torna-se inviável
num processo rotineiro que necessita da validação do especialista humano.
3. Estratégia de Combate a Fraudes
A política Know Your Customer (KYC) definida pelo Comitê de Basiléia2 é um guia de
melhores práticas no combate a fraudes, pois detalha os procedimentos a serem seguidos.
Baseado nestes documentos e no benchmark realizado pela Hewlett-Packard (Laxman,
2014) foi criado um fluxo genérico de combate a fraudes ou burla no setor financeiro
(Figura 1), quando realizadas em processos total ou parcialmente automatizados.
Figura 1 – Fluxo Genérico de Combate a Fraudes
O branqueamento de capitais (BC) é considerado um crime adjacente. Em Canas (2004)
é explicado que “para haver Branqueamento teria de haver um crime anterior que
proporcionasse ilicitamente ao seu autor proventos que posteriormente ele, ou outrem,
pretendessem camuflar”, na sua essência é possível afirmar que ele é uma instância do fluxo
genérico de fraude. Dessa forma, a atividade de anti-branqueamento de capitais (ABC) pode
ser vista como sendo o fluxo genérico mostrado na Figura 1, aplicado ao setor financeiro.
Um típico fluxo de ABC praticado pelas instituições financeiras foi mostrado e
detalhado em Alexandre & Balsa (2015). Porém, mesmo sem a utilização de técnicas
como mineração de processo (Norambuena & Zepeda, 2017), é fácil observar que o
fluxo de ABC sendo tratado como uma instância do fluxo genérico de combate a fraudes
é ineficiente, pois ele falha na identificação e sinalização das situações suspeitas.
Casos não identificados impedem análise detalhada e a consequente geração de novas
normas e recomendações, surgindo, dessa forma, o risco de uma falha sistêmica no
processo geral de ABC.
A Figura 2 mostra uma nova versão do fluxo geral de combate a fraudes, cujo objetivo
é mitigar o risco identificado. A criação de perfis dos atores participantes da atividade,
baseados no histórico completo das operações realizadas; a substituição dos atuais
parâmetros fixos por regras de produção, embasadas nestes perfis e nas normas e
recomendações existentes; a eliminação da utilização de somente operações mais
recentes; e o uso de inteligência em alguns pontos do processo eleva qualitativamente
o nível na captura de operações suspeitas e, principalmente, da tomada de decisão pelo
especialista (Pinto et al., 2014).
Figura 2 – Novo Fluxo Genérico de Combate a Fraudes
3.1. Abordagem baseada no comportamento transacional
Uma base com dados reais refletindo o comportamento transacional de clientes, possui
uma significativa quantidade de atributos necessários para o controle e gestão do
negócio envolvido, sendo que nem todos são relevantes para uma busca de transações
suspeitas. A seleção dos atributos relevantes e a possível geração de novos atributos,
reflete a importância da fase de pré-processamento, que será descrita na seção seguinte.
Os atributos selecionados ou gerados, precisam refletir as principais características
do universo de dados onde a anomalia é buscada, no caso, devem refletir a base de
transações e permitir identificar comportamentos suspeitos (Paula et al., 2016).
Neste trabalho é proposta a criação de vários atributos, que agregam quantidades e
segmentam características, com o objetivo de estabelecer um perfil do comportamento
transacional, dentro de um ciclo temporal, para cada ator do processo. O ciclo temporal
tem relação direta com a natureza do negócio envolvido, apresentando a duração máxima
possível (trimestral, semestral, anual, etc.).
3.2. Pré-processamento dos dados e formação dos perfis
Neste trabalho são utilizados dados reais de um banco brasileiro, referente a dois anos
de transações do produto contas correntes. As contas dos 5,2 milhões de correntistas
deste banco recebem, em média, 85 milhões de transações anuais.
A análise da base de dados mostrou que menos de 10% dos clientes são constituídos
por pessoas jurídicas (empresas comerciais, industrias, governos, etc.), no entanto, são
responsáveis por mais de 90% dos valores totais envolvidos. Desta forma, visando uma
melhor caracterização dos clientes, foi realizada a divisão da base de dados: uma somente
com clientes singulares e outra com clientes tipo pessoa jurídica. Todo o procedimento
descrito foi executado separadamente para cada base e está representado na Figura 3.
Figura 3 – Algoritmo do Processo de Aprendizagem
De cada base foram excluídas as transações cujas características impedem a prática de
branqueamento de capitais (tarifas, comissões, juros, impostos, etc.) (Figura 3 - Passo
1). A soma final das bases resultou em 35 milhões de transações relevantes.
Um ano de transações foi utilizado para a geração do perfil de comportamento
transacional, ou seja, para cada cliente presente na base de transações foram agrupadas
informações tais como: idade da conta; quantidade de movimentos gerados e de serviços
utilizados; percentual de transferência de recursos para outros bancos e para contas do
próprio banco; além da quantidade de movimentos agregados em 6 faixas de valores.
O 12º atributo, denominado percentual de débito, representa, de forma ponderada no
período analisado, o tempo que o recurso permaneceu na conta do cliente (Alexandre &
Balsa, 2016) (Figura 3 - Passo 2).
3.3. Aprendizagem e geração de regras
A tabela de perfis dos clientes ativos no ano analisado ficou com 2,4 milhões de linhas,
cada linha representando univocamente a tripla cliente, agência e conta. Esta tabela foi
utilizada num processo de aprendizado indutivo não-supervisionado com clustering,
para formação de grupos de clientes com características semelhantes e mutuamente
exclusivos. O algoritmo K-means (algc) foi utilizado para classificação e os algoritmos
PART e J48 (algr1 e algr2) para geração das regras de produção, executados 11 vezes
(número de atributos menos 1) (Figura 3 - Passo 3).
O modelo de cluster utilizado mostrou-se adequado ao permitir a interpretação dos
agrupamentos sem a utilização de sofisticados esquemas de visualização (Castillo-Rojas
et al., 2017). Dois conjuntos de regras, um de cada algoritmo utilizado, com a menor
quantidade de instâncias incorretamente classificadas foram selecionados (Figura 3 -
Passo 4) e conjuntamente com os clusters que originaram essas regras representam o
resultado final do processo (Figura 3 - Passo 5).
4. Abordagem Conservadora com Relação a Risco
A análise dos clusters gerados, para os dois segmentos de clientes, permitiu a
identificação de características tais como: grande movimentação de valores elevados, com
transferência integral para outras instituições financeiras (risco 3); ou movimentação
de valores próximos do limite de comunicação aos órgãos reguladores (risco 2). Desta
análise resultou a classificação mostrada na Tabela 1.
Com esta classificação é possível definir uma melhor estratégia, oferecendo tratamento
diferenciado aos grupos de clientes, conforme seu nível de risco. Apesar do ótimo nível
de acerto obtido na avaliação das regras geradas, em torno de 99% para ambos os
segmentos de clientes, um por cento de erro representa mais de 26 mil transações e não
podem ser desprezadas.
A matriz de confusão gerada pelos algoritmos identificou as regras que por serem
aplicáveis a dois ou mais grupos de clientes compõem o 1% de erro mencionado. Ou
seja, regras classificam clientes como pertencentes a mais de um perfil. A decisão foi
então reclassificar os perfis que não representam risco ou têm baixo risco (perfis 1, 2 e
3), conforme mostra a Tabela 1. Dessa forma, a transação que pertencer a um desses 3
grupos será reclassificada, somente para efeito de análise, para uma regra nos perfis de
risco mais elevado que satisfaça a condição.
Por exemplo, na base de dados utilizada para data mining, 33 regras classificam os clientes
pessoas singulares como pertencentes aos perfis de risco 2 e 3, correspondendo a 1,85%
do total. Contudo, estas regras também classificam 0,06% de clientes originalmente
pertencentes ao perfil padrão. A reclassificação consiste em, durante o processo de busca
por transação suspeita, considerar esses clientes padrão como pertencentes aos grupos
de risco, sem modificar a classificação original.
4.1. Criação de regras normativas e baseadas no comportamento
A classificação dos perfis também permite a criação de regras especificas, quer
sejam baseadas nos normativos vigentes, quer sejam inspiradas no comportamento
transacional. Conforme já mencionado, este trabalho utilizou um ano de informações
para geração dos perfis, obtendo totais mensais e permitindo selecionar valores máximos
dentro do ano para cada atributo relevante.
Foi estabelecido que a busca por transações suspeitas retroagirá sempre um mês a partir
da data solicitada para análise, desta forma será sempre utilizado o comportamento de 1
mês de transações para efeito de comparação com os perfis.
Para os perfis de risco, as regras utilizarão sempre cálculos em torno do maior valor
mensal encontrado para cada atributo e, para os demais perfis, será utilizado como
limite o valor total anual, conforme consta da Tabela 1.
Tabela 1 – Classificação dos perfis gerados
O banco de regras criado deve ser o mais estável possível, posto que se transformará em
crenças a serem utilizadas pelos agentes, possibilitando tomada de decisão consistentes e
coerentes. No entanto, é possível que a instituição financeira utilizadora do sistema deseje,
numa determinada análise, ser mais rigorosa quanto aos valores limites, o que levaria,
inevitavelmente, a modificação nas regras. Para contornar esta situação, foi parametrizado
um percentual intitulado Margem Adicional de Risco (MAR), cuja atribuição ficará a critério
da instituição utilizadora e que aplicado sobre os valores limites reduzem-no pelo percentual
indicado. Nos testes realizados para este artigo, referido percentual foi mantido em zero.
A Figura 4 mostra que quando a MAR é maior que zero (o que está indicado em setembro,
e no Total) os perfis de risco 2 e 3 têm seu limite reduzido pelo percentual indicado. O
mesmo ocorre com os demais perfis, sendo que estes em relação ao valor total anual.
O perfil de risco 1, por ser perfil de alerta, não é afetado pela MAR. Quando a MAR é igual
a zero os perfis de risco utilizam o mesmo valor limite e os demais perfis utilizam o valor
total anual, sem reduções.
Figura 4 – Aplicação da Margem Adicional de Risco
5. Modelo dos Agentes
A maioria dos sistemas existentes atualmente para suportar o processo de anti-branqueamento de capitais (ABC), concentra-se na fase do processo referente a captura
de transações suspeitas, transferindo para o Analista de ABC a tarefa de comprovação
da suspeição. Além disso, boa parte dessas soluções são fortemente baseadas em
parametrizações que, basicamente, aplicam os normativos vigentes.
O desempenho desses sistemas está refletido no resultado da pesquisa realizada
em 2014 com 317 profissionais especialistas em ABC e técnicos de conformidade, de
instituições financeiras de 48 países, mostrando que apenas 58% acreditam que os
sistemas existentes em suas organizações são capazes de monitorar adequadamente as
transações ocorridas nas diversas linhas de negócios3.
Esta situação motiva este trabalho na proposição de uma solução que integra técnicas de
data mining a um sistema multiagente com o propósito de capturar transações suspeitas
de branqueamento de capitais e auxiliar o Analista de ABC na tomada de decisão. Na
modelagem do sistema foi utilizada a metodologia Prometheus (Padgham & Winikoff,
2004). A implementação está sendo realizada no framework JaCaMo (Boissier et al.,
2013) que utiliza a linguagem Jason (Bordini, Hübner & Wooldridge, 2007).
A Figura 5 mostra, de forma simplificada, um dos diagramas da Prometheus Design
Tool4(PDT), com a arquitetura final do sistema. O diagrama ressalta os agentes,
as bases de dados externas (DB), as bases de conhecimento (KB) e a interação dos
agentes com o ambiente e os Analistas de ABC. O grupo de agentes responsáveis
pela captura de transação suspeita (CTS) que são especializados por produto da
linha de negócios de uma instituição financeiro (contas correntes, câmbio, fundos
de investimento, empréstimos, etc.). Esta especialização oferece duas grandes
vantagens: a primeira é que cada agente pode ser aprimorado com as especificidades
do produto e dos perfis dos clientes, que podem mudar em cada produto; a
segunda diz respeito aos princípios de manutenibilidade e de escalabilidade, ou
seja, um produto vigente pode ser descontinuado (morte de um CTS) e um novo
produto pode ser criado (novo CTS) sem que isso interfira no funcionamento dos
demais agentes.
Na análise das transações os CTS utilizam as regras de produção vigentes, geradas
com base nos perfis dos clientes, nos normativos sobre ABC e nas normas internas da
instituição financeira. Atuam em duas modalidades: busca por transação ou busca por
cliente. Na busca por transação a base histórica de transações é analisada integralmente,
dentro do período informado, enquanto na busca por cliente, somente as transações
relacionadas ao cliente informado são analisadas.
Um agente é responsável pela gerencia da captura de transações (GCT), ele pode
receber uma solicitação externa de análise e comandar para execução pelo CTS
especialista ou comandá-la autonomamente. Ao receber a informação de um CTS de
que uma transação suspeita foi identificada, comanda uma análise na modalidade
busca por cliente para os demais CTSs responsáveis por produtos que constem do
perfil do referido cliente. Somente o GCT tem conhecimento de quantos e quais são os
CTSs existentes. Após todos os CTSs acionados terem enviado mensagens de resposta
ao comando de análise, o GCT comunica ao agente auxilia processo decisório (APD) a
existência de transações suspeitas.
O agente APD é responsável por aprofundar a análise e decidir sobre a suspeição da
transação, confirmando-a ou não. A utilização de conhecimento específico sobre o
produto e de uma matriz de decisão baseada no histórico de decisões tomadas, permitem
ao agente decidir sobre a suspeição ou, quando não é possível chegar a uma decisão,
sinalizar para o Analista de ABC sobre a existência de um caso complexo. As decisões
tomadas pelo agente, bem como aquelas informadas pelo Analista, são guardadas no
histórico de decisões e são utilizadas no aprendizado para evolução da matriz de decisão.
Este agente também sugere alterações na matriz de decisão e pela atualização desta base
de conhecimento, após as sugestões serem validadas.
Figura 5 – Arquitetura do Sistema Proposto
O agente evolui base de perfis (EBP) atua na análise do histórico de transações
para geração de perfis de clientes e posterior comparação com a base de perfis
existente. Este processo pode ser acionado por uma solicitação do usuário ou de
forma autônoma pelo agente. Os possíveis novos perfis surgidos são sugeridos para
o Analista de ABC, para análise. O agente EBP atualiza a base de perfis com os perfis
que forem validados.
As evoluções das bases de conhecimento e o aprendizado previstos no sistema visam,
primordialmente, mitigar o risco da ocorrência de falso positivo e/ou falso negativo,
existente em sistema baseados unicamente em um conjunto de regras e padrões de
comportamento (Gao et al., 2006) e (Le-Khac & Kechadi, 2010).
6. Análise dos Resultados
Os dados reais utilizados neste trabalho referem-se a 2 anos, com 30,5 milhões e
35,2 milhões de transações relevantes, respectivamente. Os perfis de comportamento
transacionais dos clientes foram gerados a partir dos dados do primeiro ano, constituindo
a base de referência. A busca por transações suspeitas foi realizada em um mês de
transações relevantes do segundo ano, resultando em 2,6 milhões de transações. Sobre
estas transações foram gerados 516.942 perfis de comportamento transacionais dos
clientes no período.
O processo de busca por transações suspeitas, implementado até o momento, pode ser
dividido em 3 fases: a reclassificação dos perfis ou ajuste da matriz de confusão; a captura
das transações suspeitas; e a análise das transações capturadas. A Figura 6 mostra um
resumo com informações do ambiente e a quantidade de transações suspeitas.
Figura 6 – Resultado Fases 1 e 2
O sistema utiliza como crenças um conjunto de 129 regras, bem como a classificação
dos clientes nos perfis indicados. Essas crenças são reavaliadas uma única vez, ocasião
em que 418 perfis foram reclassificados, saindo do perfil Padrão para perfis de risco,
somente nesta análise. No final 182 perfis são indicados como suspeitos e suas transações
precisam ser analisadas.
O resultado da fase 3 do processo é mostrado na Figura 7. A distribuição dos suspeitos por
perfil, com seu respectivo percentual, alerta para a concentração de 52% dos suspeitos
no perfil de risco 3 (Alto Risco). Com o objetivo de auxiliar o especialista na análise das
transações, os suspeitos são agrupados pela regra acionada na sua captura (mais de uma
regra pode ser acionada para o mesmo perfil).
Em função do sigilo legal envolvido nas informações, a Figura 7 mostra apenas dois perfis
com parte dos detalhes envolvidos, devidamente descaracterizados. No entanto, é possível
observar o texto de algumas regras que ressaltam a relevância das suspeitas, como por
exemplo a regra legal BCXX2016003, originada no normativo do Banco Central Brasileiro
que sinaliza uma queda acentuada na movimentação de um perfil que, normalmente,
tem alta movimentação. Os normativos dos bancos centrais dos países, geralmente,
recomendam investigar esta mudança de comportamento pois pode representar a parada
de um período no qual ocorreu o branqueamento de capital. O percentual de 0,0409% de
suspeitos, para um mês de transações, mostra-se exequível para a análise humana.
Figura 7 – Resultado Fase 3
O sistema atualmente em utilização na instituição financeira fornecedora dos dados é
fortemente baseado em valores limites pré-fixados e informações cadastrais, tipo renda/
faturamento e atividade econômica. Assim sendo, as transações suspeitas agora indicadas
incluem apenas algumas das suspeitas efetivamente identificadas e comunicadas aos
órgãos de controle. As suspeitas baseadas no comportamento transacional dos clientes
estão em análise visando atestar seu grau de precisão.
7. Conclusões
É crescente a preocupação da indústria financeira e dos governos com o crime
de branqueamento de capitais, quer seja pelos recursos perdidos, quer seja pelas
consequências deste crime que, normalmente, financiam outros crimes.
Os sistemas atualmente em utilização pelas instituições financeiras são fortemente
baseados em informações cadastrais, a proposta aqui apresentada analisa o
comportamento transacional dos clientes, estabelece um perfil e utiliza-o como balizador
para comportamento futuro. Os resultados obtidos mostram a viabilidade de utilização
sistemática e estabelece nova frente de combate a este crime.
A verificação real das suspeitas sinalizadas estão em andamento e o próximo passo
é fazer com que o agente de auxílio ao processo decisório aprenda com as decisões
tomadas pela Analista de Anti-Branqueamento de Capitais e passe a sinalizar somente os
casos inéditos.