Acessibilidade em Ambientes Virtuais de Aprendizagem
1. Introdução
As revoluções tecnológicas e o uso alargado das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) têm estimulado a emergência de novos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA),
conceito amplo que, para além de integrar todo o tipo de recursos digitais, define a forma
de comunicação e os diferentes cenários de educação-formação (Keller, 2005) (Rodrigues
et al., 2017). Segundo Dillenbourg (Dillenbourg et al., 2002), as condições necessárias para
um AVA são a existência de um espaço concebido para a disponibilidade de informação,
a existência de um ambiente com interações sociais e educacionais e de alunos ativos — e
não apenas recetores da informação. A maioria dos AVA permite a utilização de tecnologias
diferentes e várias abordagens pedagógicas. Um AVA pode incluir várias funções, tais como:
texto, multimédia, chats, fóruns de discussão, perguntas e exames eletrónicos, consultas,
emails e bibliotecas com disponibilização de hiperligações (Dillenbourg et al., 2002).
Todo o processo de ensino/aprendizagem vive complexos momentos de mudança. O
desenvolvimento das novas tecnologias na educação a distância, torna os AVA um espaço
de inovação na construção do conhecimento para todos. Um dos fatores cruciais nos
AVA é a sua acessibilidade. Para concretizar esse objetivo e com o intuito de aumentar
a sua abrangência é crucial analisar, avaliar e refletir na produção de AVA acessíveis.
A preocupação com a acessibilidade não é um conceito novo (Rocha et al., 2012). Em
1971, na Faculdade de Engenharia da Universidade de Wisconsin-Madison, foi criado
o Trace Research & Development Center para eliminar barreiras e capitalizar as novas
oportunidades patenteadas pelas TIC (Center, 2013).
Em 1997, a Australian Human Rights Commission (“the Commission”) criou standards
de acessibilidade. Ao mesmo tempo, o World Wide Web Consortium (W3C), fundado por
Tim Berners-Lee em 1994, tenta assegurar o crescimento e o desenvolvimento da Web
para todos, com o desenvolvimento de protocolos e diretrizes. Estes avanços/progressos
permitiram o acesso à informação a todos os utilizadores, independentemente das suas
necessidades específicas (W3C, 2005).
Neste artigo apresenta-se uma revisão sistemática da literatura que pretende sintetizar
o conhecimento disponível sobre acessibilidade em AVA e, assim, contribuir para uma
utilização mais ampla e abrangente destes ambientes.
A metodologia utilizada foi a metodologia PRISMA (Preferred Reporting Items for
Systematic Reviwes and Meta-Analyses) (Liberati et al., 2009), que envolve a seleção
de artigos versando o tema, de modo a contribuir para um melhor conhecimento sobre
o mesmo.
2. Objetivo e métodos
O principal objetivo deste artigo é, de uma forma sintética, responder à questão
de investigação: Existem métodos para a construção de ambientes virtuais de
aprendizagem acessíveis?
Neste contexto, tentou-se identificar, analisar e descrever os métodos utilizados para
melhorar a sua acessibilidade, de forma a perspetivar uma das atividades mais antigas
da condição dos seres humanos: a aprendizagem.
O desenho metodológico definido para levar a cabo esta revisão sistemática da literatura
seguiu o protocolo PRISMA (Liberati et al., 2009) (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, & Grp,
2009), com as suas várias fases: a) definição da questão de investigação; b) identificação
dos termos de pesquisa e realização da pesquisa nas bases de dados; c) definição dos
critérios de elegibilidade; e d) decisão da inclusão, tendo por base, sequencialmente, o
título, os resumos, as conclusões e, numa fase final, a leitura integral dos artigos.
2.1. Critérios de elegibilidade
Foram incluídos artigos publicados entre 2010 e 2016, em língua inglesa ou portuguesa,
que avaliam e/ou determinam a acessibilidade dos AVA.
2.2. Fontes de informação
Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados: IEEE Xplore Digital Library (Institute
of Electrical and Electronics Engineers, organização fundada em 1884), ACM
(Association for Computer Machinery) Digital Library, SCiELO (Scientific Electronic
Library Online), ScienceDirect e B-on — Biblioteca do Conhecimento.
Para a pesquisa, foram utilizadas as seguintes palavras-chaves: Acessibilidade and
(ambientes virtuais de aprendizagem) e acessibilidade and Moodle (pelo facto de ser um
dos AVA´s, open source, mais utilizado do mundo), accessibility and (virtual learning
environment), Accessibility and Moodle. Foi ainda efetuada uma pesquisa manual nas
referências bibliográficas dos artigos consultados.
2.3. Seleção dos estudos
Foi feita uma seleção inicial dos artigos com base no título, resumo, conclusão e,
posteriormente, leitura dos artigos na íntegra, utilizando os critérios de elegibilidade.
3. Resultados
Numa primeira fase, foram identificados 82 artigos, dos quais 49 foram excluídos após
avaliação com base no título, resumo e conclusão, uma vez que divergiam do pretendido
(Tabela 1).
Tabela 1 – Dados quantitativos relativos às pesquisas efetuadas
Após leitura na íntegra dos 33 últimos artigos, 24 foram excluídos. Foram, então,
selecionados 9 artigos para o estudo proposto (ver Figura 1).
Figura 1 – Esquema do fluxo da informação no estudo efetuado seguindo o protocolo
PRISMA(Liberati et al., 2009).
Tabela 2 – Caraterização dos artigos selecionados
É de salientar que praticamente na totalidade dos 9 artigos analisados foi observada a
importância dos padrões de acessibilidade, estabelecidos pelo W3C, na implementação
dos AVA.
4. A acessibilidade em ambientes virtuais de aprendizagem
Na educação não-formal, que decorre ao longo da vida, o processo ensino/aprendizagem
desenvolve-se em diversos contextos e situações (Gohn, 2006), Neste contexto a
acessibilidade dos AVA, para pessoas com diferentes perfis e necessidades assume uma
preocupação relevante.
Na Tabela 2 resumem-se as principais caraterísticas dos artigos selecionados para esta
revisão sistemática da literatura
Amado-Salvatierra et al. (Hector R. Amado-Salvatierra, Hernández, & Hilera, 2012) (H
R Amado-Salvatierra, Hernández, & Hilera, 2014) (H R Amado-Salvatierra & Rizzardini,
2014) descrevem um estudo de caso onde propõem a implementação de várias diretrizes
e recomendações para o desenvolvimento de metodologias na produção de conteúdos
multimédia/interativos, numa arquitetura de serviços web aberta, que visa apoiar a
interação e garantir os principais padrões de acessibilidade para estudantes do ensino
superior. O projeto ESVI-AL (Educación Superior Virtual Inclusiva — América Latina)
e o projeto EU4ALL (European Unified Approach for Accessible Lifelong Learning)
baseiam-se na norma UNE 66181, que oferece um conjunto de métodos e padrões
genéricos de acessibilidade. Estes projetos implementaram e validaram um conjunto de
requisitos de acessibilidade no contexto da educação em ambientes virtuais, reconhecidas
como normas de boas práticas e padrões de qualidade.
McAndrew & Cooper n.d (McAndrew & Cooper, sem data) propõem o conceito
de Universal Design for Learning (UDL). O UDL corresponde a um conjunto de
princípios e estratégias que procuram reduzir as barreiras no ensino/aprendizagem,
independentemente das necessidades físicas e cognitivas dos educandos universitários.
Nesse contexto, o professor deve desenvolver planos de trabalho que possam
proporcionar múltiplos meios: i) de Apresentação; ii) de Ação e Expressão; iii) de
Autoenvolvimento (Engagement), enriquecendo as estratégias de ensino e promovendo
atividades contextualizadas na prática pedagógica.
Para Ravanelli & Serina 2014 (Ravanelli & Serina, 2014)the contribution of technology,
especially web 2.0, has transformed the concept of distance learning into that of
e-learning and online learning. These are based on the use of CSCL (Computer Supported
Collaborative Learning e Elias 2010 (Elias, 2010) a acessibilidade nos Learning
Management System (LMS) passa pelo princípio do UDL e do Universal Design of
Instruction (UDI). Este modelo permite construir módulos educativos ou planificar
aulas de forma a aumentar a capacidade de aprendizagem, tornando-os mais eficazes e
adequados a qualquer aluno, em diferentes contextos. De uma forma muito breve, o UDI
enuncia oito princípios fundamentais de acessibilidade:
••Uso equitativo,
••Flexibilidade,
••Simplicidade,
••Ser intuitivo,
••Ter informação percetível,
••Ter tolerância ao erro,
••Requerer um esforço físico e/ou técnico atingível,
••Ser acessível a uma comunidade ampla de alunos.
Deste modo, todos poderão interagir com os AVA, independentemente das suas
limitações.
Dos artigos incluídos, apenas Pearson et al. 2011 (Pearson, Gkatzidou, & Green, 2011)
aborda as Widgets como uma ferramenta de apoio aos AVA vocacionados para o ensino/
aprendizagem de alunos com necessidades especiais.
A possibilidade de o aluno controlar o ambiente, transformando-o num Adaptable
Personal Learning Environment (APLE) com recurso às widgets, e assim poder
decidir que ferramentas e/ou serviços usar e agregar no/ao seu espaço pessoal é uma
mais-valia para o processo de aprendizagem. Uma solução tecnológica suportada
por Widgets, parametrizando o seu Personal Learning Environment (PLE), quer
ao nível da definição de uma estrutura coerente de menus e submenus, quer ao nível
das configurações de acessibilidade, está subjacente no projeto Widgets for Inclusive
Distributed Environments (WIDE). O projeto visa desenvolver recursos que ampliem
as funcionalidades dos AVA de forma a responderem às necessidades específicas de
aprendizagem dos alunos, adotando assim um conjunto de novas metodologias na sua
construção (Pearson et al., 2011).
Para L. Anido-Rifon et al. (L. Anido-Rifon, Fernandez-Iglesias, Rivas-Costa, Valladares-Rodriguez, & Gomez-Carballa, 2013), o objetivo é criar um AVA acessível através de
diferentes periféricos para facilitar e/ou promover o seu acesso a qualquer aluno,
independentemente da sua situação de dependência pessoal. É importante compreender
o carácter circunstanciado deste exemplo de boas práticas que constituirá, em função
dos requisitos associados aos mesmos, o acesso por parte de todas as pessoas a um AVA.
Este conceito técnico permite uma abordagem holística destes ambientes educacionais.
Mais centrado na inovação ao nível da acessibilidade e comunicação dos LMS,
Kouninef et al. (Kouninef, Merad, & Djelti, 2015) descrevem os novos horizontes para
o processo de ensino e aprendizagem utilizando os Quick Response Code (QR). O uso
destes códigos poderá dar um novo enfoque à acessibilidade e à motivação dos alunos,
introduzindo uma nova dinâmica nos AVA. O uso dos podcasts é um recurso pedagógico
que possibilita um nível de interatividade elevado com os AVA. Os códigos QR poderão
auxiliar e apoiar para todos os que têm dificuldades de compreensão dos processos de
ensino/aprendizagem, independentemente das restrições de tempo e de lugar.
Todos os artigos citados abordam de uma forma muito explicita e sucinta alguns métodos
necessários para a construção de AVA e oferecem um conjunto de procedimentos e padrões
genéricos de acessibilidade, contribuindo para uma utilização mais ampla e abrangente
destes ambientes. Amado-Salvatierra et al (2012, 2014 & 2014) utilizam o modelo ESVI-
AL baseando numa série de métodos e normas de acessibilidade. McAndrew P, Ravanelli
F, Elias T et al (2010, 2012 & 2014) aplicaram o Universal Design for Learning e Universal
Instructional Design na produção de AVA e utilizando princípios, estratégias e métodos
educativos de forma a diminuir os obstáculos cognitivos na utilização dos AVA, facilitando a
interação aluno-AVA. Pearson E (2011) utilizou um método Agile para desenvolver
Widgets destinadas a serem utilizadas em AVA de forma a torná-los acessíveis. Anido-Rifon L (2013) preocupou-se com a adaptação e criação de periféricos. E Kouninef L
(2015) optou pelo uso de códigos para facilitar a acessibilidade e a motivação dos alunos.
5. Discussão
Apesar da inegável relevância do tema da acessibilidade digital, a necessidade de
compilar de forma sistemática um conjunto de métodos e´ um dos fatores importantes e
primordiais dos AVA.
A criação de AVA acessíveis é uma tarefa complexa. Envolve diversas áreas do saber:
••O Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK): a capacidade de ensinar um
determinado conteúdo;
••O Conhecimento Tecnológico do Conteúdo (TCK): saber selecionar os recursos
tecnológicos mais adequados para comunicar um determinado conteúdo;
••O Conhecimento Tecnológico-Pedagógico (TPK): saber usar esses recursos
tecnológicos no processo de ensino-aprendizagem.
De acordo com Mishra e Koehler (Mishra & Koehler, 2006) as relações entre o conteúdo,
pedagogia e tecnologia são complexas. Neste contexto e baseados na formulação de
Shulman (Shulman, 1986) do conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK), criaram um
modelo, denominada Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK), Figura 2.
Figura 2 – Modelo TPACK
A interseção destes três domínios do conhecimento na criação dos AVA - TPACK - é uma
das formas de potencializar a sua acessibilidade. Analisar questões que não fazem parte
deste modelo é essencial para os AVA. Neste contexto, as Web Content Accessibility
Guidelines (WCAG 2.0) abrangem um vasto conjunto de recomendações com o objetivo
de tornar os conteúdos digitais mais acessíveis.
A solução para estas questões, aparentemente simples, impõe um complexo processo
metodológico que passa pela aquisição da informação - realização de entrevistas,
observação etnográfica e criação de grupos de discussão e pelo desenvolvimento de
modelos baseados em personas, como objetivo fundamental de compreender e estudar
os utilizadores, o seu contexto, avaliar e validar AVA - Contextual Design (Karen,
Holtzblatt and R. Beyer, 1998).
Nos artigos selecionados - Tabela 2, foram diversos os métodos descritos/utilizados
pelos autores para tomar os AVA mais acessíveis. O modelo TPACK e as diretrizes de
acessibilidade da WCAG 2.0 estiveram na base da maioria das metodologias descritas.
Se na metodologia utilizada as diferenças entre os trabalhos foram relativamente
pequenas, já na forma de estudar os utilizadores registámos uma grande diversidade,
nem sempre os procedimentos do Contextual Design foram respeitados.
A combinação de um conjunto de boas práticas estão plasmadas nos projetos ESVI-
AL e EU4ALL (Hector R. Amado-Salvatierra et al., 2012) (H R Amado-Salvatierra et
al., 2014) (H R Amado-Salvatierra & Rizzardini, 2014), que desenvolveram um quadro
geral aberto, baseado em padrões, para apoiar os serviços personalizados de ensino/
aprendizagem no contexto do ensino superior e na aprendizagem ao longo da vida.
No que concerne às práticas pedagógicas, o UDL (McAndrew & Cooper, sem data) e
UID (Ravanelli & Serina, 2014)the contribution of technology, especially web 2.0, has
transformed the concept of distance learning into that of e-learning and online learning.
These are based on the use of CSCL (Computer Supported Collaborative Learning e (Elias,
2010) permitem identificar e fundamentar a conformidade das ações na planificação e
organização dos AVA com a identificação de metodologias de ensino facilitadoras da
inclusão, da participação e do ensino/aprendizagem para todos (National Center On
Universal Design For Learning, 2013), embora
A possibilidade de incorporar e parametrizar ferramentas de acessibilidade (Widgets),
desenvolvidas de acordo com as linhas orientadoras da “Metodologia A´gil” (Pearson
et al., 2011), permite o desenvolvimento de Widgets totalmente inovadoras e a sua
integração nos AVA.
Outro aspeto a salientar é a necessidade da utilização de periféricos alternativos ou
adaptados, proporcionando um controlo simplificado e ajustável a cada aluno com
necessidades específicas para acesso aos recursos oferecidos nos AVA (L. Anido-Rifon
et al., 2013).
O uso dos códigos QR poderá quebrar um conjunto de barreiras físicas e cognitivas
associadas ao ensino/aprendizagem em AVA, oferecendo uma nova oportunidade a todos
os alunos. Este recurso pedagógico enquadra-se nos princípios do Mobile Learning (ML)
e consegue, de uma forma ubíqua, cruzar informações entre diferentes AVA, permitindo
um novo e dinâmico modelo de interação Homem-máquina (Kouninef et al., 2015) .
6. Considerações finais
Este artigo teve como objetivo principal apresentar e sintetizar o conhecimento
disponível, envolvendo alguns dos métodos existentes para a criação de AVA mais
acessíveis. Desta forma seria possível aperfeiçoar e responder melhor às necessidades
educacionais dos utilizadores dos AVA.
Procurou-se dar um pequeno contributo para esta temática com o intuito de tornar
o ensino/aprendizagem mais eficaz, eficiente e aprazível, proporcionando novas
oportunidades de aprendizagem e reforçando a relação aluno-professor.
Com efeito, e independentemente do conceito de acessibilidade e de AVA, é importante
reter que a combinação destes métodos permite uma melhoria na acessibilidade dos
ambientes de aprendizagem. Estes processos complexos que implicam interação
Homem-máquina exigem a integração de recursos tecnológicos acessíveis com
práticas pedagógicas.
Compreender e estudar os utilizadores, o seu contexto (Karen, Holtzblatt and R.
Beyer, 1998) e simplificar a complexidade da informação, tornando-a percetível a
todos os alunos (Wurman, 2001) (Rosenfeld, Morville, & Arango, 2006), são objetivos
fundamentais dos trabalhos de investigação e criação destes novos ambientes
de aprendizagem.
Existem alguns métodos para a construção de AVA acessíveis que não foram identificados
em nenhum dos artigos consultados. Este facto deve-se à circunstância de a pesquisa ter
sido efetuada com uma conjugação de palavras-chaves e operadores que tinha como
objetivo centrar a questão na acessibilidade e nos AVA.
Outro dos aspetos não abordados em muitos dos artigos e de grande relevância para
avaliar o nível de acessibilidade dos AVA constitui a definição de critérios de avaliação,
a metodologia dos testes e as ferramentas utilizadas para tal.