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EuPTCEEx1646-88722012000200003

EuPTCEEx1646-88722012000200003

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Análise comparativa entre medições in situ e estimativas numéricas na Praia da Cornélia, Costa da Caparica, Portugal

1. Introdução A zona costeira é uma região de dinâmica complexa, fruto da interacção de diversos agentes naturais, entre os quais o vento, a maré e as ondas gravíticas, particularmente em praias mesotidais.

As ondas geradas pelo vento são consideradas o agente forçador dominante na hidro e morfodinâmica costeira. Com efeito, na sua propagação em zonas costeiras, as ondas podem sofrer os efeitos de diversos fenómenos físicos complexos (como por exemplo, os associados à variação da profundidade, à difracção, à ocorrência de rebentação, à dissipação de energia por atrito de fundo, à sua reflexão total ou parcial em obstáculos) que assumem uma importância fundamental em toda a morfodinâmica da zona costeira, bem como no comportamento de estruturas marítimas implantadas. Com efeito, as alterações da fisiografia costeira, as modificações dos balanços sedimentares, problemas como a erosão costeira e consequente recuo da linha de costa, o assoreamento de estuários, lagunas ou zonas portuárias e a destruição de estruturas marítimas são consequência directa ou indirecta do clima de ondas que se verifica na zona costeira. Como tal, a capacidade de descrever, simular e prever a transformação das ondas, e deste modo, caracterizar o clima de ondas, torna-se essencial para a compreensão dos processos costeiros e para um correcto planeamento e gestão de intervenções costeiras, o que contribui, sem dúvida, para uma gestão da zona costeira de forma integrada e sustentável.

Assim, para um maior conhecimento da agitação marítima, a aquisição de dados de campo para monitorização ambiental in situ e o recurso à modelação numérica têm sido amplamente usados. Com efeito, a monitorização in situ é, sem dúvida, a melhor técnica para a caracterização dos parâmetros de ondas numa dada região costeira, pois os dados obtidos são o resultado dos vários fenómenos que afetam a propagação de ondas que atingem a referida zona costeira.

No entanto, este monitoramento de ondas é feito de forma pontual no espaço e no tempo e requer recursos económicos elevados associados ao investimento inicial dos equipamentos a utilizar e ao custos da sua manutenção, pelo que usualmente não é possível para a maioria das zonas de estudo, com base em medições, definir um regime de agitação marítima nem avaliar os efeitos a médio e longo- prazo da agitação marítima na morfologia e dinâmica sedimentar nessa zona.

Assim, o recurso à modelação numérica para caracterizar os principais processos de propagação de ondas em zonas costeiras é muito vantajoso, pois permite a caracterização espacial da zona a estudar e principalmente uma análise a curto, médio e longo prazo, constituindo, por isso, uma importante ferramenta de gestão costeira.

Neste âmbito, os modelos baseados nas equações estendidas de Boussinesq permitem uma descrição adequada da evolução das ondas marítimas em zonas de profundidade variável, tendo em conta os efeitos da refracção, difracção, rebentação e de efeitos não lineares. Um exemplo deste tipo de modelos é o modelo COULWAVE (Lynett & Liu, 2002), que se baseia nas equações do tipo Boussinesq deduzidas por Wei et al. (1995a, b). Lynett e Liu deduziram as equações a partir da integração em profundidade das equações de continuidade e movimento, utilizando o conceito de camadas múltiplas (multi-layer) em que a coluna de água é dividida em várias camadas, admitindo-se um determinado perfil de velocidades para cada uma. A precisão do modelo assim desenvolvido depende do número de camadas que se considera permitindo a sua utilização em águas profundas.

Apesar das inúmeras vantagens do modelo, e tal como qualquer modelo numérico, este tem algumas limitações decorrentes das suas equações-base e da formulação numérica adoptada. Assim, como em cada camada se admite uma determinada aproximação polinomial e com tal se integra as equações na vertical, não é possível obter com o modelo a estrutura vertical correcta da velocidade das partículas. Este aspecto é particularmente importante quando se tem interesse no transporte de sedimentos e, consequentemente, na morfodinâmica e dinâmica costeira. Por outro lado, fenómenos como a rebentação são incluídos no modelo através da adição de termos à equação original, que dependem de um conjunto de parâmetros que devem ser calibrados para cada caso de estudo, recorrendo, por exemplo, a dados adquiridos in situ. Torna-se assim importante avaliar quais as implicações que tais limitações podem ter no desempenho do modelo COULWAVE, principalmente quando este é aplicado a situações reais.

É então neste âmbito, que se insere o presente trabalho. Assim, a existência de um conjunto muito vasto e variado de medições in situ realizadas na Praia da Cornélia (Costa da Caparica, Portugal) de 12 a 14 de Maio de 2010 no âmbito de um projecto de investigação, o projecto BRISA, e a vontade de avaliar o desempenho deste modelo numérico na caracterização da agitação marítima numa situação real, e, assim, reforçar a confiança na sua utilização generalizada em estudos de morfodinâmica e dinâmica costeira a médio e longo prazo, justificaram o presente trabalho, que consistiu na análise comparativa entre as medições de agitação marítima locais e as estimativas produzidas por esse modelo.

Deste modo, identificando as potencialidades e limitações da utilização do modelo COULWAVE, i.e. o seu desempenho em situações reais, este pode constituir uma ferramenta da gestão costeira integrada.

Neste artigo, descreve-se sucintamente a zona de estudo, a Praia da Cornélia e campanha de recolha de dados realizada. Segue-se a aplicação do modelo COULWAVE, incluindo uma breve descrição das suas características e condições de cálculo. Apresentam-se as análises comparativas entre resultados numéricos e as medições efectuadas. O artigo termina com as conclusões.

2. A praia da Cornélia, Costa da Caparica A praia da Cornélia situa-se na Costa da Caparica, na costa Oeste de Portugal, Figura_1. Trata-se de uma praia exposta, arenosa, com comportamento morfodinâmico intermédio a dissipativo, com relativa protecção às ondas dominantes de NW, dada a acção, a Norte, do Cabo da Roca. Esta protecção confere-lhe um regime de agitação, na rebentação, com energia dominante moderada, podendo ser elevada durante tempestades, sobretudo de Oeste e SW.

Esta praia foi seleccionada para o estudo em causa por ser representativa de praias expostas com comportamento morfodinâmico intermédio em regime mesotidal, o que corresponde largamente às praias dominantes em Portugal e a nível mundial. O modelo ficará assim validado para condições de agitação moderada, em regime de maré e comportamento morfodinâmico que abrangem uma vasta gama de praias a nível mundial.

No âmbito do projecto de investigação BRISA ("BReaking waves and Induced SAnd transport"), foi realizada uma campanha de medições entre os dias 12 e 14 de Maio de 2010 que teve como objectivos a aquisição de dados hidrodinâmicos e morfológicos para: i) testar e validar modelos numéricos e ii) melhorar o conhecimento da dinâmica na rebentação e a sua influência no transporte de sedimentos e na morfodinâmica da praia em estudo. Dispunha-se assim de um vasto e variado conjunto de medições adequado a ser utilizado na validação de modelos numéricos.

Durante a campanha, foram efectuadas medições da elevação da superfície livre com transdutores de pressão (Pressure Transducers, PT), da velocidade da corrente, com correntómetros (Electromagnetic Current Meters, ECM) e com um medidor acústico de velocidades por efeito de Doppler (Acoustic Doppler Velocimeters, ADV), da turbidez e da concentração de partículas em suspensão, com sensores ópticos (Optical Backscatter Sensors, OBS). Todos os equipamentos foram colocados ao longo de um perfil de praia em estruturas H identificadas de 1 a 5, (Figura_2a_e_2b) que foram geo-referenciados com um sistema RTK-DGPS sincronizado com o Observatório Astronómico de Lisboa.

A cerca de -7.6 m (ZH) de profundidade foi colocada uma poita com um transdutor de pressão, aproximadamente alinhado com o perfil de praia onde foram colocados os equipamentos na face de praia.

No presente trabalho foram apenas analisados os dados de elevação da superfície livre e de velocidades de escoamento referentes às séries temporais de elevação da superfície livre obtidas pelos transdutores de pressão ao largo (PT00) e nas estruturas H1 e H5 (PT01 e PT02) e da velocidade transversal (cross-shore) à costa, obtida com o sensor ECM (estrutura H1), cujo posicionamento é dado na Tabela_1.

3. Aplicação do modelo COULWAVE 3.1. O modelo COULWAVE O modelo COULWAVE, Lynett & Liu (2002), é um modelo 2D de diferenças finitas para a simulação da propagação de ondas fortemente não-lineares (em que a razão entre a amplitude da onda e a profundidade pode ser de ordem até 1) e dispersivas, em zonas de profundidade variável. As equações do modelo, do tipo Boussinesq, são deduzidas a partir da integração em profundidade das equações de continuidade e movimento, utilizando o conceito de camadas múltiplas (multi- layer). Em cada camada admite-se um dado perfil de velocidades, através do uso de funções quadráticas com valores iguais na interface que divide a coluna de água. Esta aproximação conduz a um sistema de equações sem as derivadas espaciais de ordem elevada resultantes do uso de funções polinomiais de ordem superior, que é normalmente utilizado na dedução das equações de Boussinesq.

Com estes perfis de velocidade, que coincidem na fronteira entre camadas, é deduzido um conjunto de equações que permite estender a aplicabilidade do modelo a águas muito profundas e apresentar características lineares até kh~8 e um comportamento não-linear de ordem até kh~6 (sendo k o número de onda e h a profundidade). Contudo, como admite aproximações para a distribuição vertical da velocidade em cada uma das camadas em que é dividida a coluna de água, variações significativas do fundo podem não ser correctamente simuladas pelo modelo.

Seguindo o procedimento de Kennedy et al. (2000), são introduzidos termos adicionais nas equações, de modo a serem tidos em conta o atrito de fundo, a rebentação de ondas e a geração de ondas no interior do domínio. Além disso, são incluídos termos de profundidade dependentes do tempo para serem consideradas variações do perfil de fundo no tempo, devidas à ocorrência de um deslizamento ou de um sismo.

A resolução das equações referidas é semelhante à formulação apresentada por Wei et al. (1995) utilizando um esquema previsor-corrector de Adams-Bashforth.

O esquema de diferenças finitas consiste num esquema explícito de Adams- Bashforth de ordem no tempo para o passo previsor e implícito de ordem no tempo para o passo corrector. Para as derivadas espaciais, são utilizadas diferenças finitas centrais com uma precisão de ordem. As derivadas espaciais e temporais de ordem superior são calculadas com uma precisão de ordem. O modelo é formalmente preciso até ?t4 no tempo e ?x4 no espaço. A diferença relativamente a Wei & Kirby (1995) refere-se a alguns termos não- lineares dispersivos e à existência de termos adicionais, devidos à dependência temporal da profundidade.

Para as fronteiras exteriores, são aplicados dois tipos de condições: reflexão total e radiação. No primeiro caso utiliza-se a metodologia de Wei & Kirby (1995), enquanto para a radiação ou condição de fronteira aberta, usa-se um esquema de fronteira absorvente (sponge layer), de acordo com Kennedy et al.

(2000).

Os dados de entrada do modelo COULWAVE encontram-se descritos em Lynett & Liu (2002). Os resultados fornecidos pelo modelo consistem em séries temporais e espaciais da elevação da superfície livre e velocidades horizontais nos pontos do domínio definidos pelo utilizador.

3.2. Condições de aplicação do modelo COULWAVE As condições de onda incidentes introduzidas no modelo COULWAVE corresponderam a ondas regulares com as características dos valores registados no sensor PT00 durante os dias de medição, de 12 a 14 de Maio. Nestes cálculos, a direcção da onda foi considerada perpendicular ao domínio computacional, uma vez que, apesar de esta opção constituir uma considerável simplificação, por impossibilidade do equipamento não foram registadas as direcções de onda na sua posição.

Simularam-se 127 períodos caracterizados por diferentes condições de agitação marítima, cujas características das ondas (Hs e Ts) foram definidas com base na análise temporal dos valores registados pelos instrumentos em cada período de 30 minutos. O nível de maré foi imposto de acordo com a estimativa do nível de maré do Instituto Hidrográfico para o período da campanha.

Em termos de cálculos numéricos, essas características foram simuladas pelo modelo durante 30 minutos para obtenção de resultados numéricos (elevação da superfície livre e velocidade horizontal) em pontos específicos do domínio, nomeadamente na posição dos instrumentos de medição. Em todos os casos, os resultados foram obtidos pelo modelo numérico com um intervalo de tempo de cerca de 0.1 s.

A zona de estudo foi descrita por uma malha regular de espaçamento aproximadamente constante ?x=?y˜2.0 m, com dimensão de 900 m na direcção OX (perpendicular à costa), e 858 m na direcção OY (paralela à costa) (Figura_3).

Esta malha é gerada pelo modelo com base num número mínimo de pontos por comprimento de onda, 30 (nestas simulações), definido consoante o período de onda. A batimetria considerada pela malha correspondeu a uma aproximação da batimetria real.

Foi também adicionada ao domínio, para o largo, uma zona de profundidade constante na qual se efectuou a geração da onda através do método da função- fonte, Weiet al. (1995). Foram usadas nas extremidades laterais (barlamar e sotamar) do domínio de cálculo, condições fronteira de absorção (camadas de L/ 2=gT2/4p, sendo L o comprimento de onda e T o período) com o objectivo de absorver a energia das ondas que atingem estas regiões. Nas restantes fronteiras, por simplicidade, foram consideradas condições de reflexão total.

Em todas as simulações foi considerada apenas uma camada e utilizadas equações completamente não-lineares (com termos dispersivos não-lineares) com atrito de fundo (coeficiente de atrito=1.0x10-2). O número de Courant admitido foi de 0.4 e a função-fonte foi colocada na posição x=100 m. As 127 simulações foram realizadas assumindo dois valores diferentes para o parâmetro de início da rebentação, A,

tendo sido, primeiramente, adoptado o valor de A=0.65, sugerido no manual do modelo, para praias de perfil com inclinação constante, o qual foi posteriormente alterado para A=0.35, valor sugerido por Chen et al. (2000) para praias de perfil barra-fossa (caso da praia considerada). Para os restantes parâmetros do modelo, consideraram-se os valores sugeridos pelo manual (Lynett & Liu, 2002).

Os resultados numéricos foram obtidos para as posições correspondentes aos instrumentos PT00 (x=100 m, y=400 m, z=-7.6 m), PT01 (x=790 m, y=430 m, z=1.706 m) e PT02 (x=868 m, y=400 m, z=3.231 m). As profundidades encontram-se referidas ao Zero Hidrográfico.

4. Resultados - análise do desempenho do modelo Nas posições PT01 e PT02 foram comparados: (i) os valores numéricos e medidos de alturas e períodos de onda significativos, para o período compreendido entre os dias 12 a 14 de Maio de 2010; (ii) os parâmetros estatísticos, nomeadamente o desvio (BIAS), erro quadrático médio (RMSE) e índice de concordância (IC), para as alturas e os períodos de onda significativos, para o período em estudo e (iii) os espectros de energia obtidos para um único período de 30 minutos, com início às 3:00h do dia 13-05, utilizando os métodos de análise espectral de Fourier e de Wavelet.

Com base nos valores de velocidade horizontal, foram comparados na posição do ECM, os valores numéricos e medidos de: (i) velocidades máximas, mínimas, médias e médias quadráticas no período de 12 a 14 de Maio de 2010, para a componente transversal e (ii) parâmetros estatísticos, novamente o desvio, erro quadrático médio e índice de concordância, para as velocidades máximas, mínimas, médias e médias quadráticas, para o período em estudo. Apenas a componente transversal da velocidade é considerada, uma vez que a direcção das ondas impostas no modelo é perpendicular à costa, sendo portanto esta a componente da velocidade mais relevante de se analisar.

Nestes cálculos, os primeiros 200 s de simulação não foram considerados. Além disso, com excepção da análise espectral, em todas as análises são apresentados resultados considerando valores do parâmetro de início da rebentação de A=0.35 e A=0.65.

4.1 Elevação da superfície livre 4.1.1 Análise temporal e estatística de conjunto A Figura_4 apresenta a comparação entre as variações de Hs e Ts ao longo do período registado pelos transdutores, PT01 (Figura_4c_e_Figura_4d) e PT02 (Figura_4e_e_Figura_4f) e os resultados simulados pelo modelo, para valores de A=0.35 e A= 0.65. Indica-se, também, nesta figura os valores observados no sensor PT00 (Figura_4a_e_Figura_4b) e os valores numéricos obtidos (com A=0.35, pois são idênticos a A=0.65) com os quais foi forçado o modelo numérico.

A Tabela_2 e a Tabela_3 apresentam os valores dos parâmetros estatísticos calculados entre os resultados numéricos e medidos nos dois sensores PT01 e PT02. Os parâmetros considerados foram (i) o desvio (BIAS), (ii) o erro médio quadrático (RMSE) e (iii) o índice de concordância (IC):

onde Xi são os valores experimentais (referência), Yi são os valores obtidos pelo modelo,

é a média do valor experimental e é o número de pontos. O índice de concordância, IC, varia de zero a um, correspondendo o último a uma maior concordância dos valores numéricos com os valores experimentais.

Nesta análise estatística foram excluídos os períodos de 30 minutos que apresentavam valores irrealistas (excessivamente elevados quando comparados com os valores registados em situação de preia-mar) de Hs e Ts nos valores medidos e/ou numéricos, incluindo os valores referentes aos períodos de maré baixa.

Numa análise prévia às medições efectuadas, verifica-se que no início do período analisado as condições de agitação marítima foram pouco energéticas (Figuras_4a_e_4b), tornando-se um pouco mais severas no dia 14 de Maio de 2010, sendo esta agitação maioritariamente o resultado da actuação do vento local.

Relativamente aos dados numéricos, é possível verificar-se que a escolha do parâmetro A não revela particular influência nos valores de Hs e Ts simulados pontualmente, para cada instrumento, uma vez que os resultados obtidos para A=0.65 e A=0.35 são praticamente coincidentes ao longo do registo. No entanto, houve situações que corresponderam aos períodos compreendidos entre as 12h30 e as 18h00 e entre as 18h30 e as 19h30 do dia 14 de Maio em que considerando A=0.65, o modelo foi incapaz de simular os valores medidos em PT02 e PT01, respectivamente. Também para A=0.35 o modelo apresentou dificuldades em simular a rebentação, devido à reduzida altura significativa, registada no sensor mais ao largo durante o período da campanha, que foi imposta ao modelo.

Numa primeira análise, para os sensores PT01 e PT02, é possível observar-se que o modelo é capaz de simular o andamento e a ordem de grandeza dos valores medidos, além de representar a descontinuidade dos registos concomitante com os períodos de maré mais baixa, presente tanto nos registos de altura de onda como nos de período, o que justifica de certa forma os valores de IC próximos de 1, tanto para Hs como para Ts. No entanto, é necessário cuidado na análise destes parâmetros estatísticos, porque para a construção das amostras se optou por excluir os valores irrealistas de Hs e Ts (numéricos e medidos) e todos os valores registados durante os períodos de maré mais baixa. Tal reduz o tamanho da amostra, e "melhora" os valores dos parâmetros, facto que adquire uma relevância particular no caso do PT02, que se encontrou emerso durante uma parte significativa do período total.

Uma análise mais detalhada aos valores obtidos para o PT01 mostra que o andamento dos valores numéricos de Hs é muito semelhante ao das medições, sendo no entanto notória uma tendência geral de sobrestimação das medições efectuadas. Em relação aos valores de Ts, as diferenças são mais acentuadas e o modelo não acompanha tão bem o andamento dos valores medidos. Além disso, apresenta uma variação de valores de Ts entre períodos consecutivos, particularmente durante os períodos de preia-mar, que não é tão visível nos resultados numéricos. As conclusões anteriores podem, de certo modo, ser confirmadas na análise dos parâmetros BIAS, RMSE e IC. Em relação ao parâmetro BIAS, com valores quase sempre positivos, confirma-se a tendência perceptível de sobrestimação (mais óbvia, no caso de Ts) dos dados medidos, por parte do modelo. Os valores de RMSE e IC correspondentes a Ts apresentam valores menos próximos dos óptimos que os calculados para Hs, o que denota as maiores dificuldades do modelo numérico em simular esta variável.

Para locais mais acima do perfil da praia, como em PT02, onde as ondas rebentaram, verifica-se que o modelo revela uma maior dificuldade em simular os dados reais, principalmente para o caso Ts. Note-se que as medições efectuadas com este sensor são caracterizadas por grandes períodos de descontinuidade, correspondentes à emersão do instrumento durante os períodos de maré mais baixa. Assim, existem poucos valores para comparação, sendo a análise condicionada por tal. Em geral, em PT02, a tendência é de os valores de Hs numéricos subestimarem os medidos, e os períodos simulados sobrestimam os medidos. É também evidente a maior dificuldade do modelo em simular os valores de Hs para o último ciclo de maré do período em análise.

De um modo geral, as diferenças observadas entre valores numéricos e medidos podem estar relacionadas com (i) a direcção das ondas imposta ser normal à batimetria (o que agrava as condições de agitação nos sensores junto à linha de costa), não correspondendo à direcção das ondas que efectivamente chegaram à Praia da Cornélia no período da campanha; (ii) limitações do próprio modelo numérico: é de notar que a aplicação do modelo em inclinações de fundo da ordem de 1/6 se torna muito exigente, pois as equações-base são integradas no pressuposto de que os fundos são de inclinação suave. Além disso, fenómenos como a rebentação são incluídos no modelo através da adição de um termo de viscosidade turbulenta à equação original, que depende de um conjunto de parâmetros relacionados com o início, fim e duração da rebentação. Estes parâmetros têm de ser calibrados para cada caso de estudo e condição de agitação, sendo assim uma limitação do modelo numérico. No presente trabalho os parâmetros de rebentação foram considerados constantes para todas as condições de agitação incidente, que na realidade variam ao longo do período total, e para as quais cada parâmetro deveria ser calibrado individualmente.

4.1.2 Análise espectral A Figura_5 representa a análise espectral efectuada através da aplicação de dois métodos espectrais (Fourier e Wavelet) aos dados medidos e resultados simulados, para o período de 30 min com início às 3:00 do dia 13 de Maio, nas diferentes posições dos instrumentos. Esta figura permite analisar a capacidade do modelo simular as características não-lineares das ondas, mostrando tanto as frequências de maior energia associada (Fourier) como a distribuição dessa energia pelas frequências ao longo do período analisado (Wavelet).

Os espectros de Fourier revelam que as frequências de maior energia observadas nos dados medidos são também representadas pelo modelo, em consistência com o forçamento deste, efectuado com uma onda monocromática. Mais ainda, em consequência das transferências de energia não-lineares entre ondas de diferentes frequências, para os dois sensores mais costeiros, PT01 (Figura_5a) e PT02 (Figura_5d), o modelo simula convenientemente os dois picos principais de energia presentes. Em PT01, mantém-se a presença do pico de maior energia correspondente ao período de 10 s, e aparece um novo pico, de menor energia e período, correspondente à segunda harmónica da componente principal. A forma do espectro numérico é, em geral, bastante semelhante ao do das medições. No caso do PT02, os espectros são completamente diferentes dos observados nos outros sensores. Existe ainda energia associada ao período de 10 s, mas claramente uma transferência de energia para períodos maiores, que assinala a ocorrência de fenómenos não-lineares mais significativos. Neste caso, é clara a dificuldade do modelo numérico em simular a forma do espectro observado nestas circunstâncias, o que é resultado de se estar na zona após a rebentação onde os efeitos não lineares são importantes e o modelo apresenta claras limitações nestas condições quer devido à sua formulação base (integração na vertical) quer devido à forma parametrizada como foi incluída a rebentação.

Os espectros de Wavelet permitem uma análise mais minuciosa da distribuição da energia pelas principais frequências, i.e., tornam possível a análise da importância de cada frequência ao longo do período de tempo analisado. Para os sensores PT01 (Figura_5b) e Figura_5c e PT02 (Figura_5e e Figura_5f) o modelo identifica a principal gama de períodos, a rondar os 10 s e representa relativamente bem a presença de uma gama de frequências mais altas (0.2 Hz) em PT01 e mais baixas (0.05 Hz) em PT02, com menor energia associada. No entanto, os espectros de Wavelet evidenciam uma menor banda de frequências para os resultados do modelo que para os dados, o que é o resultado de ter-se forçado o modelo com ondas regulares (para além das limitações inerentes ao modelo atrás referidas). Este comportamento é ainda mais notório no caso do PT02.

4.2 Componente transversal da velocidade da corrente A Figura_6 apresenta uma comparação entre os valores medidos de velocidade máxima, mínima, média e média quadrática, no ponto PT01, pelo correntómetro ECM e os valores simulados pelo modelo para esse mesmo ponto, para a componente transversal da velocidade. Note-se que não faz sentido analisar a componente longitudinal da velocidade horizontal porque é normalmente resultado da obliquidade da onda, e esta obliquidade não foi modelada neste trabalho. Além disso, as fronteiras reflectivas admitidas no modelo vão induzir circulações médias fechadas o que não é realista.

Tal como para as alturas e períodos, também para a velocidade se calcularam os valores de BIAS, RMSE e IC, presentes na Tabela_4.

A partir da observação da Figura_6 e da Tabela_4 e, em termos de comportamento geral, verifica-se uma grande semelhança entre valores numéricos e medidos da componente transversal medida pelo ECM. Para ambos, a componente transversal atinge valores, em módulo, superiores no sentido da propagação das ondas (positivo), sendo tal representativo de uma onda não linear, de forma tipo cnoidal ou de Stokes de ordem, com cristas mais elevadas e curtas e cavas mais achatadas e longas. A velocidade média é maioritariamente da ordem de 2 a 3 cm/s, negativa, correspondendo a uma fraca corrente de fundo (undertow). Nos períodos imediatamente antes ou após àqueles excluídos dos gráficos (em que os sensores estavam emersos), a velocidade média é próximo do zero ou positivo, isto é, com resultante na direcção da onda, em virtude de durante essa medição o sensor se encontrar relativamente próximo da superfície livre, devido à baixa profundidade da água, e portanto medir não a corrente de fundo, mas sim uma corrente próxima da correspondente à deriva de Stokes.

Embora os resultados numéricos sejam capazes de representar bastante bem a ordem de magnitude dos valores medidos, demonstram uma maior dificuldade em descrever o seu andamento, exibindo os resultados numéricos maiores e mais frequentes oscilações entre intervalos de 30 minutos consecutivos.

Verifica-se que para os valores de velocidade, o modelo consegue fornecer melhores estimativas dos valores médios (Um e Urms) do que dos valores extremos. Tal é confirmado pelos valores estatísticos: obtêm-se valores pequenos de BIAS e RMSE e índices de concordância superiores a 0.7, associados aos valores médios de velocidade média e de velocidade média quadrática, e valores bastante elevados de BIAS e RMSE e índices de concordância baixos para os valores extremos dessas variáveis (Umax e Umin).

Verifica-se também, em geral, a sobrestimação dos valores medidos de U, que está provavelmente relacionada com a direcção de propagação das ondas: o modelo foi forçado com ondas perpendiculares à costa, o que resulta em maiores valores de U, contrariamente à direcção real de propagação das ondas na praia, onde a sua obliquidade tenderá a resultar numa componente U mais fraca.

5. Conclusões Neste trabalho, descreveu-se e analisou-se a aplicação do modelo COULWAVE às condições de agitação registadas num sensor de pressão posicionado à profundidade de 7.6 m (ZH) durante o período de 12 a 14 de Maio de 2010, na praia da Cornélia (Costa da Caparica). Foram efectuadas comparações entre resultados numéricos com medições efectuadas por sensores de pressão e de velocidade, localizados ao longo do perfil de praia na zona de rebentação.

De um modo geral, concluiu-se que o modelo simula bem a evolução da onda, desde a posição mais ao largo até à praia antes da ocorrência de rebentação, bem como a velocidade transversal, junto à costa. Após a rebentação, é de notar a existência de diferenças por vezes significativas entre os valores medidos e os valores estimados pelo modelo numérico que estão relacionadas principalmente com as condições de agitação impostas (agitação regular, direcção normal às batimétricas, parâmetros de rebentação constantes ao longo do período de tempo analisado) e com as limitações do próprio modelo (modelo integrado em profundidade).

Ao nível espectral, o modelo é capaz de representar bastante bem a presença das frequências de maior energia registadas, mas é clara a dificuldade do modelo numérico em simular a forma do espectro e a distribuição de energia ao longo do período de análise, principalmente após a ocorrência da rebentação onde os efeitos não-lineares são muito importantes.

De um modo geral, a escolha dos dois valores para o parâmetro de início da rebentação, A=0.65 e A=0.35, não levou a diferenças significativas entre resultados do modelo numérico. No entanto, principalmente para A= 0.65, houve situações em que o modelo foi incapaz de simular a rebentação e teve dificuldades em simular convenientemente os valores de altura e período significativos da onda e velocidade horizontal correspondentes ao último ciclo de maré do período analisado.

O trabalho aqui apresentado permitiu obter um modelo de agitação validado e com aplicabilidade elevada, numa vasta gama de praias como as do tipo da praia da Cornélia (praias expostas com comportamento morfodinâmico intermédio em regime mesotidal) que permitirá o seu uso corrente na caracterização da agitação na rebentação, o que se traduz numa mais valia importante para a adequada aplicação de modelos de agitação marítima em gestão costeira.

A imposição de condições de agitação mais próximas da realidade, bem como uma análise mais extensa de sensibilidade aos parâmetros de rebentação intrínsecos do modelo, será objecto de trabalho futuro, o que permitirá certamente melhorar os resultados numéricos. Além disso, será também importante a realização de testes de sensibilidade à direcção de incidência das ondas impostas, para melhor avaliar a capacidade do modelo em simular as características de agitação e velocidade horizontal resultantes da obliquidade da propagação das ondas para costa. Por outro lado, será também importante avaliar o desempenho do modelo, particularmente a nível espectral, para condições de agitação impostas correspondentes a um espectro irregular de frequências, e não a ondas monocromáticas.


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