Mapas de Risco das Zonas Costeiras por Efeito da Ação Energética do Mar
1. Introdução
Estima–se que cerca de 75% da população portuguesa viva atualmente na zona
costeira e que este número tenha tendência a aumentar significativamente nos
próximos anos (MAOTDR / INAG, 2006). Considerando a zona costeira, tal como
referido no documento Bases para a Estratégia de Gestão Integrada da Zona
Costeira Nacional (MAOTDR, 2007), como sendo uma porção de território que, em
termos biofísicos, é influenciada direta ou indiretamente pelo mar (ondas,
marés, ventos, biota ou salinidade), é conveniente conhecer a vulnerabilidade e
o risco imposto pela ação do mar à população, bens e serviços que existem na
zona costeira. Apesar de não ser alvo de análise neste estudo, deve ainda
considerar–se os riscos associados a desabamentos e deslizamentos de terra nas
arribas, fenómeno particularmente crítico em grandes extensões das costas
insulares portuguesas (Gomes, 2007).
A vulnerabilidade das zonas costeiras às ações energéticas do mar pode ser
entendida como a sensibilidade desses sistemas biofísicos, manifestada através
de alterações hidromorfológicas (Gomes & Pinto, 1997). Estas alterações, de
que podem resultar galgamentos, inundações e perdas irreversíveis de
território, ocorrem durante a atuação das ondas, marés, ventos e correntes, e
podem ser intensificadas pela ocorrência de acontecimentos extremos, pelo
progressivo enfraquecimento de fontes aluvionares (aproveitamentos
hidroelétricos, construção de quebramares, extração de areias, dragagens e
canais de navegação), pela progressão da edificabilidade (construções nas zonas
de interação fisiográfica, esporões e obras aderentes, aterros sobre praias,
destruição de dunas), pela subida generalizada do nível médio das águas do mar,
pelos movimentos de neotectónica e por eventuais alterações meteorológicas
(Coelho, 2005).
A transformação do potencial de vulnerabilidade para uma situação de risco
depende da presença de pessoas e de bens. De forma concreta, o risco pode ser
definido como sendo o produto da probabilidade de ocorrência de um
acontecimento potencial indesejado (temporal, erosão) pela consequência
associada a esse acontecimento (mortes, ferimentos, perda de território,
inundação, destruição do edificado, perda de atividades económicas, danos sobre
um ecossistema). Em sentido mais lato, o risco traduz a relação entre a
vulnerabilidade de um local e a respetiva exposição a determinada ação. As
frentes urbanas e as infraestruturas localizadas em zonas costeiras muito
vulneráveis às ações energéticas do mar ficam sujeitas a situações de risco que
dependem da existência ou não de intervenção de defesa costeira (Coelho, 2005).
Importa definir estratégias de planeamento que reduzam ao mínimo a contribuição
de cada um dos fatores intervenientes na classificação de risco, seja pelo
conhecimento e compreensão das vulnerabilidades, seja pela minimização do grau
de exposição de pessoas e bens à ação energética das ondas. É essencial que,
numa perspetiva de gestão integrada das zonas costeiras, se equacione a
compatibilização de fatores e interesses adversos, para que o modelo de
desenvolvimento destas áreas não ponha em causa a utilização dos recursos pelas
gerações futuras. Coelho (2005) considera que as metodologias que permitem
classificar a zona costeira na forma de zonamento constituem um importante
instrumento de apoio à tomada de decisão, permitindo proceder à avaliação
criteriosa de vulnerabilidades e riscos.
Diversos relatórios técnicos e estudos científicos têm assumido ao longo do
tempo o trecho Espinho–Mira como um dos mais preocupantes em termos de erosão
costeira (Dias et al., 1994; CEHIDRO/INAG , 1998; HP, 1998; Coelho, 2005;
Gomes et al., 2006; Barbosa et al., 2006; Coelho et al., 2007b). O presente
estudo avalia a vulnerabilidade, a exposição e o risco numa faixa do litoral de
2km de largura ao longo deste trecho costeiro, que se desenvolve paralelamente
à Ria de Aveiro. Foi aplicada a metodologia de classificação proposta por
Coelho (2005) e os respetivos resultados foram comparados com diversas
ferramentas já existentes de apoio à gestão costeira.
2. Caracterização da área de estudo
A escolha da localização da área de estudo, entre Espinho e Mira, deve–se
fundamentalmente à conjugação de dois fatores, relacionados com a forte pressão
urbana sobre esta zona costeira, onde já existe um importante e generalizado
défice sedimentar, e com as frequentes manifestações da ação energética do mar
sobre esta zona litoral. Este trecho costeiro, marcado pela presença de um
extenso e frágil cordão dunar, praias arenosas de cotas baixas e
desenvolvimento paralelo à Laguna de Aveiro, é considerado um dos mais
dinâmicos tipos de costa. O trecho costeiro em análise apresenta uma linha de
costa com uma extensão linear de cerca de 70km e situa–se na região Centro de
Portugal, compreendendo os municípios de Espinho, Ovar, Murtosa, Aveiro,
Ílhavo, Vagos e Mira. A largura da área de estudo considerada para a análise do
risco foi de cerca de 2km, contabilizada desde a linha de costa, para o
interior terrestre. A localização da área de estudo, no território continental
português, é apresentada na Figura_1, onde se identifica também a localização
de estruturas de defesa costeira (esporões) e dos aglomerados populacionais
costeiros presentes no trecho em estudo.
2.1. Défice sedimentar
Este litoral apresenta um elevado défice de fornecimento de sedimentos, pelo
que a capacidade de transporte sedimentar, que resulta da ação de ondas
(essencialmente provenientes de noroeste), correntes e ventos, se alimenta das
areias das praias, o que origina o acentuado recuo da posição da linha de
costa. A erosão das praias faz com que a posição da linha de costa tenda para
uma nova configuração de equilíbrio, que corresponde a um menor volume de
sedimentos em transporte para sotamar, propagando sucessivamente os efeitos
erosivos para sul (de acordo com o esquematizado na Figura_2). Se a quantidade
de sedimentos disponíveis para a deriva litoral fosse igual à capacidade de
transporte, a posição da linha de costa estaria em equilíbrio dinâmico e o
transporte sedimentar ao longo deste trecho do litoral encaminharia os
sedimentos para sul do cabo Mondego, até ao canhão submarino da Nazaré.
No passado, o rio Douro teria capacidade para, praticamente sozinho, fornecer a
quantidade de sedimentos necessários ao equilíbrio (Coelho et al., 2009a).
Vários autores são unânimes em afirmar que, no trecho em análise, o
enfraquecimento das fontes sedimentares é a causa maior dos problemas erosivos
(CEHIDRO, 2010). De acordo com Oliveira (1997), apenas a redução das fontes
sedimentares pode explicar as taxas de erosão observadas, pois nenhum outro
fator explicaria só por si a evolução registada nas últimas décadas e em
especial nos últimos anos.
Na Tabela_1, expõem–se os valores de taxas de recuos médios registados ao longo
de diversos períodos de tempo, no trecho Espinho—Mira, de acordo com a
bibliografia existente. Os primeiros problemas de erosão costeira registados
neste trecho reportam a meados do século XIX, em Espinho, com relatos de
avanços do mar e recuos da posição da linha de costa (Oliveira et al., 1982;
Pereira & Coelho, 2011). Com o decorrer do tempo, verificou–se que a erosão
aumentou de intensidade e que se propagou para sul, afetando as praias do
concelho de Ovar. Esta tendência é apenas interrompida pelo quebramar norte do
Porto de Aveiro, que ao interromper a deriva litoral promove a barlamar uma
forte deposição de sedimentos. A mesma tendência de intensificação e propagação
da erosão para sul é verificada também a sotamar do quebramar norte do porto de
Aveiro, atualmente com efeitos já visíveis nas praias da Vagueira e Mira.
2.2. Eventos de risco
Através da recolha de relatos bibliográficos (comunicação social, documentos de
entidades institucionais ou municipais e trabalhos científicos) de situações de
erosão, galgamentos ou destruição na zona costeira na área de estudo, foi
possível observar que a ocorrência de fenómenos de destruição e dano tem vindo
a aumentar ao longo do tempo e que a maior incidência de eventos ocorre durante
os invernos marítimos. A Figura_3 apresenta o número de ocorrências de risco
relatadas, divididas em períodos de meio século, sendo visível que os 10
últimos anos já têm mais registos que qualquer anterior período de 50 anos. A
evolução que se visualiza na Figura_3 deve ser encarada com cautela, já que
reflete simultaneamente o agravamento dos problemas de erosão costeira (mais
população junto às zonas costeiras e a linha de costa já muito próximo de zonas
construídas) e a facilidade e preocupação crescentes em relatar os
acontecimentos erosivos que se vão sucedendo (as populações têm maior
conhecimento do problema e portanto possuem uma maior perceção social do
risco), mas não indica que as taxas de erosão estejam a aumentar ou que as
condições de agitação tenham mudado no tempo.
De acordo com a Figura_4, a maioria das ocorrências relacionadas com o recuo da
posição da linha de costa, galgamentos oceânicos, destruição dunar, danos em
infraestruturas (vias marginais à praia, apoios de praia, mobiliário urbano,
inundações de edifícios, etc.) e danos em obras de defesa costeira,
identificadas desde 1850, foi observada nos trechos de Espinho—Furadouro (a
norte da Barra) e Barra—Vagueira (a sul da Barra). O trecho Furadouro—São
Jacinto apresenta um número reduzido de eventos, já que, conforme foi referido,
é a zona que beneficia da acumulação de sedimentos a norte do quebramar do
Porto de Aveiro. Uma análise mais extensa destes fenómenos pode ser consultada
em Pereira & Coelho (2011), onde todos os eventos são enumerados e
descritos.
2.3. Estruturas de defesa costeira
As intervenções de defesa costeira tentam condicionar a evolução da posição da
linha de costa em determinado local, diminuindo a vulnerabilidade do mesmo, mas
transferindo e propagando o défice sedimentar para sotamar. Ao longo do litoral
em análise, a erosão tem sido combatida com estruturas de proteção, que
conduziram a uma importante artificialização desta zona costeira. Atualmente,
no trecho compreendido entre Espinho e Mira estão implantados um total de 23
esporões e 13 obras longitudinais aderentes. A localização destas estruturas é
coincidente com a localização mais frequente dos eventos erosivos referidos na
secção 2.2. A data em que estas estruturas foram construídas e a frequência com
que são realizadas intervenções de manutenção também reflete o agravamento do
problema da erosão costeira e a sua propagação para sul (Pereira & Coelho,
2011).
3. Classificação de vulnerabilidade e risco costeiro
Principalmente devido a preocupações com as consequências da subida
generalizada do nível médio da água do mar têm vindo a desenvolver–se diversas
ferramentas e metodologias que permitem classificar a vulnerabilidade dos
territórios face às consequências provocadas por este efeito das alterações
climáticas. Segundo Coelho (2005), estas metodologias, desde que com as
necessárias adaptações e cuidados, poderão ser aplicadas, numa perspetiva mais
geral, às ações energéticas do mar. Podem ainda ser referidas outras abordagens
sem relação com a subida do nível médio da água do mar, nomeadamente
relacionadas com a quantificação da vulnerabilidade dunar
(William et al., 1993; Matias et al., 1998; Garcia–Mora et al., 2001;
Freire et al., 2011). De seguida, apresentam–se algumas das metodologias de
aplicação genérica existentes e descreve–se com mais algum detalhe a
metodologia que foi aplicada neste trabalho.
3.1. Metodologias de análise e classificação
Um estudo de vulnerabilidades requer uma grande quantidade de informação e uma
abordagem multidisciplinar, que deve abranger as áreas de engenharia e
ambiente, a área socioeconómica e a área política (Nicholls, 1998). Devido à
complexidade na análise dos parâmetros de vulnerabilidade e risco, os métodos
existentes e aceites baseiam–se essencialmente no conhecimento da área de
estudo e das suas características físicas e atributos naturais, na análise de
fatores sócios–económicos e ambientais, na evolução histórica da zona costeira,
e na ocupação do solo, bem como na evolução dessa mesma ocupação.
Na Tabela_2 referem–se, de forma resumida, as principais características de
alguns métodos e ferramentas, utilizados para a classificação de
vulnerabilidade e risco costeiro.
Tabela_2
Como se verifica, a generalidade dos métodos é posterior a 1995, revelando a
atualidade da preocupação com o risco costeiro. Em termos de metodologia, os
diversos métodos referidos na Tabela_2 recorrem sistematicamente à
caracterização da área costeira, à análise de imagens aéreas do local e a
informações relativas à evolução da linha de costa e da ocupação do solo. Os
métodos projetam diversos tipos de resultados na tentativa de quantificar a
vulnerabilidade e o risco através de índices, classes ou áreas, resultando
frequentemente em representação de mapas de vulnerabilidade e/ou risco.
3.2. Metodologia aplicada
Como é referido na Tabela_2, o método proposto por Coelho (2005) avalia fatores
relacionados com a vulnerabilidade e com o grau de exposição das zonas
costeiras, conjugando ambos através de uma matriz, para obter uma classificação
de risco. A metodologia não determina probabilidades, mas define critérios
simples para uma avaliação qualitativa do risco. Esta metodologia foi aplicada
à área de estudo, pelo que, de seguida, são expostos os princípios fundamentais
à compreensão dos fatores envolvidos em todo o processo de classificação.
Vulnerabilidade
A metodologia proposta por Coelho (2005) e revista em Coelho et al. (2006)
define a vulnerabilidade da zona costeira às ações energéticas do mar como uma
combinação da classificação de nove parâmetros de vulnerabilidade (Tabela_3).
Estes parâmetros de vulnerabilidade incluem características naturais e
antropogénicas da zona costeira, assim como registos sobre a sua dinâmica.
Incluem, ainda, informações relativas à agitação marítima.
De acordo com as características de cada parâmetro, e segundo a escala da
Tabela_3, é atribuída uma classificação objetiva de vulnerabilidade, que varia
entre 1 (muito baixa) e 5 (muito alta). A classificação da vulnerabilidade
global é feita através de uma média ponderada da classificação de
vulnerabilidade de cada parâmetro, de acordo com os fatores de peso definidos
na Tabela_4. A definição da importância de cada fator foi proposta por Coelho
et al. (2007a), após o teste e discussão da melhor adequabilidade. Esta
ponderação também foi testada por Coelho & Arede (2009) e por Coelho et al.
(2009b).
Exposição
O estudo realizado por Coelho (2005) considera como parâmetros de classificação
da exposição às ações energéticas do mar a densidade populacional, a atividade
económica, o património histórico e a ecologia. De forma análoga à
classificação dos parâmetros de vulnerabilidade, para a classificação da
exposição associada a cada parâmetro, são definidas classes objetivas, com
valores que variam de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), de acordo com os
critérios apresentados na Tabela_5.
Tal como acontece com a classificação da vulnerabilidade, também os parâmetros
de exposição têm importâncias distintas na classificação global de exposição.
Segundo Coelho (2005) o valor de classificação da exposição global pode ser
adotado como o valor médio dos parâmetros avaliados, com a salvaguarda que este
valor médio nunca deve ser inferior ao valor atribuído ao parâmetro da
densidade populacional.
Risco
Para conjugar o grau de vulnerabilidade com o grau de exposição da zona
costeira, obtendo a classificação de risco, o estudo de Coelho (2005) propõe a
aplicação da matriz apresentada na Tabela_6.
De seguida, procede–se à aplicação da metodologia proposta por Coelho (2005) a
uma área de estudo, correspondente ao litoral costeiro da região da Laguna de
Aveiro.
4. Classificação da área de estudo
Procedeu–se à aplicação da classificação de vulnerabilidade, exposição e risco
ao trecho costeiro entre Espinho e Mira. De seguida referem–se os elementos de
base e as principais considerações necessárias à aplicação da metodologia,
evidenciando–se os principais resultados e a respetiva comparação com outras
ferramentas de planeamento costeiro existentes.
4.1. Elementos de base
Para a aplicação da metodologia de Coelho (2005), foi necessário reunir um
conjunto diversificado de informação. Para a classificação dos parâmetros de
vulnerabilidade relacionados com a distância à linha de costa (considerada como
a linha topográfica à cota do nível médio das águas do mar) e topografia
recorreu–se a cartas militares à escala 1:25000, do Instituto Geográfico do
Exército (IGE), publicadas em 1998 (143, 153, 162–A, 163), 2001 (173, 184, 195,
206) e 2002 (174). Esta informação foi trabalhada em formato digital,
permitindo o traçado de linhas divisórias das diferentes classes. As cartas
militares à escala 1:25000 também foram utilizadas para classificar a
geomorfologia, substituindo cartas geomorfológicas à escala 1:500000. O estudo
da geologia baseou–se em cartas geológicas (1:50000). Para classificar o uso do
solo recorreu–se às cartas de ocupação do solo do Instituto Geográfico
Português (IGP), referida à informação de agosto de 1990. A classificação dos
restantes parâmetros depende unicamente de avaliações junto à linha de costa.
De acordo com Coelho et al. (2007a), o parâmetro relacionado com a altura de
onda foi sempre classificado com vulnerabilidade máxima. A análise do parâmetro
relativo a taxas de erosão e/ou acreção foi realizada com base em valores
propostos por vários autores, conforme a Tabela_1, e apresentados em Pereira
& Coelho (2011). A Figura_5 representa em forma de mapa, a classificação
considerada após a análise individual de cada parâmetro.
No estudo do grau de exposição, a análise dos fatores foi realizada de acordo
com Coelho & Arede (2009). Foi considerada a densidade populacional
correspondente a cada freguesia da área de estudo, através de dados do
Instituto Nacional de Estatística (INE), dos censos de 2011. Ainda recorrendo a
dados do INE, classificou–se o parâmetro relativo às atividades económicas, à
escala municipal. Para a avaliação do parâmetro de ecologia foram utilizados os
mapas do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), onde estão implantadas
as zonas de Reserva Agrícola Nacional e as várias zonas da Reserva Ecológica
Nacional, Zonas de Proteção Ecológica e Reservas Naturais (FBO, 1997; HP,
1998). Para a classificação do património histórico foi elaborada uma base de
dados, à escala das freguesias, de todos os elementos existentes (edifícios,
monumentos, locais de culto religioso, etc.) considerados de interesse
histórico e cultural. Com base nas considerações anteriores, foram
representados em mapa todos os parâmetros de exposição (Figura_6).
Depois de reunida toda a informação de base, foi criada uma grelha de pontos
sobre a área de estudo e todos os parâmetros foram classificados de forma
isolada, em cada ponto. Os pontos definidos distam entre si 200 metros na
direção paralela à linha de costa e 1000 metros na direção norte–sul. Por se
entender necessário maior refinamento dos resultados, consideraram–se ainda
pontos a 25 e a 50 metros de distância da linha de costa, por ser a zona de
maior variabilidade do grau de risco. Através da aplicação da ponderação
apresentada na Tabela_4 e do critério relativo ao grau de exposição, foram
obtidas, respetivamente, a classificação de vulnerabilidade global e a de
exposição global, para cada ponto da grelha. A interpolação de valores entre os
pontos da grelha permitiu identificar as curvas de igual classificação, para os
valores de 1,5, 2,5, 3,5 e 4,5, correspondendo aos limites entre as diferentes
classes de vulnerabilidade e de exposição, permitindo a representação dos mapas
de vulnerabilidade global e exposição global. De acordo com a Tabela_6, para
cada ponto da grelha, foi cruzado o valor da classificação de vulnerabilidade
global e do grau de exposição global, para obter o valor do risco, permitindo a
representação final do respetivo mapa.
4.2. Resultados
Na Figura_7 apresentam–se os resultados das classificações globais de
vulnerabilidade, exposição e risco.
A faixa de 2km de largura não engloba nenhuma classificação na vulnerabilidade
muito baixa, indicando desde logo alguma da fragilidade da região, de baixas
cotas e depósitos sedimentares, numa frente costeira muito energética e com
elevado défice sedimentar. A Barrinha de Esmoriz e a Laguna de Aveiro,
retratadas simultaneamente nos parâmetros de geomorfologia e de topografia,
conferem uma maior largura da faixa de território classificada com
vulnerabilidade alta. Algumas zonas entre Esmoriz e a Torreira e entre a Costa
Nova e Mira atingem mesmo vulnerabilidades muito altas, numa faixa estreita e
próxima da linha de costa. O estudo considera todo o trecho como vulnerável,
apresentando, no entanto, alguns trechos mais críticos do que outros. A
caraterização de trechos com alta vulnerabilidade deve–se fundamentalmente, por
um lado, ao forte processo erosivo nessas áreas, às perdas significativas de
território ou alterações no ecossistemas, como acontece nos trechos
Cortegaça—Furadouro e Vagueira—Mira, e, por outro lado, está relacionado com a
presença de aglomerados urbanos próximos à linha de costa, como no caso dos
trechos Esmoriz—Cortegaça e Costa Nova—Vagueira.
Na representação da exposição global, destaca–se a influência das fronteiras
administrativas, ao nível das freguesias, na delimitação dos resultados das
diferentes classes. O facto de 2 dos 4 parâmetros serem definidos através de
características identificadas ao nível da freguesia (densidade populacional e
património histórico existente) e das atividades económicas serem definidas ao
nível do município, faz com que apenas a classificação da ecologia permita
diferentes classificações de exposição global para pontos dentro dos limites
administrativos da mesma freguesia. O parâmetro de densidade populacional, pela
sua importância (valor mínimo a adotar, mesmo que seja maior que o resultado da
média dos parâmetros de exposição), ganha destaque e por vezes é o parâmetro
que condiciona a exposição global nas classes mais altas. Por esse motivo, a
freguesia de Espinho é classificada com o grau de exposição muito alta.
Enquanto resultado da conjugação da vulnerabilidade e da exposição, o risco
apresenta caraterísticas das duas representações referidas anteriormente. As
classes distribuem–se de forma uniforme, com o grau de risco a diminuir quando
se avança para o interior. O risco máximo (muito elevado) só acontece nos
concelhos de Espinho e Ovar mas ao longo de todo o litoral, na faixa mais
próxima da linha de costa, vão–se identificando locais de risco elevado. Só a
zona de linha de costa em Paramos (concelho de Espinho) e a sul da Torreira, no
concelho da Murtosa é que apresenta risco médio. Quando a distância à linha de
costa já é superior a 1km, as classes de risco que passam a dominar são o risco
baixo e negligenciável. A classificação da vulnerabilidade, exposição e risco,
distribui–se ao longo das diferentes classes, de acordo com os resultados da
Tabela_7, resumindo a situação de cada concelho.
O concelho de Espinho é o que apresenta uma maior percentagem (39%) de
território classificado com baixa vulnerabilidade. Este fato deve–se
essencialmente às cotas topográficas mais elevadas e às melhores
características geológicas (rochas sedimentares). Por outro lado, Ílhavo é o
concelho mais vulnerável, com quase 58% do seu território analisado a ser
classificado nas classes de vulnerabilidade alta e muita alta.
A classe de exposição global com maior representatividade, cerca de 68% de toda
a área analisada, é a classe de grau de exposição baixo, já que todas as
restantes classes têm uma expressão pontual ao longo da área de estudo. O
concelho de Espinho é o único com classe de exposição muito elevada e deve a
sua classificação à densidade populacional da freguesia de Espinho, que se
apresenta como a maior de toda a área de estudo. A exposição moderada resulta
do parâmetro de ecologia, nas zonas de Reserva Ecológica Nacional, e do
parâmetro da densidade populacional das freguesias de Anta e de Esmoriz. O grau
de exposição muito baixo resulta da densidade populacional das freguesias da
Murtosa, da Gafanha do Carmo e da Gafanha da Boa Hora, onde também não se
regista desenvolvimento de atividades económicas, nem existência de património
histórico significativo.
O risco muito elevado, obtido numa zona extensa de Espinho e em Esmoriz,
resulta essencialmente da respetiva densidade populacional, que representa, no
concelho de Espinho, quase 10% do território analisado. A Barrinha de Esmoriz
influencia a classificação da geomorfologia, o que, associado à considerável
densidade populacional, confere à parte Norte do trecho Esmoriz—Furadouro a
classificação de risco muito elevado. O trecho Furadouro—Torreira, apesar da
sua fraca densidade populacional, caracteriza–se por uma forte tendência
erosiva, possuindo características físicas e naturais que elevam a sua
vulnerabilidade global, e lhe confere uma classificação de classe de risco
elevado. São Jacinto, apesar de beneficiar da deposição de sedimentos a Norte
dos quebramares do porto de Aveiro, deve a classificação de risco elevado à
exposição que resulta da área classificada como Reserva Natural. A sul dos
quebramares do Porto de Aveiro, a classificação de risco elevado prolonga–se ao
longo de todo o litoral, destacando–se o trecho Costa Nova—Vagueira, que
associado à grande vulnerabilidade apresenta áreas urbanas próximas ao litoral.
4.3. Comparação com outras ferramentas de planeamento
Procede–se de seguida a uma breve comparação dos resultados da classificação
obtida com o que foi preconizado anteriormente por outras ferramentas ou
estudos de planeamento.
POOC Ovar–Marinha Grande (HP, 1998)
O Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar—Marinha (HP, 1998) destaca 4
trechos críticos: Esmoriz—Cortegaça, Furadouro Sul, Costa Nova—Vagueira e
Vagueira Sul. A Tabela_8 apresenta de forma resumida as observações relativas
aos trechos com classificação crítica.
O resultado agora obtido vai ao encontro da classificação de risco destes
trechos. No entanto, o HP (1998) remete para um nível inferior, o risco a sul
de Cortegaça e em São Jacinto. No primeiro caso, a avaliação do HP (1998)
deve–se à inexistência de ocupação humana. No entanto, a diminuição do grau de
exposição é compensada por uma vulnerabilidade alta, que conduz à classificação
final deste trecho com grau de risco elevado. A presença do quebramar norte do
Porto de Aveiro, que ao reter a barlamar os sedimentos promove a estabilidade
da praia de São Jacinto, é considerada pela HP (1998) um fator para baixar a
classificação de risco que lhe está associada. A presente metodologia descreve
São Jacinto como área de risco elevado fundamentalmente devido à
vulnerabilidade da geomorfologia associada à presença da Laguna de Aveiro e ao
grau de exposição elevado, pela presença da Reserva Natural de São Jacinto.
Cartas de Risco do Litoral (CEHIDRO/INAG, 1998)
Nas Cartas de Risco do Litoral (CRL) (CEHIDRO/INAG, 1998), caraterizaram–se
como zonas de risco os territórios costeiros que, tecnicamente, pudessem ser
ameaçados pelo mar, conduzindo à perda irreversível de território, assim como
as áreas de territórios suscetíveis à inundação, devido a fenómenos de agitação
marítima. No entanto, as CRL deverão ser entendidas como cartas de
vulnerabilidade da zona costeira às ações do mar, uma vez que o zonamento é
realizado sem considerar o uso do território costeiro, nomeadamente a
existência de edificado urbano. Apesar da representação da classificação em
planta, a CRL não procede a qualquer diferenciação de classes para as zonas
interiores do território, mantendo o mesmo valor que é atribuído na linha de
costa. A CRL atribui risco elevado ao trecho Espinho—Torrão do Lameiro,
justificado com a forte e histórica tendência erosiva, e atribui risco médio na
Torreira, onde a posição da linha de costa tem sido quase inalterada. No
presente estudo, entende–se que a vulnerabilidade junto à linha de costa se
mantem na classe muito alta no trecho Esmoriz—Torreira, diminuido apenas para a
classe de classficação elevada entre a Torreira e São Jacinto. A sotamar dos
quebramares do Porto de Aveiro, no trecho Barra–Praia do Areão, a CRL
classifica o risco de elevado, pela estreita restinga arenosa e de cotas
baixas, que confere fragilidade ao sitema dunar, susceptível de sofrer
galgamentos e inundações. O trecho compreendido entre a Praia do Areão e Mira é
classificado de risco médio, já que apesar das caraterísticas do trecho serem
semelhantes ao que lhe antecede a barlamar, o sistema dunar é mais robusto.
Projeto EUrosion (Gomes et al., 2006)
O projeto EUrosion apresenta dez zonas de estudo num trecho que se estende
entre a Foz do Douro e o cabo Mondego, concluindo que as causas potenciadoras
de erosão neste segmento são as atividades humanas e os aglomerados urbanos, as
barragens e as obras portuárias. Esse trabalho identifica os trechos
Espinho—Torreira e Costa Nova—Mira como locais em estado crítico em termos de
risco. O trecho entre a Torreira e o quebramar norte do Porto de Aveiro é menos
crítico, devido ao acumular de sedimentos retidos no quebramar. A classificação
é similar à agora obtida e é fundamentada pelo forte processo erosivo e pela
presença frequente de frentes urbanas, ainda que protegidas com obras de defesa
costeira. O EUrosion (2006) destaca os trechos Esmoriz—Cortegaça e
Vagueira—Mira, com classificação de muito críticos, ainda que por aspetos
diversos. No caso de Esmoriz—Cortegaça, o risco advém do fato de que qualquer
perda de território corresponde a zona urbana, o que neste estudo se estendeu
até à Torreira. No caso de Vagueira—Mira, a classificação de Gomes et al.
(2006), deve–se ao facto de os recuos na posição da linha de costa poderem
implicar ruturas na restinga de areia que separa a Laguna de Aveiro do mar. A
presente metodologia admite que este critério também seja válido para o trecho
Costa Nova—Vagueira, onde, associada à vulnerabilidade da restinga, se encontra
a elevada exposição das frentes urbanas costeiras.
Projeto SECUR–Ria (Coelho et al., 2007b)
O projeto SeCUR–Ria considerou a metodologia de análise de vulnerabilidades
apresentada por Coelho (2005), Coelho & Gomes (2005) e Coelho et al.
(2006), que se baseia na definição de vulnerabilidade global de uma zona
costeira como a combinação ponderada de vários parâmetros de vulnerabilidade
associados às características (ambientais e antrópicas) de cada local. Este
projeto apresentou resultados semelhantes aos obtidos para a análise de
vulnerabilidade pelo presente estudo, pois ambos seguiram a mesma metodologia.
No projeto SECUR–Ria, a extensão litoral analisada foi menor, não compreendendo
o concelho de Espinho, mas incluíndo uma faixa de largura bem superior a 2km.
Nos resultados do projeto SECUR–Ria a vulnerabilidade diminui à medida que se
avança para o interior do território, sendo muito baixa a partir dos 5000m de
distância da linha de costa a vulnerabilidade.
5. Discussão
O trecho costeiro compreendido entre Espinho e Mira encontra–se entre os
trechos costeiros mais dinâmicos de Portugal, manifestando graves problemas de
erosão costeira, recuo da posição linha da costa e episódios, cada vez mais
recorrentes, de danos em infraestruturas costeiras, devidos à ação energética
do mar. Por esse motivo, diversos estudos de dinâmica costeira têm vindo a ser
elaborados, por forma a fornecer elementos condutores para a gestão e
planeamento da zona costeira.
Ao longo do trecho Espinho—Mira, a distribuição das classes de vulnerabilidade
global é relativamente uniforme. Estes resultados vão ao encontro dos
resultados obtidos pelo estudo de Coelho et al. (2007a), onde se observa que a
faixa de vulnerabilidade muito alta corresponde essencialmente a faixas
estreitas nas zonas de praia. As faixas de grau de vulnerabilidade elevada são
mais extensas, apresentando larguras entre 250m e 1800m. Conforme apresentado
na Figura_7, as zonas mais expostas às ações do mar são as frentes costeiras
urbanizadas. Este resultado está de acordo com o trabalho de Pereira &
Coelho (2011), que refere que as ocorrências de dano e destruição nas zonas
costeiras estão frequentemente associadas a locais urbanizados, como Espinho, o
trecho Esmoriz—Furadouro, Costa Nova, Vagueira e Mira.
Apesar de se considerar genericamente apropriada, a metodologia apresenta algum
caráter subjetivo que pode ser questionado. O valor ecológico atribuído no
parâmetro de exposição pode estar sobreavaliado por esta metodologia, já que os
resultados obtidos na Reserva Natural de São Jacinto são de risco elevado,
apesar de corresponder a uma zona que beneficia da acumulação de sedimentos no
quebramar norte do Porto de Aveiro. No entanto, outros estudos e ferramentas
conferem a este local uma classificação de baixo risco, não pesando da mesma
forma o valor ecológico do local.
Refira–se, também, que o acesso a dados, por vezes só disponíveis à escala
administrativa da freguesia ou do município, dificulta uma representação mais
localizada, podendo condicionar a classificação de alguns locais. Assim, a
distribuição das diferentes classes de risco pelo território representado em
planta é uma mais–valia da metodologia, mas que deve ser encarada com algum
cuidado, em função da forma como se acede à informação. A representação do
risco segundo esta metodologia depende da escala de representação utilizada,
considerando–se apropriada para a distinção entre classificações de zonas
costeiras heterogéneas. Todo o trecho do litoral de Aveiro apresenta
caraterísticas bastante homogéneas, acabando por apresentar resultados muito
próximos em toda a extensão.
6. Conclusões
O défice de sedimentos que existe ao longo do litoral entre Espinho e Mira
traduz–se em graves problemas de erosão costeira. Os casos mais graves
correspondem a locais de intensa ocupação, em que a proteção das pessoas e bens
se torna imprescindível, mas, devido à fragilidade da restinga de areia que
separa o mar da Laguna de Aveiro, os aspetos ambientais desta zona costeira
também devem ser considerados.
O défice sedimentar, os eventos de risco, relacionados com o recuo da posição
da linha de costa, galgamentos oceânicos, destruição dunar e danos em obras de
defesa costeira, bem como o número de obras de defesa costeira existentes entre
Espinho e Mira demonstram a vulnerabilidade e risco desta zona costeira. Assim,
o presente estudo consistiu na aplicação de uma metodologia para compreender a
vulnerabilidade, a exposição e o risco a que o trecho considerado está sujeito,
devido à ação energética do mar. Conclui–se que todo o trecho é vulnerável e,
por isso, sujeito a situações de risco elevado. Destacam–se em termos de
vulnerabilidade alta os trechos Esmoriz—Torreira e Costa Nova—Mira.
A classificação dos parâmetros relativos ao grau de exposição, recorrendo a
características definidas à escala da freguesia, faz com que os seus limites
administrativos fiquem associados aos limites das classes de exposição global.
Na área de estudo, o trecho com maior grau de exposição à ação do mar é o que
se situa entre Espinho e Esmoriz, fundamentalmente devido à densidade
populacional das freguesias envolvidas. De salientar que todas as frentes
urbanas costeiras são consideradas com exposição alta e, por isso, agravam o
grau de risco. As dunas de São Jacinto, devido à classificação de Reserva
Natural, também se destacam como área de alta exposição.
Toda a frente costeira da área de estudo, junto à linha de costa, é considerada
de risco elevado ou muito elevado. Devido à elevada exposição global,
Espinho—Esmoriz destaca–se como trecho classificado com grau de risco muito
elevado. A norte do quebramar do Porto de Aveiro, o trecho entre Esmoriz e a
Torreira, classificado de risco elevado, pode ser dividido, de acordo com os
parâmetros indutores de risco. O trecho Esmoriz—Cortegaça deve a classificação
à urbanização do litoral e correspondente grau de exposição, enquanto
Cortegaça—Torreira deve a sua classificação à efetiva perda de território e
correspondente grau de vulnerabilidade. A sul da barra de Aveiro, na região
entre a Costa Nova e a Vagueira, a Laguna de Aveiro e a presença de aglomerados
urbanos traduzem–se num trecho com risco elevado.
Os resultados da aplicação desta metodologia de classificação de
vulnerabilidades e riscos costeiros foram confrontados com alguns trabalhos
anteriores (HP, 1998, CEHIDRO/INAG , 1998, Gomes et al., 2006), permitindo
verificar uma correspondência significativa de classificações e zonamentos.
Assim, entende–se que a metodologia proposta, baseada em critérios bem
definidos, pode ser uma forma objetiva de classificar o território costeiro em
termos de vulnerabilidade e risco de exposição às ações energéticas do mar,
auxiliando a tomada de decisão, na gestão e planeamento das zonas costeiras.