Resíduos sólidos em manguezal no rio Potengi (Natal, RN, Brasil): relação com a
localização e usos
1. Introdução
Apesar da incontestável importância (Cintrón & Schaeffer-Novelli, 1983), os
manguezais têm sido alvo, principalmente quando próximos de áreas urbanas, de
uma crescente pressão antrópica, que acaba alterando sua qualidade e
comprometendo a saúde do ecossistema como um todo, com forte impacto na biota
local.
Os principais fatores são o desmatamento para projetos industriais,
urbanísticos e turísticos e a poluição dos mangues e seus produtos por esgotos,
resíduos da aqui-cultura e substâncias químicas (Lacerda, 1999). Outro
importante impacto é a deposição de resíduos sólidos urbanos de origem
antrópica, que representa, quando não devidamente equacionado, um grave
problema ambiental. Nenhum outro tipo de poluente que afeta os ambientes
costeiros e o mar tem fontes tão distintas quanto os resíduos sólidos. A
significância dessas fontes variou ao longo do tempo, mas, em conjunto,
representa um dos maiores e mais difíceis problemas de poluição da atualidade
(Coe & Rogers, 2000). A disposição de resíduos costuma ser pesadamente
concentrada em estuários ou em águas marinhas costeiras, ambientes que chegam a
receber em torno de 80 a 90% de tudo que é descartado em decorrência de
atividades antrópicas (Araújo & Costa, 2007).
Estudos sobre o impacto de resíduos sólidos em regiões costeiras são bastante
difundidos e conhecidos, porém são geralmente realizados com foco nas praias ou
no ambiente marinho (Coe & Rogers, 2000; Araújo & Costa, 2007; Moore,
2008), enquanto que as pesquisas em estuários e manguezais são bastante
escassas (Costa et al., 2011; Ivar do Sul & Costa, 2013; Vieira et al.,
2011). Esse enfoque é cada vez mais importante, visto que os manguezais estão
entre os ambientes costeiros mais sensíveis, e sua preservação deve ser uma
prioridade (Ivar do Sul et al., 2014).
A presença de lixo pode causar diversos prejuízos econômicos, sociais e
ambientais, que vão desde os gastos despendidos na limpeza pelos órgãos
públicos até a perda do potencial estético e turístico, contaminação do
ambiente por agentes patogênicos e danos causados à biota (Coe & Rogers,
2000; Derraik, 2002; Moore, 2008; Silva et al., 2008; Silva-Cavalcanti et al.,
2009; Ivar do Sul et al., 2011). Os plásticos presentes no lixo compõem uma das
maiores preocupações em termos de poluição, por causa de suas propriedades
intrínsecas, sua persistência, seu aporte crescente com o tempo e sua ampla
disseminação do uso (Derraik, 2002; Ivar do Sul & Costa, 2007).
Nos manguezais, as características ambientais favorecem a retenção dos
resíduos, os quais podem tanto se acumular sobre o sedimento, total ou
parcialmente enterrados, como ficar presos ou suspensos nas raízes e nos
galhos. Essa particularidade torna muito difícil sua retirada por processos
naturais ou de limpeza pública. Ligar o lixo às suas fontes mais prováveis é o
ponto chave para efetuar o seu controle no ambiente (Earll et al.,1997; Ivar do
Sul & Costa, 2007; UNEP, 2009).
O estuário do rio Potengi possui uma grande importância ambiental e
socioeconômica. Em seus manguezais, cerca de 1.200 famílias sobrevivem da
coleta de crustáceos e moluscos. Porém, de acordo com estudos locais (Cunha,
2004), o estuário está sendo prejudicado por intensas modificações, ocorridas
no decorrer do último século, agravadas principalmente em função do crescimento
desordenado da cidade de Natal, e, de forma mais específica, do lançamento de
grande carga de esgotos domésticos sem tratamento prévio; da presença de
favelas, em áreas de planície fluvio-estuarina, sob influência das marés; além
de desmatamentos e utilização predatória dos manguezais. É importante uma
avaliação detalhada, que, além de quantificar os resíduos, possa identificar os
tipos mais frequentes, a fim de se determinar a fonte mais provável; os pontos
de maior acumulação e os fatores que atuam na acumulação. Sendo assim, este
estudo teve por objetivo realizar uma caracterização dos resíduos sólidos
presentes no manguezal associado ao estuário do rio Potengi, em Natal-RN,
estabelecendo sua relação com a localização e os níveis de uso locais, de forma
a subsidiar monitoramentos futuros.
2. Material e métodos
2.1. Descrição das áreas de estudo
Os locais de estudo compreendem duas áreas do manguezal associado ao estuário
do rio Potengi e próximas à área urbana de Natal-RN. A área 1 é mais interna e
está localizada nas imediações de um dos canais do rio (Lat. 5º 45'
47,22"S / Long. 35º 14' 10,11"O). A área 2 está localizada na
foz do rio Potengi (Lat. 5º 45' 30,61"S / Long. 35º 11'
59,31" O), próxima à praia do Forte e da Fortaleza dos Reis Magos (Figura
1).
Em cada área, foram demarcadas três parcelas de 50m2 cada (Figura_1). Na área
1, as parcelas são paralelas ao rio e perpendiculares a um pequeno canal. As
parcelas 1 e 2 são alagadas mais rapidamente do que a 3. Na área 2, as parcelas
são perpendiculares à praia; as parcelas 1 e 3 são alagadas rapidamente por
pequenos canais, ficando submersas, já a parcela 2 fica mais isolada, recebendo
água mais lentamente. O estudo foi realizado mensalmente durante 10 meses (de
fevereiro a novembro de 2011), com as coletas ocorrendo sempre em marés baixas
de sizígia.
2.1.1. Avaliação das características de uso e exploração das áreas
Inicialmente, o diagnóstico das áreas foi realizado mensalmente (nos cinco
primeiros meses), com base na análise de cinco parâmetros, cada um com seis
opções de atributos (Tabela_1).
Posteriormente, as atividades mais preponderantes em cada área foram analisadas
de forma mais detalhada, visando a estimativa dos impactos gerados e sua
relação com os níveis de poluição encontrados. Para detalhamento dos principais
usos, foram realizados contatos e entrevistas informais com os moradores locais
e pescadores nas áreas 1 e 2; e com turistas, comerciantes e órgãos públicos
responsáveis pela administração do Forte dos Reis Magos na área 2.
2.1.2. Avaliação da poluição por resíduos sólidos
As amostragens foram realizadas mensalmente durante 6 meses (três do período
chuvoso: maio, junho e julho; e três do período seco: setembro, outubro e
novembro), determinados com base em dados pluviométricos obtidos para a região.
A coleta dos resíduos foi realizada através de caminhamento em cada parcela
(facilitada pela reduzida profundidade do sedimento lamoso, especialmente na
área 2). Nos três primeiros meses, todos os resíduos com tamanho >3 cm foram
identificados e contados, mas não retirados do local.
Nos três meses posteriores (período seco), além do procedimento anterior, houve
a retirada dos resíduos, visando estimar a taxa de aporte dos resíduos em cada
local. Foram analisados, além da abundância (Tabela_2), a localização no
ambiente (no sedimento ou suspenso nos galhos e nas raízes), a classificação
segundo a constituição (plástico, metal, vidro, papel, madeira, tecido e
orgânico) e, quando possível, sua fonte mais provável (usuários locais,
doméstica, mista e pesca), segundo a Tabela_3.
3. Resultados
3.1. Caracterização dos usos das áreas
As duas áreas, embora dentro da área urbana de Natal e apresentando em seu
entorno muitas residências e estabelecimentos comerciais, possuem
características distintas em relação aos parâmetros analisados (Tabela_4).
Na Área 1, o acesso é difícil porque é feito através de uma estrada de barro
que dá entrada a uma trilha muito estreita margeada por vegetação espessa,
sem sinalização e com desníveis e processos de erosão. O manguezal local
apresenta boas condições, com recuperação da vegetação, a qual foi
retirada no passado, em alguns trechos, para construção de viveiros e
posteriormente replantada, após a desativação do cultivo.
Na área 2, há apenas uma faixa estreita de mangue, totalmente limitada em suas
faces oeste e sul por estruturas urbanas. Além das pistas asfaltadas que
permitem a chegada à área, o local dispõe de um acesso que foi aberto com a
retirada do manguezal e construído sobre um elevado de pedras e de forma a
permitir a chegada ao Forte dos Reis Magos (Figuras_2A_e_2B). Na entrada do
acesso ao Forte, uma área asfaltada é utilizada como estacionamento de veículos
e por vários comerciantes (fixos e ambulantes) que disponibilizam inúmeros
itens de consumo aos visitantes (Figura_2C). Segundo os comerciantes fixos, a
Fundação José Augusto, responsável pela administração da área, não permite a
presença de ambulantes, no entanto tal determinação é descumprida.
O manguezal da área se conecta com a faixa de praia. No local, podem ser
percebidas mudanças nas condições ambientais (sedimentos e biota) em
direção ao mar. A coloração do sedimento vai passando de escura para clara,
e a biota característica do mangue vai desaparecendo (Figura_2D). O local é
frequentemente utilizado como acesso à praia do Forte.
O manguezal da área se conecta com a faixa de praia. No local, podem ser
percebidas mudanças nas condições ambientais (sedimentos e biota) em direção ao
mar. A coloração do sedimento vai passando de escura para clara, e e a biota
característica do mangue vai desaparecendo (Figura_2D). O local é
frequentemente utilizado como acesso à praia do Forte.
Durante as visitas iniciais às áreas, procurou-se observar qual o tipo de
público frequentador e quais as atividades realizadas, a fim de determinar os
principais usos. Na área 1 é frequente a presença de pessoas da comunidade
local que entram no mangue em busca de caranguejos, principalmente aratus
(Gonipsis cruentata), além de ostras (Crassostrea rhizophorae) e sururus
(Mytella charruana
). A principal atividade na área é a pesca nos canais do estuário do Rio
Potengi, como também a retirada de ostras nas raízes da vegetação e
caranguejos. A retirada desses recursos visa o consumo próprio, segundo
informações recolhidas durante os contatos com as pessoas encontradas no
mangue; segundo essas pessoas, há exploração comercial da pesca apenas nos
canais principais. No entanto, como existe proibição da retirada de algumas
espécies, as pessoas têm medo de fornecer informações que possam prejudicá-las,
e talvez omitam a exploração comercial.
Próximo ao local, na mata ciliar, algumas pessoas da comunidade se reúnem
(especialmente nos finais de semana), em uma clareira para beber e cozinhar
alimentos de forma improvisada, já que o local dispõe de três cacimbas com água
doce.
O manguezal também é utilizado por alguns pesquisadores com o intuito de
desenvolver pesquisas ou atividades de educação ambiental. Próximo à área
(aproximadamente 500 metros de distância), existe um viveiro de camarões que
atualmente se encontra ativo, com finalidade comercial.
Na Área 2 ocorre a exploração da pesca artesanal, porém de forma muito
esporádica, , para consumo próprio e para a fabricação de artesanato. Segundo
informações coletadas com pessoas no local, ocorre também a retirada de galhos
da vegetação da restinga e do mangue para a fabricação de artesanato.
A área 2 é bastante utilizada para o turismo (visitas ao Forte dos Reis Magos),
além de atividades recreacionais e educacionais no manguezal (estudantes)
(Figura_2B), mas praticamente não há a utilização para fins de pesquisa. A
principal atividade que ocorre na área é visitação ao Forte dos Reis Magos.
Segundo o Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza, CEDOC, da Fundação
José Augusto, FJA, o local recebe uma intensa visitação durante o ano todo,
concentrada principalmente nos meses de verão, segundo dados fornecidos pelo
órgão para 2010. Nos finais de semana, mais de 10 ônibus de turismo podem ser
observados no estacionamento.
3.2. Avaliação dos resíduos sólidos
3.2.1. Análise quali-quantitativa dos resíduos sólidos
Nos seis meses de amostragem, foi registrado um total de 1.381 itens de
resíduos sólidos, sendo 77 para a área 1 (0,51 itens/m-2) e 1.304 para a área 2
(8,69 itens/m2).
A área 2 apresentou aproximadamente 17 vezes mais itens que a área 1, no
entanto, em ambas as áreas, a categoria de resíduo mais encontrada foi o
plástico, superando, em quantidade, mais de dez vezes todas as outras
categorias (metal, vidro, papel, tecido, madeira e orgânico) juntas (Figura_3).
Na área 1, dentre 71 itens plásticos, aproximadamente 40% foram encontrados no
período chuvoso, enquanto que 60% foram registrados no período seco. Na área 2,
dentre 1.236 itens plásticos, 31% foram registrados no período chuvoso,
enquanto 69 % foram registrados no período seco. Com base nesses dados e nos
critérios estabelecidos na Tabela_2, a presença de resíduos sólidos foi
considerada praticamente ausente na área 1 e com presença razoável na área 2.
3.3.2. Análise das fontes dos resíduos sólidos
Apesar de não ser possível identificar com precisão a origem de todos os
resíduos amostrados (principalmente quando fragmentados), e enquadrá-los em
suas devidas fontes, cerca de 92% dos itens da área 1 e 67% da área 2 tiveram
sua fonte mais provável identificada (Figura_4). O menor percentual de
identificação para a área 2 foi decorrente da grande quantidade de fragmentos
encontrados.
Na área 1 a fonte predominante foi a mista contribuindo com 49 % do total de
itens, enquanto na área 2, 57% dos resíduos identificados, tiveram origem
provávelmente nos usuários locais.
Em virtude da pequena quantidade de resíduos encontrados na área 1, o
detalhamento dos itens mais comuns para cada fonte foi realizado apenas para a
área 2. Na categoria usuário, alguns itens se destacaram em abundância (Figura
5) Embora de ocorrência incomum em estudos desse tipo, os preservativos foram
encontrados com muita frequência no local, principalmente presos à vegetação.
O item latas/tampas metálicas de bebidas também chamou atenção pela sua
ausência, pois se trata de um ítem amplamente comercializado.
Quanto aos itens mais abundantes relacionados a categoria fonte mista destacam-
se as sacolas plásticas, correspondendo a 81% do total de itens, ou seja, mais
abundante que os outros itens mais frequentes (Figura_6).
Quanto aos itens mais abundantes, relacionados a categoria doméstica,
destacaram-se as embalagens plásticas e o papelão, correspondendo a 47% e 26%
dos itens da categoria respectivamente. Enquanto que na categoria pesca, os
itens predominantes foram fios/fitas de nylon e o poliestireno expandido
contribuindo com 81% e 19%, respectivamente.
3.3.3. Variação espaço-temporal nas áreas amostradas
Foi observada uma maior quantidade total de resíduos sólidos no período seco.
Esse padrão é bem definido na área 2, onde os itens amostrados na época seca
correspondem a mais que o dobro dos encontrados durante o período chuvoso
(Figura_7). Este fato provavelmente está relacionado com o maior uso da área
nesse período.
Com relação à localização dos resíduos no ambiente (no sedimento ou suspenso),
para a área 1, o percentual de resíduos sobre o sedimento foi de 57%. Já na
área 2, atingiu cerca de 65% (Figura_8). O padrão se repetiu nos dois períodos
estudados em ambas as áreas.
Entre as parcelas, em ambas as áreas, também houve uma maior quantidade de lixo
no período seco. Na área 1, as quantidades foram semelhantes entre as parcelas
1 e 2 e mais que o dobro na parcela 3; já na área 2 a semelhança ocorreu entre
as parcela 1 e 3, as quais apresentaram 4 vezes mais itens que parcela 2.
Tabela_5
4. Discussão
O grau de uso de uma determinada área normalmente decorre do quanto ela é
propícia para exploração de seus recursos naturais, sejam eles a biota, bens
minerais, beleza cênica ou aspectos culturais que justifiquem atividades de
turismo. É fato que quanto maior o isolamento da área, ou as dificuldades de
acesso à mesma, mais protegida ela se torna. Apesar da proximidade com áreas
residenciais e de comércio, e da exploração de recursos naturais para fins de
subsistência, a Área 1, pode ser considerada bastante conservada. Isso pode
estar relacionado ao difícil acesso, e à falta de atrativos turísticos, o que
restringe o seu uso e exploração.
A Área 2, embora com pouca exploração de recursos naturais, sofre um elevado
impacto antrópico, básicamente decorrente de dois fatores: a atividade
turística e comercial agregada ao Forte dos Reis Magos, que recebe um grande
número de visitantes durante o ano inteiro, e a proximidade com a praia do
forte, fato que favorece a entrada de um grande número de pessoas na área do
manguezal, pois durante a maré baixa os canais propiciam piscinas naturais. A
abundância de pessoas na área contribui para o aumento de comerciantes que
fornecem uma diversidade de lanches, bebidas e até vestuários, trazendo aos
banhistas e visitantes, comodidade e uma ampla variedade de itens para consumo.
Quanto maior a disponibilidade de alimentos e bebidas, maior a geração de
resíduos, representados na maioria das vezes por embalagens plásticas,
reconhecidamente de baixo poder de degradação (Silva et al., 2008; Silva-
Cavalcanti et al., 2009).
A discrepância na quantidade de resíduos encontrada entre as áreas
provavelmente está diretamente relacionada com as características de
localização e uso de cada uma. De acordo com Vieira et al. (2011), a intensa
utilização de ambientes naturais, como praias e manguezais próximos à praia é
acompanhada quase sempre de um descarte irregular de resíduos.
Entre as parcelas, as diferenças quantitativas estão associadas principalmente
com os padrões de localização de cada uma e hidrodinâmica local. Na área 1,
embora as parcelas 1 e 2 fiquem mais próximas do canal e o alagamento ocorra
sucessivamente da 1 em direção à 2, a maior quantidade de resíduos ocorreu na
parcela 3 (mais próxima da mata ciliar e da entrada do manguezal),
provavelmente em decorrência do melhor acesso para usuários locais. Na área 2,
as parcelas 1 e 3 recebem uma maior quantidade de resíduos transportados pela
maré, porque estão localizadas exatamente na entrada de pequenos canais
(recebendo água rapidamente e em maior volume); enquanto que a parcela 2 é a
última a ser alagada e sofre um menor alagamento.
Do ponto de vista qualitativo, a abundância de itens plásticos em ambas as
áreas, já era esperado. A presença majoritária de plásticos entre os itens de
resíduos sólidos coletados em ambientes costeiros, tanto praias como estuários,
é um padrão que tem se repetido em inúmeros locais (Araújo & Costa, 2007;
Ivar do Sul & Costa, 2007; Ivar do Sul & Costa, 2013; Vieira et al,
2011; Moore et al, 2011; UNEP, 2005; UNEP, 2009), evidenciando este tipo de
poluição como um grave problema ambiental, que está associado a alguns fatores
como: i) ampla utilização do plástico pela população; ii) baixo
reaproveitamento e ineficiência de técnicas de reciclagem; iii) longo tempo de
persistência e difícil degradação dos plásticos. O encalhe de plástico em
manguezais já foi evidenciada em outros trabalhos, (Browne etal., 2010; Neves
et al., 2011; Vieira et al., 2011; Ivar do Sul & Costa, 2013). Além disso,
as características morfológicas desse ambiente contribuem para a retenção dos
resíduos .
Dos resíduos plásticos recolhidos na área 2, e relacionados com usuários, os
copos, canudos, embalagens de alimentos de Polipropileno Biorientado (BOPP)
metalizado, e talheres, são amplamente utilizados, persistentes no ambiente e
de difícil reciclagem, o que intensifica os impactos. Apesar da presença
constante de comerciantes na área, não se encontraram muitas latinhas
metálicas, provavelmente devido à intensa reutilização de latas de alumínios.
Este fato também foi observado em outros estudos (Araújo & Costa, 2007;
Dias Filho et al., 2011; Silva-Cavalcanti et al., 2009). A grande quantidade de
itens de lixo encontrada com origem nos usuários locais reflete a falta de
educação das pessoas, representada pelo descaso com o meio ambiente e com os
espaços públicos. Os comportamentos e os atos humanos - acidentais ou
intencionais - são as fontes do lixo para ambientes naturais.
A contribuição de usuários na presença e acumulação de resíduos sólidos em
áreas costeiras é comprovada e relatada em inúmeros estudos já realizados no
Brasil (Araújo & Costa, 2007; Santos et al., 2003; Silvaet al., 2008; Dias
Filho et al., 2011). Na área 2, não há lixeiras para destinação de resíduos, em
toda a extensão da passarela que dá acesso ao Forte, depósitos para colocação
de resíduos são encontrados apenas na parte do estacionamento. Este fato com
certeza contribui na poluição da área, pois estimula o descarte dos resíduos em
locais inapropriados. Sendo uma área de intensa atividade turística, a
instalação e manutenção de lixeiras deveriam ser obrigatórias.
Os itens enquadrados na categoria de fonte mista foram classificados como tal
exatamente pela dificuldade em se estabelecer sua origem mais provável,
portanto, tanto podem ter chegado aos locais através do rio (fonte doméstica);
terem sido descartados diretamente no ambiente por usuários locais ou
transportados pela maré. A influência da maré pode ser determinante para a
movimentação e retenção de resíduos sólidos, já que a ação das correntes pode
conduzir os resíduos para áreas além daquelas de seu descarte (Thornton &
Jackson, 1998).
No entorno das duas áreas, em todos os meses, foi observada a presença de
resíduos sólidos. Na área 1 a principal concentração de resíduos fora dos
locais de amostragem (acúmulos de garrafas PET, principalmente), ocorre na
entrada do manguezal. É provável que os pescadores levem esse material até o
mangue para construir armadilhas. Lixo também é encontrado com frequência no
local onde moradores se reúnem próximo às cacimbas.
Embora discreto na área 1, o fato é alarmante na área 2. Em vários locais, uma
grande quantidade de resíduos pode ser facilmente visualizada tanto na restinga
adjacente ao manguezal (Figura_9A), como dentro do próprio manguezal, em locais
imediatamente abaixo da passarela de concreto que dá acesso ao Forte (Figura
9B). Muito provavelmente esses locais podem estar atuando como fontes de
recarga contínua de resíduos para dentro das áreas mais alagáveis do manguezal,
onde o sedimento mais fino e o emaranhado da vegetação funcionam como
aprisionadores do lixo. Muitos resíduos foram encontrados quase completamente
enterrados nas áreas mais lamacentas.
Os resíduos presentes nesses locais têm muito provavelmente origem direta nos
usuários que os frequentam. O lixo encontrado abaixo da passarela pode estar
sendo lançado pelos passantes que se dirigem ao Forte; já o lixo encontrado na
restinga, pelas pessoas que utilizam a área como acesso à praia, ou em
atividades no próprio local.
Um fato que chama à atenção é a grande quantidade de preservativos usados,
presentes dentro do manguezal, principalmente suspensos nos galhos. Esse tipo
de resíduo foi o quinto mais comum dentro da categoria usuário, fato incomum em
outros estudos. Corroborando os dados, podem ser encontradas nas áreas de
restinga adjacentes ao manguezal, especialmente em locais sombreados nas
árvores, muitas embalagens vazias de preservativos, indicando que seu uso é
bastante elevado na área (Figura_9A). Talvez a proximidade com a praia e a
possibilidade de abrigo na vegetação expliquem o fato.
Com relação a outros tipos de resíduos presentes em ambientes costeiros, como
sacolas plásticas, cotonetes, frascos de produtos de limpeza, resíduos
hospitalares etc., a ocorrência é consequência da falta de um gerenciamento
eficaz dos resíduos recolhidos nos municípios. Na área 2, as sacolas plásticas
contribuíram com 81% dos itens classificados como de origem mista. Esse tipo de
resíduo é facilmente retido nos manguezais porque são soterrados pelo sedimento
rapidamente, ficando enterrados por períodos indefinidos, ou ficam presos nos
galhos e raízes também por longos períodos.
As áreas 1 e 2 apresentaram respectivamente, 2 e 3% de itens na categoria
doméstica. Apesar de parecer um número baixo, a fonte doméstica é a de mais
difícil controle, porque depende das condições de saneamento nas
municipalidades costeiras e da manutenção das bacias hidrográficas livres desse
tipo de poluição.
Proporcionalmente, os itens de origem em atividades de pesca obtiveram uma
participação relevante na área 1, em contraste com a área 2; isto pode estar
relacionado ao fato de que a pesca atua como uma das formas de sustento para
muitas pessoas na área 1, o que explicaria a maior presença de itens como
linhas de nylon, poliestireno expandido e armadilhas artesanais construídas com
partes de garrafas PET. Já na área 2, a pesca é esporádica, por isso a baixa
quantidade de itens provindo dessa fonte.
Embora os resíduos tenham sido totalmente retirados do local nos meses do
período seco, a quantidade de itens aumentou a cada mês na área 2 (Figura_7),
evidenciando uma recarga permanente na área, provavelmente em função do aumento
do número de visitações turísticas que ocorrem à partir de setembro, segundo
informações do Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza (CDOC/RN). Na área
1, também ocorreu um aumento nos dois primeiros meses do período seco, o que
foi uma surpresa, pois esperava-se que, pelo fato da área não ser turística, o
aumento fosse maior nos períodos de maior vazão do rio, como relatado em outros
trabalhos (Araújo & Costa, 2007; Moore et al., 2011; Ivar do Sul &
Costa, 2013). Talvez o fato possa ser explicado pela melhoria das condições de
acesso à área no período seco, o que atrai um maior número de pessoas da
comunidade. Uma outra possibilidade é a ação da maré, trazendo resíduos
provenientes de áreas mais costeiras, onde a quantidade aumenta no período
seco.
De acordo com os resultados encontrados em ambas as áreas, os resíduos sobre o
sedimento foram maioria. Os sedimentos do mangue têm um alto poder de retenção
de resíduos, que na maioria das vezes ficam parcialmente ou totalmente
enterrados. Quanto maior o grau de recobrimento ou soterramento, menor a
probabilidade de remoção por processos naturais. Itens como sacolas plásticas e
copos são frequentemente encontrados nessas condições. Embora em menor
proporção, a presença de itens suspensos nos galhos e raízes pode ser
considerada alta. Quando os resíduos são suspensos pela maré e ficam retidos e
emaranhados na vegetação, também têm o seu poder de remoção diminuído, afetando
esteticamente o manguezal e causando o aumento progressivo do acúmulo de lixo.
Além do impacto gerado pela presença dos resíduos sólidos, a área 2 é afetada
por outro problema; segundo alguns comerciantes locais, muitas pessoas que
frequentam o local utilizam o manguezal como um banheiro natural, encorajadas
provavelmente pela ausência de banheiros apropriados. Em decorrência dessa
prática, odores desagradáveis podem ser sentidos com frequência no local. Esta
situação não deveria ocorrer de forma alguma em uma área de tamanha importância
turística.
5. Conclusões
Sendo ambientes extremamente sensíveis e propensos ao acúmulo de resíduos
sólidos, áreas de manguezal, especialmente aquelas próximas à praias muito
frequentadas, devem receber atenção especial, no sentido de controlar os
possíveis impactos gerados pela presença humana. É muito importante o
conhecimento adequado da quantidade e variedade das fontes de resíduos sólidos
para esses ambientes, porque ele serve como a base principal para as decisões
gerenciais sobre ações para prevenir, reduzir e controlar os problemas causados
pelo estuarino. Os dados obtidos poderão servir como uma base de dados para
comparação com outros estuários, visando estabelecer o quanto o uso pode
interferir na qualidade ambiental.
A grande quantidade de resíduos encontrados na área de manguezal próxima ao
Forte dos Reis Magos demonstra que a área necessita de planejamento e
infraestrutura para receber os turistas, com instalação de lixeiras em
quantidades suficientes e ações de educação ambiental com comerciantes e guias
turísticos. Há duas abordagens para se lidar com o lixo marinho, uma é prevenir
e reduzir a sua entrada nos ambientes costeiros, e a outra é remover o lixo
acumulado que já está descartado, despejado e abandonado no meio ambiente;
obviamente a segunda opção é a mais dispendiosa e difícil. A prevenção é
geralmente mais eficaz e eficiente do que ações para remediar.
A constatação de que os usuários são os principais responsáveis pela geração de
resíduos presentes na área 2, pode contribuir no desenvolvimento de ações
direcionadas para redução do problema, como instalação de lixeiras,
distribuição de recipientes para coleta do lixo e campanhas educativas com
usuários. A conscientização do público e o encorajamento das pessoas para
mudanças de atitudes relacionadas com o gerenciamento de resíduos sólidos são
componentes essenciais nos esforços de mitigação da presença de resíduos
sólidos em ambientes costeiros.