Turismo em áreas balneares: uma análise da interação entre residentes e
visitantes na Praia do Tofo, Moçambique
1. Introdução
O desenvolvimento da atividade turística tem sido considerado pilar de
desenvolvimento para as regiões que apresentam amenidades suficientes para
motivar a movimentação de pessoas de um lugar para outro com motivações de
lazer. Neste contexto, os países que reúnem estas características têm envidado
esforços no sentido de atrair maior número possível de visitantes como
estratégia para angariação de divisas e fomento do desenvolvimento.
Entretanto, nestes países, pouca atenção se dá aos efeitos que o aumento
massivo de turistas pode originar nos locais de visitação, a relação entre
turismo e qualidade de vida das comunidades receptoras, nem o efeito que o
massivo afluxo de turistas pode ter no grau de satisfação e fidelização dos
clientes.
Neste sentido, a degradação ambiental, o desrespeito às normas e padrões
culturais das comunidades residentes, a sazonalidade e a massificação dos
locais de visitação são aspectos que começam a despertar atenção, num contexto
de sustentabilidade. Por exemplo, nos últimos 50 anos os humanos modificaram os
ecossistemas mais rápida e extensivamente que em qualquer outro período da
história, motivados principalmente pela necessidade de responder ao crescimento
rápido da procura de alimento, água, madeira, e combustível, induzido pelo
crescimento demográfico e económico (Agardy & Alder, 2005).
Esta situação é claramente reproduzida no contexto de turismo, em especial no
turismo costeiro, pois, tal como refere o CSIL [Centre for Industrial Studies
& Touring Servizi] (2008), as regiões costeiras abarcam um vasto conjunto
de contextos socioeconómicos, com diferentes necessidades e padrões de
desenvolvimento regional, sendo extremamente importantes para os seus
moradores.
Para Albuquerque (2004), o papel das zonas costeiras é muito diversificado,
sendo áreas que pela sua riqueza natural, tanto a nível de fauna como de flora,
pelas suas potencialidades a nível recreativo e de lazer e pela sua grande
acessibilidade são escolhidas por uma grande parte da população para viver ou
apenas para visitar. Deste modo, tornam-se zonas preferenciais para a criação
de postos de trabalho, crescimento económico e melhoria da qualidade de vida
das suas populações.
Entretanto, estas características de extrema importância se convertem nos
principais desafios para gestão do turismo costeiro uma vez que a elevada
atratividade destas áreas constitui também um factor de atração de viajantes de
todo o mundo. Como foi referido anteriormente, existe uma necessidade de
monitoria destes fluxos turísticos como mecanismo para garantir a sobrevivência
dos ecossistemas, melhoramento da qualidade de vida das comunidades e gestão
territorial.
Considerando que a praia é um ambiente sedimentar costeiro de composição
variada, formado mais comummente por areia, e condicionado pela interação dos
sistemas de ondas incidentes sobre a costa e que enquanto espaço de lazer e
destino turístico e de recreio, por si só constitui um recurso natural capaz de
integrar outros, embora necessite de um sistema de gestão que estabeleça o
equilíbrio entre a componente ambiental, social e económica, a implementação de
estratégias apropriadas para gestão das atividades turísticas nestes espaços é
prioridade (Zacarias, 2013). Neste contexto, a gestão de praias constitui um
espectro de conflito potencial que reflete a tomada de decisões de empreender
ou não ações que se associam e regem os objetivos políticos e as capacidades
socioeconómicas e ambientais (Williams & Micallef, 2009), na medida em que
busca manter ou melhorar a praia como um recurso recreativo e como meio de
proteção costeira, ao mesmo tempo que oferece instalações que atendam às
necessidades e aspirações dos utilizadores da praia (Bird, 1996).
Segundo Cazelais (2009), os espaços de praias e paisagens circundantes são
utilizados pelos residentes e pelos visitantes, situação que pode gerar
posições antagónicas ou de conflito, que motivados pelo elevado afluxo de
pessoas a estes espaços, muitas vezes com padrões culturais diferentes e poder
económico também diferente começa a despertar a necessidade de melhor
compreensão desta interação.
O principal propósito do estudo que suporta este artigo é, dentro da linha de
pesquisa associada à gestão de áreas balneares, contribuir para o
estabelecimento de estratégias que permitam conjugar as várias facetas da
capacidade de carga de praias (para a capacidade de carga física da praia do
Tofo, veja-se Zacarias, 2013). Assim este artigo tem como objectivos
(i) compreender o grau de satisfação global e específico dos residentes e
visitantes em relação a algumas características da praia,
(ii) avaliar a capacidade de carga social através da percepção dos utilizadores
em relação ao congestionamento humano na praia, e
(iii) avaliar o grau de interação entre os grupos (residentes e visitantes)
através da percepção de atitudes e comportamentos exibidos na praia.
2. Contexto teórico do estudo
O turismo e o desenvolvimento sustentável são dois temas que apresentam uma
relação controversa, na medida em que vários autores colocam o turismo como uma
atividade económica que gera efeitos negativos, consistindo apenas em mais uma
forma de as nações desenvolvidas e ricas melhorarem ainda mais o seu desempenho
às custas dos menos afortunados (Ascher, 1984), como uma forma rápida e eficaz
de desenvolvimento que gera inúmeros benefícios para as localidades onde se
instala (Freitag, 1994; Walpole & Goodwin, 2000) ou como indústria
"sem chaminés" que promove o emprego e renda (Freitag, 1994).
Um dos aspectos críticos desta relação, principalmente sobre os lugares de
destino, é o facto de o deslocamento de pessoas para lazer, fenómeno típico da
sociedade capitalista atual, resultar em práticas sócio-espaciais que geram
territórios e territorialidades que "turistificam" lugares
(Fratucci, 2000). Com esta movimentação, estabelecem-se novas dinâmicas entre
espaços e comunidades diferentes, cujos resultados podem migrar para
convivência pacífica ou convivência conflituosa.
Neste contexto, a praia (e áreas circundantes) se converte em espaço de
relacionamento entre a comunidade residente e a comunidade visitante, local de
ocorrência de interações e interrelações temporárias entre o anfitrião e o
visitante, que possibilitam o reconhecimento da existência do outro, recíproca
e simultaneamente (Fratucci, 2000). Entretanto, este relacionamento nem sempre
é pacífico ou estável.
2.1 Dinâmica da interação entre residentes e visitantes
Um dos aspectos centrais do turismo é o relacionamento que se estabelece quando
comunidades, povos ou indivíduos diferentes se encontram. Neste contexto, cada
individuo, seja qual for o estrato social a que pertence não pode ser parte de
ambas as populações ao mesmo tempo. Ambas populações contam inicialmente com
indivíduos que se comportam de forma comprometida ou não com questões
comunitárias. Neste sentido, ao longo da interação em cada região, o
comportamento dos indivíduos de cada classe pode alterar em qualquer sentido.
Segundo Deery et al., (2012) e Zamani-Farahani & Musa (2012), os impactos
sociais do turismo ou a interação entre as comunidades residentes e as
visitantes tem sido centro das atividades académicas, motivado,
fundamentalmente, pelo facto de a percepção e atitude das comunidades
residentes em relação aos impactos do turismo constituir elemento fundamental
para geração de políticas de gestão para o correcto planeamento, marketing e
operacionalização dos programas e projetos de desenvolvimento do turismo (Ap,
1992).
Ao visitar determinado destino, o turista entra em contacto com pessoas que
trabalham para melhor atendê-lo e proporcionar satisfação para que volte ao
local mais vezes. Em muitos casos estas pessoas trabalham muito, tem baixa
remuneração e ainda enfrentam o facto de o seu ambiente e modo de vida ser
repentinamente alterado por pessoas cuja identidade e proveniência são
desconhecidos (Pires, 2004; Baldissera & Bahl, 2012; Gomes, 2013). Embora
esta interação possa trazer benefícios comuns aos dois grupos, existem
situações em que o cruzamento entre as duas comunidades é negativo, originando
situações de conflitos.
Estando inseridas no mesmo contexto, a confrontação socioeconómica entre as
comunidades residentes e as visitantes define-se através da análise de
indicadores referentes ao capital económico e cultural. A apropriação
diferenciada destes recursos determina condições de existência heterogéneas,
podendo gerar condições também diferentes de usufruto da experiência
recreativa. Existindo contextos diferentes de usufruto da experiência
turística, é normal que os grupos menos beneficiados (em muitos casos as
comunidades residentes) sintam dificuldades em assimilar o desenvolvimento do
turismo e a convivência com outros grupos.
Nesta perspectiva, destacam-se três linhas de pensamento (Mathieson & Wall,
1982) que contribuem para a compreensão da interação entre estas comunidades,
principalmente por terem apresentado tipologias que contribuem para uma análise
do desenvolvimento turístico do lugar: o índice de irritabilidade de Doxey, o
ciclo de vida de destinos turísticos de Butler e a teoria das trocas sociais de
Skydmore, todas fundamentadas no contexto de que a convivência entre grupos é
mais amena na fase inicial de contacto, deteriorando-se à medida que os
residentes sentem os seus espaços invadidos pelo crescente número de visitantes
ou se sentem excluídos do turismo e seus benefícios.
A compreensão da interação entre os residentes e os visitantes tem sido objecto
de análise pela comunidade académica, existindo exemplos de interação positiva
e de interação negativa, sendo que o potencial para relações mais próximas
entre ambos grupos é resultado da frequência de interações sociais entre
indivíduos (Rothman, 1978) que os aproxima e fornece bases para melhor
compreensão mútua. Numa abordagem mais crítica, van der Bergue (2009)
estabelece que a interação entre os residentes e os turistas é segmentada e
instrumental, sendo iniciada com propósitos específi¬cos, limitados e
imediatos, sem perspectivas duradoiras ou consequências efémeras.
Entretanto, uma vez que o turismo constitui plataforma para geração de divisas
é importante que o relacionamento entre os visitantes e os residentes seja
positivo e que os turistas se sintam atraídos pelo destino e desenvolvam
sentimentos que os permitam regressar mais vezes e trazer mais visitantes.
2.2 Capacidade de carga social como instrumento de avaliação da relação entre
residentes e visitantes
Sendo uma atividade que envolve a dimensão humana, o turismo pode ter severos
impactos sobre os aspectos culturais não apenas da comunidade como também dos
turistas ou visitantes. Esta situação requer análise cuidadosa da interação e
resposta dos grupos. Neste contexto, o conceito de capacidade de carga social
se afigura um mecanismo eficiente para a compreensão destas relações (Tarrant
& English, 1996; Saveriades, 2000; Manning et al., 2000; McCool & Lime,
2001; Lopez-Bonilla & Lopez-Bonilla, 2008).
Genericamente, a capacidade de carga social é percebida como o limite após o
qual os aspectos sociais da comunidade receptora são negativamente
influenciados e afectados pelas atividades turísticas e a qualidade de vida dos
residentes não pode mais ser assegurada (Castellani et al., 2007; Jovicic &
Dragin, 2008), conduzindo a conflitos entre os turistas e a população
residente, podendo gerar tensões sociais (Saveriades, 2000; BranBrandolini
& Mosetti, 2005). Esta componente reconhece que os impactos socioculturais
negativos ocorrem quando o turismo excede determinados níveis (Saveriades,
2000; Brandolini & Mosetti, 2005), sendo necessário compreender que a
percepção do significado dos impactos pode variar entre populações autóctones e
turistas bem como no seio destes grupos.
Como sugerido por Bimonte e Punzo (2007), a avaliação da capacidade de carga
social não é uma tarefa fácil, na medida em que implica a compreensão dos
encontros entre as duas populações: residentes (ou grupos de residentes) e
turistas (ou grupos de turistas). Sobre esta perspectiva, diversa literatura
tem sido produzida (Shelby & Heberlein, 1986; Tarrant & English, 1996;
Saveriades, 2000; Manning et al., 2000; McCool & Lime, 2001; Manning et
al., 2002; Lopez-Bonilla & Lopez-Bonilla, 2008), todos enfrentando a mesma
dificuldade relacionada com os mecanismos para determinação do nível máximo de
impacto a ser absorvido (Manning et al., 2002).
Como indicado por Vaske & Donnelly (2002) e Needham et al., (2008a), a
capacidade de carga social consiste de múltiplos indicadores tais como número
de encontros entre duas ou mais comunidades, congestionamento, conflitos, ruído
e nível de satisfação. Enquanto a taxa de encontros descreve a contagem
subjetiva do número de outras pessoas que um indivíduo se lembra de ter
observado em determinado contexto, os níveis percebidos de congestionamento
constituem a avaliação subjetiva negativa de que o número observado de outras
pessoas ou o número de encontros com outras pessoas, grupos ou atividades é
excessivo (Needham et al., 2004; Needham et al., 2008a; Needham et al., 2008b).
Entretanto, estes dois valores são extremamente subjetivos e dependem do número
de pessoas entrevistadas, cujos resultados podem ser completamente enviesados,
fazendo com que os resultados não revelem com exatidão o nível máximo de uso
aceitável, nem demonstrem os mecanismos para melhor gestão e monitoria dos
impactos.
Na avaliação da capacidade de carga social é crucial compreender as principais
características da comunidade e respectivas atitudes (Bimonte & Punzo,
2007), pois, embora a interação entre populações distintas (população local
- espécies autóctones; turistas - espécies alienígenas) seja em
muitos casos pacífica, os problemas ocorrem quando a aspiração ou desejo de
utilização dos recursos cria competição (efeito congestionamento) ou oposição
(efeito externalidade) no destino turístico. Este problema (utilização de
recursos comuns escassos) se torna mais evidente ou agudo à medida que os
recursos se vão reduzindo, quando os grupos existentes são misturados e com a
chegada dos interesses das espécies alienígenas (turistas) que na maioria das
vezes são detentores de padrões ou modos de vida contrários aos das espécies
autóctones (residentes).
Maio et al., (2006:236) referem que "os estudos a respeito de mudanças
socioculturais provocadas e/ou reforçadas pelo turismo nas localidades
receptoras, assim como as relações entre turistas/residentes, tem sido
preocupação relevante". Esta afirmação faz sentido no contexto em que
quando se fala de turistas e moradores locais, consideram-se os dois grupos
como importantes para o desenvolvimento da atividade turística, embora essa
relação seja muitas vezes considerada uma relação conturbada, pois enquanto uns
estão interessados no lazer, em desfrutar do local, os outros estão preocupados
com os negócios, com os lucros (Baldissera & Bahl, 2012). Nesta situação, o
que um faz (turista ou residente) pode não corresponder às vontades ou
aspirações do outro, conduzindo a más interpretações e até conflitos.
Para elucidar a questão sobre que quantidade de impactos ou mudanças são
aceitáveis ou apropriados, Manning et al., (2002) aplicou um modelo baseado no
impacto social da congestionamento e duas relações hipotéticas entre o nível de
uso dos visitantes e a congestionamento. Nesta perspectiva, constatou que à
medida que o número de turistas aumenta os visitantes começam a sentir-se cada
vez mais congestionados, embora não tenha revelado o momento exato em que a
capacidade de carga é excedida.
Esta relação hipotética demonstra que embora algum nível de congestionamento
seja inevitável, deve ser tolerável se o destino turístico tiver que permanecer
aberto ao público. Complementar a esta abordagem, Saveriades (2000) apoiou-se
na teoria do ciclo de vida de destinos turísticos e desenvolveu um modelo que
permitisse identificar o ponto exato em que a relação entre turistas e
visitantes se deteriora. Baseado nesta abordagem e associando-se à teoria
económica, o autor definiu que a satisfação do visitante declina à medida que a
intensidade de utilização aumenta e o resultado é que o nível óptimo após o
qual a satisfação começa a reduzir constitui a interação entre os níveis de
satisfação marginal, média e total.
Segundo este modelo, em qualquer destino turístico existe um nível óptimo de
utilização de recursos que oferece total satisfação dos turistas. Entretanto,
este ponto não significa que níveis mais baixos de utilização dos recursos
sejam o mais favorável, uma vez que o nível de satisfação aumenta à medida que
os recursos vão sendo utilizados até ao ponto em que nenhum outro visitante é
aceite. À medida que o número de turistas aumenta, começa a se sentir a
sensação de congestionamento e a satisfação com o destino começa a decrescer
originando conflitos ou redução da demanda turística.
Embora os problemas pudessem ter sido visionados com a abordagem de Saveriades
(2000), ainda persistiam dúvidas em relação às respostas teóricas. Neste
aspecto, Manning et al., (2002) introduziu a abordagem baseada no número
instantâneo de pessoas como estratégia para avaliação da capacidade de carga
social. Neste protocolo, o nível máximo tolerável de mudança para ambos grupos
(residentes, turistas) é determinado através do questionamento das pessoas para
avaliação de diferentes cenários de congestionamento, processados
electronicamente, para prover informações sobre o número máximo de pessoas
aceitável.
3. Materiais e métodos
3.1 Descrição da área de estudo
O estudo foi realizado na Praia do Tofo (no seu sentido mais amplo, ou seja, a
área balnear e a circunscrição territorial no seu entorno), localiza-se na
região sul de Moçambique, enquadrada na eco-região de Tofo-Barra-Tofinho e
Rocha, área de importância ecológica internacional e um dos principais destinos
turísticos de Moçambique (Azevedo & Bias, 2011; Zacarias, 2013).
Tal como descrito em Zacarias (2013), a praia do Tofo (no seu sentido mais
restrito) constitui um segmento costeiro enquadrado na faixa costeira a oeste
da cidade de Inhambane. Tem características rurais, natural e dominada por
ondas com uma amplitude média de maré inferior a 3 metros (Hoguane, 2007),
protegida por maciços recifes de coral existentes a alguns metros onshore.
É uma praia semi-encaixada, uma vez que se encontra abrigada por um promontório
apresentando uma forma assimétrica, sendo constituída por uma zona de sombra
próxima do promontório, protegida da ação direta das ondas e fortemente
curvada, e a outra extremidade relativamente retilínea. Segundo Zacarias
(2013), este espaço caracteriza-se por ser uma praia oceânica maioritariamente
arenosa e com dunas, apresentando algumas rochas, vegetação pioneira
(rasteira), vegetação antrópica e arbórea e habitações de material
convencional.
Dadas as caraterísticas da área e a atratividade da região para turismo, o
Ministério do Turismo de Moçambique (MITUR) considerou-a como Área Prioritária
para Investimentos Turísticos (APIT) de classe A, ou seja, área que possui já
um certo nível de desenvolvimento e infraestrutura de turismo, tendo já atraído
investimentos, ou tenham merecido um grande interesse por parte dos
investidores, havendo uma grande variedade de opções de acomodação e produtos
existentes. Os níveis de provisão de infraestrutura e a quantidade e qualidade
de produtos estão muito longe da perfeição, mas já existe um mínimo de
equipamentos. Prioridades nestas áreas apontam para um desenvolvimento
controlado, para a integração de planos de desenvolvimento entre sectores, o
desenvolvimento de recursos humanos e a necessidade de marketing dos produtos
existentes (Ministério do Turismo, 2003:63).
Embora tenha sido descoberta pelo regime colonial nos anos 60 (Zacarias, 2013),
só a partir de 1990 é que começa a verificar fluxos turísticos significativos,
atraídos pela diversidade e elevada qualidade dos recursos naturais como praias
tropicais, recifes de coral e vida marinha extensivas que oferecem experiencias
únicas tendo o processo de ocupação atingido o auge a partir de 1994 através de
investimentos estrangeiros (maioritariamente sul-africano) que implantaram
hotéis, lodges, bares e escolas de mergulho na região.
3.2 Recolha e análise de dados
A abordagem metodológica utilizada neste artigo tinha como intenção apreender a
percepção e opinião dos stakeholders com o objectivo de construir uma visão
integrada das condições de recreação e obter informações que permitam
diagnosticar a possibilidade de ocorrência de problemas futuros. Neste
contexto, os dados foram obtidos durante quatro semanas (14 de Setembro a 06 de
Outubro de 2013), período em que se considerou uma abordagem aleatória (tanto
em dias de semana como em horas do dia) para entrevistar as pessoas que se
encontravam no entorno da praia.
Os questionários administrados incluíam, entre outros tópicos, visitas prévias,
atividades envolvidas, grau de satisfação dos veraneantes, encontro com outros
grupos, normas, valores e potencial apoio a algumas estratégias de gestão da
praia, numa combinação de perguntas fechadas e de resposta aleatória com
sistema de resposta fundamentado no modelo Likert de cinco pontos (veja-se a
Informação de Suporte).
Neste contexto, e para além das questões genéricas, solicitou-se aos
utilizadores da praia (sejam visitantes ou residentes) que indicassem o seu
grau de satisfação global em relação ao tempo passado na praia e em relação a
aspectos específicos da praia (parques de estacionamento, banheiros públicos,
chuveiros, latas de lixo, ausência de lixo, mesas de piquenique, bancos de
praia, sinais de informação sobre regulamentos, presença de salva-vidas, não
cobrança de taxas de entrada, oportunidade para escapar das multidões, limpidez
da água do mar, recifes de corais saudáveis, vegetação costeira saudável e
oportunidade para ver a vida marinha de pequeno e grande porte), todos
avaliados em função de sua importância e grau de satisfação.
Estes elementos foram avaliados utilizando escala de Likert de 5 pontos onde 1
= não importante e 5 = muito importante (avaliação da importância) e 1 = muito
insatisfeito e 5 = muito satisfeito (avaliação da satisfação), tendo os dados
sido analisados através da aplicação da matriz de importância-satisfação
(Hollenhorst et al., 1992; Siegenthaler, 1994; Slack, 1994; Chu & Choi,
2000; Needham et al., 2008a) para identificação dos elementos de força e dos
elementos a ser considerados prioritários para gestão da praia do Tofo como
destino turístico.
É de salientar que esta matriz divide os elementos em quatro quadrantes,
resultantes da associação entre a importância atribuída a determinado item e a
satisfação dos que usufruem do mesmo. Assim, estabelecem-se os "factores
de concentração" [importância positiva, satisfação negativa],
"fatores de estabilidade" [importância positiva, satisfação
positiva], "fatores supérfluos" [importância negativa, satisfação
positiva], e "factores não importantes" [importância negativa,
satisfação negativa] (Needham et al., 2008a; Needham et al., 2008b; Murdy &
Pike, 2012; Azzopardi & Nash, 2013; Campos & Marodin, 2013; Ahmad &
Afthanorham, 2014).
A avaliação da percepção de congestionamento humano na praia e padrões de
comportamento foi realizada seguindo uma sequência tripla:
(i) solicitou-se aos utilizadores da praia que indicassem, de um conjunto de
valores representativos do número de pessoas na praia (variando de 0 a 2000+
pessoas), o que representasse o número máximo de pessoas que gostariam de ver
na praia;
(ii) solicitou-se que os respondentes avaliassem um conjunto de fotografias
(veja-se a informação de suporte, Q2) e indicassem o cenário que mais se
aproximasse à realidade momentânea da praia do Tofo, partindo da perspectiva
que a administração de perguntas fechadas para avaliar o número máximo de
pessoas pode não ser representativo da realidade, especialmente em lugares com
níveis elevados de utilização (Manning, 1999; Manning et al., 2002; Manning,
2007; Needham et al., 2008a). Neste contexto, o número de encontros e o número
máximo aceitável foram estimados através da divisão da área total da praia
pelas unidades correspondentes na fotografia e posterior multiplicação pela
avaliação dos respondentes no local, tal como sugerido e aplicado por Needham
et al., (2008a), Needham et al., (2008b), Ceurvorst & Needham (2012); e
(iii) solicitou-se aos inquiridos que indicassem a sua percepção em relação ao
comportamento dos diversos tipos de utilizadores e suas atividades na praia,
tendo os diversos parâmetros sido avaliados em função da frequência de
ocorrência na praia.
4. Resultados e discussão
Foram administrados, durante o período de realização do estudo, de forma
aleatória e intencionalmente 217 questionários foram administrados, sendo 139
para elementos da comunidade (residentes) e 78 para a comunidade visitante
(turistas). Apenas indivíduos acima de 18 anos foram abordados para responder
aos inquéritos (a distribuição por faixas etárias não é apresentada. Veja-se o
material de suporte).
4.1 Grau de satisfação dos residentes e visitantes em relação a alguns
parâmetros da praia
Em relação ao grau de satisfação, 108 respondentes consideraram a visita à
praia satisfatória, 19 consideraram não satisfatória e os restantes 11
apresentavam-se indecisos. Entretanto, elevados níveis de satisfação são comuns
em ambientes de recreação mas não demonstram a realidade (Manning, 1999),
podendo ser dispensáveis no contexto de gestão de espaço uma vez que são
largamente influenciados pela período do inquérito e a disposição do inquirido
(Needham et al., 2008a; Needham et al., 2008b).
Para verificar a validade destes resultados, solicitou-se aos inquiridos que
avaliassem algumas variáveis sobre a qualidade do espaço balnear, em função da
importância e sua satisfação na praia do Tofo. Os resultados indicam que das 16
variáveis selecionadas 13 foram consideradas importantes e 3 não importantes,
tendo a existência de vegetação costeira saudável sido considerada a variável
mais importante (grau de consenso = 1,35 numa escala de -2 a 2, n = 217),
seguida pela existência de latas de lixo (grau de consenso = 1,23, n = 217) e
pela não cobrança de taxas de entrada e existência de recifes de coral
saudáveis, ambas com grau de consenso igual a 1,22 (n = 217). A oportunidade de
ver a vida marinha de grande porte, a existência de bancos de praia e a
existência de mesas de piquenique foram consideradas variáveis sem importância,
com graus de consenso iguais a -0,04, -0,49 e -0,72 (n = 217), respectivamente.
Em relação ao grau de satisfação com as 16 variáveis em análise, verificou-se
que apenas 3 variáveis corresponderam às expectativas dos utilizadores (não
cobrança de taxas de entrada na praia, limpidez da água do mar e ausência de
lixo na praia), com graus de consenso de 1,36, 1,1 e 0,64 respectivamente. Oito
variáveis (oportunidade para a vida marinha de pequeno e grande porte, os
banheiros e chuveiros públicos, os locais de estacionamento, as mesas de
piquenique e bancos de praia, bem como os operativos salva-vidas) não
corresponderam às expectativas dos utilizadores, tendo alcançado graus de
consenso que variavam de -0,29 a -1,26. Os locais para depósito de resíduos, os
sinais de informação, a oportunidade para escapar às multidões, recifes e
vegetação costeira saudáveis obtiveram grau de consenso igual a 0 (escala
variável de -2 a 2).
Estes resultados indicam que na Praia do Tofo existem atributos desnecessários
e outros que não respondem às necessidades dos utilizadores. Das 16 variáveis
em estudo, três variáveis foram consideradas importantes e corresponderam às
necessidades dos utilizadores (v5, v10 e v12), cinco foram consideradas
importantes mas não corresponderam às necessidades dos utilizadores (v1, v2,
v3, v9 e v15), três não foram consideradas importantes e não corresponderam às
necessidades dos utilizadores (v6, v7 e v16) e as cinco restantes embora tenham
sido consideradas importantes não tiveram avaliação positiva ou negativa em
relação à satisfação das necessidades dos utilizadores (v4, v8, v11, v13 e
v14). Com estes resultados, oito variáveis foram consideradas factores de
estabilidade (v10, v12, v5, v14, v11, v4, v13, v8), cinco variáveis foram
consideradas factores supérfluos (v2, v15, v3, v1, v9) e as três restantes
variáveis (v6, v7, v16) foram consideradas factores não importantes (Figura_2).
4.2 Capacidade de carga social e percepção de congestionamento humano na praia
Quanto à sensação de congestionamento, os utilizadores da praia avaliaram o
número máximo de pessoas que gostariam de encontrar na praia utilizando como
base 15 níveis (0; 5; 10; 15, 20, 35, 50, 75, 100, 200, 350, 500, 750, 1000,
1500 e 2000+ pessoas). Esta abordagem foi utilizada porque permite que os
veraneantes percebam o congestionamento humano quando encon¬tram mais
pessoas do que o padrão estabelecido pelas suas normas para condições
aceitáveis (Manning et al., 1999; Needham et al., 2008a; Needham et al.,
2008b).
Do total de respondentes, 45 entrevistados (31 residentes e 14 visitantes) não
especificaram um limite máximo de encontros com outras pessoas ou o número
máximo de pessoas que gostariam de encontrar na praia, 55 entrevistados (49
residentes e 9 visitantes) referiram que o número de pessoas não importava e os
restantes 117 (62 residentes e 55 visitantes) identificaram um limite máximo
aceitável de turistas. Esta última indicação resultou em um limite máximo médio
de 339 outras pessoas (para os residentes) e 494 outras pessoas (para os
turistas), o que significa que os visitantes têm maior capacidade de absorção
do impacto resultante da convivência com outras pessoas no mesmo espaço
(t=43,8779, p<0,001).
Com base na limitação máxima do número de outros utilizadores da praia,
procurou-se traduzir estes números em contexto espacial e os entrevistados
avaliaram 6 cenários fotográficos hipoteticamente desenhados para exprimir
diferentes níveis de ocupação do espaço (veja-se a informação de suporte, Q2),
principalmente porque os veraneantes podem escolher um determinado número de
outros utilizadores, sem realmente compreenderem a dimensão espacial do mesmo
(Cervoust & Needham, 2012, Needham et al., 2008a, Needham et al., 2008b).
Os resultados (Figura_3), quando analisados em função de curvas de aceitação de
impactos (Manning, 2002), indicam que praias desertas (cenário A) ou
superlotadas (cenário E) não foram consideradas agradáveis por ambos grupos de
inquiridos, embora um número extremamente reduzido de outros utilizadores
também não seja considerado aprazível (cenário B). Deste modo, os dados indicam
que a capacidade de carga social, varia de 78 pessoas (limite inferior, cenário
C) e 312 pessoas (limite superior, cenário E), para ambos os grupos.
Considerando que cada cenário fotográfico somente corresponde a 88,01% da área
total de estudo - a Praia do Tofo tem 94 496 m2 (Zacarias, 2013), estes valores
representam idealmente cenários de congestão que variam de 89 a 355 pessoas em
simultâneo.
4.3 Nível de interação entre grupos e percepção de padrões de comportamento
Após a avaliação da capacidade de carga social para os dois grupos, buscou-se
perceber como os residentes e os visitantes percebiam os diferentes padrões de
comportamentos exibidos durante as suas atividades.
Compreende-se pelos resultados apresentados na Figura_4 que grande parte dos
residentes e visitantes reportou a não existência de comportamentos negativos
por parte de nenhum grupo em análise, destacando-se os visitantes que quase não
presenciam maus comportamentos por parte dos canoístas. Esta situação pode ser
expli¬cada pelo facto de ser este grupo de respondentes que praticam a
canoagem e serem muito poucos os casos em que esta atividade ocorre.
O padrão médio de comportamento dos grupos em estudo (banhistas, snorkelers,
surfistas, windsurfers, canoístas e pescadores) gerou graus de consenso
variando de 0,22 (comportamento dos canoístas reportado pelos turistas) e 1,09
(comportamento dos snorkelers, reportado pelas comunidades). Isto significa que
embora ambos grupos de entrevistados não tenham reportado a ocorrência de
comportamentos específicos que perigassem a convivência, na globalidade existem
alguns aspectos que merecem atenção no contexto de gestão da interação entre os
residentes e os visitantes.
4.4 Implicações para gestão de praias e turismo sustentável
As praias são importantes geradoras de receitas (Nelson et al., 2000), no
sentido em que a zona costeira abrangendo a praia e águas próximas fornece um
ambiente propício à recreação e lazer que apoiam os negócios turísticos em
qualquer lugar do mundo (Argardy, 1993).
Embora nenhum estudo tenha, ainda, sido realizado para compreender o valor
económico das praias como recurso recreativo em Moçambique, experiências de
diversos lugares do mundo já indicam que as praias são verdadeiras fontes de
financiamento público e privado (Chen et al., 2004; Houston, 2008; Ariza et
al., 2012). É este potencial das praias que muitas vezes se converte no
principal mecanismo de destruição das mesmas, especialmente quando os
mecanismos de gestão pública não muito eficientes e o uso recreativo das praias
é realizado sem o devido acompanhamento das autoridades.
É neste contexto que aspectos como a interacção entre os visitantes e os
residentes, a gestão dos impactos ambientais, a avaliação da capacidade de
carga (social e ecológica), bem como a provisão de um conjunto de
infraestruturas e serviços se afigura primordial para garantir que a praia
mantém as suas características e o turismo é desenvolvido de forma sustentável.
No campo das interacção entre grupos, por exemplo, verifica-se que os turistas
(à excepção do turista explorador) muita das vezes não têm consciência da
existência do "outro" e não participam nem respeitam as normas e
condutas locais (Flores & Silva, 2001), o que enfurece a comunidade
residente gerando situações em que a relação entre visitantes e residentes não
é verdadeira.
Neste contexto, este estudo contribui para o propósito de definição de
estratégias de gestão dos espaços balneares e contribui para a definição de
estratégias de turismo costeiro sustentável, na medida em que define os níveis
de congestionamento humano ou o número ideal de pessoas que devem ser admitidas
na praia sem deteriorar a satisfação dos veraneantes, define os elementos a se
melhorados, introduzidos ou retirados no contexto de infra-estruturas e
serviços, bem como define o percepção dos padrões de comportamento de
diferentes grupos de utilizadores na praia.
Considerando que o turismo é largamente dependente da satisfação dos que o
praticam, a praia do Tofo pode ser considerado um destino que satisfaz os seus
utilizadores na medida em que grande parte dos veraneantes respondeu
satisfatoriamente a esta questão, embora a satisfação específica chamasse
atenção para o facto da quase inexistência de salva-vidas na praia, situação
verificada em praias de outras dimensões geográficas (Pereira da Silva, 2002;
Roca et al., 2008; Roca et al., 2009; Needham et al., 2011). Por outro lado, ao
definir o nível máximo de ocupantes da praia que não periga a satisfação dos
veraneantes, estabelece um mecanismo de controle de fluxos turísticos,
permitindo a salvaguarda não só da satisfação dos turistas, bem como a
preservação ambiental do espaço balnear (Saveriades, 2000; Needham et al.,
2011).
5. Conclusão
Este artigo, desenvolvido como contributo para o melhoramento dos processos
estratégicos de gestão de áreas balneares, tem como objectivos identificar o
grau de satisfação dos grupos na praia, avaliar a capacidade de carga social e
percepção de congestionamento humano, bem como o nível de interação dos grupos.
De forma geral, ambos grupos estavam satisfeitos com a experiência recreativa
na praia e se mostraram satisfeitos com os parâmetros característicos do
ambiente recreativo. Neste contexto, 13 em 16 variáveis que caracterizam a
praia e a experiencia recreativa foram importantes, embora somente três tenham
correspondido às expectativas dos utilizadores da praia. Assim, oito variáveis
foram consideradas estáveis, cinco foram consideradas supérfluas e as restantes
três foram consideradas não importantes.
Boa parte dos respondentes (117 de 217) foi capaz de indicar um limite máximo
de outros utilizadores que gostariam de encontrar na praia, ao mesmo tempo.
Neste contexto praias desertas e superlotadas não foram consideradas
agradáveis, tendo a capacidade de carga social sido estabelecida entre 89 e 355
pessoas em simultâneo. Estes resultados sugerem que ambos grupos ainda estão em
coexistência pacifica na Praia do Tofo, com interação agradável entre os
grupos.