Impacto dos Incêndios Florestais na Qualidade do Ar em Portugal no Período
2003-2005
Introdução
Em Portugal, tal como noutros países do Sul da Europa, o aumento da frequência,
dimensão e intensidade dos incêndios florestais, nos últimos anos, tem vindo a
gerar preocupação, em particular no seio das comunidades médica e científica.
Os anos de 2003 e 2005 foram particularmente críticos, ainda que por diferentes
motivos. Em 2003 registaram-se valores de área ardida elevados durante os meses
de Verão, enquanto que 2005 se caracterizou pelo elevado número de ocorrências.
Na Figura 1 é possível visualizar as regiões afectadas pelos incêndios
florestais que assolaram Portugal durante o período de Verão nos anos de 2003,
2004 e 2005.
Figura_1 - Distribuição espacial da área ardida referente aos grandes incêndios
florestais (área ardida superior a 100 ha) ocorridos em 2003, 2004 e 2005
(DGRF, 2006)
O fumo resultante da queima da biomassa contém um elevado número de produtos
químicos, incluindo partículas e compostos gasosos, designadamente matéria
particulada (PM), monóxido e dióxido de carbono (CO e CO2), metano (CH4),
hidrocarbonetos não metânicos (HCNM), óxidos de azoto (NOx), óxido nitroso
(N2O) e amoníaco (NH3) (Levine, 1999).
A identificação e a quantificação, quer das emissões destes compostos durante
os incêndios florestais, quer dos níveis de poluentes no ar ambiente que lhes
estão associados, afiguram-se de fundamental importância para a compreensão dos
seus efeitos na qualidade do ar. Estes efeitos manifestam-se a várias escalas,
desde o contributo para as alterações climáticas (Miranda et al., 1994), até
aos episódios locais de poluição atmosférica (Miranda, 2004), passando pelos
elevados níveis de ozono (O3) verificados a distâncias médias (escala inter-
regional ou mesoscala) das fontes de emissão (Monteiro et al., 2005). A
contribuição para a formação de O3 troposférico e a destruição química do O3
estratosférico constituem impactos dos incêndios florestais no ambiente
atmosférico. Na troposfera o CO, o CH4, os HCNM e os NOx são gases quimicamente
activos que influenciam fortemente as concentrações locais e regionais de
importantes oxidantes atmosféricos, como o O3 e o radical hidroxilo (OH-). A
produção dos aerossóis está associada a impactes quer à escala local,
relacionados com episódios de poluição, quer afectando o balanço radiativo da
Terra (Hodzic et al., 2007), e consequentemente o clima global.
A poluição causada pelo fumo proveniente dos incêndios florestais é, por isso,
considerada de extrema importância, devido aos riscos evidentes, quer para o
ambiente, quer para a saúde humana. Entre os riscos para a saúde humana
incluem-se o perigo para a saúde e a segurança do pessoal operacional no
combate aos fogos, assim como para a população em geral, causado pela
degradação da qualidade do ar e pela diminuição da visibilidade. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), a exposição ao fumo proveniente de
incêndios florestais tem sérios impactos na saúde humana (WHO, 1999), que
resultam no aumento de entradas nos serviços de urgência e das admissões
hospitalares, devido a doenças do foro respiratório e cardiovascular, e no
aumento da mortalidade. Em particular, a exposição à matéria particulada em
suspensão tem vindo a ser associada a doenças respiratórias e cardiovasculares,
e mesmo ao aumento da mortalidade; estimativas da OMS indicam que anualmente se
verificam 100 mil mortes prematuras, associadas à exposição a este poluente.
Em Portugal, à excepção de alguns dados provenientes de ensaios experimentais
de queima (Miranda et al., 2005a; Valente et al., 2007), existem poucos
registos de concentrações de poluentes provocadas por emissões de fogos
florestais. No entanto, no ano de 2003 verificaram-se em várias estações de
monitorização da qualidade do ar elevadas concentrações de poluentes,
especialmente partículas, associadas a incêndios florestais. Em Lisboa,
registou-se o valor máximo de concentração de partículas com um diâmetro
equivalente aerodinâmico inferior a 10 μm (PM10), do ano de 2003, no dia 13 de
Setembro, às 19 horas, na estação da Avenida da Liberdade, 539 μg.m-3 (média
horária). Poluentes como o O3 e o CO atingiram, igualmente, valores de
concentração bastante elevados.
O objectivo principal deste trabalho consiste na avaliação do efeitos dos
incêndios florestais na qualidade do ar em Portugal, recorrendo: (i) a uma
análise estatística de valores de área ardida e número de incêndios florestais
e de dados de qualidade do ar, para um mesmo período de tempo; e (ii) à
simulação numérica da qualidade do ar em Portugal considerando especificamente
as emissões dos incêndios florestais.
Época de incêndios florestais 2003, 2004 e 2005
Em 2003, Portugal enfrentou a pior época de incêndios florestais de sempre,
durante a qual a área ardida superou largamente a média registada nas últimas
décadas (EC, 2004). O ano de 2003 ficou marcado pela perda de 8,6% (423 949
hectares), da área total de floresta portuguesa, o que representa um valor
quatro vezes superior à média anual da década de 90 (DGF, 2003).
Após 2003, um ano avassalador para a floresta portuguesa em termos de área
ardida, 2004 foi um ano menos catastrófico, embora o risco em termos de
condições meteorológicas tenha sido igualmente elevado, nos dois primeiros
meses de Verão, Junho e Julho (EC, 2005). Neste ano, os valores contabilizados
foram 15 520 ocorrências (dos quais 4 960 incêndios florestais), e uma área
ardida de 150 261 ha (DGRF, 2004). Apesar das condições meteorológicas
desfavoráveis, particularmente patentes nos meses de Junho e Julho, a extensão
da área ardida foi inferior à de 2003, e inferior também à média dos últimos 10
anos. O número de fogos foi, relativamente a 2003, e à média dos últimos 10
anos, também inferior (EC, 2005).
Portugal sofreu entre o fim de 2004 e no ano de 2005 um período de seca
intensa. No fim de Agosto de 2005, 71% do território nacional foi classificado
como em condições de seca extrema e 29% como seca severa (EC, 2006). Estas
situações agrestes contribuíram para o número mais elevado de ignições desde
1980 (primeiro ano com registo de dados). Registaram-se 35 386 ocorrências, que
consumiram 338 259 ha de floresta. Quando comparado com a média dos dez últimos
anos, os dados afiguram um aumento de 32% no número dos fogos e um aumento de
77% da área ardida (EC, 2006).
O território nacional não foi atingido uniformemente pelas chamas; em termos de
ocorrências e de área ardida, é notória a propensão, não só para a ignição, mas
também para a propagação da frente de fogo em determinadas localizações mais
vulneráveis. Factores como, a orografia, o clima, o ordenamento do território,
a presença humana, a disponibilidade de meios de combate, entre outros, acabam
por condicionar os prejuízos em termos de áreas ardidas, e consequentemente em
termos dos efeitos associados. A Figura 2 apresenta a distribuição, por
distrito, de áreas ardidas nos grandes incêndios (com área superior a 100 ha) e
respectivo número de ocorrências para os anos 2003, 2004 e 2005.
Figura 2 - Área ardida (barras) e número de ocorrências (pontos) de grandes
incêndios florestais ocorridos em 2003, 2004 e 2005 por distrito
Em 2003 os grandes incêndios florestais representaram 96% da área ardida total,
73% em 2004 e 85% em 2005 (DGRF, 2006). Castelo Branco foi o distrito que
registou o maior valor de área ardida acumulada, seguindo-se os distritos de
Santarém e Faro. Se o critério de análise se basear no número de ocorrências
acumuladas, verifica-se que também é o distrito de Castelo Branco que apresenta
o valor mais elevado, seguindo-se o da Guarda e o de Viseu.
Estimativa das emissões dos incêndios florestais de 2003, 2004 e 2005
A determinação de emissões de um incêndio carece de um conhecimento explícito
da composição do leito combustível, do tipo de combustão e do comportamento do
fogo. A combustão da biomassa é complexa, na medida em que é condicionada por
inúmeras variáveis que se alteram a cada instante e que contribuem
determinantemente para que a quantidade, a taxa, e a natureza dos poluentes
variem largamente. Perante a impossibilidade de contabilizar o contributo de
todos os factores, na estimativa das emissões dos principais poluentes,
recorreu-se à carga combustível (CC), à eficiência de combustão (EC), aos
factores de emissão (FEi) relativos a cada poluente, e ainda à área ardida (A)
em cada uma das ocorrências (Wiedinmyera et al., 2006; Miranda et al., 2005b),
com base na Equação 1:
(Eq. 1)
Entende-se por CC a quantidade de combustível disponível por unidade de área.
Depois de uma revisão bibliográfica (Viegas, 1989; Trabaud et al., 1993; ADAI,
2000; PNAC, 2002; EEA, 2004), seleccionaram-se como valores de CC, relativos à
floresta portuguesa, os apresentados no Programa Nacional para as Alterações
Climáticas (PNAC) de 2002. A EC pode ser definida como a fracção de biomassa
consumida relativamente à total disponível. Perante a diversidade de valores de
eficiência existentes na bibliografia (Seiler e Crutzen, 1980; Levine et al.,
1989; Simpson et al., 1999; Battye e Battye, 2002; PNAC, 2002; EEA, 2004), e
após uma análise cuidada FE, optou-se por utilizar os indicados pelo PNAC e
pela Agência Europeia do Ambiente (EEA).
Finalmente, no que se refere ao FE, face à multiplicidade de valores
disponíveis na literatura, e pelo facto de se pretender representatividade,
seleccionou-se um conjunto de FE relativos à floresta do sul da Europa
(Miranda, 2004). Uma vez que não existe informação específica sobre o tipo e
evolução dos incêndios florestais em Portugal, não foi possível aplicar FE
detalhados, utilizando-se os factores referentes ao fogo na sua globalidade.
O Quadro 1 apresenta os valores, por tipo de combustível, da CC, EC e FE,
considerados mais apropriados para a determinação das emissões dos incêndios
florestais em Portugal.
Quadro 1 - Valores de CC, EC e FE para Portugal (PNAC, 2002; EEA, 2004;
Miranda, 2004)
_____________________________________________________________________________
|Tipo de | CC | |____________________FE_(g.kg-1)____________________|
|Combustível|(kg.m-| EC | CO2 | CO | CH4 | NMHC | PM2,5 | PM10 | NOx |
|____________|__2)__|_____|_______|______|______|______|_______|_______|______|
|Matos_______|_1,00_|0,80_|_1_477_|__82__|__4___|__9___|___9___|__10___|__7___|
|Resinosas___|_8,60_| |_1_627_|__75__|__6___|__5___|__10___|__10___|__4___|
|Caducas_____|_1,75_|0,25 |_1_393_|_128__|__6___|__6___|__11___|__13___|__3___|
|Eucalipto___|_3,90_|_____|_1_414_|_117__|__6___|__7___|__11___|__13___|__4___|
Recorrendo aos valores do Quadro 1, bem como à informação relativa às
características dos grandes incêndios florestais, foram estimadas as emissões
dos diferentes poluentes para cada um dos grandes incêndios ocorridos em 2003,
2004 e 2005. Para uma melhor compreensão do contributo das emissões dos
incêndios florestais para os valores totais de poluentes emitidos a nível
nacional, apresenta-se no Quadro 2 a comparação entre os valores estimados e o
total das restantes emissões provenientes da actividade humana (IA, 2006), para
2003.
Quadro 2 - Comparação entre as emissões totais dos incêndios florestais de 2003
em Portugal e as restantes emissões antropogénicas
______________________________________________________________________________
| | Emissões estimadas para 2003 |?
|Tipo de emissão |___________(ton.ano-1)____________|_|
|_________________________________________|CO2_|_CO_|CH4_|NMHC|PM2,5|PM10|_NOx_|
| | 22 |456 | 25 | 31 | 25 | 53 |21 | |
|Incêndios florestais |167 |858 |773 |616 | 773 |440 |194|?
|_________________________________________|772_|____|____|____|_____|____|___|_|
| | 19 |315 | 35 | 62 | | 9 |130| |
|Transportes |472 |265 |660 |847 |9 849|877 |109|?
|_________________________________________|820_|____|____|____|_____|____|___|_|
| | 30 |357 | 2 |120 | 80 |106 |140| |
|Indústria e serviços |919 |701 |760 |887 | 372 |365 |371|?
|_________________________________________|120_|____|____|____|_____|____|___|_|
|Incêndios florestais / emissões totais |30,6|40,4|40,2|14,7|22,2 |31,5|7,2|?
|(%)______________________________________|____|____|____|____|_____|____|___|_|
Os valores calculados para as emissões dos incêndios de 2003 demonstram a
importância destes, que podem atingir 40% no caso do CO e do CH4. Uma
comparação em termos de fluxo emitido para a atmosfera, por hora e área, revela
valores duas ordens de grandeza superiores ao total libertado pelas restantes
fontes emissoras.
A título de exemplo, e devido à sua relevância como poluente atmosférico em
Portugal, apresenta-se na Figura 3 a distribuição das emissões de PM10, para
cada um dos grandes incêndios florestais, nos 3 anos em análise.
Figura 3 - Distribuição espacial das emissões de PM10 (ton.ano-1) dos grandes
incêndios florestais (área ardida superior a 100 ha), ocorridos em 2003, 2004 e
2005
Os mapas da Figura 3 revelam uma distribuição espacial muito semelhante à dos
mapas da distribuição geográfica da área ardida (Figura_1), destacando-se: em
2003, a região da Beira Baixa e do Algarve; em 2004, o sul do país; em 2005, a
região centro e norte interior.
Análise estatística entre os incêndios florestais e a concentração de
partículas na atmosfera
Face ao forte contributo dos incêndios florestais para as emissões de poluentes
atmosféricos a nível nacional, afigurava-se como de importância fundamental um
estudo mais aprofundado sobre o impacto destes na qualidade do ar. Em primeira
abordagem optou-se por uma análise estatística conjunta dos dados de incêndios
e dos dados de qualidade do ar.
A análise estatística baseou-se nos valores de concentração de poluentes
atmosféricos medidos nas redes regionais de qualidade do ar, durante o ano de
2003, e na área ardida e número de incêndios registados ao nível distrital.
Foram considerados três períodos de análise: anual, Junho a Setembro (JJAS) e
apenas o mês de Agosto.
Os valores diários de área ardida distrital foram correlacionados com os
valores médios diários de PM10 registados em cada uma das estações de
monitorização da qualidade do ar. Foram analisadas unicamente as estações de
fundo, cuja eficiência de recolha de dados satisfaz os requisitos legais de 85%
para PM10 (EC, 2002).
O programa SAS (Statistical Analysis Software), versão 9.1.3 (SAS, 2004), foi
utilizado para a análise das variáveis estudadas e estimativa do coeficiente de
correlação de Spearman. Optou-se pela correlação de Spearman como parâmetro
estatístico mais adequado, pois a área ardida diária e o número de incêndios
diários não têm uma distribuição normal.
Visando a obtenção de correlações estatisticamente significativas, ao nível
distrital, analisaram-se seis distritos (Aveiro, Coimbra, Lisboa, Porto,
Santarém e Setúbal), para os quais existiam dados de qualidade do ar
disponíveis. Foram consideradas várias estações de qualidade do ar por
distrito, excepto em Santarém onde apenas se considerou a estação da Chamusca
(por ser a única disponível). Na Figura 4 apresentam-se os valores médios de
correlação de Spearman entre a concentração média diária de PM10 e a área
ardida e o número de incêndios, para cada um dos distritos, para os períodos de
tempo considerados. Todos os resultados apresentados são estatisticamente
significativos a um nível de significância de 5%.
Figura 4 - Correlação entre a concentração média diária de PM10 e a área ardida
(a) e o número de incêndios (b), em termos médios, por distrito, e para cada
período analisado
Relativamente aos resultados para as concentrações médias de PM10, os factores
de correlação obtidos variam consoante a estação de monitorização e o período
de tempo analisados, aumentando bastante quando a análise passa da base anual e
se focaliza no mês de Agosto, sendo mais elevados para o número de incêndios.
Ao contrário da variável número de incêndios, a variável área ardida apresenta
para algumas estações correlações não significativas (estações do distrito de
Lisboa).
A correlação máxima com a concentração média de partículas (0,99) foi obtida na
estação da Chamusca (Santarém), que apresenta valores muito elevados para o mês
de Agosto de 2003, sendo no entanto de notar que apenas estavam disponíveis 7
dias com dados disponíveis. Com valores de correlação inferiores, mas
igualmente satisfatórios para o mês de Agosto, destacam-se os distritos de
Coimbra e Porto, quer em termos de área ardida, quer em termos de número de
incêndios. Durante o ano 2003, o mês de Agosto representou o pico de
ocorrências de incêndios florestais (35,7%) e de área ardida (65,7%) em
Portugal, justificando-se assim as melhores correlações obtidas para este
período.
Os resultados obtidos permitem concluir que existem correlações
estatisticamente significativas entre os níveis de partículas na atmosfera e os
incêndios florestais. As correlações para a concentração média diária de PM10
são superiores para o número de incêndios, em detrimento da área ardida.
Modelação da qualidade do ar
Desde a sua formação até ao impacto nos ecossistemas e saúde humana, os
poluentes atmosféricos emitidos pelos incêndios florestais intervêm num
processo complexo, que começa com a emissão resultante da combustão de
biomassa, seguindo-se o seu transporte, dispersão, transformação e deposição, e
a subsequente inalação pelos organismos vivos, com consequentes efeitos ao
nível da saúde. Devido à sua natureza não reprodutível no tempo, o estudo de
processos atmosféricos, tanto físicos como químicos, tem beneficiado da
aplicação de modelos numéricos.
O sistema de modelação de qualidade do ar LOTOS-EUROS foi seleccionado, face às
suas características, para a simulação do efeito dos incêndios florestais na
qualidade do ar nos Verões de 2003, 2004 e 2005.
Descrição do sistema de modelação da qualidade do ar
O sistema de modelação da qualidade do ar LOTOS-EUROS (SCHAAP et al. 2005,
2007) é constituído por dois modelos, que foram desenvolvidos
independentemente, o LOTOS e o EUROS. Tal como todos os modelos químicos de
transporte, este sistema permite a modelação do transporte e transformação
química dos poluentes, simula os campos de concentração e deposição de
poluentes, tendo por base a solução Euleriana da equação da continuidade.
Trata-se de um sistema de modelos químicos de transporte 3D desenvolvido para
simulação da poluição do ar na baixa troposfera.
No sistema Lotos-EUROS a componente química contempla o módulo CBM-IV (Carbon-
Bond Mechanism), que inclui 28 espécies químicas, envolvidas em 66 reacções,
das quais 12 são reacções de fotólise. O CB99 constitui outro mecanismo químico
disponível, envolvendo 42 espécies e 95 reacções, das quais 13 correspondem a
reacções de fotólise. Na determinação das PM10 consideraram-se as espécies
passíveis de contabilização da fracção particulada com diâmetro inferior a 10
μm (carbono negro (CN), sulfato (SO4), nitrato (NO3), amónia (NH4) e sódio
(Na)). O modelo incorpora as partículas primárias: carbono elementar e carbono
orgânico, o sal marinho e os aerossóis inorgânicos secundários.
A utilização deste sistema de modelação da qualidade do ar iniciou-se com a sua
aplicação, numa primeira fase, à escala europeia, com uma resolução horizontal
de 0,50° x 0,25° (aproximadamente 35 x 25 km2 na Europa), tendo como objectivo
fornecer as condições fronteira, para posterior nesting, sobre o domínio de
Portugal com um factor de 2 (17,5 x 12,5 km2). O domínio de simulação estende-
se na direcção vertical até 3,5 km acima do nível do mar, onde são consideradas
três camadas dinâmicas e uma camada superficial opcional.
Os dados de entrada do sistema LOTOS-EUROS compreendem dados detalhados
(espacial e temporalmente) de emissões antropogénicas e biogénicas, informação
meteorológica, calculada independentemente (através da Free University of
Berlin - FUB) e a caracterização geomorfológica da região de análise
(topografia e uso do solo - base de dados PELINDA). As condições iniciais do
modelo podem ser de dois tipos: ou previamente calculadas com base em dados
fornecidos; ou recorrendo simplesmente à interpolação das condições fronteira
especificadas na primeira hora de simulação. As condições fronteira são
definidas com base no EMEP (Visschedijk e Denier van der Gon, 2005).
Para a aplicação a Portugal realizaram-se duas simulações: uma designada por
simulação de referência (SR), em que não foram consideradas as emissões
provenientes dos incêndios florestais; e a segunda, designada de simulação com
incêndios (SI), que integra a contribuição dos incêndios florestais para o
período de 1 de Junho a 30 de Setembro. As emissões dos incêndios florestais,
estimadas previamente, foram incluídas no sistema de modelação da qualidade do
ar, através de um módulo numérico desenvolvido para as adicionar às restantes
emissões (antropogénicas e biogénicas), na respectiva célula da malha de
simulação e para o período de duração do incêndio florestal.
Resultados
A análise dos resultados compreendeu uma avaliação do desempenho do modelo, com
base em indicadores estatísticos de qualidade, e do impacto dos incêndios na
qualidade do ar, por comparação entre os resultados obtidos nas simulações SI e
SR. Incidiu nos poluentes PM10 e O3, devido aos níveis usualmente elevados
destes poluentes no ar ambiente em Portugal, e ao facto dos incêndios
florestais constituírem também, uma fonte de partículas e de precursores de
ozono para a atmosfera.
Na Figura 5 apresentam-se, para os poluentes PM10 e O3,os valores de
concentração observados nas estações de qualidade do ar, bem como os valores
simulados com o sistema LOTOS-EUROS (considerando as emissões dos incêndios
florestais) para o período de Junho-Setembro de 2005.
Figura 5 - Valores de concentração média diária de PM10 observados e simulados
com o sistema LOTOS-EUROS para a SI (a), e valores de concentração média
horária de O3 observados e simulados com o sistema LOTOS-EUROS para a SI (b),
por distrito, para o período de Junho-Setembro de 2005
A partir da Figura 5 é possível verificar que o sistema de modelos LOTOS-EUROS
subestima as concentrações de PM10 em todos os distritos analisados, e tende o
sobrestimar as concentrações de O3, à excepção dos distritos de Viana do
Castelo, Vila Real e Lisboa. No caso de Vila Real, a estação de Lamas de Olo,
registou os valores de O3 mais elevados em todo o ano de 2005. Trata-se de uma
estação rural de montanha, localizada a 1 086 m, que sofre a influência de
massas de ar poluídas vindas do Norte de Espanha (Evtyugina et al., 2009).
A avaliação do desempenho do sistema LOTOS-EUROS foi realizada para o período
de Junho a Setembro através da comparação dos resultados de SR e SI com os
valores medidos nas estações de monitorização da qualidade do ar. Foram
considerados os seguintes parâmetros estatísticos: erro quadrático médio (EQM),
erro sistemático (BIAS) e o factor de correlação (r), calculados com base nas
expressões seguintes:
(Eq. 2)
(Eq. 3)
(Eq. 4)
onde N representa o número total de valores, Oi corresponde ao valor observado
do poluente i e Mi à respectiva concentração simulada. Este conjunto de três
parâmetros fornece informação complementar (não sobreposta), e deve, como tal,
ser usado integradamente, permitindo melhor avaliar o desempenho do sistema de
modelação.
No Quadro 3 apresentam-se os resultados da comparação estatística entre os
valores de concentração média, diária de PM10 e horária de O3, observados e
simulados (com base na média das estações de monitorização existentes em cada
distrito), para cada uma das simulações (SR e SI) para o período de Junho-
Setembro dos anos 2003 a 2005.
Quadro 3- Parâmetros estatísticos relativos ao desempenho do sistema LOTOS-
EUROS para a simulação de referência (SR) e para a simulação com emissões de
incêndios florestais (SI), por distrito, para PM10 e O3, para 2003, 2004 e 2005
_______________________________________________________________________________
| |_______________PM10_______________|________________O3_________________|
|Distrito|EQM (µg.m-|BIAS (µg.m-| |EQM (µg.m-| | |
| |____3)_____|_____3)_____|____R____|____3)_____|BIAS_(µg.m-3|____r____|
|________|_SR__|_SI__|_SR__|__SI__|_SR_|_SI_|_SR__|_SI__|__SR__|__SI__|_SR_|_SI_|
|2003___________________________________________________________________________|
|Porto___|21,82|21,43|36,03|_34,90|0,63|0,67|41,51|41,73|-83,58|-88,92|0,67|0,68|
| | | | | | | | | | -| -| | |
|Aveiro__|20,70|20,07|33,85|_31,89|0,53|0,48|43,70|43,83|116,36|129,52|0,67|0,69|
|Coimbra_|22,30|20,67|38,54|_34,12|0,48|0,65|40,87|40,59|-62,23|-69,27|0,65|0,68|
|Castelo | | | | | | | | | | | | |
|Branco__|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|40,31|39,99|__3,29|__1,11|0,51|0,53|
|Leiria__|19,89|18,45|30,33|_26,82|0,48|0,63|____-|____-|_____-|_____-|___-|___-|
|Santaré|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|43,68|43,99|_15,30|_14,60|0,44|0,44|
|Lisboa__|17,55|17,01|22,92|_21,28|0,54|0,49|43,26|43,27|__9,80|__8,58|0,45|0,47|
|Setúbal|18,96|18,43|28,19|_26,21|0,38|0,51|40,21|40,23|-27,54|-31,21|0,55|0,56|
|___Médi|20,20|19,34|31,65|_29,21|0,53|0,55|41,93|41,95|-37,33|-42,09|0,56|0,58|
|2004___________________________________________________________________________|
|Braga___|18,32|18,12|25,88|_25,50|0,37|0,55|44,80|44,82|-19,07|-19,16|0,63|0,63|
|Vila | | | | | | | | | | | | |
|Real____|15,15|14,62|14,02|_12,96|0,20|0,45|44,51|44,64|_23,07|_23,06|0,40|0,40|
|Porto___|18,40|18,23|24,83|_24,45|0,46|0,56|44,58|44,64|-21,54|-21,62|0,59|0,59|
|Aveiro__|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|44,94|44,99|-26,54|-26,66|0,62|0,62|
|Coimbra_|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|55,88|55,98|-61,46|-61,66|0,30|0,30|
|Castelo | | | | | | | | | | | | |
|Branco__|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|45,10|45,12|-12,93|-13,26|0,53|0,53|
|Leiria__|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|42,17|42,21|-22,26|-22,36|0,58|0,58|
|Santaré|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|39,95|39,95|_-2,44|_-2,55|0,54|0,54|
|Lisboa__|16,95|16,89|19,82|_19,72|0,40|0,44|42,72|42,74|__1,40|__1,36|0,45|0,45|
|Setúbal|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|52,16|52,18|-39,14|-39,21|0,61|0,61|
|___Médi|17,20|16,96|21,13|_20,66|0,36|0,50|45,93|45,98|-17,54|-17,66|0,50|0,50|
|2005___________________________________________________________________________|
|Viana do| | | | | | | | | | | | |
|Castelo_|____-|____-|____-|_____-|___-|___-|43,73|43,48|_14,42|_14,30|0,44|0,44|
|Braga___|18,16|13,58|23,83|_16,84|0,38|0,82|44,77|41,07|-24,48|-25,27|0,74|0,75|
|Vila | | | | | | | | | | | | |
|Real____|22,04|17,28|34,52|_26,44|0,42|0,77|40,57|40,19|-13,20|-14,12|0,67|0,69|
|Porto___|22,12|16,71|28,50|_20,23|0,31|0,75|67,64|53,23|_45,93|_45,28|0,55|0,56|
|Aveiro__|18,38|13,38|23,58|_15,76|0,54|0,78|39,77|42,09|-25,23|-26,56|0,69|0,71|
|Coimbra_|22,51|16,74|37,07|_22,25|0,37|0,76|39,25|41,73|-20,77|-21,18|0,66|0,65|
|Castelo | | | | | | | | | | | | |
|Branco__|23,64|18,67|27,20|_20,36|0,12|0,58|47,93|35,78|__0,33|_-1,51|0,63|0,67|
|Leiria__|27,84|20,50|42,31|_32,79|0,42|0,85|38,11|38,57|-17,47|-18,09|0,67|0,66|
|Santaré|24,45|20,27|34,00|_27,00|0,24|0,77|____-|____-|_____-|_____-|___-|___-|
|Lisboa__|20,56|16,82|24,15|_20,09|0,43|0,57|43,60|42,03|__7,72|__7,05|0,52|0,53|
|Setúbal|20,17|17,90|31,67|_29,74|0,45|0,71|58,04|42,82|-13,42|-14,21|0,56|0,58|
|Évora__|20,14|18,15|31,64|_30,31|0,47|0,69|52,38|38,73|-23,92|-24,97|0,58|0,59|
|Faro____|19,61|17,83|31,57|_30,89|0,51|0,59|62,21|34,84|_-8,34|_-8,83|0,62|0,62|
|___Médi|21,64|17,32|30,84|_24,39|0,39|0,72|48,17|41,21|_-6,54|_-7,34|0,61|0,62|
- Dados medidos não disponíveis
Ao comparar os dois poluentes em análise constata-se que: (i) as PM10
apresentam EQM menores (ii) o BIAS apresenta em média valores positivos para as
PM10 e no caso do O3, valores ora negativos ora positivos, em função do
distrito. Valores de BIAS negativos denotam sobrestimativa, por oposição os
valores positivos denotam subestimativa. De uma forma geral, o desempenho do
sistema de modelos é razoável, verificando-se que ao nível distrital a inclusão
das emissões dos incêndios florestais se traduziu na diminuição inequívoca, no
caso das PM10, do EQM e do BIAS e do aumento do coeficiente de correlação. No
que se refere ao O3esta melhoria não é tão notória, quer na diminuição dos
erros, quer no aumento da correlação. Este facto indica que as emissões dos
fogos assumem um papel preponderante ao nível do consumo deste oxidante, e não
só na sua formação.
Até ao momento não foi realizada a avaliação dos efeitos dos incêndios
florestais na qualidade do ar em Portugal, recorrendo a simulação numérica da
qualidade do ar com este horizonte temporal. No entanto, o sistema de modelos
MM5-CHIMERE foi utilizado para simular os impactos na qualidade do ar
associados aos incêndios florestais ocorridos durante o mês de Agosto de 2003
em Portugal (Miranda et al., 2007). O desempenho do referido sistema de modelos
é satisfatório, apresentando desvios médio (EQM) para as PM10 e O3 de 20-40
µg.m-3. Há, porém, uma sobrestimativa das concentrações (BIAS > 0) de ambos os
poluentes no região do Porto (e Setúbal), ao contrário do restante país.
A título de exemplo, e para uma melhor visualização da melhoria da simulação
quando se consideram as emissões dos incêndios florestais, apresenta-se na
Figura 6 a análise estatística detalhada, por estação, para as PM10 no ano de
2005.
Figura 6 - Parâmetros estatísticos (EQM, BIAS e r) obtidos na validação do
sistema de modelação LOTOS-EUROS, para o ano 2005, para cada estação de
monitorização de PM10
Verifica-se que em todas as estações o EQM e o BIAS diminuem consideravelmente
quando as emissões dos incêndios são consideradas, o que releva uma expressiva
melhoria do desempenho do sistema LOTOS-EUROS. Observa-se também em 2005, tal
como nos outros anos, a subestimativa das concentrações de PM10 (BIAS > 0). O
coeficiente de correlação aumenta em todas as estações, em média 40%,
evidenciando-se as estações de Calendário e Ervedeira que apresentam valores
superiores a 0,8 ao incluir as emissões dos incêndios.
A estação da Chamusca (distrito de Santarém), que normalmente regista baixos
níveis de poluição, é um exemplo ilustrativo desta influência. Em termos
estatísticos apresenta uma correlação entre a área ardida e níveis de PM10, de
0,95. Para além disso, nesta estação, encontrou-se uma melhoria significativa
no desempenho do modelo na simulação das PM10 (da ordem de 70%) quando são
incluídas as emissões dos incêndios florestais em 2005.
Em suma, face à análise dos parâmetros estatísticos que traduzem o desempenho
do sistema LOTOS-EUROS, constata-se que a simulação dos níveis de PM10
apresenta um desempenho melhor do que a simulação dos níveis de O3. Tal poderá
dever-se ao próprio efeito do fumo na taxa de fotólise do ozono, que não foi
considerado na simulação, mas que poderá ter afectado a produção deste poluente
fotoquímico.
Para uma melhor avaliação do impacto dos incêndios florestais na qualidade do
ar em Portugal, apresenta-se nas Figuras 7 e 8 a distribuição espacial das
concentrações média diária de PM10 e concentração máxima horária de O3,
respectivamente, para o período compreendido entre os dias 2 e 4 de Agosto de
2003. Representam-se as diferenças espaciais dos valores de concentração
obtidos em SR e SI (a), e os valores absolutos resultante da simulação SI (b)
(em que se consideraram todas as emissões).
Figura 7 - (a) Diferenças obtidas entre a simulação com emissões de incêndios
florestais e a simulação de referência, e (b) resultados da simulação com
emissões de incêndios florestais, para a média diária de PM10 (µg.m-3), para os
dias 2 a 4 de Agosto de 2003
Figura_8 - (a) Diferenças obtidas entre a simulação com emissões de incêndios
florestais e a simulação de referência, e (b) resultados da simulação com
emissões de incêndios florestais, para a máxima horária de O3 (µg.m-3), para os
dias 2 a 4 de Agosto de 2003
É particularmente evidente no dia 2 de Agosto a diferença de concentração de
PM10, o que denota a influência dos incêndios, que lavraram no distrito de
Castelo Branco, quer praticamente em todo o território continental, quer na
região Centro (com valores superiores a 10 µg.m-3).
O estudo realizado para os 3 anos permitiu verificar que o impacto dos
incêndios florestais na qualidade do ar foi mais evidente no ano em que o
número de ocorrências foi mais elevado, e com uma distribuição espacial mais
alargada (2005), em detrimento de um ano em que a área ardida foi elevada, mas
localizada maioritariamente em duas regiões (2003). No ano de 2004, em que a
área ardida e o número de grandes incêndios se pautam por valores médios,
considerados normais para Portugal, é ainda notória a influência do contributo
das emissões dos incêndios florestais para a degradação da qualidade do ar.
É manifesta a influência dos grandes incêndios que assolaram a região da Beira
Baixa nos primeiros dias do mês de Agosto de 2003 (Figura_8), ao nível das
concentrações de O3, com diferenças horárias superiores a 30 μg.m-3. No dia 3
de Agosto os efeitos são mais pronunciados a Norte e no dia 4 é a Sul que os
efeitos se manifestam com maior expressão.
Conclusões
O principal objectivo do trabalho ficou plenamente demonstrado: os incêndios
florestais em Portugal têm uma importância significativa na qualidade do ar,
face ao tipo de poluentes emitidos e suas quantidades e, por isso, afectam a
saúde humana. As emissões resultantes dos incêndios podem representar (como
sucedeu em 2003) cerca de 40% das emissões antropogénicas de CO e CH4.
As duas abordagens adoptadas (análise estatística e simulação numérica)
evidenciaram e comprovaram o impacte das emissões dos incêndios florestais nas
concentrações de poluentes atmosféricos. A análise estatística estabeleceu
correlações estatisticamente significativas entre as concentrações de
partículas no ar ambiente e os incêndios florestais, ao nível distrital,
demonstrando uma relação directa entre as emissões dos incêndios e consequentes
impactes na qualidade do ar. A estimativa das emissões horárias dos incêndios
florestais revela valores duas ordens de grandeza superiores ao total emitido
pelas restantes fontes emissoras, apontando claramente para a importância
destes na degradação da qualidade do ar.
A inclusão das emissões provenientes dos incêndios florestais num sistema
numérico de modelação da qualidade do ar melhorou significativamente os
resultados obtidos, e permitiu quantificar as elevadas diferenças nas
concentrações de poluentes aquando da ocorrência de um incêndio florestal, bem
como a influência decisiva do fumo libertado na qualidade do ar em Portugal
Continental. A maior diferença entre os resultados das SR e SI, que se traduz
num maior impacto dos incêndios na qualidade do ar foi registada no ano 2005,
relativamente às PM10 nos distritos de Braga, Porto, Vila Real, Aveiro, Castelo
Branco e Santarém; e no caso do O3, no distrito do Porto.
Este estudo permitiu evidenciar a importância da inclusão das emissões dos
incêndios florestais nos sistemas de modelação da qualidade do ar para uma
melhor avaliação dos seus impactos nos ecossistemas e na saúde humana.