Avaliação de Características Regionais e Sazonais Inerentes ao Regime de Fogo e
ao Pastoreio
Introdução
Portugal é o país da Europa Mediterrânica onde a média anual da área ardida
registou os maiores acréscimos nas últimas duas décadas (Catry et al., 2006).
Entre 2001 e 2005, os incêndios afectaram uma média anual de 213 000 ha,
especialmente nas regiões de montanha e do interior, ou seja, nas zonas mais
deprimidas do país do ponto de vista socio-económico (Pinho, 2008). Mather e
Pereira (2006) referem que o problema dos incêndios florestais em Portugal tem
sido agravado pelas interacções complexas entre o uso da terra e a demografia,
influenciadas por processos de modernização. Estas situações têm sido
verificadas nas áreas rurais durante os últimos cem anos. No Outono de 2007,
registou-se um elevado número de ocorrências, colocando-se a hipótese de serem
causadas pela actividade pastoril, nomeadamente para renovação de pastagens.
Segundo Bengtsson et al. (2000), torna-se necessário compreender a dinâmica dos
distúrbios naturais e a forma como se relacionam com as perturbações de origem
humana. Este autor considera que as práticas de gestão e intervenção, são
essenciais para preservar e gerir a biodiversidade nos ecossistemas humanizados
das actuais florestas europeias, uma vez que estas evoluíram sob naturais
regimes de perturbação, aos quais se foram adaptando.
Por isso, se põe igualmente a questão de equacionar o que acontece, ou
aconteceu, do ponto de vista do regime de fogo, às regiões do interior, onde se
verificou emigração e o pastoreio foi praticamente abandonado? E onde,
efectivamente, ainda existe pastoreio, quais as consequências dos fogos
sazonais com o objectivo de renovação de pastagens?
Perante tal conjunto de constatações e interrogações, este estudo desenvolveu-
se em duas componentes:
1 - A percepção de características regionais inerentes ao regime de fogo e ao
pastoreio
2 - Avaliação da dimensão e efeitos ecológicos dos fogos de Outono-Primavera
1 - Percepção de características regionais inerentes ao regime de fogo e ao
pastoreio
Nesta primeira componente, os objectivos foram tentar reconhecer padrões locais
e tipologias coerentes de relações entre a evolução dos efectivos pecuários e
da população no território de Portugal Continental. Pretendeu-se também
verificar a influência destes fenómenos ao nível do número de incêndios e da
dimensão das áreas ardidas e, desta forma, perceber a probabilidade da
existência de agrupamentos de freguesias localizadas, associadas ao fogo de
origem pastoril.
Para tal, efectuou-se um levantamento estatístico com base em arrolamentos e
recenseamentos disponíveis no INE (Instituto Nacional de Estatística). As
freguesias consideradas foram as classificadas segundo a tipologia das áreas
urbanas definida pelo INE (1998) como áreas predominantemente rurais (APR) e
moderadamente urbanas (AMU), tendo sido excluídas as áreas predominantemente
urbanas (APU). Assim, foram utilizados os dados de arrolamentos e
recenseamentos compreendidos entre 1930 e 2001 para as regiões Norte (Norte de
Douro), Centro (entre os rios Douro e Tejo) e o Sul de Portugal (Sul do rio
Tejo). Constituída a base de dados de referência e considerando a área de cada
freguesia (km2), calculámos a densidade de cada um dos tipos de efectivos (nº
de animais/km2) e da população (nº de habitantes/km2), por cada data
seleccionada. Para a classificação e agrupamento das freguesias de acordo com
as suas características evolutivas em termos das densidades de efectivos
pecuários de bovinos, ovinos, caprinos e população, utilizámos uma análise de
"clusters" (Pestana e Gageiro, 2000).
Posteriormente a base de dados acima citada foi completada com outra base de
dados, relativa aos parâmetros indicadores do regime de fogo: percentagem de
área ardida (Pard) e a densidade de incêndios (Di) entre 1990 e 2007 (SGIF/AFN,
2007), também ao nível da freguesia.
Características regionais do regime de fogo em Portugal Continental
A nível nacional foram obtidos treze clusters ou grupos de freguesias, os quais
se agruparam e classificaram, regionalmente, mediante os diferentes tipos de
evolução da densidade dos efectivos pecuários e da densidade populacional. Na
Figura 1, podemos observar a distribuição geográfica dos treze
"clusters", os quais tiveram as seguintes designações, de Norte para
Sul e do litoral para o interior: Noroeste Litoral, Noroeste Interior,
Cordilheira Minhoto-Duriense, Nordeste Transmontano, Alto Douro e Terra Quente,
Litoral Centro, Transição, Beira, Transumância, Centro Geográfico, Sul
Superior, Sul Interior e Sul Extremo. Em todo o território nacional, com
excepção dos grupos do litoral Norte e Centro, os restantes não têm qualquer
continuidade geográfica perante os objectivos que pretendemos discutir. Entre o
Norte e o Centro poderia surgir a hipótese de existir alguma continuidade entre
o Noroeste Interior e a Beira, mas efectivamente, a realidade não é a mesma.
Destes treze grupos distinguimos os que poderão ser mais problemáticos sob o
ponto de vista das conflitualidades entre a floresta, o fogo e pastoreio.
Figura_1 – Distribuição espacial dos clusters em Portugal Continental
Assim, antes de descrevermos as características específicas de cada uma das
regiões, abordaremos genericamente os clusters ou grupos de freguesias, entre
os quais, no Norte, destacamos o Noroeste-Interior e a Cordilheira-Minhoto-
Duriense, em que ambos poderão ter causalidades, quer devido a fogos derivados
da existência de grandes áreas de monocultura florestal, quer de origem
pastoril. Já no Centro, destacamos três clusters dois dos quais, Beira e
Transumância, em que as origens de fogo poderão ser as mesmas dos dois grupos
destacados no Norte, ou seja, tanto fogos derivados da existência de grandes
áreas de monocultura florestal, como de origem pastoril. No Centro, observamos
ainda um cluster com elevada área ardida em que predomina a elevada extensão
florestal, o Centro Geográfico. Relativamente ao Sul a realidade é
completamente diferente, dado que quer as áreas ardidas, quer as densidades de
incêndios são bastante reduzidas quando comparadas com o Norte e o Centro.
Especificando cada região caso a caso, e para a Região Norte, vejamos a
distribuição geográfica dos cinco clusters de freguesias, observando mais
pormenorizadamente o Noroeste-Interior e a Cordilheira-Minhoto-Duriense (Figura
1). O Noroeste Interior é um agrupamento de freguesias que se localizam
essencialmente no interior do Minho, integrando as faldas das zonas serranas do
Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes. A Cordilheira Minhoto-Duriense engloba
um conjunto de freguesias que dominam nas zonas serranas do Minho (Peneda,
Soajo, Gerês e Cabreira) e Trás-os-Montes (Larouco, Barroso, Alvão, Marão,
Padrela, Nogueira, Bornes e Mogadouro).
Observando na Figura 2, as variações da evolução das densidades dos efectivos
pecuários e da população nestes "clusters", podemos registar
igualmente que em ambos os grupos, Noroeste Interior e Cordilheira Minhoto-
Duriense, tanto os efectivos pecuários, como a população têm tendências
predominantemente decrescentes, principalmente a partir de 1955. Verificamos
ainda que, no Noroeste Interior, a densidade de ovinos entre 1955 e 1989 é a
mais elevada dos agrupamentos, enquanto que a densidade de caprinos sofre um
acentuado decréscimo ao longo do século XX, apesar de se manter nos níveis mais
elevados.
Figura_2 – Evolução das densidades e dos efectivos pecuários nos cinco clusters
da região Norte
Quanto à Cordilheira Minhoto-Duriense, podemos acentuar que a densidade de
caprinos se mantém sempre no nível superior e a população está permanentemente
em decréscimo e no nível mais baixo.
Quando se comparam os parâmetros indicadores do regime de fogo (Figura 3),
observamos a maior densidade de incêndios no Noroeste Litoral (14,4/1000ha/
ano), seguido do Noroeste Interior (12,5/1000ha/ano), o qual apresenta a maior
percentagem anual de área ardida (2,5%).
Figura_3 – Variação dos indicadores do regime de fogo nos cinco clusters da
região Norte
O "cluster" Cordilheira Minhoto-Duriense apresenta inferior
percentagem de área ardida (2,0%), quando comparado com o Noroeste Interior,
sendo, no entanto, elevada relativamente aos restantes "clusters".
Este agrupamento tem uma baixa densidade de incêndios (3,2/1000ha/ano).
Comparativamente aos resultados obtidos por Manso (2004), para o período
compreendido entre 1990 e 2001, para esta região, não se verificou uma
significativa diferença. Nesta actualização (1990 ' 2007), importa assinalar,
essencialmente, os aumentos das médias das percentagens das áreas ardidas para
todos os clusters, embora as proporções entre os mesmos se tenham mantido.
Os efectivos pecuários e o regime de fogo no Centro
No respeitante à Região Centro, podemos observar a distribuição geográfica dos
cinco clusters de freguesias, centrando-nos mais pormenorizadamente nos grupos
Beira, Transumância e Centro Geográfico (Figura_1). O agrupamento Beira é
constituído por um complexo montanhoso Montejunto-Montemuro, que se estende às
Serras de Leomil e Marofa, abrangendo situações bastante heterogéneas, que
poderão ir desde áreas de floresta de produção (pinheiro e eucalipto) até áreas
dominadas por pastagens, matos baixos, matos altos e carvalhais em regeneração,
e que envolvem tendencialmente a cordilheira da Serra da Estrela. O cluster
Transumância integra zonas da antiga transumância, como a Serra da Estrela,
parte da zona norte do distrito da Guarda e o concelho de Idanha-a-Nova. O
cluster Centro Geográfico engloba aproximadamente o centro geográfico de
Portugal, nomeadamente Vila de Rei, sendo essa zona caracterizada pelo domínio
da floresta de produção.
Se observarmos as variações de população, de densidades de efectivos pecuários
na Figura 4, e mais concretamente em termos de pequenos ruminantes (ovinos e
caprinos), normalmente mais críticos em termos de regime de fogo, podemos
constatar que os três agrupamentos têm tendências populacionais decrescentes
desde 1950.
Figura_4 - Evolução das densidades e dos efectivos pecuários nos cinco clusters
da região Centro
Verificamos ainda no cluster Beira que a densidade de ovinos é a segunda mais
elevada e a de caprinos a mais elevada em 1999. No que concerne ao grupo
Transumância, este apresenta o mais elevado nível de ovinos, mas o nível de
caprinos é inferior aos agrupamentos Beira e Centro Geográfico, sendo
tendencialmente decrescente. O Centro Geográfico surge com um muito acentuado
decréscimo de ovinos, tendo o nível mais baixo de todos os grupos. Quanto aos
caprinos, apresenta-se com uma densidade imediatamente abaixo do cluster Beira.
No Centro Geográfico, salienta-se ainda o maior decréscimo demográfico dos
agrupamentos da região Centro.
Se efectuarmos uma comparação entre os clusters relativamente aos indicadores
de regime de fogo, observamos a superior densidade de incêndios no cluster
Transição, mas no âmbito dos três clusters mais problemáticos, o grupo
Transumância tem uma densidade de incêndios (2,8/1000ha/ano) ligeiramente
superior (Figura 5). No entanto, em termos das percentagens das áreas ardidas,
destaca-se claramente o Centro Geográfico (4%), o qual apesar dum nível
intermédio de caprinos, tem uma baixa densidade de ovinos e um acentuado
decréscimo populacional.
Figura_5 - Variação dos indicadores do regime de fogo nos cinco clusters da
região Centro
Os efectivos pecuários e o regime de fogo no Sul
Para a Região Sul, vejamos a distribuição geográfica dos três agrupamentos de
freguesias, os quais designámos de Sul Superior, Sul Interior e Sul Extremo
(Figura_1). O cluster Sul Superior abrange essencialmente zonas do Alto
Alentejo, o Sul Interior localiza-se fundamentalmente entre o Baixo Alentejo e
o Algarve, mas persistindo mais para o interior do continente. O Sul Extremo
incide quer nas zonas mais elevadas do Alto Alentejo, serra de Marvão, quer nas
elevações do Baixo Alentejo e Algarve, nomeadamente na serra de Monchique.
Os efectivos bovinos exibem uma evolução com uma tendência de crescimento nos
três clusters. Quanto aos pequenos ruminantes, constata-se um nível elevado e
estável de ovinos no Sul Superior, embora a densidade de caprinos seja a mais
baixa. O Sul Interior apresenta uma densidade intermédia de ovinos, sendo a
densidade de caprinos a mais elevada, embora tendencialmente decrescente. O Sul
Extremo tem as menores densidades de ovinos e densidades intermédias de
caprinos (Figura 6).
Figura_6 - Evolução das densidades e dos efectivos pecuários nos cinco clusters
da região Sul
Quando confrontamos estes dados com os indicadores de regime de fogo,
verificamos que o Sul Extremo tem a mais elevada densidade de incêndios (1,1/
1000ha/ano) e percentagens de áreas ardidas muito próximas do Sul Interior
(0,74%), mas estes valores são insignificantes quando comparados com os do
Norte e Centro (Figura 7).
Figura_7 - Variação dos indicadores do regime de fogo nos cinco clusters da
região Sul
Em síntese,os resultados indicaram fundamentalmente a existência de grupos de
freguesias abrangendo características marcadamente regionais onde se verificam
prováveis tendências de causalidade de ocorrências de incêndios e de propagação
dos mesmos. No entanto, não foi detectada qualquer associação indicadora da
relação de causa-efeito entre a densidade de efectivos pecuários, as
percentagens de áreas ardidas e a densidade de incêndios. Não podemos, contudo,
deixar de referir a existência de grupos de freguesias onde as maiores áreas
ardidas coincidem com zonas onde predominam monoculturas de florestas de
produção. Zedler e Rego (2006) consideram que a existência dum coberto vegetal
mais ou menos contínuo, irá ter sempre a probabilidade de que sob condições
muito severas, um fogo possa evoluir ao ponto de constituir uma desordem
regional. Destacam-se, igualmente, tendências evolutivas decrescentes
coincidentes na população e efectivos pecuários a partir de 1955. Este facto é
indicador da problemática do abandono rural em zonas desfavorecidas, o qual
está bastante relacionado com o aumento de incultos e áreas ardidas. Estes
aspectos, já anteriormente tinham sido registados por Almeida e Moura (1992),
que também indicaram a existência de maior número de incêndios e maiores áreas
ardidas nos concelhos com mais áreas de pinhal e eucaliptal, assim como, com
maior emigração. Mais recentemente, Mather e Pereira, (2006) assinalaram
igualmente um aumento da área ardida nos distritos que perderam população
através da migração, destacando que a relação entre a demografia e a incidência
do fogo é mais forte para os povoamentos florestais do que para as áreas de
matos ou para a área ardida total. Por outro lado, sem dúvida, que existem
grupos de freguesias indicadores de maior probabilidade de ocorrências de fogo
por pastoreio, devido às mais diversas causas, que vão desde a necessidade de
renovação de pastagens a questões de conflitualidades diversas.
Estratégias a Promover
Nas zonas mais críticas e conflituosas torna-se necessário realizar todo um
trabalho de carácter sociológico em que se deverão conhecer as práticas
ancestrais, tentando compatibilizar os saberes tradicionais com os interesses
dum correcto ordenamento e gestão do território. Para tal fim, dever-se-á
promover a sensibilização e o envolvimento de todos os actores sociais, tendo
aqui elevada preponderância, a participação pública activa. Segundo Velez
(2006), a educação ambiental é claramente deficitária, não sendo apenas básica
para a população urbana, mas tendo também muita importância para a população
rural. A criação de condições para a valorização social do pastor e da
actividade pastoril, salientando a multifuncionalidade de papéis que esta
actividade poderá realizar num largo espectro, que vai da vigilância do terreno
até à promoção do turismo de natureza, é igualmente um passo determinante.
Neste contexto, e inserindo a importância destas intervenções também à escala
da paisagem, tornam-se fulcrais as acções concertadas de renovação de pastagens
entre os diversos agentes do território e os organismos institucionais
regionais (Moore e Smith, 2006).
2 - Avaliação da dimensão e efeitos ecológicos dos fogos de Outono-Primavera
Tendo em linha de conta os "clusters" obtidos para o Norte, na
primeira componente deste estudo, foram a partir daí, seleccionados locais
considerados casos de estudo concretos, em que se procedeu no terreno à
avaliação da dimensão dos fogos de Outono-Primavera e dos respectivos efeitos
ecológicos. Neste sentido pretendeu-se estudar e caracterizar as ocorrências
fora do período estival, derivadas da utilização do fogo como processo de
reconverter pastagens, desbravar território, afugentar predadores e/ou limpeza
de restolho, sendo estas, práticas ancestrais e tradicionais do Homem. Para
este efeito, e porque estas ocorrências coincidem, em muitas situações, com
Sítios de Importância Comunitária, classificados pela Rede Natura 2000, foram
executados diagnósticos de campo, nas serras do complexo Alvão/Marão,
Montemuro, e Barroso/Larouco Estes locais têm, para além da referida
classificação, em comum, a presença ainda significativa de pastoreio extensivo
e a persistência significativa de áreas ardidas no período Outono/Primavera.
A inventariação consistiu na georreferenciação do perímetro das áreas ardidas,
tendo, em cada uma das referidas áreas, sido recolhidos, por observação, dados
respeitantes à caracterização da vegetação original, respectiva similaridade
com a vegetação envolvente, e caracterização da recuperação da vegetação pós-
fogo. Para a avaliação da severidade do fogo foi adaptada a tabela proveniente
da USDI National Park Service (2003) e para os vestígios de erosão, utilizou-se
uma adaptação da tabela da FAO (1976).
Sítio Alvão/Marão
Na área circunscrita ao Sítio Alvão-Marão foram georreferenciados 237 hectares
de área ardida, distribuídos por 91 áreas ou locais. A maior parte das áreas
ardidas não ultrapassava os 2,5 ha (70 áreas em 91 locais), cerca de 15
polígonos situavam-se entre os 2,5 ha e os 10 ha, enquanto, duas áreas
ultrapassavam os 30 hectares. Registou-se ainda que entre os 10 e os 30
hectares não se registaram áreas ardidas (Figura 8).
Figura 8
' Histograma de frequências das áreas ardidas - Alvão/Marão
No que respeita à vegetação com maior incidência do fogo como se pode observar
na Figura 9, as espécies mais atingidas são as urzes de porte alto (Erica
arborea e E. australis) e a carqueja (Pterospartum tridentatum), embora esta
raramente tenha um carácter dominante. Por seu turno, a giesta (Cytisus sp.)
surge em cerca de metade dos locais visitados, sendo a espécie dominante.
Realça-se, igualmente, o tojo (Ulex sp.) e vegetação herbácea, os quais se
observam em cerca de um terço dos locais amostrados. Ao nível da recuperação da
vegetação após o fogo (Figura 10), notou-se uma significativa recuperação da
carqueja, da vegetação herbácea e da urze (Erica sp.). Verificou-se igualmente
um aumento significativo da presença de fetos (Pteridium aquilinum).
Figura 9 ' Composição florística da vegetação anterior ao fogo no Alvão/Marão
Figura 10' Composição florística da vegetação posterior ao fogo no Alvão/Marão
No entanto, relativamente à capacidade de recuperação da cobertura do solo,
registou-se que em 86,8% dos casos das situações pós-fogo, se observava uma
cobertura do solo inferior a 20%. Nestas situações o solo fica muito
desprotegido, ficando a mercê da erosão eólica e hídrica.
Quanto à severidade do fogo, verificámos, no caso do Alvão/Marão, que os fogos
de Outono/Primavera apresentavam ligeira a moderada severidade. Foram casos de
fogos de baixa a média intensidade que não afectaram, duma forma drástica, a
capacidade de regeneração da vegetação. Destaque para a existência de 12,1% de
casos com fogo severo, 55% de situações de áreas moderadamente queimadas e as
restantes 32,9% ligeiramente queimadas. Em termos da erosão, observou-se que
29,6% das parcelas visitadas da região do Alvão/Marão evidenciavam graves
problemas de erosão pós-fogo, isto é, erosão crítica a severa, em 34,1% dos
casos, a erosão era moderada e nos restantes 36,2% era ligeira ou inexistente.
As observações mostraram que em cerca de metade dos casos o fogo se auto-
extinguia, ou seja, não existia intervenção humana no acto de supressão do
fogo. Outros factores preponderantes na contenção do fogo eram as
descontinuidades criadas pela rede viária (estradas), linhas de água e áreas
ardidas anteriores.
Sítio Montemuro
Na área circunscrita ao Sítio Montemuro foi recolhida informação relativa a 78
áreas ardidas, correspondentes a 484 ha. Neste Sítio, 43 das áreas ardidas não
eram superiores a 2,5 ha e no limite em 4 locais arderam mais de 30 ha (Figura
11).
Figura 11 - Histograma de frequências das áreas ardidas ' Montemuro
Como se pode observar na Figura 12, o fogo incide preferencialmente em áreas
onde a espécie arbustiva predominante é a giesta, ocorrendo em mais de 50% dos
locais amostrados como dominante, e geralmente acompanhada por vegetação
herbácea. Nos restantes locais, geralmente associados a zonas mais elevadas,
temos uma dominância repartida por espécies arbustivas pioneiras, de porte mais
rasteiro, como são os casos do tojo, carqueja, urze e sargaço (Halimium
alyssoides).
Figura 12' Composição florística da vegetação anterior ao fogo em Montemuro
Ao nível da recuperação da vegetação pós-fogo (Figura 13), somente em 30% dos
locais inventariados não foi encontrada vegetação herbácea. Nos restantes
locais, geralmente a vegetação herbácea surgia como dominante ou sub-dominante.
Verificou-se igualmente um aumento significativo da presença de fetos,
normalmente circunscritos a determinadas porções da área ardida. Ao nível da
vegetação arbustiva, a giesta e a urze apresentaram uma recuperação bastante
fraca e pouco exuberante à passagem do fogo. Pelo contrário, registou-se o
surgimento de comunidades pioneiras como o tojo, a carqueja e o sargaço. Ao
nível das espécies arbóreas observou-se uma capacidade de regeneração de
carvalhal (Quercus sp.) superior à do pinheiro bravo (Pinus pinaster) nas
situações pós-fogo. Quanto à capacidade de recuperação da cobertura do solo,
verificou-se que em 80,8% dos casos, a vegetação ocupava uma cobertura superior
a 50%. Este facto revela uma elevada capacidade de recuperação da vegetação.
Figura 13 ' Composição florística da vegetação posterior ao fogo em Montemuro
Relativamente à severidade do fogo, em 69,2% dos casos a severidade é ligeira e
nos restantes é moderada. Em geral, estamos em presença de fogos pouco intensos
que não afectam duma forma drástica a capacidade de regeneração da vegetação
afectada. Os resultados obtidos mostram que a maior parte dos locais visitados
(91%) não apresentam graves problemas de erosão e que somente para um local,
temos evidências de erosão crítica.
No que respeita à extinção, no Sítio Montemuro verificou-se que em cerca de um
terço dos casos, o fogo se auto-extinguia.
Barroso/Larouco
No inventário efectuado na zona de interface entre as serras do Gerês e
Barroso/Larouco foram caracterizadas 131 áreas, perfazendo uma área total de
803,19ha. Do total, 70% situava-se na envolvente agrícola externa às povoações,
sendo a restante correspondente a zonas de incultos. Grande parte das áreas
concentravam-se no intervalo de 0-5 ha, num total de 100 áreas (Figura 14),
correspondendo maioritariamente a terrenos agrícolas nos quais dominava a
giesta associada a vegetação herbácea, 27 áreas correspondem ao intervalo de 5-
30 ha e as 4 restantes têm dimensões superiores a 30 ha.
Figura 14 ' Histograma de frequências das áreas ardidas ' Barroso/Larouco
Relativamente às espécies dominantes na vegetação anterior ao fogo, é
claramente evidente o predomínio da giesta (60% dos casos) sobre as restantes
espécies, seguindo-se vegetação herbácea, a qual, age como o vector de
propagação do fogo no terreno (Figura 15). Nas zonas mais elevadas, e
associadas a áreas de pastoreio de percurso, observaram-se como dominantes, as
espécies arbustivas, características de solos mais delgados, urze, carqueja e
sargaço, com percentagens de ocupação da ordem dos 20%.
Figura 15 ' Composição florística da vegetação anterior ao fogo no Barroso/
Larouco
Quanto ao efeito do fogo no estrato arbustivo, a giesta é claramente a espécie
mais perturbada após o fogo, dado a sua percentagem de dominância cair de 60%
para 2%, ao contrário do verificado na vegetação herbácea que apresenta a sua
percentagem de dominância elevada de 34% para 72%. No entanto, as comunidades
arbustivas pioneiras constituídas por urze, carqueja e sargaço não apresentam
perturbações significativas à passagem do fogo, mantendo-se nos mesmos
intervalos (Figura 16). Na capacidade de recuperação da cobertura do solo,
registou-se que em 96,2% dos casos, a vegetação ocupava uma cobertura superior
a 50%, o que revela uma elevada capacidade de recuperação da vegetação.
Figura 16 ' Composição florística da vegetação posterior ao fogo no Barroso/
Larouco
Relativamente à severidade do fogo, das 131 parcelas caracterizadas,
aproximadamente 70% apresentavam um grau moderado de queima, ressalvando que
cerca de 17% apresentavam severidade extrema. As observações mostraram que a
maior parte dos locais visitados (87%) não apresentavam graves problemas de
erosão, apenas 12 locais tinham erosão moderada e somente para um local, se
verificaram evidências de erosão crítica e severa. Também nesta zona se
verificou que, na maior parte dos casos, o fogo se auto-extinguia.
Em síntese, registámos que a maioria dos fogos Outono-Primavera abrangia áreas
inferiores a 2,5 ha. Ao nível da recuperação da vegetação, esta era
significativamente abundante e com grande capacidade de regeneração no Barroso/
Larouco e na Serra de Montemuro, sendo, no entanto, mais fraca no Alvão/Marão.
As queimadas observadas, foram geralmente fogos de baixa a média intensidade e
pouco severos com a vegetação existente, surgindo, contudo, as situações mais
críticas no Alvão-Marão.
A partir dos resultados obtidos podemos considerar que o fogo, desde que
utilizado convenientemente no período de Outono-Primavera, pode ser uma
ferramenta eficiente e económica para a renovação de pastagens, gestão de
combustíveis e defesa da floresta contra incêndios. Esta perspectiva está de
acordo com a de Zedler e Rego (2006) quando afirmam que se torna necessário
desenvolver medidas que restrinjam o fogo a certos limites que possibilitem
manter a biodiversidade, reduzindo para limites aceitáveis, os prejuízos em
vidas, propriedades, bens e serviços, sendo este um desafio para a gestão e o
ordenamento do território.